“A ARBITRAGEM TRABALHISTA NO DIREITO BRASILEIRO” Claudio Gomara de Oliveira Lá vão os tempos em que a arbitragem tem sido colocada como forma de auto composição para solução de conflitos, sendo, com efeito, aplicada bem antes do direito romano e nas ordenações do reino tiveram fundamental importância para nosso direito. A arbitragem caminha como parte da tradição judaica até hoje, com a eleição do rabino como árbitro para a solução dos conflitos, tendo o cristianismo a mantido inicialmente como forma de fuga dos tribunais romanos, o que foi assimilado no direito português unindo a influência romana. Aliás, a administração da Justiça Portuguesa era realizada pelos ouvidores que ouviam as partes e julgavam em nome do rei por delegação deste. Com a vinda do primeiro governador geral em nosso país colônia, fixou-se a instalação dos juízes, constituindo os juizes da terra, que eram escolhidos pelos cidadãos da região onde exerceria sua jurisdição para aplicação das leis locais, considerados árbitros, limitavam para as questões de fato, já os juízes de fora eram magistrados vinculados à estrutura do Estado. Ao mencionar os ouvidores e juizes, continua-se, ainda, na história portuguesa para descrever a origem da profissão de advogado, tendo nascida dos vozeiros, que seriam aqueles que emprestavam sua voz para os que não sabiam explicar seus direitos perante os juízes. Entretanto, Dom Pedro, o Justiceiro, condenou à morte o exercício da advocacia, por prolongar os feitos, voltando posteriormente no ano de 1.361, a profissão a ter seu espaço, visto que a proibição de advogar desencorajava os estudos. Para solução dos conflitos, passou a existir o Judiciário como poder autônomo desde a Revolução Francesa, porém sua eficiência é questionada pela demora e pelos custos, valendo a afirmação de Rui Barbosa na “Oração aos Moços”, justiça tardia não é justiça, mas grande injustiça. Assim especialmente pela pronta necessidade de técnico para solucionar, surge, paralelamente, o arbitramento como forma privada de resolver os litígios. A Constituição do Império do Brasil, em seu art. 160 previa a nomeação de juízes árbitros com sentenças exeqüíveis, sem recurso. 1 Nosso Código Comercial, em seu art. 245, acolheu o juízo arbitral para os contratos de locação mercantil, estando também no Código Civil anterior nos artigos 1.037 a 1.048, ao tratar do compromisso, bem como o CPC, para finalmente surgir a Lei nº 9.307 de 23/09/1996, que traçou as diretrizes consolidando em nosso ordenamento jurídico, a arbitragem. Sem maiores divagações, se pode considerar a arbitragem como o meio, onde as partes concordam em entregar a solução de conflito para terceiro estranho à relação. Para esta eleição, naturalmente, requisitos do negócio jurídico deverão estar presentes, especialmente, a boa fé, além da capacidade das partes, licitude do objeto e forma prescrita em lei. Apresentando, assim, como meio de solução privada, fugindo da estrutura estatal do Judiciário, com a escolha de quem irá decidir, além da preocupação de menor custo, incluindo perícia, sigilo, advogado e custas processuais. Hoje, a globalização e a informática em constante evolução, contrastando com a burocracia estatal de dependência de verbas orçamentárias, dificulta e retarda a solução judicial, daí, a procura de caminhos mais rápidos com o dinamismo dos novos meios que a tecnologia traz. No caso da arbitragem pode haver a abdicação do direito da ação, assegurado na Constituição. Quanto à natureza jurídica da arbitragem, brevemente se expõe que há a teoria contratual (precursor Chiovenda), a privatista, baseada da vontade das partes exposta no contrato com a escolha da arbitragem, para a segunda teoria a jurisdicional ou publicista (processualista) iniciando com Mortara, onde estabelece a juridicidade como meio de execução da decisão, enquanto, finalmente, a teoria intermediária ou conciliadora, exposta por Carnelutti, em que une as duas ao dar origem ao contrato, mas que teria a força judicial da execução. Com a exposição do artigo constitucional, 5º, XXXV, onde a lei não excluirá do Judiciário a apreciação de lesão ou ameaça a direito, o que se conclui que a arbitragem não poderá existir por imposição, sendo por convenção das partes, porém dentro dos requisitos impostos para a aplicabilidade, cujos limites e procedimentos decorrem de dispositivos legais, incluindo não só a lei que regula a arbitragem, como as demais que abrem campo com a lei das sociedades anônimas, em que permite no estatuto destas, haver cláusula arbitral. 