ação civil pública ambiental

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EXCELENTÍSSIMO(A)
SENHOR(A)
DOUTOR(A)
JUIZ(A)
DE
DIREITO DA _______ DA COMARCA DE PARACATU- MG.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS,
pelo promotor de justiça que esta subscreve, no uso de suas
atribuições legais, embasado no art. 129, III da Constituição Federal,
art. 84 do Código de Defesa do Consumidor e art. 5º da Lei n.
7.347/85, além dos demais dispositivos pertinentes à espécie, vem,
respeitosamente propor a presente
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
em face do
MUNICÍPIO DE PARACATU, pessoa
jurídica
de
direito
público
interno,
pelo
prefeito,
Doutor
representado
Antônio Arquimedes Borges de Oliveira,
brasileiro, casado, maior, domiciliado na
Prefeitura Municipal de Paracatu-MG.
pelas seguintes razões de fato e de direito:
I- DOS INQUÉRITOS CIVIS N. 12/2002 E 05/2002
Em atendimento à orientação geral da Coordenadoria da
Bacia do Rio São Francisco, através de expediente remetido pela
Sub-Coordenadoria dos rios Paracatu e Urucuia, Estado de Minas
Gerais, nos dias 4 e 19 de abril de 2002,
foram instaurados os
inquéritos civis n. 12/2002 e 05/2002, na 2a Promotoria de Justiça da
comarca de Paracatu-MG.
A orientação básica e inicial da Coordenadoria era no sentido
de apurar-se, com exclusividade, os graves problemas causados pela
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destinação final dos resíduos sólidos(lixo urbano e rural), uma vez que
a falta de Aterro Sanitário e/ou controlado, em cada município mineiro,
provoca, diretamente, a diminuição da qualidade e quantidade de
águas do Rio São Francisco.
Entretanto, após vislumbramos que o Município de ParacatuMG já possuía e estava em regular funcionamento, o sistema de
arrecadação e destinação final dos resíduos sólidos, de ofício,
alargamos os objetos das respectivas apurações.
Os inquéritos civis, portanto, foram instaurados com triplo
objetivo: primeiro, apurar as condições básicas de disposição dos
resíduos sólidos; segundo, verificar se o Município e a COPASA
possuem sistema de tratamento de esgoto- ETE- bem como sua real
operacionalização; e terceiro, verificar se o Município de Paracatu-MG
teria implantado e/ou estava em funcionamento o sistema de gestão
ambiental municipal, além da atuação administrativa dos órgãos
estaduais e federais de defesa do meio ambiente.
Como destacado inicialmente, em relação ao primeiro objeto,
o Município de Paracatu-MG possui em funcionamento o Aterro
Sanitário e com licenciamento ambiental expedido pela FEAM,
cumprindo-se, parcialmente, a Deliberação Normativa COPAM n. 52,
de 14 de dezembro de 2001.
No tocante ao segundo objeto- lançamento de esgoto in
natura nos rios Paracatu e, conseqüentemente, leito do São
Francisco, detectando-se a continuidade dos atos poluidores com a
perenização das graves conseqüências aos recursos hídricos locais, o
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Ministério Público ajuizou a ação civil pública com o pedido de
obrigação
de
não
fazer,
ou
seja,
no
sentido
de
impedir,
imediatamente, a continuidade da poluição dos rios da região
Noroeste,
especificamente
em
relação
aos
danos
ambientais
provocados no Município de Paracatu-MG.
Em
relação
ao
último
objeto
da
investigação
e,
conseqüentemente, fundamento da presente ação, observa-se que o
Município de Paracatu-MG não possui implantado o sistema de gestão
ambiental municipal. Aliás, não existe sequer estudo ou proposta
nesse sentido.
A hipótese em apreço - relevante omissão administrativacaracteriza e integra os elementos normativos e principiológicos da
responsabilidade civil, penal e administrativa.
Aliás,
é
flagrantemente
perceptível
a
improbidade
administrativa ambiental dos integrantes da Administração Pública
municipal, do Chefe do Poder Executivo ao servidor público municipal
da esfera ambiental.
No entanto, na presente ação civil pública, serão tratados
apenas os aspectos fáticos e jurídicos pertinentes à responsabilização
civil do ente público municipal, no tocante a falta de efetiva
implantação do sistema de gestão ambiental.
