1 - Carvalho Consultoria Jurídica

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Privilégios dos créditos oriundos de contratos com garantia real na
recuperação judicial e falência de empresa
RESUMO
As instituições financeiras há muito exercem pressão sobre o poder público
em vista a obtenção de prerrogativas. No caso da Recuperação e Falência de
empresa não furta à normalidade, sendo evidentes os privilégios no que concerne
aos demais créditos do empresário em dificuldades econômico-financeira. A
manutenção dos termos contratados em financiamento e leasing nos casos de
eventual pedido de recuperação judicial do mutuário preserva de forma contundente
o agente fiduciário ou arrendador, sem que possam ser inclusos tais débitos no
plano de recuperação, cujo objetivo é prestar auxílio àquele que necessita de uma
renegociação para concessão de maior número de parcelas e prazo de carência
para iniciar o adimplemento. O poder público ainda não havia se colocado em
posição tão inferior como no que valha a nova Lei de Recuperação e Falência –
LRF. Beneficiar as instituições financeiras na classificação dos créditos, com o fito
de conter os spreads bancários e fomentar o mercado no bom desenvolvimento da
economia interna foi um passo audacioso, senão de extrema condescendência a um
segmento da sociedade. Ao final, exige-se, pois, que as previsões sejam
confirmadas ao estar se alcançando o quinto ano de vigência da nova LRF. Neste
pormenor, delineados os visíveis privilégios das instituições financeiras tanto na
recuperação, quanto na falência de empresa, aguarda-se ter contribuído para a
consciência em se exigir do sistema financeiro nacional a cumprirem a função de
promotores do desenvolvimento equilibrado do País, idealizada pelo artigo 192, da
Constituição da República brasileira.
Palavras-chave: Recuperação Judicial. Falência, instituição financeira,
financiamento, leasing
SUMÁRIO
1 O INTERESSE EM RECUPERAR A EMPRESA ................................................... 01
2. OS
CRÉDITOS
BANCÁRIOS
NÃO
SUBMETIDOS
À
RECUPERAÇÃO ..................................................................................................... 03
3. O PRIVILÉGIO DOS BANCOS NA CLASSIFICAÇÃO DOS
CRÉDITOS ANTE O DIREITO DO FISCO............................................................... 06
DOCUMENTOS CONSULTADOS ........................................................................... 11
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1 O INTERESSE EM RECUPERAR A EMPRESA
Em março de 1991, um grupo de trabalho formado pelo Ministério da Justiça
do Brasil visava reformar o Dec-lei n 7.661/45. Contribuiu para o objetivo proposto
uma comissão originária do Instituto dos Advogados de São Paulo, do qual fazia
parte Waldirio Bulgarelli.
A necessidade de ser repensada a legislação pertinente às empresas em
dificuldades restou colimada na evolução natural do mercado, alteração identificada
à época por Bulgarelli (1999, p.155); “como já fizeram vários países, como a França,
Itália, Argentina, Inglaterra, Estados Unidos, etc. já tarda um ajuste da norma
falimentar às realidades empresariais de hoje”, sobre o tema, complementa Fábio
Ulhoa Coelho (2005, p.381):
Cada país tem encontrado respostas próprias à questão da recuperação
judicial das empresas. Há os que procuram criar mecanismos preventivos
(direito francês), enquanto outros só tratam da reorganização da atividade
falida (alemão). Há os que se limitam a criar um ambiente favorável à
negociação direta entre os envolvidos (norte-americano) e também os que
se determinam a intervenção judicial na administração da empresa em
dificuldade (italiano).
O olhar amoldado para as atividades empresárias iniciou-se no ano de 1993,
quando do Projeto de Lei nº 4.376/93, que resultaria na nova LRF. Permitindo
construir uma visão econômico-social do período então vivido, é possível vislumbrar
uma grande massa de sub-empregos com o cunho de exclusiva sobrevivência, de
uma população carente de recursos técnicos para assumir diversificadas funções,
além do alto índice de empresas de pequeno e médio porte fechando suas portas.
A origem deste panorama lesivo se deve ao despreparo público na recepção
dos grandes grupos econômicos, dominadores de segmentos antes ocupados por
empresas nacionais, que pela incapacidade de combater a política de preços
conduzida por negociações homéricas com os fornecedores, ampla rede de
distribuição, agressivo marketing publicitário, know how de mercado, dentre outros
meios, viram-se muitas das vezes à beira da “bancarrota”, termo então utilizado.