2 A citada lei da arbitragem em seu artigo primeiro prevê sua possibilidade de arbitrar controvérsias que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, vindo desde as ordenações filipinas, passando principalmente pelos Códigos: Civil, Comercial e de Processo Civil. Para o Judiciário Trabalhista, apareceram formas de agilizar o andamento processual, tanto que a legislação procurou reduzir o número de recursos, embora com prazos dificilmente de serem cumpridos nos grandes centros, como se verifica pela introdução do rito sumaríssimo, o mesmo dizendo quando antes havia o limite de alçada. O rito sumaríssimo teria recursos limitados aos Tribunais Superiores só para o caso de violação constitucional, mas nossa Constituição (7º), infelizmente, agasalha inúmeros direitos trabalhistas que poderiam constar na legislação ordinária, dificultando o aprimoramento e rapidez do Judiciário, tanto que o número de Tribunais cresce, chegando a haver Tribunal Regional do Trabalho de meio Estado, como os de São Paulo e Campinas. Daí, melhor que houvesse o aperfeiçoamento para a arbitragem, dando segurança às partes, com a liberdade de escolha do árbitro, além da possibilidade de rapidez e sigilo do litígio. Aliás, o sigilo na arbitragem apresenta como solução para impedir a investigação da vida do empregado, especialmente, quanto ao acesso ao Judiciário, discriminando-o para futuros empregos, restando, ainda, como segurança para as cláusulas de contrato de trabalho que regulam a confidencialidade e a não concorrência. Para os conflitos coletivos a própria Constituição fixou a negociação coletiva ou a arbitragem no § 2º do art. 114, porém a prática tem demorado na aplicabilidade desde a Emenda Constitucional nº 45, em 2004, pela opção judicial na Justiça Especializada, o que tem dividido as decisões, em impor o novo requisito para a instauração de dissídio coletivo de natureza econômica, sendo esta uma questão prévia, como pressuposto para constituição do processo, sem ofensa ao art. 5º, XXXV, como cláusula pétrea, quanto ao acesso ao poder jurisdicional. Contudo, esta interpretação barra em outra, que entende a plena vigência dos artigos 856 a 875 da CLT, sendo a arbitragem apenas um passo anterior, como faculdade e não obrigação, ao contrário da posição antes exposta. Há a previsão da arbitragem na Lei (de Greve) nº 7.783 de 25/07/1989. Para os conflitos trabalhistas, melhor seria a decisão através do órgão de classe, tornando o canal para a reivindicação, como ainda caminhar para solução de questões que envolveriam uma categoria toda, afastando o pedido individual. 3 Uma vez decidida pelo poder normativo trabalhista eliminaria o grande número de reclamações. O objeto de maior cuidado envolve a possibilidade da disponibilidade do trabalhador em relação a seus direitos, para sua capacidade em procurar a arbitragem, que vem sendo afastada pelos Tribunais Trabalhistas, o que tem acontecido até com as comissões e núcleos de conciliação intersindicais. Com a irrenunciabilidade do empregado de seus direitos, pouco resta à arbitragem, além da assistência sindical para a homologação sindical da rescisão contratual pelo valor apenas do recebido ou pela fiscalização da Delegacia do Trabalho. As questões deságuam na Justiça Trabalhista, como os dois milhões de processos trabalhistas anualmente por vários fatores, incluindo a garantia do empregador de que somente tem valor a homologação judicial para evitar qualquer outro questionamento por parte de seu empregado. Assim, na dúvida do campo nebuloso da existência do contrato de trabalho, a quitação chega à Justiça Trabalhista através do acordo. A Emenda Constitucional nº 45 alongou a competência trabalhista para o trabalho fora do vínculo laboral. Outro ponto, a jurisdição das varas trabalhistas para várias cidades dificulta a aplicação da Justiça, como o transporte do empregado e até de suas testemunhas, senão quando a própria assistência judiciária, visto que o Estado geralmente não atende a população carente para ter representantes judiciais melhor preparados, bem como os assistentes das perícias. A própria estrutura trabalhista sempre esteve aberta para a conciliação, como nas extintas Juntas, onde por vezes o vogal classista, exercia a função de conciliador, chegando a apresentar propostas e realizando a conciliação. O aparecimento de mecanismo para a segurança da conciliação seria a forma de caminhar para a arbitragem, que deveria estar pronta para a solução, trazendo como proposta a ser desenvolvida o procedimento semelhante ao da eleição de membros da CIPA, ou seja, de confiança dos empregados, funcionando junto ao empregador, ou, a previsão na Lei nº 10.101 de 19/12/2000, que estabelece critérios para a fixação da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas com comissões para solução, sempre com a garantia de estabilidade aos eleitos. A indisponibilidade especialmente dos direitos individuais no caso de rescisão contratual surge sempre a questão do empregado que quer deixar o emprego “por acordo”. Inexistindo, tal possibilidade legal ou pede demissão sem levantamento do 4 FGTS, além do cumprimento do aviso prévio, gerando a possibilidade da demissão por justa causa para nascer o acordo judicialmente ou a condenada devolução da multa do FGTS, sendo ambas as atitudes afastadas por descumprimento da legislação. As próprias comissões e núcleos intersindicais têm sido afastados pelo maior custo em algumas comissões que próprio processo trabalhista, cuja tabela de custas é menor, e se existir o acordo judicial haveria a possibilidade de isenção para o empregado, não arcando com o encargo. Nas reclamações trabalhistas, tendo seu Judiciário como forma de por fim ao conflito, o acordo que faz parte de sua estrutura, muita vez, conduz o empregado a aceitar valores menores para pronta liquidação, além do pagamento de honorários, visto que se houvessem