II- DOS FATOS
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O planeta Terra passa por graves crises e problemas
ambientais. As ações antrópicas provocam a destruição das florestas,
o aumento do buraco na camada de ozônio, o crescimento da
temperatura da terra, o surgimento de novas formas de poluição, a
falta de água potável nas cidades e a fome mundial.
Na verdade, são exemplos negativos mundiais e que
demonstram a certeza de que, alguma coisa precisa ser feita para
reverter o aumento do passivo ambiental.
O aumento do passivo ambiental não é correspondido, na
mesma proporção, pelo aumento dos cuidados ambientais mínimos.
Vale dizer: crescem vertiginosamente os problemas ambientais e os
cuidados praticados pelos homens ainda são frágeis, desorganizados,
inconsistentes e realizados sem homogeneidade de propósitos e
ações adequadas do ponto de vista ecológico.
Dentro dessa visão, ainda que em escala menor, o Município
de Paracatu, situado no Estado de Minas Gerais, com população
aproximada de 75.216 hab e área territorial de 8.213, 97 km2,
segundo dados fornecidos pelo IBGE, colhidos no sítio eletrônico do
governo federal
www.ibge.gov.br,
posta-se alheio aos graves problemas
mundiais, nacionais, regionais e locais.
Com efeito, as principais atividades econômicas estão
situadas e são executadas na zona rural e interferem diretamente na
qualidade do meio ambiente natural e não sofrem qualquer controle
municipal.
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A agricultura, sem dúvida, é a principal atividade econômica
exercitada pela população economicamente ativa da comarca. Dessa
característica advém o uso exagerado dos recursos naturais
renováveis e não renováveis.
Da falta de controle da agricultura sustentável do ponto de
vista ambiental surgem, todos os dias, focos de incêndios, queimadas,
perfuração de cavas, erosões, escavações, mudanças de cursos
d’águas etc.
Os recursos naturais renováveis e não renováveis são
usados, diariamente, sem o mínimo de controle ambiental municipal.
Outro grave problema ecológico centra-se na contínua
escassez de recursos hídricos(água), que são utilizados nas lavouras
e demais atividades pastoris, também sem o mínimo de cuidado e
controle ambiental, seja pelo Poder Público local, seja pelos
empresários.
Temos, portanto, duplicidade de falhas. De um lado o
Município, absolutamente omisso; do outro lado os empresários
locais, absolutamente preocupados apenas com o lucro. Em
decorrência da duplicidade de falhas, o meio ambiente e a sadia
qualidade de vida são colocados em segundo plano.
Devido à vastidão do território local, as águas são utilizadas
de qualquer maneira, inclusive com acentuado desperdício nos pivôs
etc. As formas de captação de água nos rios, na maiorida das vezes
são ilícitas.
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Diariamente são realizadas barragens, construídos poços
artesianos e criadas barragens como forma de contenção de águas
diversas, sem fiscalização e controle do Município e demais órgãos
públicos ambientais.
Apenas para se ter uma idéia global da grave situação, o
Município de Paracatu possui diminuta quantidade de Outorgas de
água fornecidas pelo IGAM e, em contrapartida, a maior quantidade
de poços subterrâneos(artesianos) dentro do Estado de Minas Gerais.
Aliás, são tantas perfurações realizadas de forma descontrolada e
ilícita que o território municipal, visto de cima, parece um paliteiro.
O mais grave é que a utilização irracional da água superficial
e subterrânea, além de piorar a qualidade de vida da população local,
ainda causa um dos mais drásticos e conhecidos problemas
ambientais brasileiros.
É que o majestoso rio São Francisco, conhecido como o rio
da integração nacional, possui ou pelo menos deveria receber a maior
carga de abastecimento de água oriunda do Rio Paracatu.
Vale dizer: o rio Paracatu é o principal afluente e aquele que
deveria abastecer, com o maior volume de água, o rio São Francisco.
Por mais paradoxal que possa parecer, lamentavelmente,
através das águas do rio Paracatu, vem sendo despejado no leito do
rio São Francisco, enorme quantidade de detritos, agentes poluidores
diversos, lixo urbano e rural e substâncias tóxicas, concorrendo dessa
forma, em igualdade de condições, com os demais poluidores, para a
morte do Velho Chico.
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Assim, a redução da qualidade e da quantidade de águas do
rio Paracatu, além de afetar a qualidade de vida da população local,
provoca a lenta, inexorável e nostálgica morte do Velho Chico.
