A ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA RESENHA DO TEXTO DE PRESTES MOTTA E BRESSER PEREIRA (cap. I do livro Introdução à Organização Burocrática) Os autores iniciam o texto destacando o fato de que, no contexto moderno onde as transformações se dão num ritmo bastante acelerado, as organizações têm se revelado indiscutivelmente como o tipo de sistema social predominante. Aliás, a predominância das organizações em nossa época, em detrimento dos sistemas sociais desorganizados mais comuns em épocas passadas (como a tribo, o clã, o feudo etc.), tem servido, inclusive, para caracterizar a sociedade moderna. Além desse fato, o estudo das organizações hoje se faz muito importante também por se reconhecer o papel essencial que elas desempenham na formação da personalidade do homem moderno e pelo fato de que da boa administração dessas organizações é que depende o desenvolvimento econômico, político e social de qualquer país. Os autores, procurando caracterizar bem as organizações em relação a outros quaisquer sistemas sociais, ressaltam que o princípio fundamental que rege a vida das organizações é o princípio da eficiência. Isto porque um sistema social qualquer não necessariamente precisa ser eficiente, produtivo, no entanto, para as organizações, a eficiência, ou pelo menos a procura de eficiência, é uma condição fundamental de existência. Na verdade, os conceitos de eficiência, produtividade e desenvolvimento estão muito atrelados, uma vez que o aumento de eficiência revela-se através de um aumento na produtividade – relação entre esforço e resultado, de maneira que quanto maior o segundo em relação ao primeiro, maior a produtividade – que por sua vez é a chave do desenvolvimento. Por tudo isso é fácil perceber a importância das organizações para o desenvolvimento da sociedade moderna como um todo e verificar que existe uma estreita correlação entre o desenvolvimento industrial e o crescimento das organizações tanto empresariais como estatais. Os próprios autores citam a seguinte afirmação de Harbison e Myers: “Em última instância, o progresso de uma nação depende de sua capacidade de organizar a atividade humana. A organização é necessária para criar um Estado, para formar um exército, para propagar ideologias e religiões, ou para levar adiante o desenvolvimento econômico.” Voltando a ressaltar a importante influência que as organizações exercem no condicionamento social dos indivíduos, os autores falam como estudiosos de diversas ciências sociais como a Sociologia, a Psicologia, a Psicologia Social, a Economia se interessaram por estudá-las, destacando a Administração como o ramo do conhecimento a quem mais de perto interessa compreender o fenômeno das organizações. O CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA O grau de organização de um sistema social pode variar a depender do sistema de que se esteja tratando. Por exemplo, pequenos grupos como a família nuclear moderna têm um grau de formalização da estrutura organizacional muito pequeno quando comparamos a um outro sistema social como um exército moderno. Quanto mais um sistema social é organizado, mais se aproxima do modelo ideal da organização burocrática. Max Weber, sociólogo alemão, foi quem primeiro estudou sistematicamente as organizações burocráticas. Sua preocupação não se fixou em definir o que é uma burocracia, mas em conceituá-la mediante uma extensa enumeração de suas características. Para Weber, a burocracia não era um tipo de sistema social, mas sim um tipo de poder de dominação. Os autores chamam a atenção para a necessidade de se distinguir a acepção popular que o termo burocracia tem – papelada, excesso de tramitações, apego excessivo aos regulamentos, ineficiência – e que correspondem às disfunções do sistema, do seu sentido científico, dentro da Administração e da Sociologia que é o de uma organização cujo elemento essencial que a diferencia de qualquer outro sistema social é a racionalidade. Assim, podemos definir uma organização ou burocracia como um sistema social racional em que a divisão do trabalho é racionalmente realizada, visando determinados fins, entendendo-se aqui a questão da racionalidade como um critério de coerência e de exigência mínima de esforços (economia máxima dos meios) para se atingir os objetivos