O avanço tecnológico contribuía para uma célere desqualificação da mão de
obra, promovendo dispensas do recurso humano.
A facilidade em deter e repassar as informações tornava-se incrível, reflexos
incidentes sobre empresas e seus colaboradores devido ao aumentando drástico da
concorrência – então mundial –, o que exigia maiores investimentos em capacitação
e experiência.
Importa salientar que mesmo diminuta a parcela de interferência destes
fatores às empresas à época, a dependência no mercado mundial crescia
verticalmente, donde a queda na bolsa do lado oriental por simples especulação, a
guerra entre países estrangeiros, o aumento do preço do barril de petróleo, a troca
de governos, o risco-país, começavam a influenciar e hodiernamente decidem o
sucesso dos empresários fomentadores da economia brasileira.
Porquanto, o teor do Projeto de Lei inserido neste contexto econômico
obrigava-se a prever caminhos para a manutenção das empresas, sem se desviar
da importância de tais instituições para a geração de empregos, recolhimento de
tributos, desenvolvimento da sociedade e do país e, precipuamente, na produção de
bens e serviços. Neste aspecto, Coelho (2005, p. 233) contribui para traduzir com
maior propriedade os efeitos de uma falência:
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A crise fatal de uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho,
desabastecimento de produtos e serviços, diminuição na arrecadação de
impostos e, dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades
satélites e problemas sérios para a economia local, regional ou, até mesmo,
nacional.
Pública desde 09 de fevereiro de 2005, a Lei n. 11.101 prestou-se a tutelar
os novos processos intitulados de recuperação judicial e extrajudicial, bem assim os
requerimentos de falências de empresas ajuizados a partir de sua vigência – 120
dias posterior à publicação –, conforme trata seu artigo 200.
Os três remédios legais, cada qual com sua intensidade, destinam-se a
empresas em crise, donde Coelho (2005, p. 232) define e apresenta exemplos que
permitem a identificação de tais momentos:
A crise da empresa pode manifestar-se de formas variadas. Ela é
econômica quando as vendas de produtos ou serviços não se realizam na
quantidade necessária à manutenção do negócio. É financeira quando falta
à sociedade empresária dinheiro em caixa para pagar suas obrigações.
Finalmente, a crise é patrimonial se o ativo é inferior ao passivo, se as
dívidas superam os bens da sociedade empresária.
Vasto arcabouço inovador deste novo ordenamento contempla vantagens e
desvantagens em comparação ao Decreto-Lei n. 7.661/45, carreando, aliás, certos
pontos utópicos, como o princípio da redução do custo do crédito, questão
explanada por Carlos Roberto Claro (2005, p. 261) como um verdadeiro engodo,
denunciando inclusive a possibilidade deste pormenor servir contrariamente ao ideal
da lei:
Torna-se evidente que haverá fortalecimento das garantias reais sim, até
com maior acesso ao crédito, mas o outro lado da moeda é inequívoco:
esse mesmo sistema de garantias também pode contribuir de forma
decisiva para a falência e demais consectários cobrados pelas
instituições. […] a redução do custo do crédito evidentemente não ocorrerá
para o contratante. Pode até vir a ocorrer para aquele que empresta o
dinheiro, pois até pode pagar menos pelo seu custo fora do país.
(negritos nossos)
Pertinente ao tema, no que valha ao privilégio antes ausente no Dec-Lei
n. 7.661/45, terá de ser debruçado com maior afinco, principalmente no que tange
aos estudos passíveis de serem exigidos do poder público nestes cinco anos de
LRF, completos em 2010.
Ato seguinte à análise resta sacramentar que o interesse basilar da LRF
colima da recuperação da empresa, dispondo elementos passíveis na promoção de
uma reorganização/preservação, vindo em abrupto encontro ao objeto praticado à
época do ordenamento de 1945 – assegurar os créditos devidos –, propósito bem
delineado por Rubens Requião (1998, p. 33) à luz do Dec-Lei, donde conclui ser
“claro que o credor, insatisfeito diante do não-pagamento da obrigação, não se
interessa, ao requerer a falência do devedor, com o problema de seus concorrentes,
mas objetiva o recebimento de seu crédito”, visão que faz o próprio autor intitular a
falência como um meio de simplesmente obter a cobrança de créditos.