Daí, o Município de Paracatu apresentar poucas chuvas
anuais, calor diário infernal, maior foco de incêndio estadual,
agricultura devastadora, escassez de água, enfeiamento da zona rural
e, além disso, contribuir com a inelutável morte do rio São Francisco.
No plano do meio ambiente artificial, a zona urbana possui
um dos piores traçados de vias públicas. O parcelamento do solo
urbano é completamente irregular. As ruas, casas e o comércio local
são desorganizados e estabelecidos de forma equivocada do ponto de
vista ambiental.
Nesse sentido, são vários os loteamentos e assentamentos
clandestinos, existentes no território local e, infelizmente, contando
com o beneplácito e a omissão municipal. Ora, atuar contra os
assentados, ainda que em áreas de preservação permanente,
significa perder votos. Daí, as autoridades municipais, simplesmente,
nada fazem!
Na verdade, imóveis urbanos e rurais registrados na comarca
de Paracatu-MG, ainda são raridades. Normalmente, os poucos títulos
imobiliários existentes, são obtidos através de ações judiciais de
usucapião.
Por conta disso, são raras as propriedades urbanas(casas
urbanas e fazendas) que possuem registro imobiliário regular.
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As habitações- urbanas e rurais- são construídas sem
planejamento e controle municipal.
Aliás, a expedição de alvarás de construção não obedece
nenhum critério ambiental. Por conta dessa anomalia, as ruas são de
tamanhos diminutos, variados e sem qualquer rigor na forma de
construção.
O Município não possui Plano Diretor ou plano de melhoria
das condições de vida urbana da população. Na verdade, o Estatuto
da Cidade ainda não entrou em vigor, pelo menos no município local.
Assim, o Município de Paracatu-MG sofre com os ilícitos e
danos praticados contra o meio ambiente natural e o artificial. Dessas
assertivas decorre a precária qualidade de vida da população local,
especialmente dos mais carentes de recursos financeiros.
Instado a se manifestar sobre a apuração desenvolvida nos
autos, inclusive sobre a proposta de ajustamento de conduta
apresentada pelo Ministério Público, o Município recusou-se a assinar
o ajustamento de conduta e demonstrar qualquer interesse em criar
condições para iniciar a defesa do meio ambiente.
O próprio Secretário Municipal do Meio Ambiente, em
depoimento prestado no Ministério Público, assegurou que o
Município de Paracatu-MG não possui sistema de gestão ambiental
municipal, conforme declarações prestadas às fls. 96/97 nos autos n.
05/2002.
Além dos danos e ilícitos ambientais praticados, diariamente,
percebe-se que o Município de Paracatu-MG fortalece e incentiva a
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clandestinidade ambiental, ao omitir-se na criação do sistema de
gestão ambiental municipal.
A pessoa física e/ou jurídica que deseja habilitar-se
legalmente para exercer atividades, obras e serviços que, direta ou
indiretamente interfiram com a qualidade de vida e a quantidade do
patrimônio ambiental- por relevante omissão administrativa municipalexercem seus afazeres na clandestinidade, por falta de condições
mínimas de legalização.
Assim, da análise dos autos percebe-se que dois problemas
emergenciais afloram: primeiro, os ilícitos e danos ambientais são
praticados sem controle municipal; segundo, o empresário local não
consegue, mesmo querendo, legalizar suas atividades.
Daí, o aumento da clandestinidade e do passivo ambiental. A
pessoa física e/ou jurídica, sem meios de providenciar sua
legalização, exerce as atividades, obras e serviços, aufere lucro certo
e contribui, diretamente, com a destruição dos recursos naturais.
Além desse fatores- causados pela omissão administrativa
municipal, em co-autoria- é claríssima e vexatória a evasão tributária.
Em virtude do descontrole das atividades, obras e serviços
locais, os tributos não são pagos e, sequer, cobrados; não existe
licenciamento ambiental ou qualquer medida restritiva e não existe,
ainda, sequer plano de aumentar a arrecadação fiscal com a cobrança
pelo uso dos recursos naturais, claramente finitos e limitados.
O Município empobrece. Os empregos e serviços são
clandestinos. São ilícitas as atividades, obras e serviços ambientais.
