ESTUDO HORMONAL E HISTOPATOLÓGICO EM EQUINO (Equus caballus) INTERSEXUADO WILLIAM VOLINO1; RITA DE CÁSSIA MARTINS AURNHEIMER2; ALBA LEONOR DE SOUZA LIMA DOS SANTOS3; BEATRIZ BRINGEL4; ROBERT DOUGLAS4; JOSE ROBERTO NOSSAR DA SILVA5 ABSTRACT: VOLINO, W.; AURNHEIMER, R.C.M.; SANTOS, A.L.S.L.; BRINGEL, B.; DOUGLAS, R.; DA SILVA, J.R.N. Hormonal and Histopatologic study in intersex equine (Equus caballus). An equine bearer of anomalies of sexual differentiation was evaluated through histopathology of gonads and other sexual organs and hormonal dosages (testosterone, FSH, LH, estrogen and progesterone). The findings confirmed the occurrence of male pseudo-hermaphroditism. KEY-WORDS: intersex, histopathology, hormones INTRODUÇÃO Sabe-se que durante o desenvolvimento embrionário dos órgãos do sistema genital e da diferenciação sexual em mamíferos ocorrem três etapas distintas, porém relacionadas1. A primeira delas, a determinação do sexo genético, ocorre no momento da fecundação, com a formação de zigotos XX ou XY. Em seguida ocorre a diferenciação de testículos ou ovários, a partir de uma gônada indiferenciada, sendo determinando assim o sexo gonadal. Este é influenciado, nos machos, pelo gene SRY presente no cromossomo Y. No entanto existem outros genes que estão envolvidos na diferenciação sexual, tais como o SOX-9, DAX-1, SF-1, WT-1 2. Uma vez tendo se formados testículos no embrião masculino as células de Sertoli secretam o hormônio Anti-Mulleriano que promoverá a regressão dos ductos paramesonéfricos, que originam, no embrião feminino, as tubas uterinas, útero e parte da vagina1. As células de Leydig, dos testículos, concomitantemente secretam testosterona, que é trasformada pela enzima 5-alfa-redutase em dihidrotestosterona, induzirá a diferenciação dos ductos mesonéfricos em epidídimos, ductos deferentes e glândulas acessórias e promoverá a masculinização da genitália externa3. Após estas ocorrências ocorrerá a descida testicular para a bolsa escrotal também por ação androgênica e do hormônio anti-mulleriano4. Já foram identificadas várias anormalidades cromossômicas em eqüinos envolvendo os cromossomos sexuais, cujos indivíduos apresentaram cariótipos das mais diversas constituições, sendo na maioria dos casos fêmeas com genitália externa masculinizada em diversos graus5. Alguns destes animais apresentam criptorquidismo e deficiência no desenvolvimento testicular6. É relativamente freqüente a ocorrência da reversão sexual em eqüinos com cariótipo 64, XY7. Na maioria das vezes estas éguas XY apresentam variação fenotípica, sendo desde um fenótipo bem feminino com órgãos genitais normais a um fenótipo extremamente masculinizado. Há relatos de animais nestas condições que se reproduziram normalmente e geraram machos XY normais, fêmeas XX normais e uma fêmea XY8. Também já foi relatado um caso em eqüino com fenótipo de fêmea normal, sem indício de ciclo estral, com cariótipo 64, XY, porém Sry negativo9. Os autores que fizeram esta descrição concluíram que se tratava de uma fêmea XY com hipoplasia gonadal. Em outro trabalho duas éguas foram avaliadas por apresentarem problemas de fertilidade, embora fenotipicamente normais. Uma delas revelou-se um sexo-reverso XY Sry-negativo com hipoplasia gonadal, e a outra um caso em que apenas havia uma alteração do sexo genético, sendo 65, XXX10. Na literatura encontra-se a informação que os epidídimos eqüinos também são responsáveis pela produção de testosterona11. O presente trabalho avalia através de dosagem hormonal e histopatologia um eqüino que apresenta anormalidade da diferenciação sexual, a fim de esclarecer os mecanismos envolvidos. MATERIAL E MÉTODOS O eqüino estudado é da raça Puro Sangue de Corrida, seis anos, de pelagem castanha, de propriedade da Fazenda Escola Vila Pepita, UBM, Barra Mansa, RJ. Foi realizado um minucioso exame clínico, avaliando a sua conformação, características e comportamento sexual, bem como uma avaliação dos órgãos genitais externos. Um ____________________________________________________ 1 Professor da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro) e Centro Universitário Geraldo Di Biasi (Volta Redonda e Barra do Piraí), [email protected] 2 Professora da Universidade Estácio de Sá e Centro Universitário de Barra Mansa 3 Acadêmica de Medicina Veterinária do Centro Universitário de