Os gladiadores: sangue e glória na arena

Propaganda
Os gladiadores: sangue e glória na arena
Gilson Gustavo de P. Oliveira
1. Apresentação
A idéia de pesquisar sobre os gladiadores romanos surgiu, não vou negar, a
partir do filme Gladiador, de Ridley Scott. O filme reavivou meu interesse pelo
tema, assim como dos visitantes do site. Para poder aprender um pouco mais e
reparar alguns equívocos cometidos pelos filmes que tratam dele, resolvi pesquisar
o assunto.
Para realizar essa pesquisa comecei procurando livros em português, mas
infelizmente deparei-me com a falta de bibliografia em português sobre o assunto.
A solução foi recorrer à internet, mais precisamente, ao sites localizados fora do
país.
Na internet, minhas dúvidas começaram a ser satisfeitas. Encontrei vários
sites em inglês, que estão listados na bibliografia, e muitos feitos por universitários
e/ou professores que utilizaram as fontes que infelizmente não encontrei no Brasil.
Quero lembrar, que a falta de contato direto com as obras dos principais
pesquisadores do assunto inviabilizaram uma pesquisa mais apurada,
principalmente sobre os significados dos jogos gladiatórios.
A pesquisa abrangeu um campo amplo de informações. A origem do jogos,
curiosidades, a origem social dos gladiadores, seus treinamentos, os tipos de
lutadores, a forma de combate, o uso de animais nos jogos, a participação de
criminosos como lutadores, o local onde as lutas eram realizadas, as interpretações
dos estudiosos sobre os jogos e apesar de fugir do tema, uma parte sobre as
corridas de carruagens realizadas em Roma.
Espero que gostem!
Maquete de Roma Imperial. Em destaque o Circus Maximus, local das corridas de carruagens e o Coliseu,
local das lutas de gladiadores
Iconografia
Maquete de Roma - informação não disponível
2. Jogos gladiatórios: origem e curiosidades
Os jogos gladiatórios tiveram seu auge entre os séculos II a.C. e V d.C.
Entretanto os combates eram mais antigos. Em sua origem, os jogos eram um
costume etrusco, onde servos e escravos combatiam até a morte em um ritual
fúnebre para homenagear o morto e tranqüilizar o seu espírito.
O primeiro combate aberto ao público ocorreu no século III a.C., em 264,
quando Décimo Bruto e seu irmão Marcus realizaram um combate de três duplas
para homenagear seu pai falecido no Foro Boarium. Um século depois, em memória
ao seu pai, o general Tito Flávio promoveu um torneio de três dias com 74
gladiadores.
Durante a República os jogos foram perdendo seu caráter fúnebre e em 105
a.C., ocorreram os primeiros jogos financiados oficialmente pelo Estado,
promovidos pelos cônsules Rutilo Rufo e Caio Mamilo. Os jogos caíram no gosto
popular e cresceram em proporção. Em 44 a.C., Júlio César promoveu jogos com
300 pares de lutadores e no Império, o imperador Trajano (98-117) fez espetáculos
de 117 dias com 5 mil gladiadores lutando, enquanto o imperador Domiciano (8196) chegou a realizar combates noturnos à luz de tochas entre mulheres e em
outra ocasião entre mulheres e anões. Em 200, o imperador Sétimo Severo (193211) proibiu os combates femininos.
Batalha de gladiadores. Mosaico da Borghese Gallery, Roma
Alguns imperadores ficaram famosos por suas participações em combates.
Cômodo (180-192) e Calígula (37-41) participaram de combates “arranjados”, onde
os gladiadores tomavam o cuidado para não machucarem os imperadores. Outros
sete imperadores também atuaram na arena, entre eles, Tito (79-81) e Adriano
(117-138).
Os jogos foram proibidos em 313 por Constantino (306-337), mas parece que
os jogos só foram realmente terminados durante o reinado de Honório (395-423).
Iconografia
Batalha de gladiadores - Getty ArtEdNet
(http://www.artsednet.getty.edu/ArtsEdNet/home.html)
3. Os gladiadores: que eram eles?
Sempre que vemos o Coliseu de Roma automaticamente nos lembramos dos
combates entre os gladiadores, homens que lutavam até a morte perante uma
platéia sedenta de sangue. Entretanto, quase sempre nos esquecemos de
perguntar quem eram aqueles homens que davam suas vidas para o divertimento
dos romanos.
Cena do filme Spartacus (1960)
O cinema hollywoodiano se
encarregou de popularizar a figura do
gladiador com o filme Spartacus, onde o
galã Kirk Douglas representava o
gladiador Espártaco, um escravo trácio,
que se rebelou em 73 a.C. e com um
exército de milhares de escravos quase
derrubou a combalida República romana.
Mas fica a dúvida: será que todos eram
escravos? Não. Os gladiadores não eram
somente escravos. Homens livres
também combatiam na arena, além de
alguns tipos de criminosos, que formavam
um tipo especial de lutadores.
Os escravos que lutavam eram de preferência os prisioneiros de guerra e os
alugados por seus senhores. Como escravos, esses homens não tinham escolha,
mas através de suas vitórias nos combates, poderiam conquistar a sonhada
liberdade representada por uma espada de madeira, a rudis, sendo a partir
chamados de Rudiarii.
Os homens livres também competiram e na República romana, metade dos
gladiadores era formada por eles. Os homens livres eram muito procurados por seu
entusiasmo durante os combates e o gladiador mais famoso foi um homem livre,
Públio Ostório que fez 51 combates em Pompéia. Mas o que levava um homem livre
a ingressar na vida de gladiador para ser marcado a ferro, viver preso em uma
cela, ser chicoteado e morrer pela lâmina de espada?
