Todos aqueles que não se alistaram em guerras

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A recorrência de determinadas formas bem-sucedidas, juntamente com a
efemeridade da maioria das espécies, levou a uma tensão entre duas idéias
na teoria da evolução: a contingência e a convergência. O paleontólogo
Stephen Jay Gould foi o defensor mais eloquente da idéia de que o acaso
desempenhou papel decisivo na evolução [1]. Gould foi um personagem de
grande importância e decisivo no campo da evolução – magistral como
pesquisador e escritor popular, ainda que às vezes arrogante e refratário no
seu modo de pensar.
Gould usava o Folhelho Bugess como seu exemplo central. O Folhelho
Bugess é um modelo muito bem-preservado da profusão de formas de vida
exóticas que apareceram nos oceanos da Terra pouco mais de 510 milhões
de anos atrás. A maioria das linhagens não sobreviveu – Gould sustentava
que não havia como prever quais desses organismos bem-adaptados
subsistiria. Eventos caprichosos como impactos e meteoros tornaram a
evolução altamente contingente. Segundo essa teoria, os micróbios podem
ser comuns em planetas como a Terra ao longo do cosmos, mas os
mamíferos e os répteis seriam improváveis, e os primatas e humanos com
certeza muito raros.
Simon Conway Morris, um paleontólogo da Universidade de Cambridge, era
um estudante de graduação quando tomou contato pela primeira vez com o
achado valioso do Folhelho de Burgess. Sua interpretação dos mesmos
fósseis [2] que Gould observara levou-o a uam conclusão muito diferente.
Conway Morris não nega o papel desempenhado pela sorte, mas observa
que as estratégias evolucionárias são limitadas pelas leis da física e não
acontecem em um ambiente de possibilidades ilimitadas.
Peguemos como exemplo às asas e aos olhos. O vôo evoluiu
separadamente entre insetos, mamíferos (o morcego) e répteis
(notavelmente o pterossauro, um leviatã voador do Triássico). O desenho
das asas é diferente em casa caso, mas a vantagem evolucionária de
ganhar os céus é inegável. A visão foi descoberta, e Às vezes reinventada,
em criaturas tão diferentes quanto mamíferos, cefalópodes e insetos. Se
você observar um polvo, o olho que verá é tão misterioso quanto o seu,
mas ele tem uma ascendência completamente diferente. Todos esses são
exemplos de convergência [3].
Conway Morris identificou um impressionante número de exemplos de
convergência. Ele reconhece o elemento acaso da evolução, mas sustenta
que a vida encontrou soluções semelhantes para o problema da
sobrevivência inúmeras vezes seguidas. Por isso ele é otimista quanto à
inevitabilidade de animais grandes e complexos e até mesmo da
inteligência. Em sua pesquisa intitulada “Sintonizando as freqüências da
vida”, ele escreve: “Onde quer que exista vida, haverá, no momento
devido, uma mente. Se essa mente será sempre como a nossa é outra
questão.”
O naturalista britânico D’Arcy Thompson chamou a atenção para a
convergência cerca de um século atrás, mas alguns dos exemplos mais
intrigantes ocorrem no nível molecular. Dois grupos de peixes sem
nenhuma relação um com o outro usam o mesmo anticongelante natural
para combater os efeitos da água fria. O truque é realizado por um proteína
codificada por uma seqüência dos mesmos aminoácidos repetidos
indefinidamente. No caso, o peixe Nototheniidae da Antártica surgiu de 7 a
15 milhões de anos atrás, ao passo que o bacalhau ártico apareceu do outro
lado da Terra há 3 milhões de anos. Em outro exemplo, anticorpos idênticos
foram encontrados em duas espécies altamente distintas, o cação-lixa e o
camelo. Circuitos genéticos semelhantes foram localizados na bactéria E.
coli e na levedura, mostrando que a convergência também ocorre em níveis
superiores de organização molecular.
A convergência molecular endossa o fato de que a criação de elementos
pesados nas estrelas proporciona uma base universal para a bioquímica,
assim como o fato de que componentes básicos como aminoácidos são
encontrados em uma vasta gama de ambientes cósmicos. Existe um
número astronômico de proteínas possíveis, assim como de outras
moléculas biologicamente úteis. Ainda assim, a vida escolheu um número
modesto [4] – propagada ao nível de genes, essa especificidade contribui
para limitar as funções e as formas das espécies.
***
[1] O acaso é um nome fortuito que os cientistas encontraram para intitular
“não fazemos idéia das causas reais”. A idéia de acaso vai lentamente
caindo por terra na medida em que as causas vão sendo identificadas e
compreendidas, por exemplo, pela idéia de convergência (exposta logo a
seguir no texto). Ainda que, conforme o próprio Impey admita um pouco
anteriormente a este texto: “Na evolução, assim como na maioria dos
outros ramos da ciência, não faz sentido perguntar por quê. Só faz sentido
perguntar como”. Ou seja: como cientista, você não pergunta porque um
mecanismo que ainda não compreende inteiramente executa as suas
funções de modo surpreendentemente coordenado. Primeiro procura
entender como ele funciona. Os “porquês” ficam com a religião e a filosofia.
***
Crédito da ilustração: Simon Conway Morris e Masanori Gukuhari.
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