1 Rua Dias Adorno, 367 – 6º andar – Santo Agostinho 30190-100 – BELO HORIZONTE – MG Telefone: 3330-9515/33308399 – e-mail: [email protected] NOTA TÉCNICA Nº 003/2014 Objeto: Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Ituiutaba. Consulta médica. Otorrinolaringologia. IPSEMG. Segurado. Hospital Mater Dei. Natureza privada. Não cobertura. Ausência de contrato específico. Cobrança proporcional. SUS. Lei Complementar nº 141, de 2012. Não incidência. 1. Relatório Cuida-se de consulta, elaborada pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da comarca de Ituiutaba, através dos ofícios nº 486/2012/SPJI, nº 921/2013/SPJI e nº 2546/2013/SPJI, cadastrada no Sistema de Registro Único (SRU), como Procedimento de Apoio à Atividade Fim – PAAF – sob o n° 0024.11.004212-4, versando sobre solicitação de posicionamento do CAOSAUDE acerca da legalidade de o Hospital Mater Dei, natureza privada, conveniado ao IPSEMG, não garantir consulta médica especializada na otorrinolaringologia para seus segurados. 2. Dos fatos 2 Trata-se de Notícia de Fato nº MPMG 0342.11.000062-3, instaurada pela 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Ituiutaba/MG, especializada em saúde, para fins de apurar a legalidade do comportamento do Hospital Mater Dei, de natureza privada, conveniado ao IPSEMG, no atendimento do beneficiário, ARLI LOPES DE ARAÚJO, posto que não lhe garantiu consulta médica especializada na otorrinolaringologia, ao argumento da não pactuação com aquele Instituto, assegurando, lado outro, a possibilidade de o segurado pagar pela consulta com 50% de desconto dentro do referido hospital. Conforme consta do referido procedimento, essa demanda foi aportada na Curadoria da Saúde proveniente da remessa de cópia de Inquérito que tramitava no Juizado Especial Criminal da comarca local, referente a Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), lavrado para apuração de crime de omissão de socorro, praticado, em tese, por médico investigado do quadro de profissionais da referida unidade de saúde, contra o paciente Arli Lopes de Araújo (autos n. 0083365-10.2010.8.13.0342). Em suma, consta dos autos a existência de Boletim de Ocorrência (BO), registrado pelo paciente Arli Lopes de Araújo, segurado do IPSEMG, em que relata suposta negativa de atendimento médico por profissional da área da otorrinolaringologia, que se encontrava de serviço no referido prestador hospitalar, ocasião em que lá compareceu com o agravo de hemorragia nasal, decorrente de uma síndrome rara - Rendu-Osler-Weber. Consta que, no momento da ocorrência, teria procurado por seu médico assistente, Dr. André Franco de Souza, contudo este não se encontrava no hospital, assegurando-lhe, entretanto, seu atendimento em outro local, condicionado ao pagamento da consulta. O segurado optou pelo seu atendimento junto ao pronto socorro municipal. 3 Ainda, conforme depoimentos do profissional médico investigado, da Coordenadora Regional do IPSEMG e do hospital privado, constam dos autos, de natureza criminal, assim como do procedimento instaurado pela Curadoria da Saúde as seguintes informações: √ - O profissional médico especialista não é credenciado pelo IPSEMG (não apresenta qualquer espécie de contrato com o IPSEMG para prestação de serviço) e que quando atende pacientes do IPSEMG cobra consulta mais barata, como espécie de “favor”. √ - Apesar do hospital Mater Dei ser conveniado ao IPSEMG, nem todos os profissionais médicos do seu quadro atendem pelo referido convênio, porém, encontrando-se na unidade, têm a obrigação de realizar esses atendimentos aos segurados do plano. √ - A direção clínica do hospital informou que não se responsabiliza pela prestação de serviços de consultas médicas – relação direta entre profissional e paciente, mas que em casos de internação, os médicos não conveniados que atenderam pacientes do IPSEMG recebem honorários através do Instituto. Informa ser do conhecimento da administração hospitalar que há contrato direto entre profissionais médicos e o IPSEMG especificamente quanto às consultas. 4 Em sede criminal, consta que os fatos foram arquivados, ao argumento da inexistência de crime de omissão de socorro. Também, segundo diligenciado, há em curso procedimento movido pelo segurado, de natureza cível (ação cominatória de obrigação de fazer), em desfavor do IPSEMG, cujo objeto pleiteia sua condenação na obrigação de assegurar-lhe tratamento médico na especialidade da otorrinolaringologia. 