ASPECTOS LÚDICOS EM PALAVRAS NEOLÓGICAS CONSTRUÍDAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO Ieda Maria Alves (Universidade de São Paulo) Introdução: O caráter lúdico em unidades lexicais do português brasileiro, mais comumente observado em alguns gêneros discursivos como os textos publicitários, literários e humorísticos, pode permear todos os gêneros jornalísticos e estar presente em todos os processos de formação de palavras. De acordo com o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o adjetivo lúdico refere-se a “algo relativo a jogo, a brinquedo” e, em uma segunda acepção, a “algo que visa mais ao divertimento que a qualquer outro objetivo”. Neste trabalho, procuraremos realçar essas características nas unidades lexicais construídas analisadas, evitando construções de caráter satírico ou mesmo pejorativo. Metodologia: Essa análise está baseada em um corpus jornalístico constituído por revistas e jornais brasileiros analisados desde o início da década de 90, a Base de neologismos do português brasileiro contemporâneo, disponível no site do Projeto TermNeo, o Observatório de neologismos do português brasileiro contemporâneo (www.fflch.usp.br/dlcv/neo). O caráter lúdico, segundo o corpus analisado, está presente em formações neológicas construídas por derivação prefixal e sufixal e em variados tipos de compostos (compostos coordenativos entre nomes ou verbos, compostos subordinativos entre dois substantivos, entre verbo e substantivo, com uma ou mais bases presas...). Resultados: No âmbito da derivação, a criação lúdica é observada em sufixos, como –ento, que tem construído unidades lexicais de caráter neutro, mas não raro as formações com esse sufixo ultrapassam o nível lúdico e resvalam para a pejoratividade: “A música popular brasileira, tão apreciada no Japão e em diversos pontos do planeta, fica ruborizada ante os hits <xuxescos>”. (V, 06-04-05). Alguns sufixos, utilizados em âmbitos científicos e técnicos, se empregados na língua corrente revestem de caráter lúdico as unidades lexicais que constroem. Observamos esse efeito com os sufixos –oide, utilizado especialmente na geometria, e o sufixo –ite, da área médica, quando formam palavras fora dessas áreas de especialidade, a exemplo dos neologismos urbanóide e juizite: “Acordo todos os dias com o canto dos passarinhos. Estou tentando diferenciá-lo por seus cantos. Já conheço o do bem-te-vi e o do sabiá. É um grande progresso, para quem sempre foi um <"urbanóide">, ignorante da maravilhas da natureza.” (FSP, 10-09-99); “A seis dias de deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio de Mello disse ontem que parte dos juízes sofre de <"juizite">, uma doença que faz com que o magistrado passe a se sentir um "reizinho". Também fez críticas ao governo, em especial ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.” (FSP, 31-05-03). A derivação prefixal mostra-se menos ativa na construção de palavras de caráter lúdico do que a derivação sufixal. No entanto, alguns exemplos de construções com o prefixo desrevestem-se de tom humorístico, pois a palavra construída, exemplificada com descomemoração, tenta desfazer uma ação já feita, o ato de comemorar, o que, na verdade, não pode ser desfeito: “Mundo entra na era das <descomemorações> (tít.) Estou começando a achar que o pós-moderno, tão difícil de definir, é a era das <descomemorações>. O mundo anda tão enjoado de si mesmo que quer desfazer tudo, reinaugurar o nada.” (FSP, 17-02-92). Já o processo da composição revela-se muito propício ao ludismo. A composição por coordenação, em que as unidades lexicais exercem a mesma função, sem determinação de um elemento a outro, pode ser exemplificada por formações verbais que mostram dois ou três verbos em relação coordenativa e temporalmente sequencial, a exemplo de algo que espicha e depois encolhe: “Este <espicha-encolhe> passou despercebido. A constatação não acusa ninguém no Executivo de conivência.” (G, 06-08-00); e do movimento das bolsas de valores, cujas cotações ora sobem ora caem, despencando de forma súbita: “Foram poucas semanas, mas o <sobe-desce-despenca> das bolsas ao redor do planeta deu um susto tamanho que ofuscou a vidinha de sempre - FHC, reeleição, Serjão, Maluf...” (V, 24-12-97). Dentre as composições por subordinação, em que um elemento é sempre determinado por outro, citamos um exemplo de composição entre dois substantivos – país-lavanderia -, em que o segundo elemento é metafórico, ou seja, permite que o dinheiro obtido de forma ilícita possa ser lavado, apresentado como tendo sido obtido licitamente: “Não há números definitivos, mas o Ministério da Justiça está convicto de que o Brasil é um <"paíslavanderia">. Aqui, o dinheiro sujo proveniente do tráfico internacional de drogas, contrabando de armas, seqüestro e outros crimes ganha contornos de origem lícita, geralmente através dos mercados de ações, compra de imóveis, obras de arte, ouro e pedras preciosas.” (IE, 14-01-98). Discussão: Nos exemplos apresentados, podemos observar que o ludismo é causado pelo estranhamento provocado pela junção inusitada de elementos, pois, conforme observa Possenti em relação a piadas, “Sabe-se que as técnicas fundamentais do humor consistem em permitir a descoberta de outro sentido, de preferência inesperado, frequentemente distante daquele que é expresso em primeiro plano e que, até o desfecho da piada, parece ser o único possível”. Referências bibliográficas: HOUAISS, A.; VILLAR, M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. POSSENTI, Sírio. Humor, língua e discurso. São Paulo: Contexto, 2010.