ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FUNÇÕES AFETIVAS E OS SOBRE O DESENVOLVIMENTO PROCESSOS DE ENSINO E DAS DE APRENDIZAGEM NA ESCOLA. Cláudia Aparecida Valderramas Gomes. Grupo de Pesquisa Implicações Pedagógicas da Teoria Histórico-Cultural; Programa de PósGraduação em Educação-FFC-Universidade Estadual Paulista-Unesp/Marília-CAPES. 1. Introdução. Diante da possibilidade de explicar a participação das funções afetivas na atividade do sujeito apontando para a escola seu lugar e função na superação da dicotomia entre afeto e cognição, desenvolvemos um estudo1 que buscou contemplar, entre outros aspectos, a constituição dos processos afetivos a partir da relação que o sujeito mantém com as objetivações humanas – signos e instrumentos – e a desconstrução do ideário de potenciais inatos, predisposições e tendências afetivas colocando a educação escolar e o caráter intencional do trabalho docente – na organização e condução da prática pedagógica – como elementos determinantes na transformação dos modos de pensar, sentir e agir das crianças. Frente à constatação de que na escola, os interesses, desejos e necessidades dos alunos são tratados como aspectos inerentes à sua personalidade, associado ao equívoco de atribuir a educação escolar, unicamente, a função do desenvolvimento cognitivo, argumentamos, com base nos fundamentos teórico-filosóficos e metodológicos da Psicologia Histórico-Cultural, a favor da idéia de que o trabalho pedagógico se constitui num espaço de formação da subjetividade humana, já que conforma processos cognitivos e afetivos. 2- O afetivo nos processos de ensino e de aprendizagem escolar: algumas considerações sobre o trabalho pedagógico. O estudo buscou enfatizar que pensamento e sentimento são processos psicológicos desenvolvidos pela criança nas suas relações com o mundo em função dos objetos, portanto dependem das formas como estes são apropriados e objetivados na sua história educacional. GOMES, C.A.V. O AFETIVO PARA A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: considerações sobre o papel da educação escolar. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2008. 1 1 Para além do fato de que as emoções não podem ser pensadas como um impedimento em situações de ensino e de aprendizagem escolar, já que a vivência afetiva se coloca como condição e resultado da atividade da criança questionamos, com base nas filosofias de Espinosa (1632-1677), Marx (1818-1883) e na escola soviética de psicologia, as categorias de motivação, interesse e desejo como fenômenos individuais, espontâneos e pré-formados no interior do sujeito, portanto inacessíveis ao educador. Assim, salientando que o trabalho do professor incide sobre os processos afetivos interferindo, diretamente, na construção do sentido pessoal da aprendizagem escolar de seus alunos, nos colocamos a pensar em algumas estratégias de ação facilitadoras da aproximação entre a criança e o conhecimento escolar, constituindo necessidades e motivos, formando desejos e potencializando a aprendizagem e o desenvolvimento das mesmas. Uma delas é a aproximação entre a escola e a realidade de vida das crianças. Só poderemos, efetivamente, saber quais as demandas que afetam as crianças penetrando em suas realidades de vida, no interior de suas necessidades. Levar a cabo essa idéia implica saber quem é a criança? De onde ela vem? Quais são seus afazeres no dia-a-dia fora da escola? E quais as necessidades que traz consigo para dentro dela? Que lugar a criança ocupa no interior das relações por onde transita? Não se trata da idéia, equivocada, de que se deve partir daquilo que a criança já sabe reforçando um saber empírico que ela obtém nas suas relações cotidianas, independentemente da escola. Trata-se de mostrar que a aproximação com a realidade de vida da criança pode produzir, nesta, uma sensação de pertencimento em relação aos propósitos da escola e aos conteúdos por ela trabalhados, oportunizando novas relações entre a criança e o universo escolar. Se, como afirmam Espinosa (2004) e Leontiev (1978), o querer ou o desejar vêm em conseqüência do conhecimento do objeto, esse desejo não é livre, mas dependente das mediações e de como esse objeto surge – ou não – na vida da criança e de quais valores são atribuídos a ele pelos seus pares e por ela mesma. Vale ressaltar que não é possível supor o desejo ou o prazer pela leitura quando esta não se faz presente no cotidiano de uma criança, quando este objeto social não é valorizado, nem utilizado como ferramenta nas suas relações interpessoais. Neste caso, sua dificuldade em se relacionar com tal objeto, antes de se caracterizar como uma dificuldade individual, como falta de interesse, desejo ou motivação para com a linguagem escrita é 2 uma dificuldade de acesso a esse conjunto de conhecimentos, de escassez de experiências ou, dito de outro modo, é uma