Nesta seara, o conceito de José da Silva Pacheco (1996, p. 77),
apresentado ainda na vigência da lei anterior, esboça o cenário anteriormente
vivenciado:
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A falência é processo de execução coletiva universal, abrangente de todos
os credores e de todos os bens do devedor. Se o comerciante, sem
relevante razão de direito, não pagar no vencimento obrigação líquida,
constante de título executivo, está sujeito à execução coletiva
universal ou falência, eis que todos os bens são abrangíveis e todos os
seus credores podem pedir execução […]. (negrito nosso)
Complementa Marcia Carla Pereira Ribeiro (2006, p. 511), “por vezes a
falência, no sistema anterior, era utilizada de forma indevida, como meio de
substituição da execução”, inclusive havendo como afirmar que a maioria das
falências originavam-se de um comportamento do credor vinculado exclusivamente
a tal interesse.
Ao tratar da exposição de motivos do anteprojeto da LRF, Bulgarelli (1999,
p. 162) anunciou a prática na delegação de poderes ao empresário interessado na
recuperação da empresa com suas próprias forças e capacidade, senão com a
ajuda de entidades corporativas, alheio a qualquer benesse ou favor a ser
conquistado na esfera pública.
Determinado ideal soou como resposta ao clamor visionário de Requião
(1985, p. 248), que alertava quanto ao crescimento exponencial das atividades
comerciais e da capacidade empresarial, necessitados de mecanismos próprios e
adequados para a tutela do crédito, descaracterizando a falência como meio de
cobrança de interesses fiscais e privados, tudo em prol de garantir uma segurança
ao mercado e o consequente desenvolvimento econômico nacional.
A nova LRF nasce em um ambiente totalmente hostil àquele credor
unicamente interessado em requerer a falência, havendo ferrenho combate ao
interesse exclusivo de reaver os créditos, sem esboçar, o credor, qualquer
preocupação à importância daquela empresa, aos benefícios dela originários. Este,
portanto, torna-se o exemplo primaz a ser pugnado pela LRF, por sua essência
tende a rejeitar tal investida particular em prol da preservação da empresa, da
função que desempenha no mercado e que lança à sociedade.
Sabe-se que a diligência é promover a recuperação da empresa; judicial ou
extrajudicialmente. Com este conceito primário a falência já é alocada em segundo
plano.
Por conseguinte, a principal característica deste novo diploma legal é a
recuperação da empresa, visando sua manutenção no mercado, passando a tratar o
decreto da falência como exceção. Assim, o escopo do antigo processo falimentar
em eliminar as empresas econômica e financeiramente arruinadas, transmuda para
uma preocupação em recuperar a atividade empresária que se encontra em
dificuldades momentâneas, isto se desume do próprio artigo 47, da LRF.
Ante o explícito interesse da LRF em recuperar a empresa em
momentâneas dificuldades econômica ou financeira, o privilégio destinado às
instituições financeiras nos créditos originários dos contratos com garantia real
depõe de forma voraz à manutenção perseguida.
2. OS CRÉDITOS BANCÁRIOS NÃO SUBMETIDOS À RECUPERAÇÃO
A LRF não tardou em prever privilégio às instituições financeiras já em sede
de recuperação judicial. Alheio a qualquer motivação plausível os bancos inclusive
podem ter superado o fisco já neste momento processual.
Ante o interesse em requerer a recuperação judicial, atendidas as condições
do artigo 48, da LRF, o empresário se deparará com situações que poderão
inviabilizar a apresentação do requerimento inicial nos termos do artigo 51 e a
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continuidade dos atos processuais após aprovado o plano de recuperação pela
assembléia-geral de credores, ou decorrido prazo legal.
Pretérito à elaboração da petição inicial onde deve constar, dentre outras
informações pertinentes ao estado da empresa, uma relação nominal completa dos
credores (artigo 51, inc. III, da LRF), o empresário deverá estar instruído a respeito
dos créditos sujeitos ao processamento da recuperação judicial, isso por conta do
§ 3º, do artigo 49, da LRF.
O empresário que detiver, dentre outras dívidas como o adiantamento
tomado em contrato de câmbio para exportação (artigo 86, inc. II, da LRF), àquelas
condizentes ao financiamento ou leasing de máquinas e equipamentos, veículos e
imóveis não poderão incluí-los no plano de recuperação, ou seja, não terão como
propor prazo de carência e valores estendidos para quitação.
