1 O INTERESSE PELA LEITURA E PELA ESCRITA DEVE SER ALGO CONQUISTADO EM SALA DE AULA. Formação de professores para a Educação de Jovens e Adultos *Júlio César Sinval Maia **Márcia Superti Maia * Graduando em pedagogia UFSCar ** Licenciada em pedagogia UFSCar As referências utilizadas para este relato foram baseadas em experiência vividas no bairro Antenor Garcia no projeto Brasil Alfabetizado. Mudanças de hábitos e de atitudes não acontecem rapidamente, como idealizamos, pois estão diretamente relacionadas aos valores culturais da população. O interesse pela leitura e pela escrita está presente nos comentários dos alunos, porém notamos que algumas posturas, com relação ao mesmo, são muito diferentes em relação ao que foi verbalizado. No primeiro momento do trabalho, fomos à casa dos moradores do bairro e perguntamos se gostariam de estudar. A maioria disse que sim, disse que estudar é muito importante e que a vida seria muito melhor se os mesmos soubessem ler e escrever. Conseguimos um espaço e fomos convidá-los a estudar, constatamos que a maioria das pessoas não compareceu às aulas, utilizando para isso desculpas que consideramos insatisfatórias. Desse acontecimento, surgem duas grandes perguntas: Aprender é importante? Por que os alunos não querem ir a escola? Passado algum tempo do início das aulas, conhecemos melhor as pessoas do bairro, mas ainda algumas situações continuavam a nos perturbar, por exemplo, seu Antônio (nome fictício) é aposentado, passa a tarde toda na porta de casa sentado e não vai à escola e sempre que a alfabetizadora passava na rua, cumprimentava-a e dizia “boa tarde professora”. O mesmo acontecia com a dona Maria, na hora da aula, lá estava ela na janela, e lá ficava toda à tarde, mas nada de ir para a escola. Porém sempre que perguntava sobre a importância de ler e escrever, a mesma resposta era sempre ouvida. Por mais que a alfabetizadora se esforçasse eles sempre diziam que “amanhã eu vou para a escola, afinal ler e escrever é muito importante.” 2 Isso nos levou a refletir sobre uma grande diferença existente entre o que as pessoas do bairro dizem quando você bate à porta, pois talvez tenhamos um mecanismo de defesa e até mesmo de sobrevivência e sempre que alguém bate à porta de um morador do bairro, o mesmo ao abri-la já tem um discurso preparado. Muitas vezes este discurso pode não condizer com que ele pensa, mas parece que ele fala ou para aquela pessoa ir embora ou então para conseguir alguma coisa. Nota-se também que as notícias correm muito rápido, quando falamos com algum morador no começo do bairro parece que alguém já vai comentar com o “compadre” que mora na última rua e ao chegarmos no final das casas todos já sabem do que se trata. Vivemos em uma sociedade muito injusta na qual os excluídos já sabem qual o seu lugar e este obstáculo social é algo muito difícil de transpor. A sensibilização dos alunos para importância da leitura e da escrita é um processo lento, implica na recepção, acomodação e adaptação a novas formas de pensar, embora seus discursos sejam diferentes, eles não vêm muita importância em ler e escrever. Um dos poucos motivos que os levam a querer ler é a sua religião, fora este motivo, o incentivo para a leitura é quase nulo, pois no bairro não existe propaganda, para saber os destinos dos ônibus, eles costumam perguntar e são poucos os que fazem compras no supermercado, a maioria recebe cesta básica do governo. O interesse pela leitura e escrita surgirá a partir de constante contato com a situação em sala de aula. Na visão de Bettelhein (1984), a aprendizagem não é só decodificar e gerar significados, mas está relacionada ao prazer, ou seja, deve ser o resultado de um desejo e assim produzir prazer. Se o professor efetivamente sensibilizar os alunos em sala de aula, esses poderão disseminar suas experiências, pois, como já citado, os comentários correm muito rápido no bairro e se conseguirmos despertar nos alunos da sala este desejo de aprender, estes, com toda certeza, irão comentar com os outros moradores que, talvez, com o passar do tempo, possam manifestar interesse em aprender. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) o domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade dos alunos poderem ter uma participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produzindo conhecimento (PCN,V2,2000). 3 Baseados nas concepções de Bettelhein (1984) que diz que a aprendizagem está relacionada ao prazer e ao interesse do aluno, e em Paulo Freire (1987) que insiste que deve haver intrínseca relação entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos, devemos buscar trabalhar a partir de aspectos interessantes para os estudantes que partam de algo conhecido para eles. Cabe também ao professor utilizar a realidade do aluno, o professor deve ser suficientemente sensível para ler as situações que acorrem em sala e na comunidade e desta forma gerar algo significativo para os mesmos. Todavia, o que significa ler situações? Talvez ser capaz de interpretar e refletir sobre o que os alunos fazem e falam dentro e fora da sala de aula. Somados a esses aspectos, devemos lembrar também que a escola é um espaço especialmente propício para a educação da cidadania: um espaço para aprender a cuidar dos bens coletivos, aprender a discutir e participar democraticamente, desenvolver a responsabilidade pessoal pelo bem estar comum. A “Ação pedagógica e a construção da Cidadania” por se tratar de uma das possibilidades da ação educativa também politiza os alunos; “e por acreditarmos que as condições materiais, econômicas, sociais, políticas e ideológicas em que nos achamos inseridos geram quase sempre barreiras de difícil superação, para o comprimento da nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sabemos também que os obstáculos não se eternizam” (Freire,1996). É preciso apontar que a possibilidade de que estes alunos sejam elementos de mudança social depende de todos, e que existe uma condição propícia. É óbvio que não de forma ingênua, mas com atitudes concretas, seja efetivado um trabalho que possibilite a criação da identidade do aluno e a interpretação de suas condições. O mais importante é favorecer o desenvolvimento de instrumentos de participação na sociedade através da construção do conhecimento de forma significativa, crítica, criativa, duradoura e do trabalho com conceitos fundamentais para a leitura e intervenção no mundo. Há, também, a necessidade de estar sempre revendo os objetivos preestabelecidos, ou seja, avaliar continuamente as necessidades de possíveis reformulações, pois aprendemos que o planejar a aula e indicar as atividades propostas não podem impedir a flexibilidade necessária. 4 Referências Bibliográficas BETTELHEIN, B. Aquisição do ato de ler e do ato de aprender a ler. In: Psicanálise da Alfabetização: um estudo psicanalítico do ato de ler e aprender. Artes Médicas, Porto Alegre, 1984. pp. 5-37. BRASIL.Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa, v2, Secretaria da Educação fundamental, 2a ed. Rio de Janeiro. 2000. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra, 2ª ed. São Paulo, 1996. FREIRE, P. Revista de Educação. APEOESP, Nº 09 – Junho/98, pp 01. OLIVEIRA Alves, L. I (et. al): Espaço em Construção. Belo Horizonte: Editora Lê , 5a edição, 1993. ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre. Art. Médicas 1998.