Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade Física Adaptada e Saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Doença vascular encefálica Fabricio Ferreira de Oliveira Residente do Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) 1. Definição O termo doença vascular encefálica refere-se a qualquer forma de comprometimento funcional ou anatômico do encéfalo que seja decorrente de anormalidades de seus vasos nutrientes. É preferível ao termo "acidente vascular cerebral", visto que nem sempre é conseqüente a um "acidente" propriamente dito, tampouco acomete exclusivamente o cérebro. A denominação "doença" também tem uma forte conotação médica, visto ser atualmente a terceira causa mais comum de morte em todo o mundo. 2. Sinais e sintomas A apresentação mais típica das doenças vasculares encefálicas consiste no acidente vascular encefálico, que pode variar desde um distúrbio neurológico trivial e, muitas vezes, imperceptível (como no caso de um infarto lacunar), até uma forma de comprometimento sensorial e motor (classicamente hemiplegia do lado oposto à lesão) que evolui rapidamente para um estado comatoso. Tipicamente, os acidentes embólicos ocorrem de maneira súbita, com intensidade máxima imediata dos sintomas, enquanto os acidentes vasculares trombóticos evoluem de forma mais lenta, de minutos a horas, ou até dias. Em termos de duração do quadro, os acidentes vasculares costumam perdurar por mais de 24 horas, com os episódios de duração inferior a este período, constituindo os ataques isquêmicos transitórios. Estes termos não são mutuamente exclusivos, ou seja, é comum que uma isquemia transitória evolua para um infarto cerebral com um quadro clínico exuberante. Ainda em termos temporais, considerando-se desta vez a topografia das hemorragias encefálicas, o déficit neurológico progride contínua e lentamente nos acidentes intraparenquimatosos, enquanto nas hemorragias subaracnóideas pode haver abertura súbita do quadro com um episódio de cefaléia holocraniana. Os acidentes vasculares hemorrágicos podem ser diferenciados da seguinte forma: Lesões traumáticas, freqüente ruptura da Hemorragia epidural artéria meníngea média Hemorragia Lesões agudas ou crônicas dos seios venosos subdural do encéfalo Hemorragia Lesões aneurismáticas, de malformações subaracnóidea arteriovenosas ou traumáticas Hemorragia Lesões focais de artérias profundas do intraparenquimatosa encéfalo As artérias mais tipicamente acometidas nas vasculopatias encefálicas são as carótidas e as cerebrais. Nestes casos, as manifestações clínicas são variáveis de acordo com a região cerebral acometida: 1 Hemisfério dominante (95% E) irrigação anterior Hemisfério nãoDominante (95% D) irrigação anterior abuliaafasia motora disartria discalculiadéficit sensitivomotor contralateral - anosognosia - disartria - desorientação espacialdéficit sensitivomotor contralateral dislexia - déficits sensoriais variáveis Irrigação Posterior alucinações visuais fotofobia - hemianopsia (ambos os homônima - déficits de memóriatremor postural hemisférios) contralateral - paresia do olhar conjugado contralateral Em casos de acometimento de vasos cerebelares, podemos ter as manifestações típicas da síndrome cerebelar: ataxia, hipotonia, disartria, disgrafia, dismetria, dissinergia, disdiadococinesia, disbasia, tremor intencional e descontinuidade dos movimentos oculares. Por outro lado, as lesões das estruturas do tronco encefálico resultam nas síndromes alternas, conforme visto abaixo: Síndromes Lado da lesão Lado oposto Alternas Paralisia Mesencéfalo Paralisia do III nervo faciobraquiocrural Paralisia do VI e/ou VII Ponte Paralisia braquiocrural nervo Bulbo Paralisia do XII nervo Paralisia braquiocrural Outras manifestações das doenças vasculares encefálicas incluem confusão mental, hipertensão arterial sistêmica, bradicardia, papiledema, vômitos em jato (característicos de quadros de hipertensão intracraniana), sincinesias, hiperreflexia com hipertonia (características da síndrome do primeiro neurônio motor), vertigem e alterações do ritmo respiratório, todas variando de acordo com a topografia e a extensão da lesão encefálica. A morte pode sobrevir em casos de isquemia global ou hemorragias que acometem regiões vitais, devido a maior rapidez da destruição neuronal irreversível. 