EXMO - Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA xx VARA CRIMINAL DA COMARCA
DA CAPITAL - RJ.
Referência:
Processo n.º 00000000000000000000000.
XXXXXXXXXXXXXXXXXX,
brasileira,
solteira,
portadora da carteira de identidade n.º 00.000.000-0, inscrita no CPF sob o n.º
000.000.000-00, residente e domiciliada na Rua Sgt. Antônio Ernesto n.º 491,
Casa 5, Lote 34, Pavuna, Rio de Janeiro – RJ, CEP: 00.000-000, Telefones:
(21) 90000-0000 ou (21) 90000-0000, vem, por intermédio do Defensor Público,
requerer a
SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR
expondo, para tanto, os fatos e fundamentos adiante aduzidos:
I. ENCARCERAMENTO DE MULHERES GRÁVIDAS NO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECRUDESCIMENTO
PUNITIVO VINCULADO AO GÊNERO:
1.
Como demonstra o laudo de tempo gestacional
acostado, a Defendente está grávida, encontrando-se precisamente na XXª
semana de gestação. Ademais, verifica-se do prontuário médico (anexo) que
se trata de gravidez de risco, o que exige acompanhamento detido. Tal
circunstância é de extrema importância para os desdobramentos da presente
ação penal e deve ser levada em consideração na busca de alternativas ao
encarceramento da mulher gestante.
2.
São
notórias
as
condições
deploráveis
de
encarceramento das mulheres no Estado do Rio de Janeiro. O cenário de
omissão sistemática do Estado na garantia da integridade das presas ensejou,
inclusive, a propositura de ação coletiva por parte da Defensoria Pública
(0220470-75.2014.8.19.0001),
no
intuito
de
assegurar
minimamente
atendimento médico especializado às mulheres privadas de liberdade
(ginecológico e obstétrico).
3.
Além disso, em recente inspeção do Núcleo de
Direitos Humanos da Defensoria Pública no Presídio Talavera Bruce, realizada
aos 11 de novembro de 2015 (DOC. 1), foi constatado, por exemplo, que (i) as
presas grávidas são alocadas em celas sem qualquer acomodação específica
para as suas necessidades; (ii) recebem a mesma alimentação, sem
diferenciação, do coletivo geral de presas; (iii) têm acesso limitado à água
potável; (iv) são transportadas às unidades de saúde na viatura comum do
SOE/SEAP, algemadas, e não em ambulância; (v) estão sujeitas ao isolamento
em cela infecta, escura e quente; (vi) dependem de um longo tempo de espera
e de muita insistência para receberem atendimento médico de urgência.
4.
A administração prisional, em suma, não destina
qualquer política específica de acolhimento às mulheres grávidas privadas de
liberdade, o que resulta nos abomináveis episódios de horror relatados à
equipe do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos na referida visita, dentre os
quais destacamos pelo menos dois partos realizados no interior das celas
da Penitenciária nos últimos meses: o primeiro, realizado pelas próprias
detentas, que acudiram a companheira de cela e tiveram de desenrolar o
cordão umbilical do pescoço do recém-nascido; e o segundo, divulgado
amplamente na mídia nacional1, o de uma gestante que foi colocada na
solitária e ali deu à luz, em total abandono, apesar dos gritos de socorro.
Não desconsideremos os relatos de partos que ocorreram no interior das
viaturas do SOE/SEAP.
5.
Ora, é inegável que as mulheres grávidas se
encontram em condição de superposição de vulnerabilidades2 (gênero,
privação de liberdade, situação de saúde, pobreza, pertencimento a grupo
étnico racial subalternizado etc.), o que resulta no reforço do dever estatal de
proteção destes sujeitos, como se extrai das Regras de Brasília sobre o
Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade.
6.
Apenas a partir do olhar atento do julgador, abraçando
sua função constitucional de garantidor de direitos fundamentais, é possível
combater a discriminação de gênero no sistema prisional e evitar que a
condição de mulher seja um fator de agravamento da sanção penal.
II. PROTEÇÃO DAS VIDAS EM JOGO (FETO E GESTANTE) NO DIREITO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E NO DIREITO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS:
7.
Aprisionar
gestantes
em
condições
indignas
e
desumanas tal qual se tem observado no Estado do Rio de Janeiro representa,
sem dúvida alguma, violação da dignidade humana, da vida, da integridade
psicofísica e do direito a não ser submetido a tratamento cruel, desumano ou
1
Fato noticiado em http://oglobo.globo.com/rio/juiz-da-vep-pede-afastamento-de-diretora-do-talavera-bruce17882963, acesso aos 23/11/2015, às 16h20min.
