Mestrado em Ciência da Computação Métodos e Técnicas de Pesquisa Prof. Dr. Henrique Nou Schneider Aluno: Christiano Lima Santos Título do Livro: Filosofia da Ciência e da Tecnologia Referência Completa: MORAIS, Regis de. Filosofia da Ciência e da Tecnologia , Ed. Papirus, 2002. 1) Biografia João Francisco Regis de Morais, mineiro nascido em 1940 na cidade de Passa Quatro-MG e residente do estado de São Paulo há 45 anos, possui como formação a graduação em Filosofia e Ciências Sociais, obtendo grau de mestre em Filosofia Social e doutorado em Educação, além de ter defendido tese de livre-docência em Filosofia da Educação. Autor de mais de quarenta livros, com publicações em Filosofia, Sociologia, Literatura e Literatura Religiosa. Regis de Morais foi professor convidado da PUC no Chile em três ocasiões bem como prestou serviços à Universidade Técnica de Lisboa. Professor titular aposentado da Unicamp, atuando ainda como colaborador convidado junto ao Instituto de Artes, atualmente é professor titular do Mestrado em Educação da Unisal, além de atuar como conferencista no meio acadêmico e religioso bem como consultor pedagógico para escolas do ensino fundamental ao superior. Suas últimas obras apresentam um novo enfoque, agora se concentrando em uma educação mais espiritualizada, entretanto sem abandonar sua experiência vivida e conhecimento em filosofia e sociologia. Algumas de suas obras são “Filosofia da Ciência e da Tecnologia”, “O Que é Violência Urbana”, “Violência e Educação”, “Stress Existencial e Sentido da Vida” e “Um Caso de Amor Com a Vida”. 2) Principais Ideias A ciência O autor inicialmente comenta sobre a ciência com a finalidade de desmistificá-la, apontando que a mesma não produz milagres, e sim, estuda e experimenta leis e fenômenos, sendo também passível de erros humanos. Estabelece-se então a distinção entre o senso comum, isto é, aquilo que é de conhecimento popular proveniente de experiência própria, e o conhecimento científico, obtido a partir de análise e experimentação seguindo certa metodologia. Em suas palavras, “enquanto a experiência é ametódica e assistemática, o experimento é metodicamente provocado e sistematicamente analisado” (MORAIS, 2002, p. 25). Outra distinção importante a ser feita é entre ciência e filosofia, afirmando que enquanto a última inicia pelos fatos e desenvolve racionalizações que associam os fatos aos “primeiros princípios”, a ciência apóia-se na realização de experimentos. Sob a ótica de Oppenheimer1: [As ciências] partem de um pequeno número de princípios, que só são válidos para um âmbito determinado do que existe [...] [enquanto] a filosofia é a ciência dos princípios como tais, [...] que não são válidos para um âmbito particular do que existe, mas também para o que existe em geral (OPPENHEIMER apud MORAIS, 2002, p. 29). A obra também divide as ciências em ciências formais, que buscam soluções lógico-formais a partir da racionalização pura, e as ciências fatuais, que se apóiam não somente na racionalização, mas também em observações e experimentações. E assim é apresentada a evolução de cada subdivisão da ciência ao longo da divisão histórica tradicional: Idade Antiga – incremento das ciências formais, sem avanço das ciências fatuais; Idade Média – devido às limitações impostas pela cultura teocêntrica, não houve avanço nos estudos científicos; Idade Moderna – importância do pensamento baseado na experimentação introduzida por Galileu e início da ciência aplicada, como resultado da união da ciência e da técnica; Idade Contemporânea – maior união entre ciência e técnica e manutenção da metodologia científica, tendo como maior contribuição a heurística. Discute-se também a natureza da ciência, tendo como características a paixão pela contemplação do logos (inteligibilidade) e a dimensão operacional, perceptível pela importância da metodologia. Já quanto ao seu objetivo, conclui-se que se trata da compreensão e controle dos conhecimentos e leis da natureza, como forma de proveito material da humanidade. 