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Enfim, a ilicitude e a danosidade ambiental são os graves problemas
da comunidade, que precisam ser enfrentados e resolvidos pelos
dirigentes municipais.
Mais drástico ainda é o fato de que, do ponto de vista
meramente formal, o Município de Paracatu possui legislação
protetora do meio ambiente, Secretaria Municipal do Meio Ambiente,
Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente e o Fundo
Municipal.
Primeiro, a legislação municipal encontra-se desatualizada,
ultrapassada e conflitante em vários pontos com a legislação federal e
estadual. É sabido que as leis municipais devem ser mais restritivas
que as leis federais e estaduais, no tocante ao mesmo objeto e
conteúdo. Entretanto, na prática é muito mais benevolente, uma vez
que não é exigida. Aliás, não se tem notícia nos autos de uma
autuação administrativa patrocinada pelo Município de Paracatu-MG.
Nenhuma multa foi aplicada. Sequer uma advertência foi imposta na
forma legal.
Segundo, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente é
utilizada apenas para ajudar os empresários locais na feitura de obras
e serviços, inclusive irregulares do ponto de vista ambiental. Na
verdade, o próprio órgão público municipal patrocina e realiza obras,
atividades e serviços danosos ao meio ambiente em aut6entica coautoria com os empresários locais.
É, em verdade, apenas um grupo de servidores públicos
comissionados, sem qualquer preparo técnico- jurídico, alocados no
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órgão público municipal com o objetivo de respaldar as ações
burocráticas do governo municipal. Na maioria das vezes, são
colocados como forma de pagamento de dividendos políticoseleitorais nas sucessivas eleições municipais.
Terceiro, o Conselho Municipal- CODEMA- que deveria ser o
órgão independente e com capacidade para estabelecer a política
pública municipal, infelizmente, limita-se a participar de reuniões
meramente formais para outorgar foros de legalidade às ações da
burocracia municipal.
O mais grave defeito dos CODEMAs tem início no processo
de escolha dos conselheiros. Embora a lei estabeleça que a
composição seja paritária, na prática, o Poder Executivo Municipal
apresenta cinco servidores públicos dos seus quadros- totalmente
submissos- e ainda auxilia e interfere na indicação de cinco
simpatizantes da Administração Pública Municipal.
Assim, sem entendimento do significado de suas relevantes
atribuições;
sem
conhecimento
técnico-jurídico
das
questões
ambientais; absolutamente submissos à vontade do Prefeito; sem
participar das decisões governamentais, de forma paritária, os
resultados das deliberações são irregulares. Vale dizer: da forma
como atua o CODEMA atual, não existe defesa municipal do meio
ambiente.
Por último, apesar da existência do Fundo Municipal,
observa-se que o uso dos recursos e/ou verbas públicas de natureza
ambiental são utilizadas de forma irregular e lesiva aos interesses
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ambientais. É importante frisar: os recursos públicos ambientais
somente poderiam ser gastos com a prévia aprovação do CODEMA.
Ora, se no plano repressivo e/ou coercitivo, o Município não
aplica qualquer tipo de penalidade administrativa, no plano proativo,
as verbas públicas ambientais alocadas ao fundo municipal são
utilizadas sem a prévia Resolução formal do Conselho Municipal e
sem qualquer planejamento ou discussão prévia com a sociedade.
Em conclusão, no plano fático, é claramente perceptível: Os
ilícitos e danos ambientais locais aumentam; as pessoas físicas e
jurídicas
exercem
suas
atividades
obras
e
serviços
na
clandestinidade; os ilícitos tributários são visíveis; a população
empobrece por falta de políticas públicas ambientais e, finalmente, a
estrutura operacional não funciona. O resultado é a flagrante omissão
administrativa municipal.
III- O MUNICÍPIO E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE
A partir de 1972, época da Conferência de Estocolmo,
patrocinada pela ONU, as nações civilizadas participantes do pacto
internacional, lentamente, passaram a incluir a temática ambiental nas
respectivas constituições e na legislação infraconstitucional.
A idéia central que frutificou na primeira grande conferência
mundial foi no sentido de era necessária e urgente adotar-se medidas
capazes de conter e/ou pelo menos minimizar os graves problemas
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ambientais e, ao mesmo tempo estimular o desenvolvimento
sustentável no planeta Terra.
