0 MESTRADO EM TERAPIA INTENSIVA MARIA DO SOCORRO VASCONCELOS REIS USO DA HIPOTERMIA TERAPÊUTICA EM PACIENTES PÓS PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA: REVISÃO DE LITERATURA SÃO LUÍS/MA 2012 1 MARIA DO SOCORRO VASCONCELOS REIS USO DA HIPOTERMIA TERAPÊUTICA EM PACIENTES PÓS PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA: REVISÃO DE LITERATURA Artigo de conclusão de curso apresentado à Coordenação do mestrado em Terapia Intensiva da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva, em cumprimento às exigências para obtenção do Título de Mestre em Terapia Intensiva. Orientedor: Douglas Ferrari Carneiro SÃO LUÍS/MA 2012 2 USO DA HIPOTERMIA TERAPÊUTICA EM PACIENTES PÓS PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA: REVISÃO DE LITERATURA Maria do Socorro Vasconcelos Reis ¹ RESUMO A Hipotermia Terapêutica é um processo de redução controlável da temperatura central do corpo, com objetivos definidos no tratamento de cirurgias cardíacas e neurológicas, bem como na preservação da fisiologia após parada cardiorrespiratória. Seu uso e importância são fundamentais para proteger o coração e o cérebro de lesões irreversíveis, porém ainda é uma terapia subutilizada nas UTI’s. O presente estudo tem por objetivo analisar o uso da hipotermia terapêutica em pacientes após parada cardiorrespiratória, sendo elaborado de forma qualitativa descritiva, a partir de revisão bibliográfica sistemática de artigos científicos, no período de 2002 a 2011. A Hipotermia terapêutica é um tratamento promissor, porém de utilização não tão difundida, principalmente por requerer um bom conhecimento e estrutura dos profissionais e das unidades emergenciais e intensivas. Palavras-chave: Hipotermia Terapêutica, Parada Cardiorrespiratória, Resfriamento, Cuidados Intensivos. ABSTRACT Therapeutic hypothermia is a controllable process reduction in body core temperature, with defined objectives in the treatment of cardiac and neurological surgeries, as well as the preservation of physiology after cardiopulmonary arrest. Its use and importance are essential to protect the heart and brain from irreversible lesion, but is still an underutilized therapy in the ICU. This study aims to examine the use of therapeutic hypothermia in patients after cardiopulmonary arrest, being developed in a qualitative descriptive, from systematic literature review of scientific articles, in the period from 2002 to 2011. It is a promising treatment, but not as widespread use, mainly because it requires a good knowledge and structure of professionals and emergency units and intensive. Key-words: Therapeutic Hypothermia, Cardiopulmonary Arrest, Cooling, Intensive Care. _________________________________________________________________________________ 1 Enfermeira, pós-graduada em Terapia Intensiva pela NOVAFAPI 3 INTRODUÇÃO A temperatura central corporal é um dos parâmetros fisiológicos mais precisamente controlados. Os seres humanos são homeotérmicos e apresentam um sistema termorregulador (principalmente o hipotálamo) que permite pequenas variações de 0,2 a 0,4ºC em torno de 37ºC para manutenção das funções metabólicas.(1-2) A parada cardiorrespiratória (PCR) é uma emergência médica definida como a cessação súbita e inesperada das funções vitais, caracterizada pela ausência de batimentos cardíacos, ausência de movimentos respiratórios e irresponsividade a estímulos.(3) A hipotermia terapêutica (HT) é um processo de redução controlada da temperatura central dos pacientes com objetivos pré-definidos, sendo proposta em 1940 com potencial de neuroproteção. O procedimento vem sendo usado há mais de 50 anos em cirurgias cardíacas e, mais recentemente, em cirurgias neurológicas. Atualmente, o tema voltou a ter maior impulso e tornou-se terapêutica bem estabelecida na preservação e proteção pós-parada cardiorrespiratória em adultos, apesar de ainda ser subutilizada nas Unidade de Terapia Intensiva (UTI).