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Ética na política1
Celina Vargas do Amaral Peixoto
Os últimos acontecimentos ocorridos no cenário político do país nos levam a muitas
reflexões. Para entender erecuperar a lógica dos fatos é fundamental distinguir dois momentos
do processo político – o das eleições e o da formação de governos. No primeiro abre-se um
debate entre candidatos e eleitores que envolve partidos políticos, coligações e alianças
partidárias, o voto, a mídia, recursos financeiros para campanhas, a Justiça Eleitoral e muitas
outras instâncias. Passado o período eleitoral, entra-se em uma outra etapa – a da formação de
governos no caso dos executivos. Acomodam-se as alianças político-partidárias, formulam-se
planos de governo, indicam-se correligionários de partidos e de alianças para comporem as
funções e inicia-se o período governamental. O ato de governar um território qualquer,
passado o momento das eleições, certamente dilui a força dos partidos políticos e das alianças
e coligações, já que o governante não pode mais atuar pela parte – pelo partido – mas sim
pelo todo, pela sociedade.
Para se entender esta complexa relação entre o momento das eleições e o da formação de um
governo é preciso que se recupere as origens do processo através da política local – base e
sustentação dos erros e acertos deste modelo. Assim, por exemplo, quando um candidato é
eleito para uma função de representação política, uma de suas primeiras ações é a de criar
algum tipo de atividade comunitária para atender a crianças, mulheres ou idosos no bairro,
município ou zona eleitoral em que foi mais votado. Planta ali uma pequena semente para a
eleição seguinte. Recursos para essas atividades podem ser obtidos através de sua própria
atuação na Câmara de Vereadores, no Legislativo Estadual ou Federal. Se o envolvimento do
candidato eleito é com a saúde, poderá criar um centro de atendimento à mulher, um local de
distribuição gratuita de medicamentos ou uma rede de serviços de ambulâncias. Neste caso,
dificilmente o eleito passará a lutar no legislativo por uma política pública de saúde para a sua
região.
Se além da eleição para o legislativo consegue o político ser nomeado ou se elege para o
Executivo, passa a ter acesso a recursos públicos mais abrangentes e à área substantiva de sua
atuação, por exemplo – à saúde, à educação ou aos transportes. Não existirá aí um conflito de
interesses entre a gestão dos recursos públicos e a manutenção de uma pequena, mas eficiente
máquina eleitoral de atendimento comunitário?
Nomeado ou eleito para o Executivo, o político passa a ter o chamado “direito à caneta”, ou
seja, o de nomear conforme seu livre arbítrio. Instala-se o processo de incorporação de um
conjunto de pessoas que no jargão político é denominado “cabos eleitorais” – que são
contratados sem concurso público para os quadros das secretarias, ministérios, empresas
públicas ou serviços terceirizados do Estado. Forma-se, então, uma rede de interesses
eleitorais que se confunde com a administração pública, seja de âmbito municipal, estadual ou
federal.
Estabelece-se, assim, uma relação de promiscuidade entre as alianças eleitorais, o momento
da eleição e os compromissos dela resultantes com a ação de governar e de administrar o
município, o estado e o país. Simplificando: o resultado desta promiscuidade é que só o
vereador consegue vaga na creche e na escola, só o deputado estadual instala água e esgoto ou
pavimenta ruas em sua comunidade, só os deputados federais e os senadores conseguem
verbas públicas para construir ou reformar hospitais, estradas e influenciar nos pólos de
desenvolvimento regional de seus estados. A isto chama-se privatização do espaço público e,
freqüentemente, os governos assistem paralisados ou não ao processo de enfraquecimento da
gestão pública e dos lamentáveis efeitos desta rede de interesses eleitorais na administração
dos assuntos governamentais.
1
Publicado em O Globo.
Como governar - é sempre bom lembrar - supõe também definir rumos para o
desenvolvimento e estabelecer políticas públicas em benefício da sociedade como um todo,
devemos começar a romper o mais rápido possível com este perverso ciclo de alianças e de
distribuição de cargos e recursos públicos, lançando novas governanças para o município, o
estado e o país. Reforma Política, Reforma Eleitoral, recursos iguais e transparentes para as
campanhas eleitorais, Códigos de Conduta são todas medidas saneadoras, mas insuficientes
para se criar a consciência profunda e necessária em cada eleitor, capaz de fazê-lo votar sem
vender a sua cidadania através do processo eleitoral - por um pedaço de pão, por transporte no
dia da eleição, por algum dinheiro ou por um cargo na próxima administração.
Celina Vargas do Amaral Peixoto é socióloga.
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