3. Do prestador hospitalar Mater Dei – município de Ituiutaba Segundo informações coletadas no CNES (www.cnes.datasus.gov.br), o Hospital Mater Dei, razão social Hospital São Joaquim Ltda, CNES 2121719, é empresa privada, tipo hospital geral, sob gestão municipal, habilitado para atendimentos de convênios e planos de saúde privado. Possui apenas 30 (trinta) leitos, nenhum deles destinado ao atendimento SUS. Conforme cópia do contrato de prestação de serviços médicos e hospitalares, firmados, à época, entre referido hospital e o IPSEMG, no período de 19/07/2006 a 19/07/2011), constam como serviços contratualizados pelas partes os seguintes: a) atendimento externo (ambulatorial, urgência/emergência), com acesso a serviços/exames complementares de diagnóstico e tratamento necessário para o atendimento, e observação do paciente; b) semi-internação (permanência mínima de 6(seis) horas com assistência médica e de enfermagem, e internação. Pelo que consta do procedimento instaurado, não houve negativa de atendimento da urgência/emergência pelo médico plantonista daquela unidade hospitalar, contudo, havia a falta de um profissional especialista no turno da unidade, razão pela qual, na 5 seara criminal, entendeu o Órgão do Ministério Público pela inexistência de crime de omissão de socorro. Apurou-se que o hospital Mater Dei não possuía credenciamento com o IPSEMG para fornecimento da cobertura na especialidade da otorrinolaringologia, embora tivesse aquele profissional médico, em algumas ocasiões, prestado atendimento (consultas) a beneficiários do IPSEMG, mediante a cobrança de determinado valor De fato, em pesquisa no CNES, foi verificada a ausência de vínculo estabelecido entre aquele profissional médico especialista e o hospital Mater Dei. No caso, exercia sua atividade laboral como profissional autônomo, sem intermediação (RPA). Assim, na lógica da relação jurídica contratual, de natureza privada, há que prevalecer as regras e cláusulas avençadas no referido contrato, celebrado entre o IPSEMG e o hospital Mater Dei, a partir dos fluxos próprios de prestação de serviços e sistema de referenciamento, como será destacado a seguir. 4. Do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG Cumpre tecer algumas considerações acerca do instituto do IPSEMG, tendo em vista que a referida demanda envolve relação de prestação de serviço médico-hospitalar (Convênio) estabelecida entre unidade hospitalar privada e o referido instituto. Em suma, o IPSEMG – Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais, trata-se de pessoa jurídica de direito público, de natureza autárquica, cuja finalidade é prestar assistência médica, hospitalar, farmacêutica, odontológica e social a seus 6 beneficiários, e gerir o regime próprio de previdência, nos termos da Lei Complementar nº 64, de 25 de março de 2002, e do Decreto nº 45695, de 12 de agosto de 20111. Segundo o art. 85 da Lei Complementar nº 64/2002, a assistência médica, hospitalar e odontológica é prestada pelo IPSEMG, facultativamente, aos segurados relacionados no art. 3º da referida Lei, aos servidores detentores exclusivamente de cargo de provimento em comissão, declarado em lei de livre nomeação e exoneração, aos agentes políticos e aos servidores admitidos nos termos do art. 10 da Lei nº 10.254, de 20/07/1990, extensiva aos seus dependentes. Além destes, os pensionistas também podem ser beneficiários da Assistência à Saúde, nos termos do art. 1º do Decreto nº 42.897/2002 e o contratado nos termos da Lei nº 18.185 de 04/06/2009. De qualquer forma, a adesão ao serviço de Assistência à Saúde do IPSEMG é facultativa e mediante contribuição. Assim, somente são beneficiários aqueles que contribuem formalmente, através de adesão, conforme os valores previstos pela tabela do instituto. Os serviços, procedimentos, exames, materiais e medicamentos cobertos pelo Instituto constam da Tabela de Honorários e Serviços para a área de Saúde, disponível para acesso em: www.ipsemg.mg.gov.br > saúde > tabelas de procedimentos. Referida tabela relaciona todos os procedimentos cobertos pela Assistência à Saúde prestada pelo IPSEMG e, contem os respectivos códigos e descrição de cada 1 Link: sítio eletrônico IPSEMG http://www.ipsemg.mg.gov.br/ipsemg/portal/m/site/516inicio/0/0;jsessionid=45B6A5E55B8D35159D7DC3DC8867 80E6 7 procedimento, serviço, exame, material ou medicamento. Além disso, nela constam os valores pagos aos profissionais contratados para prestação do serviço de saúde. Ainda, ressaltamos que o beneficiário da Assistência à Saúde do IPSEMG pode utilizar tanto os serviços prestados por meio da rede própria