propostos. É óbvio que tal sistema social administrado estritamente por critérios racionais inexiste. A solução encontrada por Weber para o problema foi tratar os modelos teóricos como “tipos ideais”, não tendo a palavra ideal aqui qualquer conotação de valor. Ideal neste caso significa uma abstração, através da qual as características extremas do fenômeno são definidas, de modo a fazer com que ele apareça em sua forma “pura”. Dessa maneira, nenhuma organização corresponde exatamente ao modelo ideal de burocracia apresentado por Weber, mas muitas delas como as grandes empresas, o Estado moderno, as igrejas, as escolas, as associações, os clubes etc. se aproximam bastante do modelo proposto. AS ORGANIZAÇÕES ENTRE OS SISTEMAS SOCIAIS As organizações ou burocracias, apesar de representarem um fenômeno social predominante no mundo moderno, não são os únicos sistemas sociais existentes, como já foi possível perceber até aqui. Daí ser interessante verificar-se algumas classificações que possam situá-las entre os demais sistemas sociais. A primeira classificação que os autores sugerem no texto é a de Georges Gurvitch que consiste basicamente em três tipos de sistemas sociais: Sistemas sociais inorganizados ou praticamente desorganizados (ex: uma multidão, os diversos tipos de públicos, as classes sociais e castas, os grupos de idade, a nação, a cidade, a região etc.) em que os seres humanos estão apenas postos em contato mas sem uma determinada organização; Sistemas sociais semi-organizados em que as relações sociais são informais porém mais próximas que no tipo anterior (ex: a família, o grupo primário, a tribo, o clã, o feudo, a pequena empresa familiar, a turma etc.); e Sistemas sociais organizados – as organizações ou burocracias (ex: as grandes empresas, o Estado, a Igreja, o clube, a associação, o partido político, a escola, o exército etc.) Outra classificação interessante é a de MacIver e Page que possibilita salientar o fato de as burocracias além de seu caráter racional são sistemas sociais de grande proporção. Segundo essa classificação, teríamos: As unidades territoriais inclusivas, cujo tipo genérico seria a comunidade (ex: tribo, nação, região, cidade, vila etc.); As unidades baseadas num interesse comum, mas sem uma organização definida, cujos tipos genéricos são a classe social, os grupos étnicos e raciais e a multidão; e As unidades baseadas num interesse comum e com uma organização definida – as associações, cujos tipos genéricos são o grupo primário (ex: a família, a turma, o grupo deportivo etc.) e a grande associação (ex: o Estado, a Igreja, a empresa, o sindicato etc.). BUROCRACIA E OS TIPOS DE DOMINAÇÃO Como já foi dito acima, Max Weber considerava a burocracia como um tipo de dominação. E é exatamente a partir do tipo de dominação que se pode apresentar uma outra maneira de distinguir as burocracias dos demais sistemas sociais. Para Weber, são três os tipos básicos de dominação: A carismática, que é aquela que tem por origem o carisma da pessoa que exerce a dominação, estando sua legitimidade na devoção, na crença em poderes mágicos, nas qualidades supranormais, na revelação e no culto aos heróis. A dominação carismática é um poder sem base racional e não pode ser concedida em herança nem delegada, como a tradicional e a racional-legal, respectivamente, como veremos a seguir; A tradicional, que é aquela que se fundamenta no tradicionalismo, “na crença na rotina de todos os dias como uma inviolável norma de conduta”. É um tipo de dominação extremamente conservador e que se opõe à mudança social, pois nada a legitima. Também não é um tipo de dominação que tenha base racional. Weber distingue dois tipos básicos de dominação tradicional: o patriarcalismo e o patrimonialismo; A racional-legal, também conhecida como burocrática, que como o próprio nome sugere além de ter uma base racional, tem sua legitimidade alicerçada em normas legais. CARACTERÍSTICAS DAS BUROCRACIAS O caráter racional das burocracias consistem no fato delas serem sistemas sociais formais, impessoais, dirigidos por administradores profissionais que tendem cada vez mais a controlá-los completamente. Disso, então, podemos destacar as três principais características das burocracias: O formalismo; O caráter impessoal; A sua direção é exercida por