(4-5-6) Os limites de temperatura para definição e classificação de hipotermia variam na literatura médica. Considera-se hipotermia a redução da temperatura sanguínea central abaixo de 36ºC. A diminuição da temperatura normal em 1 a 3ºC promove proteção consistente contra hipóxia e isquemia cerebral. Quando a temperatura corporal central é ainda mais reduzida, próximo de 28ºC, promove proteção miocárdica e do sistema nervoso central (SNC) durante cirurgia cardíaca.(2-5) Nesse contexto, a hipotermia terapêutica tem demonstrado ser um tratamento eficaz em reduzir o dano isquêmico cerebral produzido durante diferentes insultos neurológicos, como no trauma de crânio, nos acidentes vasculares cerebrais, na hemorragia subaracnóide e na anóxia induzida pela parada cardíaca.(7-8) A hipotermia reduz a demanda cerebral de oxigênio, promovendo proteção contra isquemia.(9) Várias evidências sugerem que a HT reduz a mortalidade dos pacientes comatosos sobreviventes pós-PCR.(10) Segundo estudos de SOUZA (1) a hipotermia pode ser classificada em terapêutica e não-intencional. Hipotermia não-intencional ou acidental ocorre principalmente em pacientes submetidos a procedimentos anestésico-cirúrgicos, 4 dentre outras causas. Ela advém de fatores isolados ou associados, como perda excessiva de calor, inibição da termorregulação fisiológica, bem como negligência na prevenção. Já a hipotermia terapêutica ou provocada é instituída pela equipe médica, com objetivos bem definidos: tratamento de hipertensão intracraniana refratária, proteção neurológica pós-reanimação cardiopulmonar durante cirurgias neurológicas ou cardíacas de maior complexidade, dentre outras. Com a finalidade terapêutica, a hipotermia é classificada em leve (32 - 34ºC), moderada (28 - 32ºC) e profunda (inferior a 28ºC). A preferência pela classificação é justificada por dois fenômenos importantes: a 32°C os tremores cessam; e abaixo de 28°C aumenta significativamente o risco de fibrilação ventricular. (11) Apesar da alta eficácia da hipotermia em reduzir a extensão do dano neurológico pós-PCR, a HT tem sido um tratamento subutilizado nas UTI´s.(12) Baseado nisso, esse manuscrito pretende revisar os mecanismos de ação da hipotermia e seus efeitos no paciente crítico, com a finalidade de propor um protocolo assistencial simples e de baixo custo para o uso da HT em UTI. MÉTODO O estudo foi elaborado de forma qualitativa descritiva, a partir de uma revisão bibliográfica sistemática de artigos científicos das bases de dados Scielo, Lilacs e Pubmed no período de 2002 a 2011, utilizando a estratégia de cruzamento das palavras-chave: hipotermia terapêutica; parada cardiorrespiratória; resfriamento; cuidados intensivos. Além disso, as referências desses artigos também foram consideradas. Os artigos foram incluídos caso tivessem avaliado pacientes adultos sobreviventes pós-PCR, publicados após 2002. Foram excluídos relatos de caso, cartas, estudos em animais e estudos em pediatria. Após a revisão foi possível desenvolver um protocolo assistencial para uso da HT em pacientes comatosos pósPCR, aplicável a qualquer UTI do Brasil. 5 DESCRIÇÃO A parada cardiorrespiratória (PCR), independentemente da causa subjacente, tem morbidade e mortalidade elevada, sendo a sobrevida inferior a 40%, se essa ocorrer no hospital, e inferior a 10% se ocorrer no ambulatório, números que se têm mantido inalterados nos últimos anos.(13) Dos pacientes que sobrevivem muitos ficam com seqüelas neurológicas.(14) Em estudo(6) a PCR causa cessação abrupta do fluxo sanguíneo cerebral, produzindo isquemia. A extensão do dano neurológico depende do grau de hipoxemia ao qual o tecido cerebral é submetido, ocorrendo dano permanente após 5 a 10 minutos da completa cessação do fluxo sanguíneo. Estima-se que 10 a 30% dos sobreviventes pós PCR evoluam com estado vegetativo que se caracteriza por um estado de inconsciência completa de si mesmo e do ambiente e irresponsividade a estímulos. O tratamento após a PCR destina-se a preservar as funções orgânicas, principalmente a cerebral, evitando a progressão da lesão e mantendo adequada a pressão de perfusão nos territórios vasculares. Tal estratégia é complementar à abordagem diagnóstica e terapêutica da causa da PCR e de potenciais complicações, nomeadamente eventual fibrinólise, intervenção coronariana ou conversão de disritmias