Queda notório que as maiores dívidas dos empresários se originam do
financiamento ou leasing, quer seja do maquinário da indústria, quer seja da frota de
ônibus ou caminhões, senão quando do interesse em adquirir a sede para a
empresa ou filial.
Ocorre que estas operações, resguardadas com garantia real, são
comumente praticadas pelos bancos, que terão prevalecidos os direitos de
propriedade e preservadas das condições contratuais, sem haver de constar no
plano de recuperação.
O segundo aspecto de suma relevância ao empresário na constância da
recuperação é estar em dia com a fazenda pública, de modo que possa apresentar
nos autos do processo as conhecidas CND´s.
Ocorre que as dívidas tributárias, nos termos da legislação aplicada,
respaldada pelos artigos 68, da LRF, poderão deferir o parcelamento de seus
créditos quando do processamento da recuperação judicial. Neste aspecto, o
empresário encontra guarida suficiente para compor sua dívida com o fisco, mesmo
que não compreendido tal acordo no plano de recuperação, o que não acontece com
os contratos firmados com as instituições financeiras.
Ainda que tal benesse advenha de legislação específica, no caso, o Código
Tributário Nacional, o crédito dos bancos sequer se obriga a semelhante incidência,
permanecendo intocável, tendo o empresário apenas a garantia de permanecer com
os bens, ou em sua posse, no prazo improrrogável de 180 dias, como se depreende
do artigo 6º, § 4º, da LRF.
Carlos Roberto Claro (2009, p. 201) bem alude a respeito de excessiva
garantia ofertada às instituições financeiras:
As operações bancárias (e outras), quase que na sua totalidade, são on-line
e inexistem papéis para desconto, considerando a dinâmica do mercado
financeiro. Pior ainda será o caso quando tratar de empresa em crise que
assume financiamento bancário entregando ao banco determinado bem
móvel para garantia. Conforme regra do artigo 49, §3º, da Lei 11.101/05,
muito embora a instituição financeira seja obrigada a não agir judicialmente
em face do devedor pelo período de 180 (cento e oitenta) dias a contar do
despacho inicial proferida na recuperação (artigo 6º, §4º) não menos certo
que a própria lei (artigo antes referenciado) abre caminho efetivo e
rápido para a propositura de (violentas) ações reintegratórias e de
busca e apreensão de bens, que efetivamente são céleres, e por que
não dizer, aguilhoam frontalmente os princípios constitucionais da
ampla defesa (bilateralidade de audiência) e do devido processo legal
substantivo, quase que sempre ajuizadas em favor das grandes
instituições financeiras que detém o capital financeiro, e que
desempenham suas atividades no Brasil. Nesse passo, dificilmente
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poder-se-á falar na implantação de mecanismos jurídico-econômicos, em
sede de reorganização judicial da empresa, se determinados credores
são, a bem da verdade, deixados de lado, e trafegam em via livre para a
busca dos bens que lhes foram entregues em garantia pelo devedor. Já
aí é possível vislumbrar um certo desequilíbrio entre tais credores e outros
que não detém, muitas vezes, qualquer garantia fiduciária em mãos,
bastando citar como mero, mas efetivo exemplo, o caso do trabalhador de
chão de fábrica. (negritos nossos)
E no que tange aos mecanismos disponíveis aos bancos para retomada do
bem objeto do contrato inadimplido, cabe o exemplo da busca e apreensão, que nos
termos do Decreto n. 911/1969, alterado pela Lei n. 10.731/2004, há instituída nova
prerrogativa ao agente fiduciário na consolidação da posse do bem no prazo exíguo
de 5 dias do cumprimento do mandado, transferência interrompida tão-somente com
quitação das parcelas vencidas e vincendas do contrato.
Queda evidenciado, pois, o privilégio dos bancos na tramitação da
recuperação judicial, sem que tenha seus créditos oriundos de financiamento ou
leasing inclusos no plano de recuperação, quão menos possuam legislação
específica que os obrigue a ponderar a respeito de eventuais pedidos de
parcelamento.
Haverá, no entanto, de ser identificada a empresa que se encontra em
situação desfavorável momentaneamente, nesta via, a LRF não deve ser aplicada a
todo e qualquer caso, por vezes tendo de promover a retirada do “mau” investimento
pela falência, sendo necessária tal medida para resguardar o mercado e a própria
sociedade.