1 OPPENHEIMER, J. Robert. Ciência e Saber Comum, s.d., p. 139. Tece-se também uma discussão quanto à divisibilidade da ciência, se a mesma deve ser tratada como algo uno ou divisível. Sob a ótica do autor, a ciência é, ao mesmo tempo, una e divisível, sendo una quando analisada a partir de sua finalidade global, e divisível quando analisada a partir dos diversos objetivos e técnicas específicas que cada ciência pode ter. Recursos metodológicos básicos da ciência Segundo o autor, toda pesquisa científica encontra-se fundamentada em uma das duas modalidades de raciocínio lógico: a dedução e a indução. Principia-se então uma discussão em torno da cultura grega antiga, onde se encontra a ciência puramente dedutivista, até o naturalismo na Idade Média, onde se principia a cultura indutivista, expressando uma dicotomia bastante clara entre a mentalidade dedutivista, que menospreza a manipulação de coisas e fatos cotidianos, e a mentalidade indutivista, que busca uma aproximação com a matéria por meio da experimentação. Uma vez que o método científico é de fundamental importância para o experimentalismo, o autor se detém em definir o termo método bem como apresentar cada uma das seis fases integrantes do processo científico: (1) observação, responsável pela investigação inicial do objeto em estudo, entretanto tal observação não pode ser feita sem o rigor necessário, destacando-se a importância da sistematicidade da observação; (2) colocação da hipótese, que trata da formulação da hipótese a partir dos dados coletados em prévia observação, destacando-se também as seis qualidades da hipótese (simplicidade, adequação de linguagem, condição de realidade, propriedade de delimitação de campo, sintetismo, especificidade e generalidade); (3) seleção dos dados interessantes, retratando a importância da seleção de dados relevantes para a investigação do pesquisador, dados que possam confirmar ou infirmar (enfraquecer) a sua hipótese; (4) verificação, com objetivo central de confrontar os fatos com a hipótese apresentada; (5) obtenção de constantes, lidando com a identificação de conjuntos de dados que se repetem nas observações de forma quase invariável; e (6) generalização, onde se busca a passagem do particular para o geral, momento em que se define a validade da hipótese dentro de um determinado “universo”. Por fim, o autor discursa sobre a importância de construção de teorias a partir das hipóteses observadas, verificadas e generalizadas. Problemas do conhecimento científico e da linguagem que o comunica Resumem-se aqui as principais ideias por trás da maneira como o conhecimento científico é abordado e comunicado, a fim de reduzir possíveis interferências e garantir a comunicação adequada entre todos os interessados. Assim, o autor tece sua discussão em torno de quatro principais objetos: a consciência objetiva (importância do não envolvimento pessoal do pesquisador com o objeto em estudo), a subjetividade (carga cognitiva já possuída pelo pesquisador sobre o objeto em questão bem como suas interpretações individuais), a intersubjetividade (ponto médio entre a objetividade e a subjetividade total) e a linguagem da comunicação científica. Como a consciência puramente objetiva é um mito, conforme aponta ROSZAK (apud MORAIS, 2002), deve-se, portanto, buscar a intersubjetividade, uma vez que todo conhecimento nasce, em sua essência, pertencendo a indivíduos (subjetividade), mas pode ser validado de forma objetiva (objetividade) a fim de alcançar a universalidade do saber científico. Por fim, levanta-se uma discussão sobre a linguagem da comunicação científica, partindo da apresentação dos elementos fundamentais da comunicação segundo o professor LASSWELL (apud MORAIS, 2002) – emissor, mensagem, receptor, canal e finalidade – e tratando-se sobre características importantes para a linguagem científica – objetividade, exatidão, impessoalidade e não-ambiguidade. Tecnologia geral Aborda-se também a problemática possivelmente causada pela supervalorização da tecnologia nos dias atuais, levando ao detrimento de cursos não relacionados à pesquisa científica e tecnológica. Destaca-se assim a importância do posicionamento consciente do homem frente ao impacto causado pelo emprego das técnicas e tecnologias vigentes, iniciando uma discussão sobre a real importância das tecnologias (invenções modernas, como eletricidade, aparelhos teletransmissores, veículos automotivos, etc.) e das técnicas (invenções primitivas, como a descoberta do fogo, a agricultura, instrumentos simples, a linguagem, etc.) quanto à satisfação das necessidades básicas do ser