Uma doença traiçoeira e mortal

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ROSAN A2
Uma doença traiçoeira e mortal
Revista Pesquisa Médica - 20/08/07
POR GIULIANO AGMONT
Um verdadeiro arsenal de medicamentos, efetivo e
praticamente isento de efeitos colaterais, poderia
neutralizar a elevação da pressão arterial sistêmica e
poupar milhões de vidas se as pessoas fossem
diagnosticadas a tempo e seguissem o tratamento,
adverte o especialista do HC, Dr. Décio Mion
A doença que mais mata os brasileiros atualmente é
de fácil diagnóstico e tem tratamento. O problema é
que a hipertensão arterial não dá sinal, não produz
sintoma
e
desenvolve-se
silenciosamente.
E,
infelizmente, a medicina não vem conseguindo obter a
indispensável adesão ao tratamento dos pacientes
devidamente diagnosticados. O efeito mortal da
hipertensão arterial não é observado só no Brasil. Os
dados internacionais também são alarmantes. EstimaDr. Décio Mion,
se que 40% dos óbitos por acidente vascular cerebral
professor livre- docente
da FMUSP, chefe da
(AVC) registrados no mundo, bem como 25% das
Unidade de Hipertensão
mortes por doença coronariana, estejam associados a
do HC-FMUSP e
complicações produzidas pela doença1. Segundo o
coordenador da "V
Diretrizes Brasileiras de
Ministério da Saúde, das 900 mil fatalidades
Hipertensão Arterial",
registradas no Brasil, anualmente, quase 30%
de 2006
decorrem de alterações no sistema cardiovascular
provocadas pela elevação crônica da pressão arterial, cujos limites
considerados normais são 140 mmHg por 90 mmHg. O acréscimo de 20
mmHg na pressão arterial sistólica, ou PAS, como é abreviada, e de 10 mmHg
na pressão arterial diastólica, a PAD, dobra a mortalidade por problemas
cardiovasculares, revelou um estudo de 2002 feito com 1 milhão de indivídios
e publicado no jornal médico britânico.
O nefrologista Décio Mion Jr., chefe da Unidade de Hipertensão do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, lembra que a
hipertensão afeta hoje quase 30% da população brasileira. "É uma doença
epidêmica", diz o especialista, um dos coordenadores da recémpublicada
"Diretrizes Brasileiras em Hipertensão Arterial". Um levantamento feito pelo
próprio Dr. Décio e equipe3 entre os funcionários do Hospital das Clínicas, em
2004, mostrou a prevalência de hipertensão em 26% da amostra de 864
indivíduos, que
correspondia a quase 10% do total de empregados da
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instituição.
Esse
quadro
negro se deve em grande
parte e, infelizmente, à
dificuldade da medicina em
obter
das pessoas com
doenças
crônicas
nãotransmissíveis
a
adesão
plena
ao
tratamento,
acrescenta Dr. Mion: "O
conhecimento para controlar
a hipertensão arterial existe,
mas
os
pacientes
não
seguem
a
orientação
médica",
lamenta
o
nefrologista. Nos Estados
Unidos, o percentual de
doentes com pressão arterial
abaixo de 140 mmHg por 90
mmHg, ou seja, em níveis
controlados, é de 31% sobre
o total
de doentes. No
Brasil, calcula-se que esse
percentual seja inferior a
10%.
Um estudo realizado em
Bambuí (MG), em 1996, que
incluiu todos os residentes de
60 anos ou mais (1.472
habitantes), revelou que, dos
hipertensos (919), 76,6%
conheciam sua condição e 10% tinham a pressão controlada4. Mais de 80%
dos brasileiros adultos medem a pressão arterial regularmente, comprovou
uma pesquisa de 2006, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da
Saúde. "O problema é a negligência nas demais etapas do processo, do
diagnóstico, orientação do tratamento e uso efetivo dos medicamentos. E ela
ocorre porque a doença não causa dor", observa o nefrologista, que revela a
seguir como um hipertenso deve ser tratado, levando em conta os dados da V
Diretrizes de Hipertensão Arterial5. Confira.
Diagnóstico
Entre os fatores desencadeadores da hipertensão arterial primária, destacamse a idade avançada, o consumo excessivo de sal, a obesidade, a ingestão
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elevada de bebidas alcoólicas, o sedentarismo, o tabagismo e a predisposição
genética. Os afrodescendentes
e miscigenados são particularmente
vulneráveis. O nível socioeconômico também desempenha papel importante.
