Envelhecimento, plasticidade do cérebro e saúde

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Envelhecimento, plasticidade do cérebro e saúde
por Giulio Vicini - Pesquisador Mentor
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O biólogo celular Leonard Hayflick informa-nos que o cérebro humano, que no recém-nascido
pesa aproximadamente 280 gramas, alcança, aos 20 anos, o peso de 1.200 gramas. Após esta
idade, o cérebro vai perdendo peso até alcançar, aos 90 anos, 90% do peso que tinha em
juventude. Apenas uma parte mínima desta perda (cinco gramas em 50 anos) refere-se às
células cerebrais, as quais desempenham a coordenação das atividades sensório-motoras e de
inter-relação entre os vários centros nervosos. Além de perder células, o cérebro vai
diminuindo sua produção de substâncias químicas neurotransmissoras, que medeiam as
relações intercelulares.
Senilidade não decorre de envelhecimento
A perda de células nervosas e de fluidos neurotransmissores, no envelhecimento, é um fato
comprovado, mas não a relação desta perda com a redução das funções mentais. Isto significa
que a senilidade (um estado de decrepitude física ou mental) não é uma conseqüência natural
do envelhecimento (como até os dicionários às vezes sugerem), mas fruto de alguma alteração
orgânica específica que provoca em nós algum estado mórbido. Esta consciência, segundo
Hayflick, surgiu principalmente com a conscientização das pessoas de que o Mal de Alzheimer,
que produz um estado demencial e que afeta um número relevante de pessoas idosas, é uma
doença e não uma conseqüência natural do envelhecimento. Hayflick chega a afirmar que
"essa percepção significou mais para nossa compreensão do processo normal de
envelhecimento do que qualquer descoberta laboratorial recente sobre o envelhecimento do
cérebro humano".
O que a plasticidade cerebral tem a ver com isso? É importante saber se nosso cérebro,
apesar de sofrer, ao longo do tempo, um processo de envelhecimento, é capaz de manter até o
fim da vida as funções vitais que dele dependem. Para a recuperação de nossa saúde,
também, não é absolutamente indiferente saber se temos condições, durante toda nossa
existência, de ativar o cérebro para recuperar, ao menos em parte, funções perdidas em
decorrência de danos sofridos.
Conceito tradicional de plasticidade cerebral
Joan Stiles, cientista da Universidade da Califórnia, em um artigo de revisão sobre plasticidade
neural e desenvolvimento cognitivo (2000) refere-nos que a neuropsicologia/biologia tradicional
acreditava que apenas o cérebro em desenvolvimento possuía uma capacidade transitória de
reorganização plástica, que lhe permite reduzir os danos de eventuais lesões sofridas pelo
cérebro. O cérebro adulto não teria esta característica, estando assim os adultos e os anciãos
condenados a resignar-se diante de eventuais incapacidades decorrentes de danos cerebrais.
Novo conceito de plasticidade cerebral
No entanto, vários estudos realizados na década de 90, seja em animais como em pessoas
adultas mostraram que a plasticidade não é transitória (isto é, ativa apenas na idade do
desenvolvimento), nem é somente reativa (estimulada na ocorrência de perdas devidas a
danos cerebrais), nem apenas auxiliar ou compensatória (como se fosse apenas um processo
não essencial ao próprio desenvolvimento do cérebro).
Stiles diz que quando se fala em plasticidade neural ou cerebral, queremos referir-nos a vários
tipos de funções. Quando nos referimos a um processo, plasticidade significa uma
configuração dinâmica do sistema nervoso, que traz uma mudança estrutural ou funcional. Se
referimos plasticidade a uma capacidade adaptativa, quer-se significar que a mudança
observada produz um recrutamento de novos ou de diferentes recursos neurais, em
decorrência de um fato externo (por exemplo, uma lesão ou uma estimulação da consciência
cinestésica, como observaremos mais adiante). Quando referida a um conceito de
organização, plasticidade significa que o processo em que ela se dá é sistemático e não
apenas devido ao acaso, como conseqüência de interações sistemáticas entre estruturas
cerebrais e estímulos ambientais.