cardíacas. A abordagem inicial inclui eletrocardiograma (identificação da causa), radiografia de tórax (exclusão de iatrogenias associadas às manobras de reanimação) e gasometria (dosagem de eletrólitos e ácido láctico) (15). Baseado em importantes evidências, a International Liaison Commitee on Resuscitation (ILCOR), inclui este tratamento nas recomendações para os pacientes em pós-parada cardiorrespiratória fora de hospitais, durante 12 a 24h, quando o ritmo de parada é fibrilação ventricular (FV). Também foram inclusos pacientes com outros ritmos de parada daquelas ocorridas em ambiente hospitalar apesar de não existir evidência da eficácia do procedimento até o momento. (16-4). O mecanismo pelo qual a hipotermia produz benefício não é totalmente conhecido (16). Em cérebros normais, a HT diminui o consumo de oxigênio em 6% a cada redução em 1ºC acima de 28ºC reduzindo reações químicas associadas com a reperfusão, tais como a produção de radicais livres de oxigênio, liberação de aminoácidos excitatórios e intercâmbio do cálcio levam ao dano mitocondrial e apoptose (16). 6 MECANISMOS DE AÇÃO DA HIPOTERMIA TERAPÊUTICA A isquemia neuronal pós-PCR pode persistir por várias horas pósressuscitação. A hipotermia tem ação neuroprotetora contra vários mecanismos bioquímicos deletérios, tornando-se o primeiro tratamento eficaz em reduzir o dano neurológico isquêmico em pacientes pós-PCR. A melhora dos desfechos atribuída à hipotermia só aconteceu no momento em que se comprendeu seus mecanismos de ação, com o entendimento de que a hipotermia leve (32ºC a 34ºC), ao invés da hipotermia profunda (< 30ºC), era suficiente para promover neuroproteção, a custos de efeitos adversos menores.(17) O metabolismo cerebral reduz de 6 a 10% para cada 1ºC na queda da temperatura. Quando a temperatura cai abaixo de 32ºC, a taxa metabólica cerebral diminui para aproximadamente 50% do normal e o consumo de O 2 e a produção de CO2 acompanham proporcionalmente essa queda.(18) Durante o período de isquemia-reperfusão que se inicia com a parada cardíaca ocorre uma grande redução das moléculas de alta energia, como adenosina trifosfato. A conseqüência imediata é a mudança do metabolismo celular de aeróbio para anaeróbio. A glicólise anaeróbia eleva os níveis intracelulares de fosfato, lactato e íons hidrogênio, resultando em acidose intra e extracelular, o que promove o influxo de cálcio para dentro das células, o qual é muito deletério para a célula, pois produz disfunção mitocondrial e perturbações no funcionamento das bombas de sódio e potássio, levando à despolarização das membranas celulares e liberação de glutamato, um neurotransmissor excitatório, para o extracelular. A acidose intracelular, que estimula os processos destrutivos celulares e apoptose, pode ser evidenciada pela elevação dos níveis de lactato cerebral (19). A hipotermia inibe esses processos deletérios para a célula. A hipóxia é responsável por alterações nas membranas celulares que determinam a formação de edema citotóxico e quebra da barreira hematoencefálica. O resultado disso é o desenvolvimento de hipertensão intracraniana, que leva a um ciclo vicioso de isquemia cerebral. A hipotermia tem a capacidade de reduzir a permeabilidade vascular, minimizando o aparecimento de edema cerebral. 7 HIPOTERMIA TERAPÊUTICA APÓS PCR A hipotermia produz diversos efeitos fisiológicos e entendê-los é essencial para que um maior benefício do resfriamento seja alcançado. Eles estão apresentados no quadro 1. A HT constitui-se em quatro fases. São elas: fase de identificação dos pacientes; fase de indução da hipotermia; fase de manutenção e fase de reaquecimento. Fonte: International Liaison Committee on Resuscitation. (21) Fase de identificação dos pacientes: desde 2003, a ILCOR recomenda o uso de HT para todos os pacientes sobreviventes pós-PCR que permaneçam comatosos após a reanimação, independente do ritmo da PCR e do local onde ocorreu o evento. Devem ser excluídos os pacientes reanimados por mais de 60 minutos; aqueles com retorno da circulação espontânea há mais de 6 horas; os com estado de coma prévio à PCR; as gestantes; os com sangramento ativo ou coagulopatia; os em pós-operatório de grande porte há menos de 14 dias; os com choque cardiogênico ou choque séptico e os pacientes terminais. Pacientes que se apresentarem hipotérmicos na chegada ao hospital e preencherem critérios de exclusão para o protocolo não devem ser reaquecidos.