Barra Mansa 4 Professor do Centro Universitário de Barra Mansa 5 B.E.T. Laboratories do Brasil S/C Ltda exame ultra-sonográfico também foi feito quando este apresentava onze meses de idade. Este animal já foi avaliado anteriormente através de estudos citogenéticos e moleculares12. Foi coletada amostra de sangue periférico (20mL) com seringas descartáveis e acondicionada em tubos sem anticoagulante para dosagens hormonais (estrógenos totais, testosterona, progesterona, FSH e LH), que foram realizadas no Bet Laboratories, no Jockey Clube Brasileiro, Rio de Janeiro, RJ. Devido ao estado de debilitação em que o animal se encontrava foi feita eutanásia, seguida por necropsia, em que os órgãos sexuais internos foram coletados e acondicionados em formol 10% para posterior análise histopatológica, feita no Laboratório Multidisciplinar do Centro Universitário de Barra Mansa. RESULTADOS E DISCUSSÃO O eqüino possuía conformação de fêmea, apresentando, no entanto, uma estrutura similar a um pequeno pênis, voltado caudalmente, envolto por uma prega cutânea semelhante a uma vulva, numa região medial do períneo (figura 1). Possuía comportamento sexual masculino, apresentando ereção e montando fêmeas no cio. Estruturas com padrão de testículos e vesículas seminais foram observadas no exame ultra-sonográfico. Nos estudos citogenéticos e moleculares realizados anteriormente caracterizaram-se como sendo 64, XY, Sry negativo12. O exame histopatológico revelou a presença de testículos, embora vestigiais, epidídimos perfeitamente diferenciados e vesículas seminais. As dosagens hormonais revelaram 849,1 ρg/mL de testosterona, 0,8 ηg/mL de FSH, 1,8 ηg/mL de LH, 0,8 ηg/mL de progesterona e 9,4 ρg/mL de estrógenos. Estes resultados estão sumarizados na tabela 1. Os valores de testosterona, FSH e LH estão dentro do padrão de normalidade, estando a quantidade de estrógenos muito abaixo do valor normal e de progesterona aumentado. Os resultados histopatológicos confirmaram a presença de testículos e epidídimos, e a dosagem de testosterona é normal. Há indícios da ação de testosterona, como o comportamento sexual tipicamente masculino e as características de androgenização da genitália externa, no entanto, ocorreu uma deficiência na androgenização da genitália externa, que pode ocorrer por deficiência de testosterona, na conversão desta em DHT ou relacionado aos receptores androgênios 13. Este animal apresentara cariótipo 64, XY e ausência do gene Sry, ficando caracterizada uma condição em que ocorreu diferenciação testicular sem a presença do gene, evento já observado em outros casos14. O fato dos testículos não estarem perfeitamente diferenciados revela que esta diferenciação sem a presença deste gene não ocorre de forma plena, mas foi suficiente para masculinizar a genitália interna tubular (epidídimos). Embora este animal seja cromossomicamente normal, já foi relatada a ocorrência de criptorquidismo associada ao desenvolvimento anormal dos testículos em eqüinos6. A testosterona presente, em quantidades normais, pode ser devido ao fato de que os epidídimos, na espécie eqüina, também é responsável pela sua produção 11, podendo ter sido o hormônio desta origem também responsável, em parte ou totalmente, pela androgenização parcial da genitália externa. Os resultados obtidos neste estudo contribuem para um melhor entendimento destas ocorrências uma vez que se somam aos resultados citogenéticos e moleculares obtidos anteriormente, permitindo uma melhor caracterização do pseudohermafroditismo masculino e o entendimento do que pode ter ocorrido durante o seu desenvolvimento. Figura 1 – Genitália externa do eqüino, mostrando o um pequeno pênis (seta), voltado caudalmente, envolto por uma prega cutânea, na região mediana do períneo. Tabela 1 – Valores das dosagens hormonais, com unidade, e valor normal de referência (B.E.T. Laboratories do Brasil S/C Ltda). Hormônio Resultado/Unidade Valor Normal Testosterona 849,1 ρg/mL 500-2000 ρg/mL Estrógenos 9,4 ρg/mL 150-400 ρg/mL Progesterona 0,8 ηg/mL 0,2 ηg/mL FSH 0,8 ηg/mL 0,5-15 ηg/mL LH 1,8 ηg/mL 0,5-15 ηg/mL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. MEYERS-WALLEN, V.N., HURTGEN, J.; SCHLAFER, D.; TULENERS, E.; CLELND, W.R.; RUTH, G.R.; ACLAND, G.M. Equine Vet. J., 29: 404 - 408, 1997. 2. 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