humano, apontando assim essas últimas como tendo um maior impacto que as primeiras. Tece-se também crítica quanto aos atuais avanços tecnológicos, como sendo guiados pelo interesse na geração de lucros e não mais pelos valores e objetivos humanos de vida, apontando que na civilização pré-tecnológica o desenvolvimento do indivíduo ocorre de acordo com seu próprio ritmo, contrastando com os dias atuais, em que muitas vezes o indivíduo precisa adaptar-se ao ritmo imposto pelas tecnologias. Além disso, aponta-se que as civilizações prétecnológicas eram mais personalizadas, contrastando com o mundo tecnicista conhecido hoje, onde a tecnologia, ao mesmo tempo em que aproxima as pessoas, elimina diferenças, despersonalizando a sociedade. O autor aponta, então, três princípios que, segundo Erich FROMM2, regem a civilização tecnológica: 1) Tudo o que é tecnicamente possível de fazer-se, deve ser feito; 2) O atual avanço tecnológico deve conduzir ao ideal da eficiência absoluta; 3) Quanto mais produzimos do que quer que produzimos, tanto melhor. Outra crítica do autor sobre o uso de tecnológica é quanto à introdução das “quase-soluções tecnológicas”, isto é, tentativas tecnológicas de resolver problemas que, na esperança de solucioná-los, acabam por criar novos problemas, por vezes mais complexos que os primeiros. E, de forma recorrente, outras “quase-soluções” tecnológicas são propostas aos problemas gerados, levando-se a gerar novos problemas, em um moto perpétuo. Apresenta-se então o pensamento utópico como forma de reorientação social capaz de proteger a humanidade das adversidades provenientes de sua própria tecnificação. Deixa-se claro assim 2 FROMM, Erich. A Revolução da Esperança, 1965, p. 48-54. que o pensamento utópico deve servir como crítica projetante da realidade, capaz de orientar ideias que poderão levar a ações verdadeiramente edificantes. O autor também contrasta os conceitos de ideologia e ideia, apontando que enquanto “as ideologias são ideias formuladas para consumo público, satisfazendo a necessidade que todos têm de aliviar sua consciência culpada, na crença conveniente”3 (FROMM apud MORAIS, 2002, p. 126), são as ideias que se referem ao que é real, “despertando [os homens] do sono, aguçando-lhes a sensibilidade e exigindo que eles pensem, descobrindo coisas que antes não podiam ver”4 (FROMM apud MORAIS, 2002, p. 126). Apontamentos sobre a cibernética e a automação No quinto capítulo o autor inicia uma discussão sobre automação nos dias atuais, falando também sobre a importância da cibernética para o progresso e sucesso daquela. Para fins de facilitar a compreensão da automação, traz as colocações de Jean Ullmo sobre a trajetória das técnicas humanas ao afirmar que “os instrumentos prolongaram e ampliaram os sentidos do homem; as máquinas abertas multiplicaram sua força física; os computadores multiplicaram as possibilidades da sua inteligência e ampliaram o seu pensamento”5. A seguir, traça-se uma discussão acerca da compreensão humana do universo ao longo da história, iniciando pela concepção medieval focada no teocentrismo, onde tudo só acontece por vontade do Criador, contrastando com o pensamento do Renascimento, onde alguns cientistas começam a descobrir leis e princípios que regem certos fenômenos. O universo, então, passa a ser visto como sendo regido por leis invariáveis. Já no século XX, Bolzmann e Gibbs começam a substituir o “universo das leis necessárias” pelo “universo das probabilidades”, apontando assim as incertezas inerentes dos fenômenos. Ainda nesse mesmo século, nasce a cibernética como a busca pela compreensão dos sistemas numa tentativa de impor e controlar alguma ordem aos mesmos, de forma autocorretiva e retroalimentada, buscando-se a máxima eficiência. O autor, então, apresenta dois conceitos: entropia e retroalimentação (feedback). Por entropia, deve-se entender a tendência natural do universo e de seus sistemas à desorganização. Já por retroalimentação, compreende-se a capacidade de um sistema receber como “entrada para processamento os resultados da operação anterior” (MORAIS, 2002, p. 140). Desta forma, a retroalimentação confronta a entropia na medida em que oferece condições para o próprio sistema corrigir-se e assim auto-organizar-se. Apresenta-se também o conceito de homeostase como sendo a capacidade de um sistema manter algumas de suas variáveis dentro de certos limites especificáveis, geralmente a partir de dados da retroalimentação e opondo-se à entropia. 