As causas da chamada hipertensão primária, que representa mais de 90% dos
casos, são incertas. "Acreditamos que os mecanismos que levam ao
estreitamento dos vasos sangüíneos, produzindo um aumento na resistência
vascular periférica e, conseqüentemente, uma elevação da pressão arterial,
estão associados principalmente à resistência à insulina. Há também uma
teoria sobre o defeito genético do rim.
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O órgão eliminaria menos sal do que deveria, levando à retenção de água e
ocasionando aumento da pressão arterial", especula o médico. No diagnóstico
da hipertensão arterial, é importante levar em conta a presença de fatores de
risco associados, como problemas cardiovasculares, lesões de órgãos-alvo e
doenças como diabetes, entre outros, para avaliar o paciente e definir a meta
da pressão arterial a ser controlada com o tratamento. Muitas vezes ela será
fixada pelo clínico em níveis inferiores aos 140 mmHg por 90 mmHg - o limite
que diferencia o hipertenso do normotenso. A investigação clínicolaboratorial é
fundamental para a avaliação do paciente.
Também são indispensáveis o exame físico (veja quadro acima). "Não
podemos olhar apenas para a alteração da pressão, o tratamento tem de ser
global",
alerta Décio Mion, observando que, ao tratar de um paciente
hipertenso, hoje, o que os médicos fazem, todos eles, independentemente da
especialidade, é administrar riscos. "É como se fossemos 'riscologistas' o
se fossemos 'riscologistas'."
MAPA e MRPA
O diagnóstico é feito a partir da medição da pressão arterial da pessoa em
repouso. O método mais comum é o indireto, em que o médico ausculta os
sons da pressão arterial do paciente e utiliza o medidor de pressão
(esfigmomanômetro) de coluna de mercúrio ou aneróide. Ambos devem ser
calibrados a cada seis meses.
Mas duas novas ferramentas têm contribuído bastante na investigação da
suspeita de hipertensão: a chamada medida residencial da pressão arterial, ou
MRPA, e a MAPA, que é a medida ambulatorial da pressão arterial. "Temos
hoje quatro diagnósticos diferentes por conta da monitoração da pressão fora
do consultório", explica o Dr. Mion. "Podemos identificar com elas, além da
hipertensão e da normotensão, a hipertensão do avental branco e a
hipertensão mascarada, que são variações de pressão registradas diante do
médico, daí o nome."
O aparelho da MAPA é mais caro, mas com ele o paciente é monitorado
durante 24 horas, incluindo o período de sono, com registros intermitentes da
pressão arterial.
O sistema MRPA é mais barato, com o monitoramento feito a partir de
medições diárias ao longo de cinco dias, em aparelho de pressão validado. "Os
dois sistemas são eficazes e os médicos, cada vez mais, devem lançar mão
deles para melhor diagnosticar seus pacientes", observa o especialista. A
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recomendação é considerar a utilização da MAPA e da MRPA diante de
pressões arteriais iniciais acima de 140 mmHg por 90 mmHg.
Tratamento não-medicamentoso
Há dois tipos de tratamento para hipertensão: com e sem medicamentos. O
uso ou não de remédios vai depender do estágio da doença e do risco
cardiovascular do paciente. Uma pessoa recém-diagnosticada pode conseguir
reverter a alta da pressão adotando um estilo de vida saudável, que inclua
redução do sal na alimentação, maior consumo de vegetais, pouco ou nada de
álcool.
O estilo de vida saudável pressupõe, também, a prática regular de exercícios
físicos e a perda de peso. "Essas mudanças de hábitos servem tanto para a
prevenção da doença como para o seu tratamento", observa o nefrologista.
Reduzir o consumo de sal significa consumir, no máximo, 6 gramas diárias, o
que equivalente a quatro colheres rasas das de café. O brasileiro consome, em
média, 12 a 14 gramas de sal por dia.
Para ter idéia, um pacote de 1 quilo de sal deveria durar um mês e meio em
uma casa com quatro pessoas. O hipertenso deve evitar, ainda, as fontes
industrializadas de sal, como molhos prontos, sopas, embutidos, conservas,
enlatados, congelados, defumados e salgadinhos.