Nesse sentido, os países deveriam iniciar os respectivos
procedimentos culturais, sociais, jurídicos e comunitários de defesa do
meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, utilizando-se,
inclusive, do plano jurídico-penal. Ficou, portanto, a idéia da defesa do
meio ambiente e do desenvolvimento sustentável.
Em 1992, no Rio de Janeiro, realizou-se a 2a grande
Conferência Mundial de defesa do meio ambiente, que ficou
conhecida internacionalmente como a ECO- 92.
Nessa fase, após intensas discussões sobre os avanços e
retrocessos da última conferência mundial, ratificou-se a idéia central
de que os países pactuantes deveriam colocar em prática os
princípios acordados na Suécia e desenvolver ações globais,
regionais e locais.
Além dessa nova forma de atuação- descentralizada- porém,
homogênea e integrada, outro princípio emergente e importante foi no
sentido de que tornava-se imprescindível a conjugação de esforços
entre sociedade civil e os Poderes Públicos federais, estaduais e
municipais.
Nesse sentido, os grandes, médios e pequenos contingentes
populacionais, em conjunto com os respectivos integrantes dos
Poderes Públicos, deveriam adotar programas e metas próprias de
defesa do meio ambiente no plano nacional, regional e local. Para
tanto, seria criada a Agenda 21 de cada segmento.
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27
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É interessante lembrar que, mesmo antes da ECO- 92,
precisamente em 1988, com a entrada em vigor da Constituição
Federal, o Município de Paracatu recebeu o poder-dever de patrocinar
a defesa do meio ambiente, no plano local.
Na verdade, a ECO-92 veio apenas estabelecer as bases
principiológicas da atuação municipal, uma vez que a normatização
constitucional brasileira vigente, por si só, já obrigava os municípios a
agirem de forma harmônica e integrada com o plano estadual e
federal.
O dever de agir- da União, Estado, Distrito Federal e do
Município- é cristalizado no art. 225, caput, que diz:
Art. 225. Todos tem direito ao meio ambiente
ecologicamente
equilibrado,
bem
de
uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações.
Em complemento ao citado dispositivo, o art. 23, VI da Carta
Magna dispõe:
Art. 23. É competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I-...
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VI- proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas;
VII-...
No plano constitucional, através da análise dos dois
dispositivos transcritos, portanto, alcança-se com nitidez o dever de
agir do Município de Paracatu-MG.
Entretanto,
como
se
não
bastassem
os
comandos
constitucionais, no plano infraconstitucional, além da própria Lei
Orgânica
municipal
vigente
estabelecer
a
obrigatoriedade
do
patrocínio da defesa do meio ambiente, pelo próprio ente políticoadministrativo criador da lei, a Resolução CONAMA, n. 237/97(anexa),
de forma minudente, ratifica a obrigatoriedade da defesa ambiental, no
âmbito municipal.
É pertinente destacar que, todas as esferas governamentaisfederais, estaduais e municipais- tem o dever jurídico de defender o
meio ambiente.
No entanto, para evitar eventual conflito e/ou supersposição
da atuação dos órgãos administrativos, a doutrina nacional criou o
critério mais utilizado na busca da delimitação da competência
ambiental, a partir da entrada em vigor da citada resolução federal.
Trata-se
do
critério
da
preponderância
do
interesse
ambiental.
O critério, a partir da divisão de tarefas e responsabilidades
entre órgãos deliberativos e executivos, é o que melhor atende à
eficiência e eficácia da defesa administrativa do meio ambiente.
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27
17
Se os danos ou ilícitos ambientais são nacionais ou na divisa
de Estados da Federação, atuam o CONAMA(órgão deliberativo) e o
IBAMA(órgão executivo); se regional ou na divisa de municípios,
atuam o COPAM e a FEAM; se local( no município) atuam o CODEMA
e a SECRETARIA Municipal.
A esfera de atuação de cada esfera governamental é
explicitada na obra de Daniel Roberto Fink, Hamilton Alonso Jr e
Marcelo Dawalibi, In Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental,
São Paulo: Forense Universitária, 200, p. 97:
...Cabe, assim, licenciar empreendimentos de
impacto meramente local. Ao Estado caberá o
licenciamento de obras ou atividades de
impacto regional. Já a União, por sua vez, por
meio do IBAMA, caberá o licenciamento de
empreendimentos cujos impactos alcancem
dois ou mais Estados.