Ainda que o trâmite voltado à recuperação da empresa tenha se iniciado,
Érica Guerra e Maria Cristina Frascari Litrento (2005, p. 88) explanam sobre os
aspectos a serem ponderados numa eventual convolação em falência:
A lei, ao estabelecer no artigo 45, que nas deliberações sobre o plano de
recuperação judicial todas as classes de credores devem aprovar a
proposta, quis fortalecer e ao mesmo tempo assegurar que as três
categorias de credores se vinculassem e se comprometessem em efetivá-lo.
Mas, na hipótese de uma inviabilidade, da forma como foi aprovado, podem
os credores convocar assembléia para novamente tentar ajustá-lo à
realidade ou, na pior das hipóteses, deliberarem sobre o não soerguimento
da atividade, por ser esta irrecuperável, convertendo a recuperação em
falência.
Nas palavras de Coelho (2005, p. 383):
Para merecer a recuperação judicial, a sociedade empresária deve reunir
dois atributos: ter potencial econômico para reerguer-se e importância
social. Não basta que os especialistas se ponham de acordo quanto à
consciência e factibilidade do plano de reorganização do ponto de vista
técnico. É necessário seja importante para a economia local, regional
ou nacional que aquela empresa se reorganize e volte a funcionar com
regularidade; em outros termos, que valha a pena para a sociedade
brasileira arcar com os ônus associados a qualquer medida de
recuperação de empresa não derivada de solução de mercado. (negrito
nosso)
Enfim, um caminho para manutenção da empresa deve ser buscado quando
há real pretensão de vencer as dificuldades econômico-financeiras, levando-se em
consideração a boa intenção do devedor e de seus credores, restando ao poder
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jurisdicional prevenir qualquer intenção singular que busque apenas reaver certos
créditos, senão soerguimento de empresas inviáveis.
E configurado o caso de falência a LRF tratou de prever novo privilégio às
instituições financeiras, no que concerne à classificação dos créditos.
3. O PRIVILÉGIO DOS BANCOS NA CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS ANTE O
DIREITO DO FISCO
Àqueles casos em que a situação da empresa furta a qualquer meio legal de
recuperação, a falência deve ser requerida e com o novo texto aguardam-se novos
privilégios às instituições financeiras.
Os dois textos legais apresentam expressa dicotomia no que tange à
classificação dos créditos na falência. Pelo artigo 83 da LRF, os créditos tributários
cederam espaço aos com garantia real.
Fato inusitado surpreendendo parte da doutrina, que repentinamente se
deparou com a real influência das instituições financeiras aos poderes executivo e
legislativo brasileiros. Claro (2005, p. 258/263) elenca como princípio da LRF a
redução do custo do crédito, tal conclusão embasada exclusivamente no parecer da
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal do Brasil, acerca desta
classificação de credores do Projeto de Lei, destacada pelo próprio autor:
É necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com
preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de
classificação de crédito na falência, a fim de que se incentive a aplicação de
recursos financeiros a custo menor nas atividade produtivas, com o objetivo
de estimular o crescimento econômico. […]
[…] o fortalecimento do sistema de garantias reais no Brasil contribuiu
para a realização de um dos principais objetivos das modificações
promovidas ao regime falimentar brasileiro: a ampliação do acesso ao
crédito e a redução do seu custo.