dificuldade de classe. Outra referência apontada pela Psicologia Histórico-Cultural para o desenvolvimento dos processos cognitivos e afetivos no espaço pedagógico da escola são os jogos infantis. Os jogos de papéis sociais ou as brincadeiras-de-faz-conta exigem da criança um domínio do comportamento que se baseia em regras de condutas sociais, ou seja, o jogo faz com que a criança assuma o comportamento de um personagem que trará, implícito, uma matriz afetiva. Em outras palavras, para desempenhar um papel social é preciso incorporar um “jeito de ser” mãe, irmã, professora, enfermeira e tantos outros diferentes personagens. Esses jogos cumprem a tarefa de ajudar na formação do domínio emocional, porque oferece a possibilidade de a criança (re) produzir a vivência de maneira integral como unidade de formação cognitiva e afetiva, que ela o faz, também, a partir de situações de vida concretas e historicamente datadas. Isso significa que a criança partirá de situações experienciadas ou conhecidas por ela, e que a ampliação dessas fontes também poderá ser objeto da escola. Este avanço nos modos de pensar e sentir um mesmo objeto que, no caso dos jogos infantis, refere-se aos significados sociais atribuídos aos diferentes personagens, implica para a criança ser fiel e exercitar todas as restrições não somente cognitivas, mas também afetivas, ou ainda “[...] seguir um roteiro que a cultura marca [...]”. “A criança aprende a sentir o papel.” (CORRAL, 2006, p.139, tradução e grifo nosso). Elkonin (1987) faz importantes considerações sobre o jogo na idade pré-escolar, apoiando a idéia de que os desejos infantis não permanecem inalterados, mas se formam no processo do jogo, que a forma como se organiza os jogos podem torná-los mais ou menos interessante para as crianças e que ao tornar o papel social pleno de conteúdos, o tornamos mais atrativo, formamos o desejo da criança. Esta possibilidade de formar os desejos infantis, de dirigi-los, faz do jogo um poderoso meio educativo quando se introduzem nele temas que possuem grande importância para a educação. (ELKONIN, 1987, p.101, tradução nossa). Assim, o jogo se coloca como um recurso pedagógico para garantir a conquista das formas histórico-sociais da cultura no desenvolvimento ontogenético, determinada pelos processos de apropriação e pelo domínio das ações socialmente construídas (VYGOTSKI, 1995). 3 Outro aspecto que coloca os processos afetivos no centro das discussões quanto aos procedimentos de ensino e de aprendizagem escolar, diz respeito às categorias de imaginação e criatividade. Vigotski (1987) discute a imaginação como uma função psíquica que tem suas bases desenvolvidas a partir das experiências reais da criança. Esse autor dispõe sobre a precocidade com que essa função aparece no desenvolvimento da criança, estando presente já por ocasião dos jogos infantis. Ele pontua que a imaginação é mais “pobre” na criança do que no adulto, em função dos limites da sua experiência, uma vez que a atividade criadora da imaginação se encontra numa relação direta com o volume e a qualidade das experiências acumuladas. Assim, quanto mais elementos extraídos da realidade a criança dispuser, maior será a possibilidade de novas combinações e, portanto, maior será sua capacidade criadora. Conforme temos apontado, os processos afetivos são constituidores de toda a atividade da criança nas relações que estas mantêm com as objetivações humanas, o que nos leva a afirmar que, também, no caso da imaginação criativa, afeto e cognição ocupam o lugar de fundamentos do pensamento criativo. Os elementos que entram na composição da criatividade são, inicialmente, tomados e/ou experienciados pela criança no confronto com a realidade, a partir da qual, em seu pensamento, sofrem uma reestruturação, convertendo-se em produto de sua imaginação que, posteriormente voltarão à realidade, materializando-se em novas objetivações, que retratam sua atividade criadora. Mas para que esse processo se efetive, devem estar presentes o intelectual e o emocional. “Sentimento e pensamento movem a criação humana.” (VIGOTSKII, 1987, p.25, tradução nossa). Portanto, a função imaginativa depende da experiência e do conhecimento, tanto quanto das necessidades transformadas em motivos, ou ainda, depende do desejo que, por sua vez, é dependente da vontade. Lembremos que a vontade é a afirmação de uma idéia na consciência (DURANT, 2000) e que esse pressuposto determina uma correspondência entre vontade e intelecto. Nesse caso, a vontade passa a ser analisada como o primeiro estágio de um processo que culmina na ação exterior. A vontade se afirma ou permanece na consciência sustentada por desejos que, por sua vez, são constituídos a partir da relação que a criança mantém com os objetos. Portanto, o querer, o desejar nada podem criar por si só, são meros estímulos, incapazes de engendrar uma