(21) 8 Fase de indução da hipotermia: a temperatura-alvo a ser atingida vai de 32ºC a 34ºC. Esse alvo representa um equilíbrio entre os benefícios clínicos e os efeitos adversos, que se exacerbam a temperaturas mais baixas. Arritmias cardíacas são freqüentes abaixo de 31ºC e abaixo de 28ºC o risco de FV aumenta muito. Além disso, essa faixa de temperatura (32ºC a 34ºC) é facilmente atingida com métodos não-invasivos de resfriamento.(22) A monitorização inicial do paciente deve incluir eletrocardiograma contínuo, balanço hídrico, medida invasiva da pressão arterial e medida da temperatura central através de cateter vesical, termômetro esofágico ou cateter de artéria pulmonar, caso exista uma indicação precisa para o uso desse último. A monitorização intra-arterial da pressão é muito importante, pois o desenvolvimento de hipotensão durante a HT é comum e frequentemente demanda o uso de drogas vasoativas. Hipovolemia é a regra nesse cenário também, pois a hipotermia é responsável por diurese profusa. É preciso ficar atento para que essa não seja uma causa adicional de baixo débito cardíaco, comumente presente na síndrome pósressuscitação.(23) Exames laboratoriais devem incluir hemograma, plaquetas, coagulação, eletrólitos e gasometria arterial, a serem coletados no tempo zero e após a cada 6 ou 12 horas. Pequenas alterações da coagulação são observadas em condições de hipotermia, comprometendo discretamente a formação do trombo. Sangramentos maiores não costumam ser associados à hipotermia leve.(24) A oxigenação do sangue e os ajustes ventilatórios são mais bem avaliados através de gasometrias arteriais, pois a oximetria de pulso não é um parâmetro adequado durante a HT, em função da vasoconstrição cutânea induzida pela hipotermia.(22) Em relação aos métodos de resfriamento, pode-se dizer que o método ideal seria aquele capaz de: induzir hipotermia rapidamente, sem risco de hiperresfriamento; manter a temperatura desejada durante a fase de manutenção, sem grandes oscilações; propiciar um reaquecimento controlado e lento; ser minimamente invasivo e ter custos baixos.(25) Uma das técnicas com redução da temperatura mais rápida é a imersão em água gelada, que reduz cerca 9,7º por hora em média, porém esta estratégia é pouco prática para uso rotineiro. Redução mais rápida ainda pode ser obtida se for possível manter esta água gelada em circulação e em contato com a pele do paciente, de modo que seja renovada constantemente, sem que haja tempo para a 9 elevação da temperatura da água. A circulação extracorpórea também é um dos métodos que consegue a obtenção da temperatura alvo de modo mais rápido, (26) porém é um tratamento muito invasivo e pouco prático. Um método promissor é o que usa cateteres intravasculares com propriedade de resfriar o sangue através de circuito interno que permite circulação de líquido gelado e troca constante de temperatura com o sangue, reduzindo a temperatura central em cerca de 1,4º por hora.(27) A aplicação de bolsas de gelo se mostrou eficaz ; em média reduzem 0,9º por hora de aplicação.(28) Provavelmente, o método mais prático e ágil seja a infusão de líquido gelado (a 4º), por via venosa. Foi administrada solução fisiológica gelada (4º) a voluntários, a uma velocidade de 40 mL/kg durante 30 minutos através de cateter central, sendo possível obter uma redução na temperatura central de 5º por hora de forma segura (29). Bernard et al (30) resfriaram pacientes que retornaram à circulação espontânea usando Ringer com lactato a 4º numa infusão de 30 mL/kg em 30 min, conseguindo redução da temperatura em uma velocidade média de 3,2º por hora, também de modo seguro. A infusão de líquidos gelados provavelmente é a mais promissora por ser rápida, prática, segura e de baixo custo. Fase de manutenção da hipotermia: a temperatura deve ser medida constantemente, com o objetivo de mantê-la entre 32ºC e 34ºC durante 24 horas.