A dieta recomendada pelo estudo Dietary Approaches to Stop Hypertension
(DASH)6 prevê o controle da pressão arterial com base no consumo de frutas,
verduras, alimentos integrais, leite desnatado e derivados, pouca gordura
saturada e colesterol, muita fibra, potássio, cálcio e magnésio. Quanto às
bebidas alcoólicas, o consumo não deve ultrapassar 30 gramas diárias para
homens e 15 gramas para mulheres. "Isso significa duas latas de cerveja, duas
taças de vinho ou duas doses de destilados para os homens ou metade dessas
medidas para as mulheres", observa o professor Décio Mion.
O controle do peso e a realização de atividades físicas regulares durante pelo
menos 30 minutos, três vezes por semana, contribuem não só para o controle
da hipertensão, mas também para a queda da insulinemia (excesso de insulina
no sangue), além de reduzir a sensibilidade ao sódio e diminuir as atividades
do sistema nervoso simpático.
O índice de massa corporal (IMC) a ser perseguido é menos de 25 kg/m2. A
circunferência da cintura deve ser menor do que 102 centímetros para homens
e 88 centímetros para mulheres. É importante a avalia- ção física do paciente
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em risco de hipertensão, sob supervisão médica, previamente ao início de
qualquer programa de exercícios, lembra o médico.
Parar de fumar é imprescindível para o controle da pressão arterial de paciente
em risco ou já diagnosticado, além de representar outros benefícios. "O
tabagismo aumenta em cinco vezes o risco de infarto de uma pessoa", informa
o especialista. Um passo importante do tratamento não-medicamentoso,
finalmente, é o controle do estresse emocional, que eleva transitoriamente a
pressão arterial. A abordagem de aspectos psicossociais e o uso de técnicas de
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controle do estresse podem ser úteis para melhorar a adesão do paciente ao
tratamento.
A AÇÃO E OS EFEITOS DOS FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS
Os diuréticos são os medicamentos mais antigos contra hipertensão. Eles
atuam no rim, onde estimulam a eliminação da água e do sal retidos nas
paredes arteriais, o que diminui a pressão arterial. A utilização de baixas doses
reduz o risco de efeitos adversos, como a hipopotassemia e a hipomagnesemia
(baixa de potássio e baixa de magnésio, respectivamente). Os inibidores
adrenérgicos atuam sobre o sistema nervoso simpático, impedindo que seja
estimulado a ponto de induzir a contração dos músculos das artérias, causando
a hipertensão. São três os tipos: inibidores de ação central, alfabloqueadores e
betabloqueadores. Os inibidores de ação central podem causar sonolência,
sedação, boca seca, hipotensão e disfunção erétil. Já os alfabloqueadores
podem causar hipotensão, palpitações e astenia. Nenhum deles é indicado para
monoterapia por serem mais eficazes em combinação com outros
medicamentos.
Os betabloqueadorestêm sido menos empregados no tratamento de
hipertensão em virtude da ausência de demonstração de redução de risco
cardiovascular. Dos bloqueadores do canal de cálcio, as diidropiridinas são as
mais empregadas no tratamento da hipertensão. Como a vasoconstrição
depende do cálcio, o medicamento ajuda a diminuir a resistência das paredes
arteriais ao bloquear parte da contração muscular que depende do mineral e,
conseqüentemente, promove um controle da pressão arterial.
As diipropiridinas podem causar cefaléia, tontura, rubor facial (principalmente
as de curta duração) e edema de extremidades. Já os inibidores da ECA
bloqueiam a transformação da angiotensina I em II no sangue e nos tecidos. A
angiotensina II tem ação vasoconstritora, por isso combate a hipertensão e é
útil na prevenção secundária de AVC. Alguns dos seus efeitos são tosse e
alteração no paladar.
Os bloqueadores do receptor AT1 antagonizam a ação da angiotensina II
justamente ao ocupar e neutralizar essas células receptoras. São eficazes no
tratamento da hipertensão e benéficos em pacientes com alto risco
cardiovascular. Uma curiosidade: apresentaram menos efeitos colaterais do
que os placebos durante as pesquisas na fase clínica. Os vasodilatadores
diretos atuam sobre a musculatura da parede vascular, promovendo
vasodilatação. São contra-indicados em monoterapia por promover retenção
hídrica e taquicardia reflexa.