Apesar de toda a dureza da vida dos gladiadores, ela tinha seus pontos
positivos. Com suas vitórias, os gladiadores poderiam conseguir riquezas, que um
trabalhador comum não conseguiria durante toda sua vida. A fama e a admiração
feminina eram outros componentes que contavam a favor desse estilo vida. No que
diz respeito à admiração feminina, dizia-se que Cômodo (180-192), filho de Marco
Aurélio (161-180) e Faustina, era na verdade o fruto de uma ardente paixão dela
com um gladiador.(1) O poeta Juvenal confirma essa admiração feminina com um
outro relato, onde a esposa do senador Eppia fugiu com um gladiador para o
Egito.(2) Roland Auguet cita uma pichação em Pompéia que também confirma essa
opinião: “Celádio, o thraex, três vezes vencedor e três vezes coroado, adorado
pelas jovens."(3)
Além dos fatores citados, outros incentivavam o ingresso nesse tipo de vida.
O homem que se tornava gladiador participava de grupo coeso (família gladiatória),
com moral rígida e fidelidade ao seu mestre. Nessa vida, virava um modelo de
disciplina militar e com comportamento rigoroso, podendo alcançar a fama
semelhante de um soldado romano em um campo de batalha.
Outros homens livres buscaram os jogos gladiatórios com outros objetivos.
Relatos contam que um homem se ofereceu para lutar por 10 mil dracmas para
auxiliar um amigo endividado. Um jovem lutou para conseguir dinheiro para o
funeral do pai. E outros se tornavam gladiadores após a falência. Ex-gladiadores
também voltavam à arena quando a oferta era grande.
Notas de referência
(1) Zanchetta, Maria Inês. Os que vão morrer. Superinteressante. São Paulo, nº10,
ano 10, out. 1988
(2) idem, ibidem
(3) ROLAND, August. Cruelty and civilization: the roman games. In: Roman
Gladiatorial Games
(http://depthome.brooklyn.cuny.edu/classics/gladiatr/index.htm)
Iconografia
Cena do filme Spartacus - Universal Pictures
4. O treinamento: aprendendo a combater com bravura e
morrer com dignidade
Como já afirmamos, a vida de um gladiador não era fácil. Para oferecer um
excelente espetáculo ao público, os gladiadores tinham um treinamento rígido
aprendendo a combater com bravura e morrer com dignidade.
Em Roma, Alexandria, Pérgamo,
Cápua e em outras cidades do
território romano existiam várias ludi
gladiatorii, as escolas de gladiadores.
Entre essas escolas destacou-se a
Ludus Magnus, a maior de todas,
localizada próxima ao Coliseu e
conectada a ele por meio de um túnel.
Inicialmente, essas escolas eram
propriedade dos lanistas, mas logo, o
Estado romano percebeu o perigo que
os lutadores profissionais poderiam
representar sob o controle de
particulares e no Império assumiu o
controle de todas as escolas. Assim, os
lanistas ficaram com a função de
fornecer homens para as escolas ou
apenas com o treinamento.
Ruínas da mais famosa escola de gladiadores, a Ludus
Magnus, ao lado do Coliseu.
Escola de gladiadores em Pompéia
A disciplina nas escolas era rigorosa,
imperando a lei do chicote. A rigorosidade
era tamanha, que alguns lutadores
suicidavam-se ou revoltavam-se. Sêneca
relata o suicídio de um gladiador germano,
momentos antes de sua luta. “Por exemplo,
recentemente um germano foi incluído na
lista para ser um dos lutadores com os
animais na arena e estava se preparando
para o espetáculo matutino. Ele retirou-se
para se aliviar. (...) No banheiro havia uma
vara com uma esponja no final usada para
limpar as fezes. Ele enfiou a vara inteira em
sua garganta e morreu sufocado... Um
modo nada elegante para se ir, é verdade,
mas o que é mais tolo do que ser
meticuloso sobre nossa partida? Isso que é
um homem valente!"(4)
O aprendizado ocorria por repetição, já que boa parte dos lutadores era
estrangeira e poucos compreendiam o latim, a língua dos romanos. Na primeira
fase de treinamentos eles aprendiam a lutar com as próprias mãos. Após esse
treinamento inicial, os homens eram separados em grupos e iniciavam o
treinamento com armas de madeira, depois substituídas por armas de metal, mas
com um peso inferior ao das utilizadas em combate. Na última fase de treinamento,
os lutadores utilizavam armas com o peso real, porém sem o corte. Mesmo sem o
uso de armas de metal com corte, as contusões e ferimentos ocorriam e por isso,
os gladiadores eram assistidos por bons médicos. Concluído o treinamento, o
gladiador estava pronto para combater, normalmente duas ou três vezes ao ano.
Notas de referência
(4) Sêneca citado In:Getty ArtEdNet
(http://www.artsednet.getty.edu/ArtsEdNet/home.html)
Iconografia
Ruínas da Ludus Magnus - VRoma
(http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
Escola Gladiatória em Pompéia - VRoma
(http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
5. Tipos de gladiadores
Os gladiadores não eram armados com os mesmos equipamentos. Os
espectadores gostavam de combates equilibrados, mas com lutadores com armas
diferenciadas. Um componente dos combates era a vulnerabilidade de seus
participantes e por isso, as partes fatais do corpo (peito e tórax), muitas vezes
ficavam descobertas, enquanto os braços e pernas eram protegidos.
Existiam vários tipos de gladiadores e muitos tinham nomes étnicos, mas isso
não significava que os gladiadores tinham essa origem étnica.:
Thraex (trácio): tórax protegido com couro e metal, escudo redondo pequeno, faixa
de couro protegendo o braço, grevas de metal para as pernas e uma espada curva.
Samnite (saminita), depois chamado de secutor
(perseguidor): escudo retangular (oblongo),
capacete com viseira, uma greva na perna, uma
faixa de couro no braço e uma espada curta ou
punhal.
Retiarius (homem-rede): ombro protegido por um
pedaço de metal, uma rede, um tridente e um
punhal.
Gaulês, depois chamado de mirmillo: capacete
com um peixe (murma) no topo, daí o nome
mirmillo. Escudo retangular e espada.
