A educação para a mídia e a mídia para a educação Paulo José Cunha A maioria das abordagens sobre a questão da responsabilidade da mídia em relação à educação deságua no erro original de considerar uma e outra como compartimentos isolados, apenas eventualmente comunicantes, evidenciando arraigados preconceitos de parte a parte que foram se consolidando ao longo do tempo, e que só contribuem para uma visão deformada de uma realidade onde as duas categorias deveriam ter espaço assegurado de convivência. Não há mais como falar de mídia sem falar, concomitantemente, em educação. Assim como não há mais como falar em educação sem falar necessariamente em mídia. A sala de aula, antes infensa à presença dos mídia no espaço social ou pelo menos mantida a prudente distância de sua influência, há muito tempo transformou-se em campo de experimentos midiáticos. E a mídia, há vários anos, vem sendo considerada por diversos estudiosos como a principal componente do processo educacional, desde que, a partir do primeiro terço do século XX, o planeta começou a experimentar a revolução criada pela chamada sociedade da informação. Assim como o espaço de exercício da política saltou das casas legislativas para o território virtual de discussão criado pelos mídia. Assim como a pracinha do interior deixou de ser o ponto de encontro e interação, substituída pelos shoppings. Os mídia instituíram uma nova "ágora", tornando-se de fato instrumentos de "mediação", substituindo com sucesso espaços "sagrados" como a igreja e o sindicato. Desta forma, convém repensar a insistência com que agentes de políticas públicas continuam compartimentalizando mídia e educação, como se ambas não fizessem parte de um mesmo processo social. A antiga organização do espaço "educacional" que limitava a transmissão de conteúdos à sala de aula deslocou-se para o espaço virtual definido pela informação eletrônica. Uma criança de qualquer cidade média no Brasil passa mais tempo diante da tela da tevê do que ouvindo as perorações do professor. O que se aprende na sala de aula pela manhã é desmentido à noite pelo noticiário. Por tudo isso, é fundamental a consciência de que a questão mídia-educação comporta hoje uma abordagem holística capaz não apenas de examinar como se processa o tráfego de influência mútua entre as duas áreas mas, sobretudo, de como a formação do "novo homem" depende da compreensão de que é necessária, sim, a criação de conteúdos específicos visando a uma "mídia para a educação". Mas, igualmente e ao mesmo tempo, é preciso pensar em alternativas capazes de estabelecer parâmetros para uma "educação para a mídia". O que significa afirmar que não existe caminho de mão única, uma vez que o equacionamento da questão exige abordagem que contemple seus múltiplos aspectos. Tornou-se imperativa a necessidade de intervenção da sociedade civil na definição dos conteúdos, sobretudo nos que se referem ao setor do entretenimento, que hoje responde por quase 80 por cento das emissões da tevê de sinal aberto no Brasil. Esta afirmação é redundante com o próprio preceito constitucional sobre as finalidades culturais e educativas dos meios eletrônicos de exploração privada por meio de concessão estatal. Ao mesmo tempo, dentro da visão holística acima referida, não se pode mais recusar a adoção de providências visando a uma "educação para a mídia", seja através da criação de disciplinas exclusivas a partir do ensino fundamental, seja ainda pela abertura de espaços públicos de discussão – tipo "Observatório da Imprensa" – capazes de detonar um processo de análise e reflexão permanentes, exigência de um mundo cuja conformação imaginária passou a ser construída diariamente pela tela da tevê. O tempo do professor como transmissor "oficial" de conteúdos educativos já vai longe. Âncoras, animadores, apresentadores e ídolos da tevê ocuparam esse papel. Ao professor, cada vez mais, cabe outro – o de motivador e orientador. A sala de aula do futuro – se é que vai haver sala de aula, espaço físico consagrado pela tradição à transmissão de conhecimento (?) – tende a se transformar, cada vez mais, em espaço de debate, avaliação e discussão dos conteúdos disseminados pelos mídia, esses criadores do novo e mais atraente formato de absorção de conhecimento. Se considerarmos que, neste instante, ainda não existe ação efetiva do estado no sentido de definir sequer uma classificação etária da programação nem qualquer aceno na direção do cumprimento do princípio constitucional relativo aos conteúdos culturais e educativos da mídia eletrônica de concessão estatal, vamos perceber que o buraco é mais embaixo. E que o assunto tem sido tratado como se isto aqui fosse a casa da mãe joana. Ou a casa dos artistas, o que dá no mesmo.