Após análise dos dispositivos constitucionais e da doutrina
citada, torna-se fácil afirmar que, apesar da clarividência da
necessidade de proteção ambiental, patrocinada pelo Município de
Paracatu, a realidade é dissonante dos textos e das lições doutrinárias
aplicáveis à espécie.
Urge, portanto, que o Município de Paracatu-MG promova a
defesa integral do meio ambiente.
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IV- COMO O MUNICÍPIO DEVE DEFENDER O MEIO AMBIENTE?
A partir da constatação fática e jurídica- a primeira, pelo
exagerado e crescente passivo ambiental- a segunda, pela certeza
jurídica de que o Município possui o dever de defender o meio
ambiente- surge a necessidade de explicitar como o ente público local
deve exercer a tutela administrativa ambiental.
De início, surgem três opções de atuação ao administrador
público municipal. A primeira, no plano preventivo; a segunda, no
plano preventivo-repressivo; a terceira, no plano repressivo.
No preventivo, a educação ambiental nas escolas, fábricas,
locais de trabalho etc, constitui-se numa das melhores formas de
desenvolvimento de ações tutelares ambientais. Além da maciça
aceitação social é a que possibilita a perfeita integração do princípio
da precaução ambiental e o do desenvolvimento sustentável.
Infelizmente, no Brasil e, especificamente na comarca de ParacatuMG ainda é pouco exercitada. O resultado da omissão de ações
preventivas básicas traduz-se no perceptível aumento do passivo
ambiental.
No plano repressivo-preventivo, o Município deve criar o
Sistema de Gestão Ambiental e, além disso, exercer o poder-dever de
licenciar as atividades, obras e serviços locais e/ou exigir o EIA/RIMA,
nos termos do art. 225, §1o ,IV da Constituição Federal.
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27
19
Fica claro, portanto, que a indagação acima fica respondida,
na sua integralidade, a partir da real implantação do Sistema de
Gestão Ambiental Municipal, segundo os termos preconizados pela
Deliberação Normativa COPAM n. 029, de 9 de setembro de 1998,
conforme cópia anexada.
Nos termos do art. 2o da citada norma estadual, implantar o
sistema de gestão ambiental municipal significa:
1. Aprovar e incrementar a política municipal de defesa do
meio ambiente(Lei);
2. Criar e/ou fazer funcionar- corretamente- a instância
normativa, colegiada, consultiva e deliberativa de gestão
ambiental,
com
representação
da
sociedade
civil
organizada paritária à do Poder Público(CODEMA);
3. Criar e/ou fazer funcionar o órgão técnico-administrativo
dotado de corpo técnico multidisciplinar(SECRETARIA);
4. Fazer funcionar o sistema de licenciamento ambiental;
5. Tornar prático e operacional o sistema de fiscalização
ambiental, inclusive com aplicação das penalidades
administrativas;
6. Destinação das rendas públicas ao Fundo Municipal de
Defesa do Meio Ambiente;
7. Fazer funcionar o gerenciamento e/ou aplicação das
verbas públicas ambientais, somente com a prévia e
regular aprovação do CODEMA.
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20
A criação, portanto, do Sistema de Gestão Ambiental
permitirá o início da defesa do meio ambiente, patrocinada pelo
Município de Paracatu-MG.
No plano repressivo, após a implantação do sistema de
gestão ambiental, caberá a aplicação das penalidades administrativas
previstas na legislação municipal e, de forma subsidiária, na Lei n.
9.605/98.
Não é razoável que o Município de Paracatu-MG não seja
obrigado a agir, a despeito de todos os problemas destacados, tais
como: diminuição e falta de água potável, uso desordenado de
agrotóxicos nas lavouras, lançamento de esgoto, sem tratamento, nos
rios da comarca, excessivo número de perfurações para feitura de
poços artesianos, loteamentos clandestinos localizados nas APPs,
mineração desordenada.
Além desses fatores justificadores da ação civil pública,
observa-se que as pessoas físicas e jurídicas- exercentes de
atividades no município- poderão regularizar suas atividades, obras e
serviços, inclusive com o aumento da arrecadação de tributos e
demais créditos fiscais.
Em síntese: a implantação do sistema de gestão ambiental
municipal é urgente, necessária e obrigatória como uma das
alternativas válidas para o enfrentamento do crescente passivo
ambiental municipal.