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A administração dos fármacos e suas combinações
Os anti-hipertensivos não reduzem apenas a pressão arterial, mas também
diminuem o risco de danos cardiovasculares, que podem ser fatais. E, para ter
maior eficácia, devem ser associados ao tratamento não-medicamentoso. O
médico deve ter como meta baixar a pressão do paciente para 120 mmHg por
80 mmHg, se ele tolerar e, principalmente, se for um paciente de alto risco
cardiovascular.
O tratamento farmacológico da hipertensão é empírico, explica Décio Mion, e é
preciso experimentar algumas abordagens até obter o resultado esperado.
"Temos, hoje medicamentos que atuam em várias frentes e podem ser usados
em doses mais baixas para evitar efeitos colaterais", ele diz. "Ao contrário de
até pouco tempo atrás, quando usávamos o mesmo medicamento, de forma
isolada, e íamos aumentando a dose até controlar a pressão ou observarmos
efeitos colaterais." Existem seis categorias de fármacos para hipertensão e,
basicamente, todos são medicamentos orais: os diuréticos, os inibidores
adrenérgicos (de ação central, alfabloqueadores e betabloqueadores), os
bloqueadores do canal de cálcio, os inibidores da enzima de conversão da
angiotensina (ECA), os bloqueadores do receptor AT1 da angiotensina II e os
vasodilatadores diretos (veja quadro). Esses medicamentos podem ser
utilizados isoladamente ou combinados e as associações podem ser fixas,
dependendo do critério médico.
réticos
quase sempre são utilizados em associações. Eles podem ser
combinados com praticamente todos os demais remédios. É importante,
porém, que o paciente saiba da possibilidade de ocorrência de efeitos adversos
e da necessidade eventual de alte- rações no tratamento, além de estar
informado do tempo previsto até a droga dar resultado.
A escolha do medicamento isolado para o controle da pressão arterial se baseia
em cinco medicamentos: diuréticos, betabloqueadores, inibidores da ECA,
bloqueadores dos canais de cálcio e bloqueadores do receptor AT1. Se a
monoterapia não der resultados, será preciso aumentar a dose, substituir a
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droga ou adicionar um segundo anti-hipertensivo ao tratamento. O
medicamento isolado, geralmente, não é suficiente para tratar a hipertensão
nos estágios 2 e 3, daí a necessidade de introdução precoce da terapêutica
combinada. "O mais importante é associar classes distintas em baixas doses
para minimizar efeitos adversos", diz o Dr. Décio Mion. Ele adianta que as
melhores combinações envolvem diuréticos ou bloqueadores de canal de cálcio
com inibidores da ECA ou bloqueadores do receptor AT1. "Outra boa opção
são as combinações fixas, que facilitam a adesão", conclui o nefrologista do
HC.
Uma nova classe de medicamentos para tratar a hipertensão arterial, a dos
inibidores de renina, deve chegar aos consultórios médicos em breve. Assim
como o inibidor da ECA e o bloqueador do receptor AT1, esta medicação
também atua sobre o sistema renina-angiotensina- aldosterona e é capaz de
ligar-se à renina, enzima produzida pelo rim, e impedir a formação da
angiotensina II, que tem ação vasoconstritora. "Será uma opção a mais para o
médico", acredita o nefrologista Décio Mion. Em relação ao futuro, o professor
acredita que devem aparecer aparelhos cada vez menores e mais sofisticados
para aplicação da MAPA. O número de medicamentos atualmente existentes
deverá sofrer depuração, também, com o surgimento de drogas de depósito ou
de longa duração para ingestão em intervalos longos como uma vez por
semana.
Referências bibliográficas
1. Prospective Studies Collaboration. The Lancet 2002; 360: 1903-13.
2. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention,
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JAMA 2003; 289(19): 2560-72.
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Rev Hosp Clín Fac Med S Paulo 2004; 6: 329-36.
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treatment of hypertension in older adults in community. Cad. Saúde Pública
2003; 19: 817-27.
5. V Diretrizes de Hipertensão Arterial 2006.
6. Effects on Blood Pressure of Reduced Dietary Sodium
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and the Dietary Approaches to Stop Hypertension
(DASH) Diet. N Engl J Med 2001; 344: 3-10.
http://www.revistapesquisamedica.com.br/PORTAL/textos.asp?codigo=10907
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