2
Valemo-nos aqui do conceito de vulnerabilidade contido na seção 2 a das Regras de Brasília sobre Acesso à
Justiça das pessoas em situação de vulnerabilidade, documento elaborado no seio da Conferência Judicial Iberoamericana, no intuito de orientar a promoção de políticas públicas que garantam o acesso à justiça das pessoas
que encontram especiais dificuldades de exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos que lhes
são conferidos pelo ordenamento jurídico. As chamadas “100 Regras de Brasília” recomendam ainda uma série de
medidas relacionadas ao trabalho cotidiano de todos os operadores do sistema judiciário, com o fito de concretizar
a melhoria das condições de acesso à justiça das pessoas em condições de vulnerabilidade.
degradante, em violação frontal do disposto na Constituição Cidadã de 1988,
que erigiu a proteção da pessoa humana como finalidade última do Estado
Brasileiro (art. 1o, III, art. 5o, incisos III, X, XLVII, alínea “e”, e XLIX) e em
contrariedade ainda aos arts. 3o e 14 da Lei de Execução Penal.
8.
Como se não bastassem os direitos fundamentais da
mulher presa, o princípio constitucional da intranscendência das penas
(art. 5o, inciso XLV, CRFB/88) também resta indiscutivelmente vulnerado pelo
tratamento degradante dispensado às grávidas no sistema prisional, uma vez
que se impõe, por via reflexa, ofensa à integridade física e à vida do nascituro,
que também é tutelada no ordenamento jurídico brasileiro (inclusive por meio
do tipo penal do aborto).
9.
Já no plano do Direito Internacional dos Direitos
Humanos,
encontramos
vasto
arcabouço
normativo
para
a
proteção
diferenciada das mulheres grávidas privadas de liberdade, inclusive no que diz
respeito à excepcionalidade de sua prisão.
10.
Dentre as Regras Mínimas para o Tratamento dos
Reclusos da ONU, destacamos os itens 22.1 e 23.1:
22.1. Cada estabelecimento penitenciário terá à sua disposição os serviços de
pelo menos um médico qualificado, que deverá ter certos conhecimentos de
psiquiatria. Os serviços médicos deverão ser organizados em estreita ligação com a
administração geral de saúde da comunidade ou nação. Deverão incluir um serviço de
psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, para o tratamento de estados de
anomalia.
23.1. Nos estabelecimentos prisionais para mulheres devem existir instalações
especiais para o tratamento de presas grávidas, das que tenham acabado de dar
à luz e das convalescentes. Desde que seja possível, deverão ser tomadas
medidas para que o parto ocorra em um hospital civil. Se a criança nascer num
estabelecimento prisional, tal fato não deverá constar no seu registro de nascimento.
11.
Já as Regras de Bangkok (normas internacionais para
o tratamento de mulheres encarceradas extraídas da 65a Assembléia da
Organização das Nações Unidas) preconizam:
Regra 5
A acomodação de mulheres presas deverá conter instalações e materiais exigidos para
satisfazer as necessidades de higiene específicas das mulheres, incluindo absorventes
higiênicos gratuitos e um suprimento regular de água disponível para cuidados
pessoais das mulheres e crianças, em particular mulheres que realizam tarefas na
cozinha e mulheres gestantes, lactantes ou durante o período de menstruação.
Regra 22
Não se aplicarão sanções de isolamento ou segregação disciplinar a mulheres
gestantes, nem a mulheres com filhos/as ou em período de amamentação.
Regra 42
1. Mulheres presas deverão ter acesso a um programa amplo e equilibrado de
atividades que considerem as necessidades específicas de gênero.
2. O regime prisional deverá ser flexível o suficiente para atender às necessidades de
mulheres gestantes, lactantes e mulheres com filhos/as. Nas prisões serão oferecidos
serviços e instalações para o cuidado das crianças a fim de possibilitar às presas a
participação em atividades prisionais.
3. Haverá especial empenho na elaboração de programas apropriados para mulheres
gestantes, lactantes e com filhos/as na prisão.
Regra 48. 1.
Mulheres gestantes ou lactantes deverão receber orientação sobre dieta e saúde
dentro de um programa a ser traçado e supervisionado por um profissional da saúde
qualificado. Deverão ser oferecidos gratuitamente alimentação adequada e pontual um
ambiente saudável e oportunidades regulares de exercícios físicos para gestantes,
lactantes, bebês e crianças.