Hoplomachus: proteção para o tórax e pernas,
faixas de couro nos pulsos, joelhos e tornozelos e
arma era uma espada.
Capacete de bronze que pertenceu a
um secutor
Equites: montavam um cavalo. Usavam um escudo redondo, coxas protegidas e
usavam um lança.
Laquearii: armadura e um laço.
Dimachaeri: lutador com duas espadas.
Essedarri: uso de carruagens. Provavelmente inspirado nas batalhas de Júlio César
na Britânia.
Valites: armado com uma lança que tinha uma corda, pela qual o gladiador recolhia
a arma.
Andabatae: montavam um cavalo. Usava um capacete sem visão e escudo.
Iconografia
Capacete de gladiador - História em Revista: impérios em ascensão (400 a.C. –
200 d.C.). 3.ed. Rio de Janeiro: Abril Livros, 1993. p.65
6. O combate
Como dissemos, os jogos gladiatórios eram assistidos por uma grande platéia
e para ela não bastava uma morte simples, mas um verdadeiro combate, onde os
lutadores mostravam toda sua habilidade e dignidade, no caso da morte. Os
combates ocorriam entre lutadores com estilos diferentes e os mais apreciados
eram entre o retiarius e o secutor, o thraex e o mirmillo.
Os combates não precisavam ter necessariamente um vencedor. No caso de
uma luta muito bela, onde os oponentes deram tudo si, mas não conseguiram
finalizar o combate, o mesmo era considerado empatado e os dois adversários
ficavam vivos.
No caso de um combate com um vencedor, cabia ao gladiador a decisão
sobre a vida do derrotado. No entanto, o vencedor costumava consultar o
patrocinador dos jogos. No Império o patrocinador era o próprio imperador ou seu
representante legal, que por sua vez tinha o hábito de consultar o público, que
realmente acabava decidindo o destino do derrotado.
Popularmente temos a imagem
do público com o polegar da mão
direita levantado em sinal de
clemência ao gladiador derrotado ou
o polegar para baixo quando a
decisão era pela morte. Contudo, os
historiadores não chegaram a uma
conclusão. Outras versões existem.
Em uma delas, o público caso
desejasse poupar a vida do lutador
abanaria lenços brancos pedindo
clemência e em caso de morte o
polegar voltado para baixo. Outra
explicação diz que a morte era
pedida com o polegar voltado para o
peito com o significado de apunhalar
e o polegar para baixo seria para
soltar a espada e salvar o adversário.
Uma última explicação diz que para a
morte o público mostrava o polegar e
em caso de clemência o público
esconderia o polegar. Enfim como
podemos perceber ainda não temos
uma explicação conclusiva sobre o
assunto.
Gravura moderna mostrando um gladiador esperando a
decisão da platéia sobre o destino do derrotado.
Algumas pessoas consideram que as lutas de boxe são as representantes
contemporâneas das lutas entre os gladiadores, mas acredito que tenhamos um
espetáculo mais próximo daqueles combates, os campeonatos de vale-tudo, onde
tirar sangue do adversário é uma dos momentos mais apreciados pelos
admiradores desse espetáculo.
Iconografia
Desenho moderno de uma luta de gladiadores - VRoma
(http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
7. Venatio: os animais na arena
Venationes (plural de venatio) eram os jogos com a
presença de animais. Um tipo especial de gladiador, o
bestiarii entrava na arena exclusivamente para lutar
contra animais
Faça sua bu

Assine

E-mail


Bestiarii lutando contra um
tigre. Piso em uma villa em
Nennig (século II ou III)
SAC
Canais
trazidos de várias partes do território romano,
principalmente do norte da África e do Oriente Médio. A
lista de animais levados à arena é longa. Leões,
panteras, tigres, ursos, touros, rinocerontes,
hipopótamos, elefantes, girafas, cervos, veados, javalis,
cabras selvagens, alces, hienas, cavalos selvagens,
crocodilos, cobras e até avestruzes foram alguns dos
animais mortos nos espetáculos.
Nós não sabemos quando a primeira venatio foi realizada, mas a primeira
ocasião onde os animais fizeram uma aparição foi em 250 a.C., quando Metelos
exibiu 142 elefantes trazidos da Sicília após sua vitória contra os cartagineses. As
venationes começaram como um espetáculo de abertura em um dia de jogos, mas
com o tempo ganharam público e tornaram-se um espetáculo independente. As
arenas eram enfeitadas para lembrar o ambiente natural dos animais, que muitas
vezes eram colocados para lutar entre si, como por exemplo, urso contra o leão e
elefante contra touro.
As matanças nesses espetáculos nos assustam e questionamos quantos
animais não foram sacrificados e o prejuízo ecológico causado com a morte deles.
Alguns dados nos deixam estupefatos:
Captura de rinoceronte. Mosaico da Piazza Armarina
(século IV)
“Em 250 a.C., foram mortos no
circo 142 elefantes; no ano 168 a.C.,
63 panteras e quarenta ursos. Sila, um
dos ditadores que governaram Roma no
século I a.C., mandou cem leões para o
combate; Pompeu, um dos sócios de
César no governo romano, encaminhou
para a morte 365 leões e vinte
elefantes. O próprio César apresentou
no circo quatrocentos leões, além de
colocar em luta 640 gladiadores. Anos
mais tarde, Augusto (27 a.C.-14 d.C.)
promoveu oito espetáculos, nos quais
cerca de 10 mil gladiadores se
enfrentaram; o imperador Trajano (98117) fez matar 11 mil animais para
comemorar uma de suas vitórias
militares."(5) Mesmo assim, para a
maioria dos romanos a morte dos
animais era um espetáculo muito
natural. Contudo, Cícero nos deixou
uma descrição de um festival ocorrido
em 55 a.C. onde ele se questionava da
utilidade desse tipo de espetáculo: “O
resto das caçadas aconteceu duas
vezes por dia durante cinco dias. Elas
eram magníficas e ninguém nega isto,
mas qual prazer pode existir para um
homem civilizado quando um ser
humano fraco é rasgado por um animal
incrivelmente forte ou um belo e animal
é perfurado por uma lança? Mas esse
espetáculo você deve ter visto e não foi
nenhuma novidade. O último dia
pertenceu aos elefantes. A multidão
admirou esse evento, mas não
desfrutou dele. Pelo contrário, uma
certa piedade foi despertada pelos
elefantes na platéia e a opinião da
multidão era que eles compartilhavam
alguma semelhança com a raça dos
humanos."(6)
Notas de referência
(5) FERREIRA, Olavo Leonel. Visita à Roma Antiga. São Paulo: Moderna, 1993.