atividade orientada. Em sua aparência, o processo imaginativo fica condicionado a causas subjetivas e não objetivas, mas a essência da atividade criadora pressupõe um sujeito que reflete a 4 quantidade e a qualidade das mediações concretas e das condições objetivas de seu lugar e de seu tempo histórico (VIGOTSKII, 1987). À escola cabe desconstruir a idéia da vontade como uma faculdade psíquica, independente, que não sofre a influência de outros determinantes e que é capaz de, por si só, regular o conhecimento e o comportamento, como na versão do pensamento cartesiano que afirma a liberdade do sujeito, como o último a decidir se quer ou não aprender. Não se trata de afirmar que os alunos aprendem ou não, são persistentes ou não porque são “dotados” ou não de “força de vontade”, mas compreender que a escola se constitui numa possibilidade de intervir sobre a construção das idéias e desejos das crianças, dando a elas condições para compreenderem sua vontade e, assim, exercitarem o domínio consciente sobre a mesma. Retomando nosso principal objetivo, de argumentar sobre a materialidade dos processos afetivos, destacamos que a relação da criança com o mundo se faz a partir da mediação dos objetos, signos e instrumentos culturais, e que nessa relação entre o sujeito e os objetos está, necessariamente, o outro, com-partilhando a atividade da criança e a construção das suas funções cognitivas e afetivas. Assim, colocar o coletivo, na escola, como objeto privilegiado da prática pedagógica pode ser uma das formas de desenvolver, na criança e nos educadores, a percepção de que as coisas se afetam (MACHADO, 1994), de que a constituição e a expressão de pensamentos e sentimentos podem ser transformadas pela mediação do coletivo. Estratégias de trabalho que visem à explicitação dos objetivos de cada atividade, que criem espaços de discussão acerca das mesmas – o porquê, o para que e como fazer –, que incentivem a construção coletiva de regras, de produções artísticas e projetos científicos, oportunizam a expressão do individual no coletivo levando crianças e educadores a perceberem que todas as coisas e pessoas participam de um dinamismo causal, produzindo efeitos, e que a vivência dessas relações são determinantes de atitudes. Além disso, dar voz às crianças pode se constituir em instrumento de potencialização de suas atividades; a conquista de um espaço para expressão de pensamentos e sentimentos expande as possibilidades de participação individual, estabelecendo novos motivos para aprender. É preciso destacar para todos os envolvidos com os processos de ensino e de aprendizagem escolar que “[...] o que enfraquece a potência de vida é algo que acontece nas relações.” (MACHADO, 1994). Não discutir coletivamente sobre as coisas que acontecem na escola pode levar crianças, famílias e 5 profissionais do ensino a cultivarem a idéia de causas individuais para fenômenos de ordem social. Ao dirigir nosso olhar para a escola, procuramos demonstrar como o trabalho pedagógico pode condicionar modos de pensar e sentir, contribuindo para a ação ou o domínio das causas que afetam a criança, a partir da apropriação que esta faz da realidade – e que possibilita movimentar seu pensamento – ou, inversamente, colaborar para o declínio da sua potência de pensar e agir. Assim, direcionamos nossa atenção, principalmente, para os profissionais que se encontram envolvidos com a educação escolar, apontando para a necessidade de se (re) pensar as relações e as práticas que ocorrem nesse universo, já que a peculiaridade da prática educativa é o fato de esta atividade interferir, decisivamente, sobre o processo de humanização das crianças, produzindo subjetividades. Bibliografia CORRAL, R. La afectividad desde el enfoque histórico-social. In: FARIÑAS, G.; COELHO, L. (Org.). Educação, Cultura e Desenvolvimento Humano. São Paulo: Tercei ra Margem, 2006. (Cadernos ECOS), p.135-144. DURAN, W. Spinoza. In: A história da Filosofia. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p.153-197. ELKONIN, D. Problemas psicologicos del juego en la edad preescolar.In: DAVÍDOV, V.; SHUARE, M. (Org.). La Psicologia Evolutiva y Pedagógica en la URSS (Antologia). Moscou: Editorial Progresso, 1987, p.83-102. ESPINOSA, B. – Ética demonstrada à maneira dos geômetras. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2004. GOMES, C.A.V. O afetivo para a psicologia histórico-cultural: considerações sobre o papel da educação escolar. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2008. LEONTIEV, A. Actividad, conciencia y personalidad. Buenos Aires: Ediciones Ciências del Hombre, 1978b. MACHADO, A. M. Crianças de classe especial: efeitos do encontro da saúde com a educação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas III. Madrid: Visor, 1995. VIGOTSKII, L. S. Imaginacion y el arte en la infância. México: Hispânicas, 1987a. 6