Regra 64
Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com
filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado,
sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento
ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse
do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências necessárias para seu
cuidado.
12.
Dos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das
Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas – Resolução n.º 01/08 da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos – extraímos o dever estatal de
dispensar proteção especial às presas gestantes, como decorrência do direito à
igualdade como não discriminação:
Princípio II
Igualdade e não discriminação
Em nenhuma circunstância as pessoas privadas de liberdade serão discriminadas por
motivos de raça, origem étnica, nacionalidade, cor, sexo, idade, idioma, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica,
nascimento, deficiência física, mental ou sensorial, gênero, orientação sexual ou
qualquer outra condição social. Será, por conseguinte, proibida qualquer distinção,
exclusão ou restrição que tenha por objetivo ou promova a redução ou anulação do
reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos internacionalmente reconhecidos às
pessoas privadas de liberdade. Não serão consideradas discriminatórias as
medidas que se destinem a proteger exclusivamente os direitos das mulheres,
em especial as mulheres grávidas ou as mães lactantes; das crianças; dos idosos;
das pessoas doentes ou com infecções, como o HIV/AIDS; das pessoas com
deficiência
física,
mental
ou
sensorial;
bem
como
dos
povos
indígenas,
afrodescendentes e minorias. Essas medidas serão aplicadas no âmbito da lei e do
Direito Internacional dos Direitos Humanos e estarão sempre sujeitas ao exame de um
juiz ou outra autoridade competente, independente e imparcial.
Princípio X
Saúde
As mulheres e as meninas privadas de liberdade terão direito de acesso a
atendimento médico especializado, que corresponda a suas características físicas e
biológicas e que atenda adequadamente a suas necessidades em matéria de saúde
reprodutiva. Em especial, deverão dispor de atendimento médico ginecológico e
pediátrico, antes, durante e depois do parto, que não deverá ser realizado nos
locais de privação de liberdade, mas em hospitais ou estabelecimentos
destinados a essa finalidade. Caso isso não seja possível, não se registrará
oficialmente que o nascimento ocorreu no interior de um local de privação de
liberdade.
Os estabelecimentos de privação de liberdade para mulheres e meninas
deverão dispor de instalações especiais bem como de pessoal e recursos
apropriados para o tratamento das mulheres e meninas grávidas e das que tenham
recém dado à luz.
III. DAS ALTERNATIVAS AO APRISIONAMENTO DA MULHER GRÁVIDA.
DEVER
ESTATAL
DE
PROTEÇÃO
DIFERENCIADA
DAS
ESPECIFICIDADES DE GÊNERO:
13.
Na busca por reverter a dramática realidade carcerária
nacional, o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério da Justiça e o próprio
Supremo Tribunal Federal3 têm adotado medidas integradas para minimizar os
danos do encarceramento em massa, com a adoção de relevantes medidas,
tais como as audiências de custódia, que têm possibilitado maior apuro na
análise da necessidade-adequação da prisão preventiva, ampliando a
aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
14.
No tocante às presas gestantes, mais do que nunca,
exige-se do Poder Judiciário que deixe o lugar contemplativo e asséptico que
sugere a dogmática processual penal tradicional, para assumir definitivamente
o nobre papel de guardião dos direitos fundamentais da pessoa humana.
15.
Para tanto, prescinde-se de esforço interpretativo, uma vez
que o próprio legislador, na reforma processual promovida pela Lei n.º
12.403/11, aumentou o rol de medidas cautelares substitutivas da prisão e
previu, inclusive, hipótese expressa destinada à gestante. Com o advento da
Lei nº 13.257/16, o conteúdo normativo do inciso IV passou a ser ainda
mais incisivo, não se exigindo mais nada além da comprovação da
gestação. Eis o atual teor do art. 318 do Código de Processo Penal no
ponto em análise:
3
No julgamento da cautelar solicitada na ADPF 347, a Corte concedeu parcialmente as providências requeridas
para combater a crise prisional do país e determinou que juízes e tribunais passem a realizar audiências de
custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade
judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão. Os ministros também entenderam que deve ser
liberado, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na
finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos. Fonte: portal de notícias do
STF http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299385, acesso em 23/11/2015, às
16h27min.
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar
quando o agente for:
(...)
IV – gestante (redação dada pela Lei 13.257/16)4;
(...)