administradores profissionais. Segundo os autores, “...o formalismo na burocracia expressa-se no fato de que a autoridade deriva de um sistema de normas racionais, escritas e exaustivas, que definem com precisão as relações de mando e subordinação, distribuindo as atividades a serem executadas de forma sistemática, tendo em vista os fins visados. Sua administração é formalmente planejada, organizada e sua execução se realiza através de documentos escritos.” O caráter impessoal das organizações é outra maneira de expressar a sua racionalidade. Isto tem reflexos no tipo de poder exercido que não tem origem nem no carisma nem na tradição, mas na base racionallegal de uma norma que cria o cargo e define suas atribuições. Weber chega a dizer numa de suas obras que a burocracia “...é mais plenamente desenvolvida quanto mais se desumaniza”. Assim, o administrador burocrático seria um homem imparcial e objetivo que tem como missão cumprir as obrigações de seu cargo e contribuir para a consecução dos objetivos da organização. A característica fundamental do administrador profissional é que ele é um especialista. O fato dele não possuir nem os meios de administração nem de produção – ele administra em nome de terceiros – faz com que o administrador tenha em seu cargo sua única ou pelo menos principal atividade e meio de vida. Em outras palavras, o administrador recebe uma remuneração em forma de dinheiro pelo seu trabalho e não honrarias, títulos, gratidão etc. Tudo isso faz com que o administrador burocrático desenvolva um espírito de “fidelidade ao cargo”, conforme uma expressão usada por Max Weber. É preciso ainda lembrar que o administrador é nomeado por um superior hierárquico (e não eleito, por exemplo) para exercer um determinado cargo durante um tempo, em geral, indefinido (muito embora ele não tenha a posse do cargo), dependendo dos resultados por ele apresentados no desempenho das suas funções, obtendo ao final de sua carreira o direito à aposentadoria. O PODER DO ADMINISTRADOR PROFISSIONAL CAPITALISTA Os autores trazem o crescente controle dos administradores profissionais sobre as burocracias que tendem a ser completamente dominadas por eles como uma quarta característica fundamental das organizações, ao lado das três já citadas e comentadas na seção anterior. Para isso, os autores se valem, além da afirmação do próprio Weber que salientou o poder e o prestígio social de que gozam os administradores burocráticos no mundo moderno, dos resultados de várias pesquisas que apontam para mais que uma simples concentração do poder econômico nas mãos de algumas poucas empresas nos EUA, mas também para um fenômeno que consiste na separação do controle e da propriedade, revelando a burocratização que envolveu todo o sistema de poder. Os resultados dessas pesquisas comprovam, portanto, o domínio do administrador burocrático sobre as empresas privadas no mundo capitalista, mostrando que, mesmo como assessores da classe capitalista, funcionários do capital, os administradores alcançaram suficiente autonomia para serem considerados associados com objetivos próprios. O PODER DO ADMINISTRADOR PROFISSIONAL NOS PAÍSES COMUNISTAS Os autores abordam em primeiro lugar que é preciso ter em mente que os próprios Partidos Comunistas dos países comunistas eram, eles próprios, grandes organizações administradas por administradores burocráticos. O Estado, nesses países, é que representava a organização burocrática maior, abrangendo e coordenando administrativamente todo o sistema econômico e social. É nesse sentido que os burocratas assumiam cada vez mais o caráter de uma classe autônoma, já que não mais existiam os capitalistas a quem assessorar. Mas, por se tratarem de economias centralizadas, o grau de autonomia dos administradores das empresas era de qualquer maneira menor que o existente em economias capitalistas, descentralizadas. Os administradores tinham que estar sempre prestando contas e seguindo as diretrizes estabelecidas pelo Conselho dos Operários, dependendo a sua permanência nos postos ocupados diretamente da eficiência dos trabalhos desempenhados. Os autores chamam a atenção para o fato de que, muito embora o regime comunista, especialmente com Lenin, previsse o desaparecimento dos administradores, da classe burocrática e sua substituição