etapas anteriores para solução, os custos seriam certamente menores. O exemplo está na reclamação trabalhista onde se pleiteia o adicional de insalubridade ou periculosidade, pois, embora constatada sua existência por perito judicial em um processo, bastaria à extensão para os demais, snedo abrangente para todos os empregados. A pronta liquidação por ocasião da rescisão contratual por arbitragem não resultaria no dano de um litígio judicial para que, assim, amistosamente a solução aparecesse de pronto com os custos já equacionados sem a dependência dos encargos para as provas: pericial e testemunhal. Contudo, nossa cultura opta pela segurança do Judiciário, que impõe como única saída até para a aplicação do art. 625-A da CLT (comissões de conciliação prévia), havendo resistência em aceitar as decisões dos tribunais arbitrais, quando sequer o empregado argüiu vício de consentimento, especialmente a coação na peça inaugural de um processo. A grande maioria de reclamações trabalhistas envolve como matéria especialmente, as horas suplementares e extraordinárias, resultando o ensejo de retardamento dos processos até pela constitucionalidade de regulamentação da jornada. Chega nossa Constituição até a estabelecer o percentual destas horas para o pagamento. Nisso resulta o constrangimento, pois, estes complementos de institutos sociais deveriam ser objeto de lei infraconstitucional, como a grande parte dos incisos do art. 7º. Para a busca de uma solução da redução dos conflitos trabalhistas será de melhor controle da jornada de trabalho, ou seja, o trabalhador teria por perto a chamada comissão de fábrica, para depois o acompanhamento sindical, surgindo, ainda, a fiscalização, a arbitragem e por final, o Judiciário, que hoje aparece como primeira solução até de possível conflito para os casos de direito comercial e 5 cível (representação comercial), onde apareceria uma nuvem da relação trabalhista, e por segurança se remete a composição à Justiça Trabalhista. Aliás, basicamente se limita à arbitragem para o Direito Coletivo do Trabalho, não possuindo a câmara arbitral competência legal até para homologar a rescisão contratual, visto que tais verbas decorrem de pagamento compulsório por ser de caráter patrimonial indisponível, havendo restrição na capacidade do trabalhador para sua autonomia de vontade. Para os conflitos individuais, poderia se ter a solução, como pelas comissões de conciliação prévia como meio de composição fora do Judiciário, nos termos dos art. 625-A e art. 625-H da CLT, porém com maior poder para composição, ainda mais que atualmente foi afastada a obrigatoriedade como condição para o acesso ao Judiciário, face os princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV da Constituição Federal) por se tratar de garantia individual, constituindo os dispositivos celetistas em faculdade. Sempre há a possibilidade de maior poder sindical para superar a falta de liberdade do empregado ao compor. A arbitragem começa a evoluir e aparecem as decisões interpretando o art. 23 da Lei nº 8.630 de 25/02/1993, chamada Lei dos Portos, aparecendo o dever da constituição de comissão paritária para solução de litígios, como acesso facultativo pelo disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, sem imposição para o ajuizamento da reclamação trabalhista. Já houve a sugestão para as questões geradas nas áreas das agências reguladoras nas reclamações dos serviços e tarifas, a criação de varas de conciliação e arbitragem, o que poderia servir para os pleitos do contrato individual de trabalho. Aliás, alguns pontos da própria legislação com o tempo viram letra morta como o § 2º do art. 134 da CLT, impedindo o parcelamento das férias para maiores de cinqüenta anos, e mesmos para cargos de direção que exigem por vezes férias mais fraccionadas, aplicando a evolução dos costumes e o princípio da razoabilidade, embora o direito do trabalho é tutelar, impedindo renúncia e transação pela indisponibilidade destes direitos, ainda mais, que envolve outras normas quanto a saúde e medicina do trabalho, além das condições de proteção do trabalhador, tendo como fundamento o art. 9º e art. 468 da CLT. A arbitragem deveria ter acesso aos dissídios individuais, especialmente, em se tratando de empregados onde o 6 contrato de trabalho, além das cláusulas de praxe incluem outras como a da não concorrência, limitação de trabalho pós contrato, e especialmente da confidencialidade, visto que pela arbitragem a solução teria maior rapidez, bem como o sigilo, apresentando valores sem dar publicidade ao relacionamento entre as partes, valendo da cláusula compromissória para a conciliação ou condenação por juiz de fato e de direito com eleição do local, de quem e quantos iriam arbitrar, e até do idioma, ficando finalmente a questão da participação obrigatória do advogado. Bibliografia: Cretella Neto, José. “Comentários à Lei de Arbitragem Brasileira, Editora Forense, 2007. De Souza, Zoraide Amaral. “Arbitragem - Conciliação - Mediação nos Conflitos Trabalhistas” de Zoraide Amaral de Souza, Ltr, 2004. Guilherme, Luiz Fernando do Vale de Almeira. “Manual de Arbitragem”, Editora Método, 2007. 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