p.51
(6) Cícero citado In:Roman Gladiatorial Games
(http://depthome.brooklyn.cuny.edu/classics/gladiatr/index.htm)
Iconografia
Bestiarii lutando contra trigre - VRoma
(http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
Rinoceronte sendo caçado - VRoma
(http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
8. A arena como punição
A arena também era usada como punição. Criminosos condenados à morte
eram levados às arenas para receberem a pena capital. Os crimes que levavam à
arena eram o assassinato, a traição, o roubo e o incêndio premeditado. Os cristãos
eram condenados à morte por se recusarem a fazer sacrifícios para o imperador
que era considerado uma divindade, por não acreditar nas outras divindades
romanas e ainda por se recusarem a pagar seus impostos.
Uma das formas de realizar essa pena capital era o combate entre
criminosos. Não podemos dizer que eles eram gladiadores, haja vista que não
haviam recebido treinamento e nem se sujeitavam às regras impostas aos
gladiadores. Era comum que vários criminosos entrassem na arena armados e
lutassem entre si até que sobrasse um, que era executado.
Outra execução era
chamada “ad bestias” ou “para os
animais".(7) Os criminosos
poderiam ser amarrados em
postes para serem devorados por
animais selvagens, ou serem
obrigados a separar dois animais
em luta, ou ainda serem levados à
arena onde animais seriam soltos
e fatalmente acabariam caçandoos.
Mosaico do século II onde observa-se um condenado sendo
devorado por um felino (esquerda) e um outro sendo
empurrado em um pequeno carro para um tigre.
Para os romanos esse tipo de espetáculo também era encarado com
naturalidade, já que as pessoas levadas à arena nessa situação eram marginais
sendo punidos merecidamente. No caso dos cristãos, o mesmo ocorria, já os
romanos os consideram como criminosos que não seguiam sua religião.
Atualmente, tudo isso parece bárbaro, mas não podemos nos esquecer das
brigas de galo e rinhas de pitt bulls e outros cachorros, mas provavelmente, a
prática mais famosa do uso de animais para a morte seja a tourada, tão famosa na
Espanha e em outros países hispânicos.
Notas de referência
(7) Quando o condenado era amarrado a um poste e queimado, isso era chamado
“ad flammas” ou para o fogo.
Iconografia
ad bestias - História em Revista: impérios em ascensão (400 a.C. – 200 d.C.).
3.ed. Rio de Janeiro: Abril Livros, 1993. p.64
9. Naumachias: combates na água
Os romanos também apreciam combates marítimos, as naumachias. Essas
batalhas eram realizadas nos anfiteatros, nos circos ou em locais especialmente
preparadas para receber um volume suficiente de água para a flutuação dos navios.
A primeira exibição foi promovida por Júlio César que mandou cavar uma parte do
Campo de Marte onde ocorreria a batalha entre 10 mil homens.
A maior naumachia foi realizada
pelo imperador Cláudio (41-54), onde
19 mil criminosos lutaram em 100
navios. A batalha que foi travada foi
realizada de forma tão corajosa que os
sobreviventes foram perdoados de seus
crimes.(8)
Gravura moderna de uma naumachia no Coliseu
Escravos e criminosos eram os mais utilizados nesses espetáculos, sendo
chamados de naumachiarii. Normalmente, as naumachias relembravam batalhas
marítimas históricas.
Notas de referência
(8) antes dessa naumachia os criminosos enviaram uma carta para o imperador
com a saudação “Ave César, os que vão morrer te saúdam.”
Iconografia
Naumachia - VRoma (http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
10. O anfiteatro: o palco dos gladiadores
Os jogos gladiatórios sempre atraíram público, mas inicialmente, não existiam
locais próprios para esses eventos, utilizando-se do fórum de Roma, onde erguiamse arquibancadas de madeira para acomodar a platéia dos combates.
Os romanos foram os inventores
do anfiteatro, aperfeiçoando o teatro
dos gregos, mas ao contrário destes
que aproveitavam as colinas para
construir seus teatros, os romanos,
com raras exceções, construíram seus
anfiteatros em locais planos.
Etimologicamente palavra “anfiteatro”
significa “teatro de dois lados”,(9) ou
seja, era dois teatros que virados um
para outro formavam uma elipse.
Gravura moderna do Coliseu
O primeiro anfiteatro foi construído em madeira no ano de 53 a.C. era móvel
e quando não havia jogos ele poderia ser transformado em dois teatros. Contudo
esse material se mostrou inadequado para o peso do público e acidentes
ocorreram. Há o registro de um anfiteatro construído em Fidenae, em 27 d.C., no
reinado de Tibério (14-37), que desmoronou sepultando entre 20 e 50 mil. O
primeiro anfiteatro de pedra foi construído em Roma no reinado de Augusto (27
a.C.-14 d.C) em Roma, mas foi destruído em um incêndio em 64.
Os anfiteatros existiram em várias
regiões do Império Romano. Hispânia, Gália,
África do Norte, Grécia e a própria Itália
tiveram os seus, mas somente os de pedra
resistiram ao tempo e o mais famoso foi o
Coliseu. Construído no local do jardim da
Domus Aurea (casa dourada) de Nero (5468), teve sua construção iniciada pelo
imperador Vespasiano (69-79) entre 70 e 72,
sendo inaugurado por Tito (79-81) em 80 e
concluído por Domiciano (81-96).