3. Diagnósticos diferenciais Os diagnósticos diferenciais mais importantes estão entre as próprias doenças vasculares encefálicas, ou seja, é importante saber distinguir um infarto cerebral de uma hemorragia cerebral e suas etiologias, devido às possíveis implicações prognósticas do tratamento. Outrossim, grandes grupos de doenças neurológicas devem também ser considerados, incluindo as meningoencefalites, as polineuropatias, as neoplasias com efeitos de massa, as amiotrofias, as epilepsias, as deficiências nutricionais, diversos distúrbios metabólicos, as intoxicações exógenas e os quadros funcionais. 4. Confirmação diagnóstica Os passos necessários para o diagnóstico inicial da doença vascular encefálica seguem conforme visto abaixo. Clique aqui para visualizar. 2 A conduta diagnóstica nos casos de lesões isquêmicas deve ser efetuada conforme descrito no algoritmo abaixo: Clique aqui para visualizar. Em casos de lesões hemorrágicas, é meramente necessário um exame de imagem (inicialmente TC crânio sem contraste) para o estabelecimento do diagnóstico. Devido aos efeitos deletérios da isquemia, que é causada pelo vasoespasmo passível de se desenvolver posteriormente, recomenda-se, como exames necessários para a quantificação deste fenômeno, o US doppler transcraniano, se disponível, ou a angiografia cerebral. Em casos de aneurismas como causas de hemorragia subaracnóidea, recomenda-se a realização de angiografia seletiva, tanto para o diagnóstico quanto como orientação para uma posterior conduta cirúrgica. As tabelas abaixo descrevem algumas diretrizes importantes na condução de pacientes com doenças vasculares encefálicas: TABELA 1 - Cuidados Iniciais no paciente com Doença Vascular Encefálica 1ABCDE da vida 2Exame Neurológico completo 3Sinais Vitais 15/15 minutos na fase aguda 4Escala de Coma de Glasgow 30/30 minutos 5Monitorização ECG e Oximetria de Pulso 6- Acesso Vascular: hidratação adequada e exames laboratoriais de urgência (gasometrias, hemograma completo, glicemia, eletrólitos,coagulograma, exames toxicológicos) 7Dieta Zero 8Repouso no leito com mudança de decúbito 9- Mobilização precoce TABELA 2 - Exames recomendados para o diagnóstico de lesões atípicas Arterites Encefálicas sem RMN sangramento Arterites Encefálicas com angiografia sangramento Trombose Venosa Encefálica RMN contrastada ou TC Dissecção Arterial RMN ou cérvico-cerebral angiografia TABELA 3 - Indicações para ecocardiografia em pacientes com AVE 1- Pacientes de qualquer idade com oclusão abrupta de grandes vasos 2- Pacientes jovens com eventos vasculares encefálicos 3- Pacientes idosos com alterações do exame neurológico sem evidências de AVE ou outras causas justificáveis 4- Necessidade de anticoagulação de acordo com os resultados do 3 ecocardiograma 5- Suspeita de doença embólica de significado questionável TABELA 4 - Critérios Diagnósticos de lesões cerebrais na TC crânio Infarto Área hipodensa focal cuja localização depende do território vascular envolvido, podendo haver acentuação dos sulcos cerebrais. Hemorragia Imagem hiperdensa, petequial ou sob a forma de um hematoma, em meio a substância branca ou cinzenta, com ou sem envolvimento de áreas corticais, podendo haver inundação ventricular. Material Embólico Imagem hiperdensa em grande artéria intracraniana. Calcificação Imagem hiperdensa interna ou aderida à parede do vaso. Lesões Incidentais Infarto "silencioso", coleção subdural, tumor, aneurisma gigante, malformação arteriovenosa. TABELA 5 - Critérios Diagnósticos de lesões cerebrais na RMN crânio Infarto Sinal hipointenso em T1 e hiperintenso em T2, de acordo com o território vascular envolvido, além de efeito de massa de início precoce, máximo com 24 horas de lesão, desaparecendo após um mês. Hemorragia Aguda Sinal hipointenso em T1 e T2, circundado por imagem hiperintensa em T2. Hemorragia Subaguda (> 7 dias) Sinal hiperintenso em T1 e variável em T2 (hipointenso até um mês, hiperintenso até um ano). Hemorragia Crônica (> 1 ano) Sinal hipointenso em T1, com hipointensidade marginal circundando uma cavidade fluida hiperintensa em T2. 