Da presente justificativa, Claro aponta uma situação no mínimo inusitada e
insólita, tratando de desmistificar a insustentável posição do Senado da
República apresentando a teoria a seguir: “Sabe-se hoje que o Brasil é um
dos países com as mais elevadas taxas de juros anuais. Quanto mais
dinheiro emprestado, maiores os juros, obviamente. Quanto mais aporte de
recursos, maiores as garantias nas mãos das instituições financeiras. […] A
tendência natural é que exista sim, um ambiente mais favorável para
tratativas bancárias de financiamento às empresas, com base na
redefinição da ordem de credores no novo texto normativo. Mas sabe-se
também que essas mesmas operações bancárias poderão levar as
entidades ao caos financeiro, considerando as taxas de juros
elevadíssimas. […] Segundo o Banco Central, as reduções do risco de
crédito e do risco legal deverão, com a nova lei, impactar
positivamente os spreads bancários. A linha de raciocínio até pode fazer
com que se criem maiores condições para a realização de financiamento (e
oferta de crédito), com a redução dos custos financeiros, não para as
empresa, mas sim, em relação aos bancos. (negritos nossos)
Nessa esteira, Manoel Justino Bezerra Filho (2005, p. 46/47) ataca com
críticas severas à alusiva mudança carreada pelo novo texto:
A pressão do capital financeiro foi tão acentuada que conseguiu superar até
os privilégios fiscais; a última mudança feita no projeto, relativamente ao
quadro-geral de credores na falência, tirou o crédito tributário do segundo
lugar da lista e passou-o pra terceiro; em sua frente, ficaram os créditos de
garanti real. […]
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Enfim, a Lei está plena de demonstração de que veio para favorecer o
capital financeiro e manter o privilégio fiscal, este último tendo perdido
a batalha de pressões com o primeiro. (negrito nosso)
Indubitável se tratar de uma das principais modificações promovidas ao
regime falimentar, por outro lado, foi apontada com impacto negativo ao devedor e
ao Estado.
O Brasil possui os maiores spreads do planeta. A diferença entre o custo do
aporte captado pelas instituições financeiras no mercado externo e as taxas
cobradas nos valores disponibilizados aos clientes, teoricamente perfaz as taxas de
spreads. Conhecedor destes dados, o governo apostou todas as suas fichas na
redução desta taxa e conseqüente diminuição dos juros cobrados das empresas,
pela simples posição privilegiada alocada aos credores com garantias reais na nova
LRF: “ao desenvolver o processo de recuperação com base na nova lei, vamos ter
repercussão nos spreads bancários”. Na mesma declaração do ex-Ministro da
Fazenda, Antonio Palocci (2005), cedida em matéria publicada pelo jornal Valor
Econômico em 11.02.2005, relata que o sucesso desta lei é certo, pois seus critérios
já foram experimentados em mais de uma dezena de países.
Anterior à aprovação da LRF, Delfim Netto (2004) apregoou sobre a origem
do capital financeiro das empresas, encarte que poria certa crítica aos caminhos
tomados pelo Banco Central do Brasil:
As grandes empresas nacionais se financiam no exterior a taxas melhores
do que as "soberanas" devido às garantias de exportação; os grandes
bancos, sujeitos a uma legislação prudencial extravagante para nosso nível
de desenvolvimento, preferem financiar o governo que carrega uma dívida
exuberante. Resta aos pequenos bancos, enfrentando um compulsório
absurdo, tentar financiar as pequenas e médias empresas, com menores
lucros e maiores riscos.
Em comentário direto ao novo texto legal o economista Luiz Guilherme Piva
(2004) indagou a pouca celeridade como ponto negativo:
Tenta-se conciliar, de um lado, rapidez de execução (e decorrente queda de
spreads) e, de outro, recuperação das empresas por meio da manutenção
de seus ativos intangíveis. Mas, no limite desse raciocínio, a máxima
redução do spread pressupõe execução ágil e derrocada do inadimplente; e,
contraditoriamente, a recuperação da empresa pressupõe reestruturação de
suas dívidas.
Trato oposto, a economista Ana Carla Abrão Costa (2004, p. 88 e 137)
orientada por Naércio Aquino de Meneses Filho, em sua tese de doutorado intitulada
“Ensaios em microeconomia bancária”, pela USP, apreciou exaustivamente a
questão relativa aos spreads bancários conjuntamente com o Projeto de Lei que
daria origem à LRF. Otimista quanto a confiabilidade repassada ao mercado
financeiro, possibilitando maior previsão e redução dos riscos resultado presente no
equilíbrio das relações contratuais, exara a seguir:
A questão dos juros e spread bancário no Brasil tem ganhado grande
relevância ultimamente. Isso se explica, em grande medida, pelos níveis
elevados que as taxas de empréstimos bancários têm atingido e pelos
reduzidos volumes de créditos concedidos pelos bancos. Há, porém, que se
esclarecer alguns pontos fundamentais para que algumas interpretações
equivocadas sejam evitadas. […]
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A parcela relativa aos custos administrativos, a par de um reduzido número
de instituições mais eficientes, representa uma parte significativa dos custos
de intermediação. Isso evidencia um grau elevado de ineficiência do setor,
notadamente dos bancos públicos, estes os grandes responsáveis pela
elevação dessa componente. A inadimplência responde por uma parcela
expressiva do spread bancário no Brasil. Isso reflete um ambiente de
insegurança, em grande parte gerado por dificuldades de execução de
garantias e recuperação de créditos, gerando problemas de perigo
moral que impactam negativamente a determinação das taxas de
empréstimos.