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos
estabelecidos neste artigo. (redação dada pela Lei 13.257/16)
16.
Releva, quanto ao alcance do dispositivo transcrito,
mencionar a fundamentação de recente decisão monocrática proferida em
sede de Habeas Corpus pelo eminente Min. ROGERIO SCHIETTI na qual o
mesmo, amparado no escólio de GUSTAVO BADARÓ (ainda que com as
ressalvas declinadas na decisão) assim fundamenta a concessão da ordem em
caráter liminar:
“Vale registrar a doutrina de Gustavo Badaró, para quem, não obstante a
redação do art. 318 do CPP use o verbo "poderá", demonstrada a hipótese
de incidência desse dispositivo cujo ônus da prova recai sobre a defesa,
é dever do juiz determinar o cumprimento da prisão preventiva em
prisão domiciliar. Confira-se:
‘[...] A Lei 12.403/11 passou a prever a prisão domiciliar. Não se trata,
porém, de uma modalidade autônoma de medida cautelar pessoal, mas de
uma forma especial de cumprir a medida de prisão preventiva. Trata-se de
uma "substituição" da medida cautelar de prisão preventiva, como deixa
claro do caput do art. 318 "Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela
domiciliar quando [...].
A questão não é meramente terminológica, havendo reflexos práticos
em considerar a prisão domiciliar verdadeira modalidade de prisão. Por
exemplo, o tempo de prisão domiciliar será considerado para fins de
detração, nos termos do art. 42 do CP, que se refere à "prisão provisória".
A prisão domiciliar é, por certo, espécie de prisão provisória. No máximo,
poder-se-ia considerar que a prisão domiciliar (CPP, arts. 317 e 318) é uma
medida substitutiva da prisão preventiva, e não uma medida alternativa
à prisão.
A redação anterior do inciso IV assim dispunha: “gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou
sendo esta de alto risco”.
4
[...] As hipóteses de cabimento da prisão domiciliar, inspiradas em razões
humanitárias, estão previstas no art. 318 do CPP:
[...] Embora o art. 318 utilize o verbo "poderá", é de considerar que,
demonstra a hipótese de incidência do art. 318, o juiz deverá
determinar o cumprimento da prisão preventiva em prisão domiciliar.
Trata-se de direito subjetivo do preso, independentemente de o
preceito empregar o verbo "poder" a indicar inexistente poder
discricionário do juiz. Ou seja, deve-se ler o "poderá" como deverá.
Para a sua concessão, o ônus da prova incumbirá ao requerente,
normalmente o investigado ou acusado que tenha a prisão preventiva
decretada contra si. Todavia, nada impede que, desde que no momento em
que se decrete a prisão preventiva, o juiz determine o seu cumprimento em
prisão domiciliar, caso a hipótese legal já esteja demonstrada (p. ex.: se no
inquérito policial já houve cópia da certidão de nascimento ou de documento
de identidade, comprobatório de que o investigado é maior de 80 anos). ’
(Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus: Elsevier, 2012, p. 746-747)
Eu não chegaria, necessariamente, a tal conclusão, porquanto semelhante
interpretação acabaria por gerar uma vedação legal ao emprego da cautela
máxima em casos nos quais se mostre ser ela a única hipótese a tutelar, com
eficiência, situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão.
Outrossim, importaria em assegurar a praticamente toda pessoa com prole na
idade indicada no texto legal o direito a permanecer sob a cautela alternativa.
Feita a ressalva, entendo que, no caso ora examinado, a substituição da
prisão preventiva se justifica, em conformidade com as razões que
passo a expor. (...)
Há que se ressaltar a posição central, em nosso ordenamento jurídico,
da doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta,
previstos no art. 227 da Constituição Federal, no ECA e, ainda, na
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto
Presidencial n. 99.710/90.
Nessa quadra, constato a necessidade de, atendidos os requisitos legais,
e em nome da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à
criança, deferir a tutela de urgência.
(STJ - HC nº 339.356 SP – Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Publicado em
20.10.2015) – grifamos.
17.