3 FROMM, Erich. A Revolução da Esperança, 1965, p. 156. 4 Ibidem, 1965, p. 157. 5 ULLMO, Jean. Os novos poderes do pensamento, in A Revolução da Informática, 1970, p. 9. Em seguida, inicia-se uma comparação entre o cérebro humano e o computador com o intuito de melhor compreender suas semelhanças e diferenças, e enquanto que ambos são dispositivos de processamento de informações para uso geral, fica claro que o cérebro é imbatível em sua capacidade criativa e adaptativa bem como apresenta uma postura crítica e ativa que o computador, até o dado momento, não pode apresentar. Discutem-se então as perspectivas sociais da automação, isto é, busca-se compreender as relações tecidas entre a automação, o homem e a sociedade, compreendendo-se assim não somente o papel da automação, mas também os possíveis efeitos da mesma na vida do homem como indivíduo e como ser social. E aqui cabe apontar que a automação pode gerar efeitos positivos ou negativos, a depender da finalidade com que se emprega a mesma. Mas, independentemente da finalidade adotada, é certo que a mesma causou uma grande modificação na vida humana, degradando o valor da força física no trabalho, ao mesmo tempo em que privilegia aqueles com amplos conhecimentos em tecnologia e automação. O Homem: suas obras e possibilidades Por séculos o próprio homem manteve-se fascinado com as facilidades que o processo tecnológico traria para a sua vida, sem premeditar o impacto negativo decorrente do mesmo, com a degradação do “ser” em favor do “ter”. Assim, as necessidades do indivíduo não se limitam mais às suas exigências biológicas e sim às impostas pelo ambiente social em que está inserido. Discute-se assim como o próprio ambiente, alterado pelo homem, acaba por influenciar mudanças no próprio homem e como consequência do crescimento tecnológico descontrolado surgem cidades superpovoadas, relacionamentos humanos cada vez mais superficiais e o espaço em que se vive oferece cada vez menos condições realmente humanas para a vida. Ainda, Morais expõe que o homem moderno, ao sentir-se angustiado por não encontrar seu lugar no mundo, acabou por criar duas reações problemáticas: o individualismo, que só enxerga as ações do indivíduo consigo próprio, desfigurando-o; e o coletivismo, que não enxerga o homem, mas somente a sociedade, ocultando-o. Deve-se, assim, buscar compreender o homem por meio da relação do “homem com o homem”. Por fim, o autor aponta que ainda há esperança, uma vez que “tudo sempre esteve ameaçado”6, mas se requer tratar o problema como realmente se deve, como uma questão filosófica. 6 RICOEUR, Paul. A Aventura Técnica e o seu Horizonte Interplanetário, in rev. Paz e Terra, ano II, n 8, setembro, 1968, p. 37. 3) Outros autores Pombo também realiza uma análise histórica do papel da ciência e discursa sobre a ciência contemporânea, falando principalmente sobre a fragmentação da mesma em várias ciências, isto é, a especialização da ciência, e compara com o desenvolvimento e pensamento científico dominante até a idade moderna, quando era visível a Unidade da Ciência, isto é, a ciência como uma coisa só, e não uma quase infinidade de ramificações (especializações) como se vê atualmente. Pombo comenta que: Se olharmos hoje para a ciência, o que vemos são as ciências. [...] Vemos as disciplinas, as subdisciplinas, as especialidades. [...] Uma poeira, mais ou menos caótica, de programas e projetos de investigação altamente especializados [...].” (POMBO, 2006, p. 515). A autora aponta que, devido a essa nova visão especialista da ciência, a mesma passou a ser julgada, não pela sua preocupação em investigar o mundo, mas quanto à sua capacidade de produzir resultados práticos aplicáveis à política, militarismo ou economia, não enxergando mais, assim, o todo. Entretanto, a autora defende que a Unidade da Ciência não pode ser rompida, estando sempre presente como uma tendência contrária à especialização e aponta como um dos possíveis sinais disso a “emergência de novos tipos de arranjos disciplinares”, tais como disciplinas híbridas (disciplinas-fronteiras entre duas disciplinas tradicionais, como a Bioquímica) e