[…]
Elevação da prioridade do credor com garantia real em relação ao fisco,
significando uma melhora institucional importante ao proteger os contratos
prévios à falência e garantir a recuperação do crédito no estado ruim da
natureza. […]
[…] abre-se a possibilidade não só de elevação dos volumes emprestados
mas também de redução no preço desses empréstimos, ambos fruto de uma
redução no risco de crédito percebido pelos bancos, este função direta da
estrutura legal de recuperação de créditos de liquidação duvidosa. É, mais
uma vez, a busca de equilíbrio entre direitos e deveres de credores e
tomadores, na tentativa de construção de um desenho que traga uma
justa divisão de risco, aliada a questões de segurança e previsibilidade
a quem empresta e incentivos corretos para quem toma emprestado.
(negritos nossos)
Conclui a autora (COSTA, 2004, P.167/169) nos termos que ora seguem:
Isso gera, no cômputo final, um novo sistema brasileiro de resolução de
insolvências mais eficaz do ponto de vista de incentivos e mais
eficiente. O que significa, finalmente, que não somente se verificou a
necessidade de reformular o sistema de resolução de insolvência no
Brasil, mas principalmente, se percebeu que isso não só é urgente,
mas também tem reflexos positivos diretos sobre o funcionamento da
economia. Reflexos esses que são claramente relacionados àquele que é
atualmente um importante objetivo de política pública no Brasil: a
expansão dos volumes de crédito privado. (negritos nossos)
Dessarte, os motivos da LRF no que concerne à classificação de credores
agregam posições favoráveis em se tratando da presente análise interdisciplinar,
sem, no entanto, deixar ofuscar as críticas anteriormente encartadas.
Ante a contribuição ao estudo é prudente entrelaçar a análise crua da nova
alocação da Fazenda Pública no processo falimentar, com os resultados positivos ao
mercado bem tratados por Costa. Assim, notória é a preocupação do Estado nestas
duas vertentes. Explica-se:
Caracterizado como Fazenda Pública, o Estado almeja celeridade no
processo falimentar, além, é claro, da melhor posição para reaver os créditos
inadimplidos pelo devedor falido. Nesta seara, estando seus créditos em
desvantagem dos credores com garantia real, fatalmente concorrerá em prejuízo,
havendo maior probabilidade de não restar quantia para saldar alusiva dívida.
Momento inoportuno e totalmente desfavorável aos ideais comungados pela
Fazenda Pública.
Noutro lanço, das palavras de Costa, ao se verificar a necessidade de
reformular o sistema de falência no Brasil, percebeu-se além da urgência em
renovar a matéria legislativa, a necessidade de contribuir positivamente para o
funcionamento da economia.
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Diante o exposto, haveria como se afirmar que o fomento do mercado na
concessão de financiamento pelas instituições financeiras melhor posicionadas na
classificação dos créditos em casos de falência operaria em vantagem ao Estado
devido a um melhor suporte à economia brasileira, carreando o objeto traçado pela
LRF, qual seja; a preocupação com a atividade empresária.
Como bem visto in limine, a globalização promoveu indiscutível dependência
nacional com outros países, o mercado mundial é “um” único mercado, movendo-se
pelas crises e especulações, cobrando cada vez mais das empresas. O aumento da
concorrência exige avanço tecnológico, que basicamente transmuda os
trabalhadores, cobrando maior capacitação, experiência e qualificação. Os subempregos tendem a aumentar e empresas de pequeno e médio porte sentem esta
implacável força, restando apenas a opção de fecharem suas portas, levando com
elas alguns dos fornecedores e terceirizados.
O Estado tem de enfrentar um verdadeiro caos no mercado econômico e se
lhe foi apresentado uma “respiro” no meio desta balburdia, certamente seria bem
aproveitado. Deste modo, apontada a esperança de ampliação do acesso ao crédito
e redução de seu custo, o mercado se beneficiaria deste ideal nas relações futuras.