Estes significados do conceito de plasticidade neural ou cerebral são válidos não apenas para
o cérebro em desenvolvimento como também para o cérebro maduro. Descobriu-se que a
plasticidade não é apenas reativa a fatos externos (uma lesão, por exemplo), mas uma
característica própria do sistema cerebral. Mesmo no cérebro em desenvolvimento, não há
uma evolução passiva a partir de sistemas pré-determinados: ocorrem períodos de
superprodução de células nervosas e de ligações sinápticas aos quais se seguem períodos de
perda de neurônios e de sinapses. Isto porque o cérebro vai fixando padrões de funcionamento
em decorrência de configurações estruturais próprias e também de condições de estímulos
provenientes do meio. Estabelecem-se vias neurais competitivas e somente algumas delas são
fixadas como padrão ao longo do desenvolvimento cerebral. Isto significa que, durante o
desenvolvimento normal ocorrem mudanças adaptativas e plásticas que configuram padrões
estruturais e de funcionamento cerebrais.
Há evidências de que a maior complexidade do cérebro maduro pode limitar a extensão de sua
capacidade plástica. No entanto, ela persiste ao longo da vida toda, não excluído o período da
velhice.
Plasticidade cerebral e saúde
A ciência confirma agora o que as tradições médicas sempre souberam, isto é, que é sempre
tempo de prevenir doenças e recuperar funções perdidas. De fato, podemos estimular e
ensinar nosso cérebro, através de estímulos apropriados, para que ele descubra novos
caminhos de funcionamento mais eficientes do que os que já possuímos ou do que aqueles
que já perdemos por efeito de acidentes e incidentes que ocorrem em nossas vidas.
Meir Schneider, criador do método terapêutico Self-Healing, aponta-nos alguns caminhos para
a estimulação cerebral com intenção de manutenção e recuperação da saúde: a percepção
cinestésica corporal pelo movimento (ativo e passivo), a massagem focada nas partes do corpo
e a visualização (imaginação) do movimento. Ele nos alerta para o fato de que não podemos
conhecer nosso corpo pelo intelecto, pois este é apenas um conhecimento externo sobre o
corpo, qualquer que seja a teoria que escolhamos para entendê-lo.
O verdadeiro conhecimento do corpo se dá pela percepção cinestésica (sensação do
movimento) do próprio corpo: mover é sentir e sentir é saber. Através da percepção sensorial
do movimento (interno ou externo) de uma parte do corpo despertamos nosso cérebro para
que atue sobre ela, registrando sua existência e sua presença aqui e agora, nas condições
atuais, comparando-as com as que nossa memória e experiência anterior já possuía a respeito
dessa mesma parte do corpo. Na fala de Meir: "Quando presta atenção a uma parte específica
de seu corpo, você estimula os nervos que ligam aquela parte a seu cérebro - e, assim, você
também estimula o cérebro. Prestar atenção ao que sente, a como sente cada parte do corpo,
vai fortalecer sua consciência cinestésica". A melhor maneira para fazer isso, segundo Meir, é
movimentar-se de modos não habituais, pois desta forma, retira-se uma carga em excesso
sobre algumas partes do corpo que ficam em atividades rotineiras (gerando insensibilidade) e
permite-se, também, a outros nervos e músculos que não eram ativados começarem ou
voltarem a funcionar.
Referências
STILES, J. (2000). "Neural plasticity and cognitive development". Developmental Neuropsychology, Lawrence Erlbaum
Associates, 18(2), 237-72.
HYFLICK, L. (1997). Como e por que envelhecemos. Rio de Janeiro, Campus,
366 p.
SCHNEIDER, M., LARKIN, M. e SCHNEIDER, D. (1998/9). Manual de autocura: método self-healing. São Paulo, Triom,
1998,Vol. I, 216 p. e 1999, Vol. II, 183 p.
* Giulio Vicini, psicólogo, mestre em Gerontologia e terapeuta corporal, autor do livro editado por SENAC-SP "Abraço afetuoso
em corpo sofrido", sobre uma visão integral de saúde para idosos.
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