Fotografia da situação atual do Coliseu
Na época o Coliseu não tinha esse nome. Ele era chamado por Anfiteatro
Flávios em referência aos imperadores da dinastia Flávia que o ergueram. Sobre o
nome Coliseu existem duas versões. Uma diz que esse nome se refere ao colosso
de Nero, uma estátua localizada próxima ao anfiteatro e uma outra versão diz, que
somente a partir da Idade Média ele recebeu esse nome por causa de seu tamanho
colossal.
O Coliseu tinha quatro andares, podendo abrigar em suas arquibancadas um
público entre 40 e 90 mil pessoas, dependendo da estimativa utilizada, mas
provavelmente a capacidade mais correta seja de 50 mil. O anfiteatro foi erguido
em mármore, pedra travertina, ladrilho e tufo. Era enfeitado com colunas nos
estilos dório, jônio e coríntio e possuía uma série de estátuas que o embelezavam.
Como sede principal dos jogos gladiatórios
até o séc. V, o Coliseu recebia seu público por 80
entradas numeradas que facilitavam também seu
esvaziamento. Os assentos também eram
numerados, contudo, as pessoas não sentavam
onde desejavam. As arquibandas reproduziam a
estrutura social de Roma. A primeira fileira de
baixo para cima era chamada de podium e era
reservada a elite romana. Nela havia o pulvinar
(tribuna imperial) reservada ao imperador ou ao
Entrada XXVIIII do Coliseu.
seu represente nos jogos. A segunda fileira era
maeniana e onde as pessoas de condição social
mediana sentavam-se. O portici ou pórtico eram as
duas últimas fileiras, onde os pobres e as mulheres,
exceto as virgens vestais, ficavam na primeira
fileira para ver o espetáculo.
A arena onde as lutas ocorriam
tinha o chão de madeira coberto com
areia - por isso, o nome arena - e em
seu subsolo existiam jaulas onde os
animais ficavam presos, celas para os
prisioneiros, locais onde os gladiadores
se aqueciam e onde armas recebiam seu
afiamento. Esse subsolo tinha 6 metros
de altura.
A arena do Coliseu sem o piso mostrando seu
subsolo
Notas de referência
(9) Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI. s/l: Nova Fronteira/Lexicon Editora.
1999
Iconografia
Gravura moderna do Coliseu - VRoma
(http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
Fotografia do Coliseu - informação não disponível
Entrada numerada do Coliseu - Lacus Curtius Home Page
(http://www.ukans.edu/history/index/europe/ancient_rome/E/Roman/home.html)
Coliseu sem o piso - VRoma (http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
11. Um dia de jogos gladiatórios
Os jogos gladiatórios não começavam no dia das lutas. Na verdade
começavam alguns dias antes quando os combates eram anunciados com cartazes
afixados nas casas e edifícios públicos. Nos cartazes pregados e nos vendidos na
rua, veríamos todas a programação do dia de jogos, com os tipos de combates,
horários, os nomes dos lutadores e o patrocinador da competição.
O dia dos jogos começava logo pela manhã. Romanos de todas as classes
sociais se dirigiam ao Anfiteatro Flávios para presenciar um espetáculo que duraria
até o crepúsculo. Nos arredores do anfiteatro, novos programas eram distribuídos.
Nesse dia o público não precisaria comprar ingressos, já que o imperador era o
promotor do evento. As pessoas se dirigiam para seus lugares segundo seu grupo
social. A elite ocuparia a fileira mais perto da arena; os grupos médios ocupariam a
segunda fileira e plebe e as mulheres ocupariam as duas últimas fileiras. Nesse dia,
ainda era esperada a presença do imperador.
Para alívio dos espectadores, o velarium (os toldos de pano) estava sendo
estendido para proteger o público do sol que brilhava radiante no céu limpo de
nuvens de Roma. Para as pessoas que haviam saído com pressa de casa, e por
isso, estavam em jejum, existiam vendedores que ofereciam refrescos, salsichas e
bolos, como nos estádios de futebol da atualidade.
O primeiro espetáculo do dia estava
reservado aos animais. Primeiramente
entraram os treinadores com animais
amestrados. Panteras puxando carroças,
elefantes que rolavam no chão ao
comando de seu treinador e outros
animais selvagens que faziam coisas
fantásticas ao som da orquestra que os
acompanhava, como nos espetáculos
circenses do mundo contemporâneo.
Treinador com o seu leão amestrado. Observe a
cabeça de burro próxima à pata do leão. Piso em
uma villa em Nennig (século II ou III)
Com o fim desse número, iniciava-se o segundo espetáculo da manhã, com
as lutas entre os animais. Para a arena vários animais foram trazidos e lutaram
entre si, em variadas combinações: leão X pantera, urso X leão, pantera X urso,
urso X cachorros selvagens e uma infinidade de combinações que começavam a
excitar a platéia.
Para finalizar os espetáculos pela
manhã, os romanos assistiriam os primeiros
gladiadores a pisar na arena neste dia, os
bestiarii, especialmente treinados para
combates com animais. No entanto, antes
disso haveria um intervalo para a
preparação da arena. Do seu chão foi
erguida uma decoração que a transformou
em uma floresta. Leões foram soltos. Os
bestiarii em maior número entraram na
arena e começaram a caçada que terminou
com a morte dos leões e alguns gladiadores
feridos.
Desenho moderno de cristãos na arena do coliseu. Ao
fundo, criminosos sendo queimados em postes
Relevo com bestiarii lutando contra leões. EUR
Museum
Ao meio-dia o sol castigava a
arena. Escravos entraram para retirar
os corpos dos animais, e por ventura
de algum bestiarii que houvesse
morrido pela porta libitinensis. Ao
mesmo tempo, a decoração para o
espetáculo era recolhida, e outros
escravos se encarregavam de trazer
mais areia para cobrir as manchas de
sangue. Com a arena novamente
limpa, era a hora de uma nova etapa
do espetáculo: criminosos seriam
levados à arena para morrerem.
