Engana-se quem pensa que a publicidade é uma forma de

Propaganda
Linguagem publicitária: a construção da argumentação
Engana-se quem pensa que a publicidade é uma forma de comunicação atual. A história revela
que ela é “bem antiga’. Malanga (1922), ao buscar reconstituir a história da propaganda, mostranos uma série de manifestações publicitárias “de muito tempo atrás”. De acordo com o autor, a
documentação histórica sobre a propaganda surgiu com o fragmento de um papiro egípcio que
relata a fuga de um escravo. Para pesquisadores, provavelmente é o primeiro anúncio do qual se tem
comprovação histórica. Outros exemplos mostram que o homem sempre se preocupou em
“anunciar” uma idéia ou um produto. Entre eles, Malanga (idem) cita tabuletas encontradas na
China e em Roma (há 2000 anos), indicando lugarejos e casas onde se vendiam determinadas
mercadorias e o papel desempenhado pelo arautos na Inglaterra como divulgadores de notícias
governamentais
Dessa forma percebe-se que, de alguma maneira, a publicidade sempre existiu, a forma de
fazê-la é que foi sofrendo alterações com os avanços tecnológicos. Segundo Lagneau (apud,
CARVALHO, 1996, p. 12), “há cerca de um século, a publicidade se limitava a dizer que ‘na rua
tal, número tal, vende-se tal coisa’, mas logo se afastou desse modelo, passando a adotar uma lógica
e uma linguagem próprias, nas quais a sedução e a persuasão substituem a objetividade
informativa.” Para seduzir ou persuadir, a linguagem publicitária manipula a linguagem com vistas
a alcançar seus objetivos (CARVALHO, 1996).
Procuraremos, então, analisar, no anúncio da empresa Deloitte, publicado na revista Você
S&A de abril de 2008, de que maneira a linguagem (verbal e não-verbal) é utilizada com vistas
atingir o público-alvo.
Como todo texto, o anúncio publicitário, pressupõe uma relação que se baseia no processo de
interlocução, ou seja, há um sujeito produtor, que escreve para alguém e que possui determinados
objetivos. No caso de um anúncio, temos como sujeito produtor do texto o anunciante, como
interlocutor, o possível consumidor, e como objetivo, em última instância, levar o público-alvo à
ação de compra..
Dessa forma, o momento de produção de um anúncio publicitário deve levar em consideração
alguns aspectos. Entre esses aspectos está o que De Plas e Verdier (apud, CARVALHO,1996)
chama de “impacto fisiológico”. De acordo com a autora, na elaboração de uma mensagem
publicitária é essencial, primeiramente, considerar o meio onde o anúncio vai circular, sua
visibilidade legibilidade ou audibilidade. Certamente, no anúncio em análise, esse aspecto foi
considerado. Primeiramente, verifiquemos que a Deloitte – anunciante – é uma empresa de
consultoria e auditoria e oferece treinamento a profissionais da área empresarial, além de promover
o concurso “novos talentos”. Assim, para anunciar seu serviço, escolheu uma revista cujos leitores
são, preferencialmente, os da área empresarial, posto que os assuntos nela abordados dizem respeito
à gestão de carreiras executivas: formação profissional, oportunidades oferecidas pelo mercado de
trabalho, orientações de etiqueta, comportamentos desejados pelas corporações, entre outros. Se o
meio utilizado apresenta essas características e pressupõe esses leitores, seguramente se constituirá
como um lugar de visibilidade para “o produto” oferecido pela Deloitte, pois o anúncio será lido por
quem por ele, em princípio, se interessaria.
Outras etapas que compõem a elaboração da mensagem publicitária são o “impacto
psicológico” (procura-se causar um efeito surpresa, despertar o interesse ou provocar o riso e o
agrado), a “manutenção da atenção” (criação de reação mnemônica e de ambiente otimista), o
“convencimento” (desenvolvimento da argumentação e da credibilidade) e a “determinação de
compra” (objetivo último, que busca manter a clientela por meio da persuasão ou da sedução).
Na seqüência, mostraremos como essas etapas são realizadas por meio da manipulação da
linguagem verbal e não-verbal. Primeiramente, observemos o enunciado inicial que está dividido
em duas partes: “Um dia o Luís passou por um anúncio como este.” e na seqüência “Daí para frente
só passaram por ele grandes oportunidades.” Esse enunciado está escrito de forma destacada: a
primeira parte em uma fonte maior e a segunda, em fonte menor, mas diferente e de outra cor.
