Estratégias e desafios do comércio exterior

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Barbosa, Alexandre de Freitas “Estratégias e desafios do comércio exterior (I)São
Paulo:Valor Econômico, 29 de março de 2005 JEL:F
Estratégias e desafios do comércio exterior (I)
Alexandre de Freitas Barbosa e Ricardo Sennes
A mudança cambial de 1999 estabeleceu um novo patamar de relações comerciais entre o Brasil e os
EUA, ainda que com algumas continuidades importantes. Vejamos os componentes mais importantes
desta relação bilateral estratégica para o país, já que os norte-americanos respondem por 25% de
nossa pauta exportadora.
Em primeiro lugar, vale ressaltar a contribuição expressiva dos EUA, tanto para o déficit comercial
brasileiro pré-1998, como para o nosso superávit comercial pós-2002. Exemplificando, o parceiro do
Norte participava com 58% do déficit comercial brasileiro em 1998 e por quase 30% do superávit de
2003.
Ou seja, as exportações dos EUA ao Brasil mostraram-se sensíveis num quadro de valorização cambial
do real até 1998. A partir de então, especialmente de 2001 em diante, as importações norte-americanas
reagiram rapidamente à desvalorização da moeda brasileira. Entre 1998 e 2003, enquanto as
exportações brasileiras mundiais cresceram 43%, aquelas com destino para a economia norteamericana ampliaram-se em 71,3%.
Porém, no primeiro semestre deste ano - na comparação com o mesmo período do ano passado - a
expansão das exportações para os EUA foi de apenas 7%, em comparação a uma média de 31,2% para
o conjunto das exportações brasileiras. E mais, o saldo comercial do Brasil com os Estados Unidos
sofreu uma queda de 11% neste mesmo período, contra uma expansão de 44,6% do nosso saldo
comercial total.
Como explicar tal fato? Trata-se de uma reversão de tendência, ou até que ponto algumas das
características do comércio bilateral não foram ofuscadas pelo baixo crescimento da economia brasileira
de 2001 a 2003? Vejamos alguns dados sobre a composição setorial do fluxo de comércio bilateral que
nos permitem adiantar algumas hipóteses.
No caso das importações brasileiras dos Estados Unidos, elas encontram-se concentradas em dois
grandes setores, onde o Brasil é francamente deficitário: química e plásticos; e máquinas e
equipamentos, especialmente elétricos e de telecomunicações. Estes setores, intensivos em tecnologia,
responderam por um déficit comercial de US$ 7,3 bilhões em 1998 (duas vezes o déficit comercial total).
De lá para cá, o déficit conjunto brasileiro com os Estados Unidos nestes setores reduziu-se para US$
3,2 bilhões em 2003, em grande medida graças à estagnação da economia brasileira.
Portanto, qualquer recuperação da economia brasileira - que não logre internalizar ao menos uma parte
das cadeias produtivas globais dinâmicas - trará uma tendência de redução do superávit comercial com
os Estados Unidos.
Por outro lado, a oferta brasileira encontra algumas deficiências de qualidade e quantidade - como tem
insistido com acerto o ex-secretário-geral da Unctad Rubens Ricupero - dificultando a ampliação
sustentável do nosso saldo comercial com os Estados Unidos. Em poucas palavras, onde nós temos
qualidade, transparece um déficit de quantidade, em virtude da capacidade produtiva comprimida pelo
"stop and go" das últimas duas décadas.
Ao se analisar os setores francamente superavitários do Brasil com os EUA, e que mantiveram uma
participação crescente ou elevada no total das nossas exportações para este país - produtos minerais e
minerais não-metálicos, madeira, papel e celulose, calçados, siderurgia e material de transporte -,
observa-se uma elevação entre 1998 e 2003 de mais de 100% nas suas vendas externas e de 228% no
saldo comercial.
A questão básica aqui parece ser a seguinte: durante quanto tempo este quadro de saldos comerciais
positivos com os EUA poderá se manter e qual a sua relação com o crescimento interno e a ampliação
da capacidade produtiva nacional. Tal dilema parece se refletir de forma diferenciada de acordo com o
setor analisado. Vejamos três exemplos.
De um lado, os setores mais competitivos, como minérios, minerais não-metálicos, indústria siderúrgica,
madeira, papel e celulose, lograram aumentar as suas exportações de maneira decisiva no mercado
norte-americano, apesar de algumas barreiras não-tarifárias localizadas. Nesse caso, uma ampliação
expressiva da capacidade produtiva provavelmente daria conta de manter ganhos marginais no
mercado norte-americano, sem comprometer o atendimento ao mercado interno.
Já em setores como calçados, percebe-se que, apesar de competitivo, perdeu espaço no mercado
americano no período recente. Tanto que as exportações se ampliaram em apenas 8,5% de 1998 a
2003, o que se explica pelo avanço dos produtos chineses. Aqui, se não forem realizados investimentos
de longo prazo e esboçada uma estratégia agressiva de inovação de produto e de marketing, o mercado
interno acabará por se transformar na melhor opção de curto prazo.
Por último, cabe analisar o setor de material de transportes, o qual pode ser dividido em duas seções.
Uma primeira diz respeito ao segmento de aeronaves e partes, que representou 10% das exportações e
22% do nosso superávit comercial com este país.
Já no caso de automóveis e autopeças, o crescimento das exportações brasileiras mostrou-se
expressivo, com ampliação de 175% entre 1998 e 2003. Mais importante ainda, o déficit comercial do
segmento, que era de US$ 50 milhões, em 1998, transformou-se num superávit de US$ 900 milhões ao
final do período. Adicionalmente, 60% deste saldo positivo deve-se ao comportamento da produção de
automóveis.
Neste segmento, a decisão de como superar o trade-off entre mercado interno e externo depende, em
grande medida, das empresas multinacionais. A política econômica, ao definir uma taxa cambial
razoavelmente desvalorizada, cumpriria um papel de destaque para a resolução positiva deste dilema,
contribuindo para forçar decisões estratégicas de investimentos e de comércio intra-firma.
Outros elementos - além do câmbio e de uma recuperação sustentada do nível de investimento parecem ser igualmente fundamentais para um melhor aproveitamento do mercado estadunidense pelo
Brasil.
Primeiramente, uma postura pragmática nas negociações comerciais, seja nas bilaterais, seja no âmbito
da Alca, valorizando o acesso a mercado para produtos brasileiros, bem como cuidando da defesa dos
nichos onde existem defasagens competitivas. Depois, a maior ênfase, por parte das empresas
brasileiras, em estratégias comerciais agressivas, negociando acordos de integração produtiva com as
empresas norte-americanas, bem como apostando na difusão da marca Brasil.
E, finalmente, a aposta no âmbito de uma política industrial em setores, empresas e produtos ainda
marginalmente inseridos no mercado norte-americano, enquanto paralelamente se definem mecanismos
para substituir de forma competitiva as importações onde possuímos desvantagens tecnológicas.
Somente assim, o país poderá manter superávits duradouros com a maior economia do planeta, ao
mesmo tempo em que eleva o nível de produção e de investimento internos.
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