interdisciplinas (resultantes da confluência de ciências puras e aplicadas, como a engenharia genética). Já quanto à discussão sobre senso comum, ciência e filosofia, RIOS et al. apresentam definições um pouco diferentes sobre os mesmos, apontando uma complementação existente entre eles: enquanto a filosofia auxilia na concepção do universo por meio da auto-reflexão e o senso comum contribui trazendo à tona problemas cotidianos das pessoas, é papel da ciência pesquisar e interpretar dados a fim de solucionar tais problemas (RIOS et al, 2007). Assim, a ciência parte de princípios universais identificados pela filosofia e, por meio de deduções e induções, apresenta soluções a problemas identificados pelo senso comum. A respeito do impacto do desenvolvimento tecnológico sobre o progresso científico, Santos e Mortimer (2000) corroboram a imagem problemática criada pela ciência e tecnologia na sociedade atual, a qual considera firmemente serem ambas as “soluções para todos os problemas”, em uma fé inabalável no progresso, em um processo de quase divinização delas. Assim, a supervalorização da ciência e da tecnologia como salvação da humanidade acaba por trazer novos problemas, como a função ideológica de dominação ao cientificismo, na medida em que: A ciência e a técnica cumprem a função de legitimação da dominação, pois as metodologias científicas levam a uma dominação da natureza com uma eficácia cada vez maior, proporcionando os instrumentos para uma dominação cada vez mais eficiente do homem sobre o homem (SANTOS e MORTIMER, 2000, p. 3). Sobre a cibercultura e seu impacto na sociedade, Reis (2012) também comenta sobre os possíveis efeitos negativos da mesma, alertando quanto à comunicação como meio de violência silenciosa promovida pelas organizações empresariais, uma vez que esta busca estabelecer uma relação de dominação na produção midiática sobre suas respectivas comunidades e funcionários. Aponta que a violência apresenta-se de forma subliminar (daí seu caráter silencioso) como uma força contínua que busca a ordem hegemônica sob os interesses da empresa. Entretanto, não se pode julgar a cibercultura apenas por seus aspectos negativos, uma vez que a mesma também possui importante papel na educação da nova geração, como destaca Ramal (2003), ao apontar que a cibercultura é capaz de trazer uma revolução ao processo educacional. Segundo a mesma, o ciberespaço pode representar a mudança comunicacional e educacional necessária para o rompimento dos velhos paradigmas, introduzindo a interatividade como um fator marcante. 4) Considerações pessoais Conforme apontado por Morais (2002) e Pombo (2007), não se deve ver a ciência exclusivamente como fragmentada em várias ciências independentes, uma vez que cada uma delas, concentrada em sua atividade científica específica, não pode cumprir sozinha o objetivo da ciência, que segundo Morais é a compreensão e controle dos conhecimentos e leis da natureza visando benefícios para a humanidade. Sendo assim, tais especializações devem atuar de forma interdependente e transdisciplinar, daí o caráter de Unidade da Ciência, conforme mencionado por Pombo. Além da discussão sobre a divisibilidade da ciência, também a apresentação da evolução do caráter do estudo científico ao longo da história desempenha importante papel na compreensão do conteúdo abordado nos capítulos seguintes da obra de Morais, na medida em que a discussão sobre a evolução da ciência contribui com o entendimento da importância atribuída a esta e à tecnologia. Já sua discussão sobre o papel da dedução e da indução na ciência pode levar-nos a uma reflexão quanto a “quão corretas” podem ser consideradas as teses apresentadas e defendidas cientificamente. Vale aqui lembrar que o próprio Morais, no início de sua obra, já antecipa que a ciência também é passível de erros humanos. Sendo assim, qual dos dois recursos metodológicos pode levar a “resultados mais corretos”? Do que se pode deduzir a partir da leitura, dependerá de qual a natureza da ciência (no caso, especialização da ciência) em questão. Entretanto, quando se comparando e dissertando a respeito da maior importância das invenções primitivas frente às invenções modernas na satisfação das necessidades básicas do ser humano, deve-se levar em consideração o momento em que elas ocorreram bem como