Finalmente, à Fazenda Pública foi destinado o desprivilegio na cobrança de
seus créditos, todavia, o Estado, primeiro interessado na relação Fazendária, estaria
propenso a colher frutos se confirmado o sucesso anunciado ao país.
Nas palavras de Palmyrita S.Junqueira (2005, p. 233), em trabalho
coordenado por Rubens Approbato Machado, apresenta a expectativa aguardada
por todos:
A preferência do crédito com garantia real aos créditos tributários constitui
importante alteração na ordem de classificação dos créditos não só pelo fato
de os credores particulares preferirem aos públicos, mas também
porque há grande expectativa dos empresários, em geral, de que dessa
forma possa haver significativa redução do custo de crédito para as
sociedades, uma vez que os bancos, que são os que comumente exigem
garantias reais, com maior certeza no recebimento dos seus créditos,
poderão reduzir as taxas de juros, reduzindo, assim, o endividamento das
sociedades empresárias e o risco de quebra. (negritos nossos)
Alheio a este cenário de ponderações entre o real detrimento de um
privilégio visando o desenvolvimento da economia interna, as instituições financeiras
foram agraciadas duplamente pela LRF.
Ao deter o posicionamento privilegiado na classificação dos créditos em
caso de falência, poderá prever uma menor probabilidade de ver perdido seu
investimento, posto que o fisco sempre se apropriou de grande fatia do patrimônio
da massa.
Num segundo momento, não foi consignado sequer um “protocolo de
intenções” entre sociedade brasileira e as instituições financeiras aqui estabelecidas,
documento que pudesse obrigar a redução dos spreads na concessão de
financiamentos.
Nesta seara, os bancos tendem a aumentar seus lucros ano após ano, sem
esboçar qualquer compromisso com a justiça na cobrança dos juros. Além de haver
a liberdade de ser praticado juros remuneratórios de mercado, o sistema de
aplicação com base na Tabela Price obstinado a continuar regente por ato do poder
executivo (Medidas Provisórias 1963-17/2000 e 2170-36/2001), sendo raro se
deparar com contratos de financiamentos bancário em que não esteja explicitamente
prevista a cumulação entre comissão de permanência e demais encargos
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moratórios, senão a isenção de taxa de administração ou taxa de serviço de
terceiros.
Próximo de ser completado o quinto ano da Lei de Recuperação e Falência,
as instituições financeiras continuam a fomentar a economia brasileira auxiliando os
empresários na luta pela manutenção dos negócios num mercado hostil, cuja
estabilidade pode ser drasticamente afetada com a possibilidade de advento de
nova crise ainda sem precedentes, ou seja, não há como negar que os bancos
prestam muito bem seu papel.
Nada obstante, ao se debruçar numa análise mais acurada sobre esta
função, há como perceber que os excessos são muitos e praticado ao longo de
anos. Como bem mencionado, a redução do risco de crédito e do risco legal
deveriam, com a nova lei, impactar positivamente nos spreads bancários, fazendo
com que se criassem maiores condições para a realização de financiamento (e
oferta de crédito), com a redução dos custos financeiros.
Ocorre que não se vislumbram estudos, nem tão-pouco o efetivo combate
pelo poder executivo, ou judiciário quanto à redução nas taxas de juros praticadas,
devido às garantias estabelecidas pela LRF, dentre outros textos legais. A economia
continua em franco desenvolvimento, o acesso às linhas de crédito em constante
ascensão, os lucros das instituições financeiras em patamares cada vez maiores,
todavia, o mercado financeiro sem qualquer regulação.
O privilégio concedido pela LRF aos bancos, no que concerne à
classificação dos créditos com garantia real não comporta precedentes, posto que
na história legislativa brasileira não se visualiza a concessão de semelhante
prerrogativa.
Os interesses de uma parcela privada nunca se justapôs às garantias
públicas, como é o caso consignado no artigo 83, incisos II e III, da LRF. Porquanto,
tendo em vista a importância em ser tomada tal decisão pelo legislativo, se o real
objetivo na concessão de tamanha benesse fosse o de ver contidos os juros
praticados aos empresários, a sociedade brasileira encontrar-se em época de ao
menos exigir do Estado a comprovação de determinada previsão, ou seja, a
constatação de como se operou o reflexo nos spreads bancários pelo favorecimento
legal.
WILIAM CARVALHO
2º sem. 2009
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