Quando entraram, um grito de alegria
percorreu as arquibancadas. Escravos
declararam os crimes cometidos por
aqueles homens, enquanto alguns
eram amarrados em postes de
madeira. Novamente, animais foram
soltos na arena, mas dessa vez não
seriam as vítimas. Leões e panteras
famintos avançaram nos criminosos
amarrados e devoraram-nos. Em
outro momento, um criminoso foi
enviado à arena para separar uma
briga de dois animais, e acabou
devorado. Por último, duas dezenas de
criminosos, incluindo cristãos foram
deixados na arena, onde os leões
atacaram e destroçaram seus corpos.
O êxtase da platéia estava chegando ao ponto máximo. Um novo intervalo foi
feito e novamente, escravos entraram para recolher os corpos e cobrir o chão
manchado de sangue com areia. Os músicos da orquestra to
Faça sua bu

Assine

E-mail


SAC
Canais
cavam animadamente para distrair o público, que aproveitava esse novo intervalo
para se alimentar. Nesse momento, o imperador chegou ao anfiteatro e todos
perceberam sua chegada que foi saudada com aplausos e gritos da platéia. Após
mais algumas músicas, a orquestra iniciou a última parte dos jogos do dia, o tão
esperado momento, o combate entre os gladiadores.
Transportados em carruagens abertas, os gladiadores entraram pela porta
trumphalis na arena e atrás deles, seus criados carregando seus armamentos. A
platéia explodiu em alegria gritando os nomes de seus preferidos. Os gladiadores
vestiam uma capa púrpura com detalhes em ouro e deram uma volta em torno da
arena para que o público pudesse vê-los. A carruagem parou em frente à tribuna
imperial, o pulvinar, onde estava o imperador e os gladiadores saudaram-no
erguendo o braço direito.(10)
Um par de gladiadores se equipou
para o combate e o restante saiu de cena,
esperando para lutarem em um outro
momento. O combate seria entre um
retiarius e um secutor. Com um toque da
orquestra o combate começou. O anfiteatro
tremia com fervor. A luta era muito
disputada. O ferimento mais leve tirava
urros da torcida. Espectadores gritavam o
nome do retiarius, enquanto outros
incentivavam o secutor. O retiarius tentava
com prender com sua rede a espada de seu
oponente, enquanto o secutor esperava um
descuido do retiarius para ferir um de seus
braços para inutiliza-lo para o combate.
Após minutos de combate, num descuido do
retiarius, o secutor cravou a espada em sua
barriga. A multidão começou a gritar:
Degola! Degola! Degola!
Desenho de um combate entre um retiarius
(com a rede) e um secutor (com o escudo).
Desenho de Christian Hook
O retiarius ferido e caído no chão esperava seu destino: a morte. O vitorioso,
ainda ofegante, dirigiu seu olhar para o pulvinar, esperando a decisão imperial. O
imperador por sua vez, observou a platéia do anfiteatro esperando seu
posicionamento. A platéia não demonstrou clemência e pediu a morte do retiarius.
O imperador virou-se para o secutor e sinalizou para a morte do adversário. Em um
último momento de dignidade, o derrotado expôs o pescoço para o vitorioso que
em um golpe preciso cravou a espada no pescoço do adversário. A multidão gritou
extasiada, enquanto a areia se encharcava com o sangue do morto.
Após a morte do gladiador, criados entraram na arena para recolher o corpo e
limpá-la. Após esse pequeno intervalo, novos combates se sucederam, dessa vez
com vários gladiadores lutando ao mesmo tempo. E por várias vezes o ritual da
morte se repetiu, com os vitoriosos indagando ao imperador, que por sua vez
indagava à platéia, se os derrotados deveriam morrer. As batalhas duraram toda a
tarde e ao entardecer, os gladiadores vitoriosos retornaram à arena e receberam a
palma como símbolo de suas vitórias, moedas, pratos dourados e outros objetos de
valor. Assim terminava um dia de jogos gladiatórios em Roma.
Notas de referência
(10) Os filmes popularizaram a saudação “Ave César, os que vão morrer te
saúdam.” No entanto, a única comprovação que essa saudação era usada ocorreu
em um espetáculo durante o reinado de Cláudio, que organizou uma naumachia
(batalha marítima) com criminosos que tinham consciência que iriam morrer. Por
isso, enviaram ao imperador essa saudação. Os historiadores não têm mais
nenhuma outra comprovação dessa saudação, por isso têm reservas sobre sua
utilização.
Iconografia
Treinador e seu leão - VRoma (http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
Bestiarii contra animais - VRoma
(http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
Martírio dos cristãos - Encyclopaedia Romana
(http://www.ancientsites.com/er/index.html)
Retiarius X Secutor - informação não disponível
12. Além do pão e circo: interpretações sobre os jogos
gladiatórios
“O público, que antes outorgava comandos, consulados, legiões e tudo o
mais, agora não interfere e anseia apenas por duas coisas: pão e circo."(11) Com
esse posicionamento de Juvenal, a opinião sobre os jogos gladiatórios era que eles
eram uma forma de manter o povo romano afastado da política e das
reivindicações sociais. Essa manipulação da plebe romana, faminta e empobrecida,
que receberia comida e diversão do Estado ficou conhecida como a “política do pão
e circo”. Até hoje, essa interpretação é predomina nos livros didáticos. No entanto,
outros historiadores apresentaram uma série de interpretações sobre os jogos, que
podem ajudar a explicar o fascínio que os jogos exerciam na população de Roma.
Com certeza não podemos esquecer de forma alguma a interpretação do
“panem et circenses”. Na República romana, os políticos buscavam o voto popular
patrocinando jogos para a população, como acontece com os “showmícios” na
política brasileira, onde estrelas da música são contratadas por grandes somas para
cantarem em comícios de determinados políticos, chegando ao ponto de pedirem
votos para o candidato que está pagando o seu cachê. Assim, o político almeja
conseguir mais votos para sua eleição, da mesma forma que os candidatos
romanos faziam ao patrocinar jogos gladiatórios. Essa situação em Roma ficou tão
séria, que o Senado aprovou uma lei em 63 a.C. proibindo a candidatura de quem
realizasse jogos no período de dois anos que antecedessem uma eleição.