Além disso, vemos que, sintático-semanticamente o anúncio está dividido, pois o período continua
na parte de baixo para complementação de sentido. Fato que sugere a relação de causa e efeito entre
passar pelo treinamento oferecido pela Deloitte e conseguir grandes oportunidades na vida. Tal
recurso, associado à imagem do executivo, vestido de terno e gravata e de aparência feliz, pode
produzir o efeito de chamar a atenção do leitor, despertando-lhe o interesse pelo serviço anunciado,
assim como colabora para a produção de um ambiente otimista.
Evidentemente, os elementos acima expostos fazem parte das estratégias argumentativas que
procuram convencer o leitor, construindo uma imagem de credibilidade do anunciante. Isso também
está presente no texto que fornece informações sobre a empresa e suas atividades: “A Deloitte é
uma das maiores empresas de auditoria do país. Isso é resultado de um investimento constante no
treinamento dos seus profissionais, entre eles, os novos talentos.” Dizer que a empresa é “uma das
maiores” é argumentar pela qualidade e eficiência de seus serviços. Ao acrescentar a informação:
“Selecionamos profissionais com deficiência.”, constata-se que há uma preocupação de construção
da imagem da empresa não somente como eficiente no que faz , mas também como sócioresponsável. É mais um argumento que tenta convencer o leitor de que o anunciante merece respeito
e credibilidade.
Depois de construir sua própria imagem, a empresa procura estabelecer uma interlocução mais
direta com o leitor. Nesse processo, ocorre o que Carvalho (idem) chama de “reforço do
individualismo”, pois, embora se dirigindo a um leitor geral, produz o efeito de estar dirigindo-se
exclusivamente a uma pessoa. É o que se pode visualizar no uso dos pronomes “seu” e “ você”:
“Buscar soluções para grandes empresas, com o apoio de equipes altamente conceituadas, é um
desafio que vai fazer parte do seu dia-a-dia. E da grande carreira que você vai começar a construir.”
Tal formulação, novamente associada à imagem do gerente bem sucedido, produz o efeito de
identificação, isto porque se “o anúncio está falando comigo, eu também poderei ser tão bem
sucedido quanto o moço que está sendo exibido”. Observamos, assim, sustentando-nos na análise
apresentada e em mais um conceito apresentado por Carvalho (1996), que estão em jogo, como
estratégias argumentativas, tanto a persuasão (fazer crer) quanto a sedução (busca do prazer) .
Retomando os aspectos analisados, afirmamos com Carvalho (idem) que todo anúncio
publicitário se constitui de três planos: o identificador, o denotativo e o conotativo. O primeiro
consiste na identificação do texto como sendo do gênero publicitário, ou seja, a possibilidade de o
leitor reconhecê-lo como sendo um anúncio da empresa Deloitte que oferece serviços de consultoria
e auditoria, bem como treinamento para profissionais; o segundo pode ser definido como o conjunto
de informações presentes no texto e na imagem; já o terceiro é o mais subjetivo, isto porque
objetiva causar a empatia e favorecer a disposição de compra, ações que são feitas por meio da
atribuição de qualidades únicas e exclusivas ao produto anunciado. No anúncio em análise, temos,
então, como sentidos construídos no plano conotativo, a venda não somente do treinamento, mas de
um excelente emprego que pode proporcionar muito sucesso e satisfação, desde que o leitor faça o
incita o anúncio, inscrevendo-se para o Novos Talentos.
É fundamental, ainda, considerar que todos os aspetos apresentados fazem parte de uma
prática de linguagem inscrita em um contexto sócio-histórico. Assim, a publicidade reproduz os
ideais, os valores, as concepções de mundo da sociedade na qual está inserida. É o que Lagneau
(apud CARVALHO, 1996) chama de cumprir sua finalidade pela via “antropológica”. Isso significa
reavivar “arquétipos coletivos ocultos mas fundamentais”. Retornado ao anúncio que estamos
analisando, observamos como a construção da argumentação se sustenta nos ideais de uma
sociedade capitalista neoliberal que propaga o ideal de que as oportunidades de sucesso estão
presentes, cabendo a cada um, individualmente, conquistá-la por seu mérito e esforço próprios.
Finalizando, diremos que todos os elementos analisados contribuem para a argumentação que,
em última instância, pretende levar o consumidor à ação de compra. Por isso, afirmamos, com
Carvalho (1996, p. 11), que a publicidade “é o braço direito da tecnologia moderna”, posto que é
responsável pela propaganda e venda dos novos serviços e produtos disponibilizados. Para tanto,
necessita, a todo momento, reinventar-se, buscando, por meio da linguagem e dos meios materiais
nos quais é veiculada, novas estratégias argumentativas para persuadir e seduzir o consumidor
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