os problemas e preocupações da humanidade naquele momento. Considero, por exemplo, que para o homem primitivo, o desenvolvimento de um conjunto de técnicas para cultivo da terra era vital, um meio de reduzir a taxa de mortalidade por fome decorrente dos períodos de fraca caça ou coleta de alimentos. Já para o homem moderno, conhecimentos em agricultura já se encontravam bastante sedimentados pelos seus antecessores, abrindo-se assim caminho para novas pesquisas visando aumento de produtividade e redução da carga das atividades físicas realizadas pelo homem. Assim, apesar de não ser intuito do autor desmerecer estas ou aquelas, acredito ser importante frisar o papel de ambas na construção de nossa sociedade atual. Discordo da opinião do autor quanto às “quase-soluções” tecnológicas, uma vez que considero os vários problemas decorrentes da adoção de tais soluções apontados pelo mesmo como préexistentes à adoção das mesmas, sendo somente tais tecnologias ferramentas necessárias para a identificação e compreensão de tais problemas. Com isso, não quero afirmar que o uso de novas tecnologias não propicie a formação de novos problemas, mas não considero como sendo causadora de uma “avalanche” tão grande de problemas como aquela apontada. O autor afirma que “automação é o direto resultado de máquinas [...] que trabalham a uma velocidade instantânea” (MORAIS, 2002, p. 129). Entretanto, é importante frisar que nem sempre a automação busca a máxima velocidade, por vezes o objetivo da automação é a redução dos custos, segurança da vida humana ou elevação dos padrões de qualidade por meio da não-intervenção humana. E se a cibercultura possui seus aspectos negativos, conforme mencionam Morais (2002) e Reis (2012), é importante lembrar que ela também possui seus aspectos positivos, como menciona Ramal (2003), ao apontar a importância de repensar a educação nessa nova cultura. Consequentemente, não é a cibercultura em si a responsável pelos males proferidos, mas a forma como a mesma é empregada que pode causar impactos negativos, conforme fica enunciado também nas palavras do próprio autor, ao afirmar que o homem, ao alterar o próprio ambiente, acaba por influenciar mudanças nele próprio. Em certas passagens (MORAIS, 2002, p. 157), o autor comenta que algumas das respostas encontradas podem ser mais intuitivas do que rigorosamente lógicas, entretanto, não é papel da ciência discernir uma resposta simplesmente intuitiva daquela formada racionalmente ou empiricamente validade? Que conclusões podem ser construídas a partir de afirmações intuitivas? Talvez seja a complexidade existente no objeto sob estudo (o homem) que dificulte a formulação de uma afirmação verdadeiramente racional, entretanto tal dificuldade não deve extinguir a necessidade de sua busca. De certa forma, o autor desconsidera certos fatos históricos ao tecer suas comparações entre o homem medieval e o homem contemporâneo (MORAIS, 2002, p. 160), ao afirmar que na contemporaneidade o homem possui valor somente de acordo com sua produtividade, ignorando que o mesmo também ocorria ao homem medieval, onde o feudalismo exigia a força humana no trabalho em uma relação direta de produção, inclusive com a exploração da mão-deobra infantil e idosa. Necessita-se então de uma reflexão mais crítica a respeito dos ganhos e perdas considerando os aspectos envolvidos em cada uma dessas idades históricas. Em contrapartida, considero sua afirmação a respeito da descartabilidade dos produtos oferecidos atualmente (MORAIS, 2002, p. 161) bastante válida e é realmente importante questionar os princípios éticos que movem o mercado. Referências Bibliográficas MORAIS, Regis de. Filosofia da Ciência e da Tecnologia , Ed. Papirus, 2002. POMBO, Olga. A Ciência e as Ciências. In Encontro de Saberes, Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2006, pp. 515-532. Disponível em: http://cfcul.fc.ul.pt/textos/OP%20%20A%20Ciencia%20e%20as%20ciencias.pdf . Acessado em 15 de novembro de 2012. RAMAL, Andrea. A Hipertextualidade Como Ambiente de Construção de Novas Identidades Docentes. In Educação e Tecnologia: Trilhando caminhos. Salvador: UBEB, 2003. Disponível em: http://www.lynn.pro.br/pdf/educatec/ramal.pdf . Acessado em 16 de novembro de 2012. REIS, Ângela. 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