(31) Um ponto importante do cuidado desses pacientes são os parâmetros hemodinâmicos. Níveis de pressão arterial média acima de 80 mmHg são recomendados em pacientes pós-PCR, podendo ser necessária reposição volêmica e infusão de vasopressores para se atingir esses valores. O vasopressor mais comumente utilizado durante a HT é a noradrenalina. A hipotermia é causa de resistência insulínica. A monitorização da glicemia deve ser feita com sangue coletado de acesso venoso, pois a vasoconstrição cutânea pode alterar os resultados. As dosagens laboratoriais podem ser programadas a cada 6 ou 12 horas, na dependência de resultados prévios, e incluem os mesmos exames da fase de indução. A oximetria de pulso não é um parâmetro adequado durante a hipotermia, devendo-se proceder aos ajustes da ventilação mecânica baseado em valores gasométricos. Não está indicado alimentar os pacientes durante o tratamento com HT, pois existe um retardo do esvaziamento gástrico nesses pacientes. Além disso, existe um risco aumentado de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV), em razão 10 de possível aspiração durante a PCR e da diminuição da imunidade associada à hipotermia. Portanto, é preciso ser rigoroso na aplicação de medidas de prevenção de PAV. Outro ponto fundamental do manejo dessa fase é a sedação e a analgesia. Além das infusões contínuas de midazolan e fentanil, podem ser necessárias doses adicionais em bolus para a manutenção adequada dos níveis de sedação. A ocorrência de arritmias graves ou sangramentos nessa fase impõe a suspensão do resfriamento. A monitorização eletrocardiográfica contínua é fundamental durante todo o tratamento. O aparecimento de bradicardia ou ondas de Osborne não são indicativos de interrupção da HT. (32) Caso o paciente apresente qualquer sinal de despertar, interrompe-se prontamente a hipotermia e permite-se o reaquecimento espontâneo. Fase de reaquecimento: essa fase inicia após 24 horas do início da indução do resfriamento e deve ser lenta, numa velocidade de 0,2ºC a 0,4ºC/hora, durante 12 horas, até que se atinja temperatura entre 35ºC e 37ºC. O reaquecimento pode ser passivo ou ativo. O reaquecimento passivo até uma temperatura central de 35ºC costuma levar em torno de 8 horas.(33) Se for feito com a ajuda de manta térmica, essa deve ser retirada quando a temperatura alcançar 35ºC. Caso sejam utilizados equipamentos comerciais de resfriamento externo ou cateteres endovasculares, programa-se a velocidade do reaquecimento. Essa é uma das maiores vantagens desses equipamentos, que é favorecer o melhor controle da velocidade de variação da temperatura.(25) Instabilidade hemodinâmica, com vasodilatação periférica e hipotensão, faz parte da síndrome pós-reperfusão e é muito comum na medida em que a temperatura vai aumentando. Pode exigir o uso de doses mais altas de vasopressores. Outra preocupação da fase de reaquecimento é o desenvolvimento de hipercalemia, pois o potássio que migrou para dentro da célula durante a hipotermia retorna para o extracelular. Isso pode ocorrer de maneira rápida e ser causa de arritmias. Todas as soluções contendo potássio ou magnésio devem ser interrompidas nesse ponto. Desliga-se também a infusão de insulina, pelo risco de hipoglicemia. Ao se atingir a temperatura de 35ºC, suspende-se a sedação contínua. Após o término da HT recomenda-se tratar a febre agressivamente, caso ocorra, porque está associada a desfechos desfavoráveis em pacientes pós-PCR.(34) 11 Baseados em todas essas informações, propomos a implantação de um protocolo simples e de fácil execução, que pode ser utilizado imediatamente em UTIs de baixa, média ou alta complexidade. 