No Império, essa busca pelos votos terminou, mas os imperadores
assumiram a função de promover jogos para a plebe. Com a promoção de jogos
gratuitos para a população, os imperadores mostravam seu apreço pelo povo de
Roma, medindo também sua popularidade durante os jogos. Para os espectadores
era uma oportunidade ímpar, haja vista que a segurança do anonimato permitia
aos espectadores manifestarem seus verdadeiros sentimentos ao imperador. O
público poderia reclamar do preço do trigo e da corrupção de funcionários. Era um
contato cara a cara com o imperador, era o rompimento das barreiras entre
indivíduo e Estado, que se transformava de um corpo impessoal e distante em uma
pessoa de carne e osso. Mesmo que o imperador não conseguisse ouvi-lo direito,
isso não importava, pois a imagem de uma comunicação direta valia mais do que a
própria comunicação.
A arena também tinha outra função, nela os criminosos recebiam a pena
capital publicamente. Quando os criminosos eram levados à arena e recebiam a
pena de morte, simbolicamente era a vitória da lei e da ordem contra a ilegalidade
e o caos. Para os romanos, a morte dos criminosos em público dava a sensação de
segurança e de funcionamento das leis do Estado. Além disso, a morte em público
servia de exemplo para outros “prováveis” infratores.
O uso de animais na arena também continha sua simbologia. Ao trazerem
animais das áreas mais distantes do império para exibi-los, os romanos lembravam
a extensão de seu território e a vitória da civilização sobre a natureza selvagem, a
vitória do homem sobre a natureza.
O Império Romano foi fundado sob a violência e a arena tinha a função
simbólica de representá-la. O fato de escravos lutarem e morrerem na arena
mostrava a vitória de Roma sobre seus inimigos, assim como a vitória da
civilização, representada pelos romanos, sobre a barbárie, representada pelos
povos vencidos.
Outra interpretação sugere que o aumento da popularidade dos jogos
gladiatórios durante a Pax Romana, nos dois primeiros séculos da Era Cristã,
quando os romanos reduziram sua expansão e as guerras diminuíram, os romanos
dirigiram sua atenção para a guerra fictícia, os jogos gladiatórios.
Os jogos gladiatórios também davam lições para o povo romano, pois em um
combate, a decisão de vida ou morte poderia seria baseada na justiça, haja vista
que um desempenho honrado poderia significar a vida. Para o romano o exemplo
do gladiador na arena deveria ser seguido, já que o comportamento virtuoso dos
gladiadores mostrava que se tais homens podiam lutar nobremente, os romanos
não poderiam fazer menos.
Os cristãos foram os maiores críticos dos jogos, mesmo assim, eram
freqüentadores assíduos dos anfiteatros. Um pesquisador levanta uma teoria para
essa repulsa dos cristãos. Para ele, a ressurreição gladiatória ocorria quando o
gladiador escapava da morte por sua virtude e ganhando a redenção era um rival
popular para a ressurreição de Jesus.
Como podemos observar, as interpretações são múltiplas e mostram que
entrelaçam e que a interpretação da “política do pão e circo”, se não está errada,
está longe de ser a única a ser levada em conta nos livros didáticos.
Notas de referência
(11) Cícero citado In: História em Revista: impérios em ascensão (400 a.C. – 200
d.C.). 3.ed. Rio de Janeiro: Abril Livros, 1993. p.65
13. Ludi circenses: As corridas de carruagens
Um outro esporte muito apreciado pelos romanos era a corrida de
carruagens. Espetáculo mais antigo que os jogos gladiatórios, tinha sua origem nas
lendas romanas que atribuíam a Rômulo a criação dessas competições,
provavelmente em homenagem à Plutão ou como estratagema para distrair os
homens e facilitar o seqüestro das sabinas. Mas, assim como os jogos gladiatórios,
as corridas perderam seu lado religioso com o decorrer dos tempos.
Os veículos das corridas eram
principalmente as bigas (carruagem
puxada por dois cavalos) e quadrigas
(puxada por quatro cavalos)(12) guiadas
por seus condutores, os aurigas. Vestidos
com uma túnica leve, os aurigas usavam
um capacete de metal, faixas protegendo
as pernas, um chicote na mão direita e as
rédeas presas à cintura. Os escravos
formavam o maior contingente de
aurigas, mas existiam muitos corredores
profissionais que ganhavam altas somas
para correr. Os corredores ganhavam
entre 15 mil e 30 mil sestércios, com
alguns ganhando 60 mil por corrida.
Quadriga em uma corrida. Observe as rédeas em
volta do corpo do auriga
Juvenal reclamava que um auriga
ganhava em uma hora 100 vezes mais
que um advogado.(13)
O mais famoso auriga foi Caio Apúlio Diócles, um hispânico que abandonou as
corridas aos 42 anos com 24 anos (122-146) de carreira. Sua primeira vitória foi no
ano de sua estréia, participando de 4257 corridas, vencendo 1462 e ficando em
segundo lugar em 1437 vezes. Diócles ganhou durante sua carreira mais de 35
milhões de sestércios.(14)
Maquete mostrando o Circus Maximus
As corridas aconteciam em
hipódromos que existiam em
várias partes do território romano.
Somente em Roma existiam cinco
pistas, o mais famoso hipódromo
era o Circus Maximus com
capacidade para 250 mil
espectadores. O Circus Maximus
tinha a forma da letra “U” fechada
com 640 X 190 metros. Sua
construção foi realizada
aproveitando uma ladeira existente
e levantando uma outra no lado
oposto. No centro havia um muro
chamado de espinha.