5. Abordagem terapêutica Inicialmente, será abordado o tratamento das lesões isquêmicas, posteriormente detalhando-se as condutas nas hemorragias encefálicas. O tratamento da doença vascular encefálica isquêmica pode ser efetuado conforme o algoritmo abaixo: Clique aqui para visualizar. Na fase aguda pós-infarto (até 3 horas), está indicada a utilização do ancrod como agente antitrombótico, considerando-se que foi observada maior possibilidade de recuperação das funções 4 neuromusculares normais após o evento isquêmico nestes pacientes. Por outro lado, nos casos já citados em que a anticoagulação estiver indicada, quando houver recorrência de isquemia cerebral durante a mesma, está estabelecida uma indicação formal de angioplastia do vaso acometido. É importante a monitorização precisa do quadro clínico durante as primeiras 48 horas, visto que ocorre agravamento do mesmo em 25% dos pacientes neste período. Os principais eventos que podem levar ao óbito são os quadros infecciosos e as complicações neurológicas agudas, contribuindo cada um para 50% das mortes por doença vascular encefálica. Recomenda-se, portanto, a investigação de todo episódio febril apresentado pelos pacientes. As principais complicações neurológicas na fase aguda são o edema cerebral (podendo levar à hipertensão intracraniana e à herniação aguda com compressão do tronco encefálico), as convulsões e a transformação hemorrágica do infarto. Os quadros a seguir trazem algumas orientações terapêuticas gerais para os pacientes com vasculopatias encefálicas: Recomendações para terapêutica trombolítica 1- Conduzir somente se decorridas menos de 3 horas do evento isquêmico. 2Pacientes com mais de 18 anos de idade. 3- Sempre realizar angiografia cerebral antes do uso de trombolíticos (descartar a presença de lesões hemorrágicas). 4- rtPA 0,1 mg/kg bolus I.V. + 0,9 mg/kg em uma hora é a medida de escolha. 5- Monitorização neurológica contínua: interromper em casos de deterioração clínica súbita. 6Manter PA < 180/110mmHg. 7Contagem plaquetária > 100000/mm3. 8- Paciente sem história de IAM ou intervenções cirúrgicas ou anticoagulação ou eventos hemorrágicos pelo menos nos últimos 3 meses. 9- A trombólise intra-arterial ainda se encontra em investigação. Orientações para a indicação de endarterectomia carotídea 1Sintomas isquêmicos recentes. 2- Estenose ipsilateral angiograficamente comprovada (70%-99%). 3Risco Cirúrgico ASA I-II. 4- Expectativa de vida cardiovascular em 5 anos > 50%. Medidas Gerais no manuseio do paciente com AVE agudo 1- Controle Pressórico - tratar HAS somente se PA > 220/130mmHg. 2- Manter PA > 160/100 mmHg durante uma semana. 3- Hipotensão é devida a hipovolemia até prova em contrário - aporte hidroeletrolítico adequado. 4Manter o paciente normoglicêmico. 5- Manter a temperatura corporal normal ou baixa - febre piora o prognóstico. 6- Corrigir alterações do hematócrito (anemia severa ou hiperviscosidade). 5 7- Iniciar agentes anti-plaquetários (AAS - ticlopidina) precocemente no AVE isquêmico. 8- Iniciar agentes hipocolesterolêmicos precocemente (pravastatina é o fármaco de escolha). 9- Iniciar nimodipina 60mg 6/6 horas em casos de hemorragia subaracnóidea. 10Elevar a cabeceira. 11- Deterioração Clínica + HIC: hiperventilação (PaCO2~30 mmHg) + osmoterapia (manitol 0,25-0,50 g/kg I.V. 6/6 horas). 12- Acrescentar furosemida 20mg I.V. 6/6 horas em casos de osmoterapia. 13- Controle das Convulsões: agentes de ação rápida. 14Agentes Neuroprotetores: benefício incerto. 15- Terapêutica Cirúrgica contra-indicada até o momento para pacientes com AVE isquêmico. A hemorragia intracraniana é uma emergência médica, devendo receber atenção imediata por parte da equipe que acolhe o paciente. À parte as medidas gerais já citadas, é importante que se inicie a monitorização tanto da pressão intracraniana quanto da saturação de O2 do bulbo da veia jugular, ambos como parâmetros para a manutenção da integridade anátomo-fisiológica cerebral. Para pacientes sob risco de desenvolver hidrocefalia, drenos ventriculares devem ser instituídos e mantidos por, no máximo, sete dias, com recomendação de profilaxia antibiótica. Indicações Cirúrgicas para pacientes com AVE hemorrágico 1- Hemorragia Subaracnóidea: intervenção cirúrgica precoce para prevenção do ressangramento.2- Hidrocefalia Obstrutiva Aguda: ventriculostomia de urgência3- Hidrocefalia Comunicante Crônica: derivação ventricular externa temporária ou permanente em pacientes sintomáticos.4- Hemorragia Cerebelar: intervenção