Forte ainda, na percuciente decisão da 3.ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cuja transcrição
se faz necessária para a demonstração da sensibilidade para com os
problemas estruturais do sistema penitenciário e de justiça que se mostram
cotidianos e sintetizados no caso analisado pela Preclara Relatora,
Desembargadora SUIMEI CAVALIERI. In verbis:
“HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE
DROGAS. PACIENTE GRÁVIDA DE 08 MESES. PEDIDO LIMINAR
DEFERIDO
NO
PLANTÃO
JUDICIÁRIO,
CONCEDENDO-SE
SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR,
COM MONITORAMENTO ELETRONICO. ORDEM NÃO CUMPRIDA. FALTA
DE TORNOZELEIRA. PEDIDO SUPERVENIENTE DE IMEDIATA SOLTURA,
COM COMPARECIMENTO MENSAL NO JUÍZO. DEFERIMENTO PARCIAL.
1) A despeito de não constar dos autos cópia da inicial acusatória e nem
mesmo o decreto de prisão preventiva em face da paciente, o fato é que,
além de suas favoráveis condições pessoais, a Lei nº 12.403/2011,
introduziu nova redação ao artigo 318, do Código de Processo Penal,
passando a admitir a prisão domiciliar das mulheres recolhidas por
força de prisão preventiva que se encontram com mais de sete meses de
gestação ou que tenham gravidez de alto risco, como na espécie, sendo
escorreita a decisão liminar proferida em sede de Plantão Judiciário,
concedendo à paciente a prisão domiciliar, mediante uso de tornozeleira
eletrônica. Precedentes. 2) A ordem, contudo, não foi cumprida, em razão
da falta de tornozeleira eletrônica na Unidade no momento da diligência,
pelo que, foi deferido, em parte, por esta Relatoria, requerimento
libertário, concedendo-se a substituição da monitoração eletrônica pelo
comparecimento mensal da paciente em juízo, para informar e justificar
suas atividades e pela proibição de ausentar-se da Comarca e recolhimento
domiciliar (artigo 319, I, IV e V do CPP). 3) De fato, a falha do sistema
carcerário estatal deve ser arrogada ao Poder Público, sendo
inadmissível que a paciente sofra, injustamente, as consequências
dessa deficiência, ainda mais considerando seu avançado estado de
gestação, devidamente comprovado por documentação idônea, sendo
certo que, no caso, o que se busca proteger é a integridade física, não
só da paciente, mas também do próprio nascituro. Constrangimento
ilegal evidente. Concessão parcial da ordem, consolidando-se a liminar.
(TJRJ - HC n.º 0035124-20.2015.8.19.0000. 3ª Câmara Criminal – Rel. Des.
Suimei Meira Cavalieri)
18.
Neste
último
decisum,
vê-se
claramente
o
reconhecimento de pelo menos três mazelas do sistema penitenciário
fluminense: (i) “a falha no sistema carcerário estatal” reconhecida lato sensu;
(ii) “a falta de tornozeleira eletrônica na Unidade no momento da diligência”, a
demonstrar que a insuficiência organizacional do Estado tem como
conseqüência real, a manutenção da privação de liberdade – circunstância que
desafiara imediatamente a impetração do habeas cuja ordem fora concedida
pela 3ª Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal e; (iii) por fim, mas não menos
importante, a consciência jurisdicional de que “o que se busca proteger é a
integridade física, não só da paciente, mas também do nascituro”, revelando
compreensão de que trata-se de aplicar o princípio da intranscendência da
pena.
19.
Somando-se aos fundamentos até aqui lançados o
princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5o, LVII, CRFB/88) –
que impede a imposição da prisão provisória como pena antecipada,
vinculando-a necessariamente aos estritos requisitos cautelares previstos no
art. 312 do codex –, deve estar presente no juízo de ponderação a ser
levado a efeito por Vossa Excelência o fato de que a prisão de gestantes
no atual estado de coisas no Estado do Rio de Janeiro tem se revelado
extremada e perniciosa.
11.
Nesse sentido, à luz das normas constitucionais e de
Direito Internacional de Direitos Humanos acima elencadas, deve ser afastada
a imposição de prisão preventiva à Defendente, tudo como medida de
preservação de sua vida e da vida do nascituro, sob pena de total banalização
da indignidade no sistema penal fluminense.
IV. POSTULAÇÃO:
12.
À conta de tais fundamentos, REQUER seja deferida a
SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA por PRISÃO DOMICILIAR na
forma do art. 318, IV do Código de Processo Penal (com a novel redação
conferida pela Lei 13.257/16), expedindo-se o competente ALVARÁ DE
SOLTURA.
Nestes termos,
Pede Deferimento.
Rio de Janeiro, 9 de Março de 2016.
Ricardo André de Souza
DEFENSOR PÚBLICO
Mat. 877.375-6
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