O evento começava com a entrada do patrocinador dos jogos em uma
carruagem, seguido dos competidores, normalmente em número de quatro. Após
ocupar um local de honra no hipódromo, a largada era dada pelo patrocinador que
deixava um lenço branco cair ao chão. As carruagens partiam em grande
velocidade para uma corrida de sete voltas na pista do hipódromo. Os aurigas
faziam parte de equipes coloridas, chamadas, factio Existiam as equipes vermelho
(factio russata), branco (factio albata), azul (factio veneta) e verde (factio prasina).
Parece que as equipes representavam as estações do ano. O vermelho, o verão; o
azul, o outono; branco, o inverno e o verde, a primavera. As equipes tinham
torcidas. Muitas vezes as torcidas acabavam entrando em conflito no hipódromo e a
violência se espalhava pelas ruas. Juvenal deixou escrita sua opinião sobre a
torcida do verde: “Hoje, (...), Roma inteira está no circo (...). Venceu o Verde. Se
perdesse, veríamos toda a cidade aflita e atordoada, como no dia em que os
cônsules foram derrotados em Canas."(15) A semelhança com os torcedores das
equipes de futebol no Brasil é inevitável.
Outros autores tinham uma opinião divergente sobre o comportamento das
torcidas. Plínio disse que “Eu não me espantaria se os espectadores fossem ver a
velocidade dos cavalos ou a habilidade dos aurigas, mas tudo o que eles apóiam é
cor da equipe do auriga. Se eles trocassem as cores no meio da corrida, eu juro
que eles seguiriam apoiando as mesmas cores."(16)
Durante as corridas eram
comuns os acidentes devido a
instabilidade das carruagens.
Mesmo assim, o povo romano
vibrava com as corridas. Os
espectadores eram atraídos pela
estratégia utilizada pelos aurigas e
pela ação constante durante a
competição. Eles tentavam se
manter sempre na parte interna da
pista, perto da espinha e como
todos tentavam isso, os choques
eram constantes, e como os aurigas
estavam com as rédias presas em
suas cinturas, caso uma carruagem
fosse destruída, ele poderia ser
arrastado pelos cavalos e serem
esmagados por outros cavalos e
pelas rodas das carruagens. O
interesse era tamanho que, Nero
(54-68) e Calígula (37-41) se
tornaram torcedores apaixonados da
equipe Verde. Domiciano (81-96),
outro amante das corridas, chegou a
criar mais duas equipes, a áurea
(factio aurata) e a púrpura (factio
purpurea), mas não tiveram uma
longa vida. Em outra ocasião,
Domiciano (81-96) reduziu o
número de voltas de sete para
cinco, realizando 100 corridas em
um dia.
Local onde existiu o Circus Maximus. Foto de Albert Hoxie
Mesmo sendo um dos esporte preferidos dos romanos, encontramos alguns
relatos contrários às corridas. Plínio escreveu que “As corridas não me interessam.
Se você viu uma corrida, você viu todas. Eu não posso entender por que milhares
de pessoas desejam ver cavalos correndo e homens dirigindo carruagens. Por que
eles não crescem?"(17)
A última corrida de carruagens no Circus Maximus registrada ocorreu em 549
d.C.
Notas de referência
(12) Além das bigas e quadrigas, as corridas poderiam ocorrer com maior número
de cavalos, podendo chegar a dez. No entanto o aumento do número de cavalos
tornava as carruagens mais inseguras.
(13) Juvenal citado In:Encyclopaedia Romana
(http://www.ancientsites.com/er/index.html)
(14) Encyclopaedia Romana (http://www.ancientsites.com/er/index.html)
(15) Juvenal citado In: CD-ROM Atlas de História Geral. São Paulo: Ática
Multimídia, 1996
(16) Plínio citado In:Getty ArtEdNet
(http://www.artsednet.getty.edu/ArtsEdNet/home.html)
(17) Idem, ibidem
Iconografia
Quadriga - Nova Roma (http://www.novaroma.org)
Maquete do Circus Maximus - Encyclopaedia Romana
(http://www.ancientsites.com/er/index.html)
Circus Maximus na atualidade - Getty ArtEdNet
(http://www.artsednet.getty.edu/ArtsEdNet/home.html)
14. Bibliografia
Sites:
Encyclopaedia Brittanica (http://www.britannica.com)
Encyclopaedia Romana (http://www.ancientsites.com/er/index.html)
Getty ArtEdNet (http://www.artsednet.getty.edu/ArtsEdNet/home.html)
Lacus Curtius Home Page
(http://www.ukans.edu/history/index/europe/ancient_rome/E/Roman/home.html)
Nova Roma (http://www.novaroma.org)
Roman Civilization (http://www.bates.edu/~mimber/Rciu/gladiator.htm)
Roman-Empire (http://www.roman-empire.net)
Roman Gladiatorial Games
(http://depthome.brooklyn.cuny.edu/classics/gladiatr/index.htm)
The Ancient History Bulletin (http://ivory.trentu.ca/www/cl/ahb/welcome.html)
The Ancient World (http://omnibusol.com/ancadd1.html)
The Colosseum (http://www.chch.school.nz/mbc)
Vroma (http://www.vroma.org/~bmcmanus/arena.html)
Revistas:
ZANCHETTA, Maria Inês. Os que vão morrer. Superinteressante. São Paulo, nº10,
ano 10, out. 1988
GRECCO, Dante. Por que lutavam os gladiadores. Galileu. Rio de Janeiro, nº108,
ano 9, jul. 2000
Livros:
FERREIRA, Olavo Leonel. Visita à Roma Antiga. São Paulo: Moderna, 1993
História em Revista: impérios em ascensão (400 a.C. – 200 d.C.). 3.ed. Rio de
Janeiro: Abril Livros, 1993. p.65
CD-ROMS:
Atlas de História Geral. São Paulo: Ática Multimídia, 1996
Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI. s/l: Nova Fronteira/Lexicon Editora.
1999.
Nova Enciclopédia Barsa. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. s/l:
1998
Download