pelos políticos pertencentes ao PC, isso, porém, revelou-se impraticável com o tempo. O resultado é que os administradores soviéticos constituiram-se numa verdadeira elite burocrática capaz, bem paga e gozando de elevado “status” na sociedade soviética. Por fim, os autores concluem que tanto no regime capitalista como no comunista a tendência é a mesma: a das organizações (empresas, Estado etc.) estarem, cada vez mais, sendo controladas por administradores profissionais. A EMERGÊNCIA DAS BUROCRACIAS Apesar das burocracias não se constituirem num fato novo (já existiam desde o Império Novo egípcio, no Império Chinês, Romano e no Estado Bizantino) foi a partir do final da Idade Média que começaram a aparecer as primeiras empresas e o Estado Moderno. Com a emergência das monarquias absolutistas e mais tarde a industrialização é que o feudalismo veio a ser eliminado dos países europeus, possibilitando a ascensão da classe burguesa e o estabelecimento do sistema capitalista. “Surge, então, o Estado liberal que vai burocratizar-se e racionalizar-se de forma crescente. Este processo tem prosseguimento com as revoluções socialistas deste século, que tendem a levar o sistema político a uma etapa ainda maior de burocratização.” Portanto, apesar das burocracias serem um fenômeno antigo, só modernamente elas se tornaram um fator social dominante e isso se deve ao simples fato de que antes a unidade básica do sistema produtivo era a família, tendo nos tempos modernos passado a ser a empresa burocrática. E isso aconteceu em diversos âmbitos como no cultural, religioso, militar, esportivo e social etc. No Brasil, apenas nos últimos anos é que tanto as empresas como o Estado passaram por um processo de burocratização. AS CAUSAS DA EMERGÊNCIA DAS BUROCRACIAS E A EFICIÊNCIA Conforme já citado no texto, os autores associam a relevância alcançada hoje pelas organizações ou burocracias à questão da eficiência que essas trouxeram, enfatizando um critério de racionalidade que visa com o emprego de um mínimo de esforços (meios) obter um máximo de resultados (fins). Uma segunda e terceira causas também ligadas à eficiência, mas não as mesmas, seriam justamente a pressão por maior eficiência (que é algo característico do mundo moderno) e as dificuldades em se alcançar maior eficiência devido ao desenvolvimento tecnológico e ao crescimento dos sistemas sociais que se observa no mundo de hoje. Weber insere a burocracia na história do capitalismo, na necessidade crescente de cálculo e previsão, destacando as características do sistema burocrático que têm tudo a ver com essas necessidades e com eficiência: precisão, rapidez, univocidade, caráter oficial, continuidade, discrição, uniformidade, rigorosa subordinação, redução de áreas de atrito e de custos materiais e pessoais. Assim, “...o sistema burocrático é exatamente aquele que, dado especialmente a seu caráter formal, permite a maior previsibilidade do comportamento daqueles que dele participam.” Isto, porém, não quer dizer que não ocorram disfunções. Quanto à questão da dificuldade de se alcançar maior eficiência devido ao problema do progresso tecnológico, isso se deve ao fato de que uma maior complexidade tecnológica implica num aumento das atividades administrativas e, consequentemente, num maior grau de burocratização. Já a questão do crescimento dos sistemas sociais e, particularmente, das empresas por conta do progresso tecnológico passa pelo fato de que tal tipo de produção só é possível em grandes empresas que em pouco tempo passam a dominar o panorama econômico dos países industrializados (e lembremos que quanto maior a empresa mais ela tende a burocratizar-se). Para finalizar, os autores acrescentam uma última causa para a crescente importância da burocracia no mundo moderno: a necessidade que a classe capitalista sentiu de garantir a disciplina dos trabalhadores, à proporção que as empresas vêm crescendo. Desta maneira, a organização burocrática torna-se não apenas um instrumento técnico que visa o desenvolvimento das forças produtivas, mas também um instrumento de poder na luta de classes a serviço das classes dominantes. Referência bibliográfica: MOTTA, F. C. Prestes & PEREIRA, L. C. Bresser. Introdução à organização burocrática. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980.