urgente se o maior diâmetro da área de sangramento for superior a 3cm ou se houver deterioração neurológica, compressão do tronco encefálico ou hidrocefalia obstrutiva.5- Hemorragia por defeito estrutural (aneurisma, malformação arteriovenosa, angioma cavernoso): se a lesão for acessível cirurgicamente, está indicada a intervenção nos casos de deterioração clínica aguda em pacientes previamente hígidos Por fim, é necessário que se destaque a importância do encaminhamento de tais pacientes para as Unidades de Medicina Neurointensiva e de Reabilitação, visto que pode haver uma significativa atenuação da morbidade decorrente dos eventos agudos. 6. Conclusão O valor das medidas específicas atualmente disponíveis para o tratamento das doenças vasculares encefálicas ainda é incerto. Espera-se que no futuro, com o aumento da longevidade da população, surjam novas alternativas para a melhoria da qualidade de vida do paciente neurologicamente comprometido. Bibliografia 1) Adams HP Jr et al. Guidelines for the management of patients with acute ischemic stroke : a statement for healthcare professionals from a special writing group of the Stroke Council, American Heart Association. Stroke 1994; 25: 1901-1914. 2) Adams RD & Victor M. Neurologia. Rio de Janeiro, McGraw-Hill, 1996. 6 3) Bennett JC & Plum F (eds). Cecil Tratado de Medicina Interna. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1997. 4) Broderick JP et al. Intracerebral hemorrhage more than twice as common as subarachnoid hemorrhage. J Neurosurg 1993; 78: 188-191. 5) Dietrich HH & Dacey RG Jr. Molecular keys to the problems of cerebral vasospasm. Neurosurgery 2000; 46: 517-530. 6) Duncan PW et al. Outcome measures in acute stroke trials : a systematic review and some recomendations to improve practice. Stroke 2000; 31: 1429-1438. 7) Fauci AS et al (eds). Harrison's Principles of Internal Medicine. New York, McGraw-Hill, 1998. 8) Fogelholm R & Murros K. Cigarette smoking and subarachnoid haemorrhage : a populationbased case-control study. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1987; 50: 78-80. 9) Gent M et al. The Canadian American Ticlopidine Study (CATS) in thromboembolic stroke. Lancet 1989; 1: 1215-1220. 10) Harvey D et al. Pravastatin therapy and the risk of stroke. N Engl J Med 2000; 343: 317-326. 11) Hass WK et al. A randomized trial comparing ticlopidine hydrochloride with aspirin for the prevention of stroke in high-risk patients. N Engl J Med 1989; 321: 501-507. 12) Hebert PR et al. Cholesterol lowering with statin drugs, risk of stroke, and total mortality : an overview of randomized trials. JAMA 1997; 278: 313-321. 13) Holloway RG et al. Stroke prevention: narrowing the evidence-practice gap. Neurology 2000; 54: 1899-1906. 14) Ingall T et al. A multinational comparison of subarachnoid hemorrhage epidemiology in the WHO MONICA stroke study. Stroke 2000; 31: 1054-1061. 15) Ingall TJ et al. Has there been a decline in subarachnoid hemorrhage mortality ? Stroke 1989; 20: 1150-1155. 16) Johnson ES et al. A metaregression analysis of the dose-response effect of aspirin on stroke. Arch Int Med 1999; 159: 1248-1253. 17) Lodder J et al. Are hypertension or cardiac embolism likely causes of lacunar infarction? Stroke 1990; 21: 375-381. 18) Nanda A et al. Intracranial aneurysms and cocaine abuse : analysis of prognostic indicators. Neurosurgery 2000; 46: 1063-1069. 19) Rasmussen PA et al. Stent-assisted angioplasty of intracranial vertebrobasilar atherosclerosis : an initial experience. J Neurosurg 2000; 92: 771-778. 20) Rippe JM et al (eds). Intensive Care Medicine. Boston, Little, Brown, 1996. 21) Sherman DG et al. Intravenous ancrod for treatment of acute ischemic stroke : the STAT study : a randomized controlled trial. JAMA 2000; 283: 2395-2403. 22) Streifler JY et al. The risk of stroke in patients with first-ever retinal vs hemispheric transient ischaemic attacks and high-grade carotid stenosis. Arch Neurol 1995; 52 : 246-249. 23) Society of Critical Care Medicine. fccs - Fundamentos em Terapia Intensiva - Texto do Curso. São Paulo, RevinteR, 2000. 24) Tierney LM Jr et al (eds). CURRENT Medical Diagnosis & Treatment 2000. New York, LANGE, 2000. 25) Wolf PA et al. Probability of stroke : a risk profile from the Framingham Study. Stroke 1991; 22 : 312-318. 7