12 CONCLUSÃO A hipotermia terapêutica é o único tratamento que tem demonstrado, de forma consistente, reduzir a mortalidade e melhorar os desfechos neurológicos em pacientes sobreviventes à parada cardiorrespiratória até o presente momento. A despeito do baixo custo e dos benefícios a ela atribuídos, a implantação de protocolos para o uso da hipotermia terapêutica tem ocorrido de forma lenta em todo o mundo. O bom conhecimento e domínio da equipe multidisciplinar atuante no atendimento emergencial e intensivo são tão fundamentais quanto à qualidade da técnica da hipotermia que necessita ser instituído o mais precoce possível. Manter um organismo vivo com temperatura precisamente monitorada a 32 – 34ºC, dentro dos limites fisiológicos compatíveis com a vida, após uma parada cardiorrespiratória independente do ritmo cardíaco e do local ocorrido da PCR, bem como garanta a integridade das funções neurológicas, faz da hipotermia terapêutica um tratamento altamente promissor no retorno deste paciente à sociedade de forma digna. 13 Protocolo de indução de hipotermia após PCR Reserva de material 1. Soro fisiológico a 0,9% (ou outro cristaloide) – bolsas de 1.000 mL – a 4°C 2. Bolsas de gelo 3. Compressas limpas 4. Colchão térmico 5. Kit para Swan–Ganz ou acesso venoso central e PA invasiva ou termômetro esofágico 6. Monitor multiparâmetros 7. Drogas para sedação, analgesia e bloqueador neuromuscular 8. Sonda de Foley 9. Avaliar protetores tópicos de pele e colírio para proteção de córneas 10. Profilaxia de tromboembolismo venoso 11. Profilaxia de lesão aguda de mucosa gástrica e duodenal Objetivos no protocolo 1. Certificar-se de que não há critérios de exclusão 2. Iniciar sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular 3. Indução de hipotermia com bolsas geladas e solução de cristaloide 30 a 50 mL/kg 4. Manutenção de temperatura central em 32 a 34°C por 12 a 24 horas 5. Velocidade de reaquecimento lenta – manter sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular 6. Monitorar complicações potenciais Critérios de inclusão Critérios de exclusão 1. Outra razão para o estado comatoso (overdose de drogas, trauma craniano, AVC, status epilepticus) Pós-PCR comatosos com retorno de circulação 2. Gravidez espontânea (especialmente FV ou TV sem pulso) 3. Temperatura inicial < 34°C 4. Coagulopatia ou sangramento prévio 5. Hipotensão Exemplo de analgesia, sedação e paralisia 1. Fentanil – Dose de ataque – 1 a 2 mcg/kg + Dose de manutenção – 1 a 4 mcg/kg/hora 2. Midazolam – dose de ataque – 2 a 6 mg + Dose de manutenção – 1 a 2 mg/hora 3 . Pancurônio – 1 ampola – 4 mg seguidos de 0,1 a 0,2 mg/kg a cada 1 a 2 horas Início do resfriamento Início de reaquecimento Intervenções durante o resfriamento – interpretar ECG e determinar a necessidade de realização de cineangiocoronariografia ou trombólise. Checar bateria de exames laboratoriais. 1. Infundir 30 a 50 mL/kg de SF 0,9% ou RL a 4°C por 30 minutos para induzir hipotermia 1. Iniciar reaquecimento programado 12 a 18 2. Manter o paciente despido em ventilação horas após indução da hipotermia. A velocidade mecânica com compressas úmidas de reaquecimento deve ser de 0,5°C/hora 3. Manter gelo nas regiões de dobras cutâneas 2. Atenção para a necessidade de líquidos como pescoço, região inguinal, axilas, membros durante o reaquecimento inferiores, tórax e região abdominal 3. Avaliar suspensão da reposição de potássio 4. Monitoração da PAM, PVC e temperatura se for o caso central 4. Manter analgesia, sedação e bloqueio 5. A monitoração da temperatura pode ser neuromuscular até o paciente atingir 36°C avaliada por meio da temperatura esofágica, timpânica ou por cateter de Swan-Ganz 6. Temperatura alvo entre 32 e 34°C – caso necessário, repetir a infusão de cristaloides a 4°C, se o paciente não estiver em 34°C em 4 horas Monitorar potenciais complicações 1. Arritmias 2. Infecções 3. Coagulopatia 4. Status epilepticus 5. Hipertermia rebote 14 REFERÊNCIAS 1. SOUZA VP, Costa JRR. Anestesia e Neurologia: Hipotermia: Evidências Científicas. Medicina Perioperatória. [acesso em 2010 jul 19]. Disponível em: http://www.saj.med.br/uploaded/file/artigos/ hipotermia.pdf. 2. BIAZZOTTO CB, Brudniewski M, Schmidt AP, Auler Jr. JOC. Hipotermia no Período Peri-Operatório. Rev Bras Anestesiol. 2006 jan-fev;56(1). 3. NIEMANN JT. Cardiopulmonary 1992;327(15):1075-80. Review resuscitation. N Engl J Med. 4. FEITOSA-FILHO GS, Sena JP, Guimarães HP, Lopes RD. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(1):65-71. 5. PEDROZA JR. 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