Uma nova agenda para o desenvolvimento global

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Lacerda, Antônio Corrêa de. “Uma nova agenda para o desenvolvimento global”. São Paulo: Gazeta
mercantil, 05 de outubro de 2001. Jel: E, F
Uma nova agenda para o desenvolvimento global
Antônio Corrêa de Lacerda
Os rumos da economia mundial, a partir dos desdobramentos dos atentados de 11 de setembro, tem
suscitado um intenso debate que extrapola o episódio em si, derivando em um provável novo quadro da
ordem econômica global. Aos observadores atentos da cena internacional não terá passado despercebida a
dimensão da perplexidade generalizada, observada a partir dos acontecimentos.
Mesmo antes dos atentados nos EUA, já se delineava um cenário de desaquecimento das economias dos
principais países, o que não ocorria há décadas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou, por
meio da sua publicação 'World Economic Outlook', suas estimativas de desempenho da economia
mundial, reduzindo a taxa de crescimento esperado do PIB mundial para 2,6%, depois de um resultado de
4,7% em 2000. Os Estados Unidos tiveram seu prognóstico de crescimento diminuído para 1,3%, bem
abaixo da média superior a 4% que prevaleceu nos últimos anos. É um resultado que afeta o desempenho
internacional, tendo em vista que os EUA representam 30% da economia mundial e são também os
maiores demandadores das exportações dos demais países.
Na Europa, espera-se uma redução do crescimento da França para 2% e da Alemanha para 0,8%. Na Ásia,
destaca-se o Japão, que, de um crescimento de 1,7% no ano anterior, espera para 2001 uma recessão (0,5%), numa longa agonia de ausência de crescimento que já dura um decênio.
As perspectivas para o comércio mundial também não são boas. De acordo com dados da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), depois de um crescimento superior a 10%
em 2000, o desempenho de 2001 deverá restringir-se a uma elevação de 2%, com conseqüências sobre o
nível de preços praticados, uma vez que a queda da demanda tende a reduzir os preços dos produtos
exportados.
Também se prevê uma queda no fluxo de capitais, com destaque para os investimentos diretos
estrangeiros. A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) divulgou
recentemente o 'World Investment Report', versão 2001, apontando para uma queda de 40% no fluxo
global de investimentos diretos estrangeiros para este ano, depois de ele ter atingido o recorde de US$ 1,3
trilhão em 2000.
Como o principal fator de expansão dos investimentos estrangeiros tem sido o processo crescente de
fusões e aquisições de empresas, a diminuição das operações dessa modalidade deverá impactar
principalmente os fluxos entre a Europa e os Estados Unidos, que vinham concentrando a parcela mais
significativa das transações de vendas e parcerias entre empresas.
É importante ressaltar que todas essas estimativas ainda não levam em conta os efeitos do atentado
terrorista aos EUA. O fato em si, assim como os seus desdobramentos, deverá representar um
agravamento, a curto prazo, de uma situação econômica que já se mostrava em deterioração.
As recentes ações coordenadas envolvendo os bancos centrais das principais economias, diminuindo os
juros e injetando recursos para garantir a liquidez dos mercados, assim como os anunciados investimentos
dos EUA da ordem de US$ 40 bilhões para reconstrução e defesa de sua economia, poderão amenizar os
efeitos recessivos, embora estejam longe de representar a reversão do processo.
Tendo em vista o excesso de capacidade ociosa observado nas empresas americanas, principalmente as de
tecnologia da informação, e, por outro lado, o elevado endividamento dos consumidores, a perguntachave é se as intervenções de inspiração keynesiana adotadas pelo governo republicano serão suficientes
para recuperar a confiança dos novos investimentos e das decisões de consumo.
O mais provável é que, dada a característica da crise atual decorrente do esgotamento do ciclo de
'exuberância irracional' da inflação de ativos, a recuperação seja mais lenta e a crise mais pronunciada.
Principalmente se uma das conseqüências do quadro econômico atual implicar uma desvalorização do
dólar, os efeitos para a demanda global deverão ser bastante significativos.
Para os países em desenvolvimento, em especial aqueles com necessidades de financiamento do balanço
de pagamentos, a diminuição do ritmo global de crescimento das economias, bem como os seus efeitos
para o comércio e fluxo de capitais, deverá limitar as oportunidades de crescimento.
Na América Latina o crescimento observado de 4,3% em 2000 deverá reduzir-se a apenas 1,7% este ano,
principalmente levando-se em conta os desempenhos de Brasil, México e Argentina, que deverão sentir
mais intensamente os efeitos do desaquecimento internacional.
Do ponto de vista mais abrangente, o surpreendente e injustificado ataque terrorista aos EUA ocorrido no
mês passado tem suscitado, entre outros efeitos, uma discussão sobre os rumos da nova fase de expansão
da acumulação capitalista em curso principalmente nas últimas duas décadas. A globalização sob a
hegemonia norte-americana no campo das finanças, da tecnologia e da política tem implicado também um
processo de exclusão que faz acirrar a desigualdade e o conseqüente sentimento de insatisfação.
Repensar as relações econômicas de forma a diminuir a segregação dos povos deve pautar a nova agenda
de desenvolvimento global, para o que a arquitetura financeira internacional instituída a partir de Bretton
Woods, no final da Segunda Guerra Mundial, não se encontra preparada.
A curto prazo, os efeitos do desaquecimento da economia mundial representarão um agravamento da
desigualdade e exclusão dos mais pobres, o que ressalta a importância de uma maior ação conjunta e
coordenada das políticas econômicas dos principais países e organismos multilaterais no sentido de
amenizar os efeitos da crise.
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