do instituto quanto pela rede credenciada de serviços de saúde, como ocorre no caso em apreço, através do Hospital Mater Dei do município de Ituiutaba. Destarte, constatamos que a assistência à saúde ofertada pelo IPSEMG apresenta fluxo e rede próprios, nos termos dos normativos indicados, ou seja, é o próprio Estado de Minas Gerais quem está prestando serviço de Assistência à Saúde específica e diferenciada a um determinado grupo de servidores públicos estaduais e seus dependentes, devidamente inscritos no IPSEMG. Ocorre que, segundo o artigo 2º, § 1º da Lei federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1.990, também denominada Lei Orgânica da Saúde, o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (g.n.) Ainda, insta salientar a recente regulamentação do artigo 198, § 3º da Constituição Federal, pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012. Dentre outros, esse normativo legal dispôs, nos seus artigos 2º, 3º e 4º, o que são e não são considerados ações e serviços públicos de saúde, respectivamente. Nesse contexto, a assistência à saúde que não atenda ao princípio da universalidade, como, no caso do IPSEMG, não está inserida no âmbito da saúde pública, e, por conseguinte, conforme recorrente orientação institucional do CAOSAUDE, encontra-se fora das atribuições da atuação das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde. 8 De se ressaltar que o Estado de Minas Gerais é um dos poucos remanescentes que ainda não cumpriu a determinação do artigo 45, § 1º da Lei federal nº 8.080/90. Lado outro, a assistência à saúde prestada pelo IPSEMG não se configura plano de saúde, posto que não alcançado pelo artigo 1º da Lei federal nº 9.656/98, uma vez que não se encontra aberto (adesão) para todo e qualquer usuário interessado. Desta forma, sequer possui registro na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Desta forma, nos casos em que se tratar de direito individual disponível, relativo à assistência à saúde prestada pelo IPSEMG, autarquia estadual, poderá haver a atuação da Defensoria Pública Estadual ou, ainda, o ajuizamento de ação diretamente pelo interessado, sem necessidade de advogado, a ser protocolada no Juizado Especial de Vara da Fazenda Pública, nos termos da Lei federal nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009 e Resolução TJMG nº 700, de 13 de junho de 2012, limitada às causas com valores até 40 (quarenta) salários mínimos. No caso de a matéria envolver qualquer outro interesse, como nos casos de improbidade administrativa, cujos fatos estejam relacionados à atividade meio, sugerimos a atuação conjunto do Órgão de Execução, com atribuições na Defesa do Patrimônio Público e da Defesa da Saúde, até que a Administração Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais possa regulamentar a matéria. Por último, ressalto nossa anterior orientação institucional, versando sobre a mesma matéria, consubstanciada no Ofício nº 583, de 03 de junho de 2013, elaborado para subsidiar os autos do Inquérito Civil nº 0342.12.000357-5. 9 4. Conclusão Ante o exposto, tendo em vista os argumentos técnico-jurídicos acima esposados, este Centro de Apoio Operacional (CAOSAUDE) sugere uma atuação resolutiva administrativa por parte deste Órgão de Execução, fazendo-se expedição de ofício à presidência do IPSEMG, sede Belo Horizonte, para fins de se obter um pronunciamento pormenorizado e oficial do instituto-sede, acerca da possível relação contratual estabelecida entre o instituto e os profissionais médicos, principalmente no que tange a consultas especializadas, para fins de confirmação ou não das informações prestadas pela unidade de saúde local. Por se tratar de matéria envolvendo um fluxo próprio de Assistência à Saúde pelo IPSEMG, não inserido no âmbito da Saúde Pública, portanto sem atribuições, em tese, da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, salvo posterior regulamentação da matéria pela Administração Superior do Ministério Publico, deverá o segurado demandante ser melhor orientado quanto ao seu acesso material junto à Defensoria Pública Estadual ou ao Juizado Especial de Vara da Fazenda Pública. Contudo, entendendo pela propositura de ação judicial, poderá embasar sua legitimação no fato de que as ações e serviços de saúde (públicas ou não) são de relevância pública, nos termos do artigo 197 da Constituição Federal. É a presente Nota Técnica. Belo Horizonte, 30 de abril de 2014. Nêmora Brant Drumond Cenachi Analista do CAOSAUDE GILMAR DE ASSIS Promotor de Justiça Coordenador CAOSAUDE