20
27
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V- DA TUTELA INIBITÓRIA POSITIVA- OBRIGAÇÃO DE FAZER
O Ministério Público, nos termos do art. 129, III da CF possui
legitimidade ativa, na qualidade de substituto processual e/ou
legitimado extraordinário, para promover as medidas judiciais e
extrajudiciais cabíveis à integral proteção e defesa do meio ambiente.
Os interesses difusos, dentre os quais destaca-se o meio
ambiente, possuem os mecanismos processuais hábeis à busca de
sua efetiva defesa, através da tutela jurisdicional, na Lei n.
7.347/85(LACP), no Código de Defesa do Consumidor(CDC) e,
subsidiariamente, no vigente Código de Processo Civil(CPC).
É bom relembrar que, a despeito das medidas fixadas pelo
Poder Judiciário, não cabe denunciação da lide e/ou outra forma de
intervenção de terceiros, no bojo do presente pedido. Eventuais
discussões patrimoniais entre o Município, Estado de Minas Gerais e
União deverão ser travadas na competente ação de regresso.
É preciso lembrar ainda que a implantação do sistema não é
ato discricionário do administrador público municipal. Primeiro, pelo
fato de que a CF traz a obrigação jurídica; segundo, porque o
administrador público não tem opção de deixar de cumprir a lei;
terceiro, pela simples razão de que, se todos devem defender o meio
ambiente, com muito mais razão o poderoso município, também deve.
Ora, deixar ao critério do administrador público municipal o momento
de agir, é o mesmo que permitir que se aguarde a destruição da Terra
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27
22
e/ou quando a defesa do meio ambiente passar a ser fator
preponderante na busca de votos nas eleições municipais.
A completa omissão do Município de Paracatu-MG é
comprovável pela farta documentação anexada aos autos. Aliás, basta
análise superficial nos autos judiciais e extrajudiciais, em curso na
comarca, para se constatar que o Município de Paracatu-MG tem se
postado alheio às ações tutelares do meio ambiente, desenvolvidas
pelo IGAM, FEAM, IEF, IBAMA, Ministério Público e o Poder
Judiciário.
A tutela jurisdicional inibitória positiva, quando deflagrada
contra os Poderes Públicos- ainda pouco apreciada pelos tribunais e
pouco estudada pela doutrina nacional- tem rompido com os
tradicionais paradigmas do tradicional Processo Civil Brasileiro.
É que, se antes se exigia a tríplice ação de conhecimento,
cautelar e execução para satisfação dos direitos e interesses
materiais violados. Agora, com base no art. 84 do CDC e 461 do CPC,
com a tutela inibitória específica, resolvem-se os fatos trazidos à
apreciação jurisdicional, numa única ação e com apenas um processo.
O mestre Joaquim Felipe Spadoni, em sua excelente
dissertação de Mestrado, publicada comercialmente sob o título Ação
inibitória: a ação preventiva do art. 461 do CPC, São Paulo: RT, 2002,
p.66 destaca o conceito de tutela inibitória:
Pode ser definida como aquela que tem por
objetivo alcançar provimento jurisdicional apto
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27
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a impedir a prática futura de um ilícito, sua
continuação ou repetição. Ela procura obstar,
de forma definitiva, a violação instantânea ou
continuada de um direito, já iniciada ou ainda
apenas ameaçada, possibilitando que ele seja
usufruído in natura pelo seu titular, tal como
permite o ordenamento jurídico.
Na
ação
mandamental,
o
resultado
é
mais
rápido,
econômico, objetivo, útil e permite a adequada tutela do direito
material violado. Aliás, é possível o uso, na forma preventiva, para
impedir a ocorrência do provável ilícito ou do provável dano, bem
como no caso de continuidade e/ou reiteração.
No caso dos autos, por clara omissão administrativa
municipal, a hipótese configurada centra-se na existência de ilícitos
continuados e praticados de forma reiterada. Vale dizer, o Município
não criou o Sistema de Gestão Ambiental. Os ilícitos e danos, com
frequência indesejada, ocorrem no território municipal.
O prof. Luiz Guilherme Marinoni, na melhor obra sobre o
assunto produzida sob o título: Tutela específica,( arts. 461, CPC e
84, CDC), São Paulo, RT, 2000, p. 16 ensina que:
Como se pode perceber, os novos direitos,
como os direitos difusos e coletivos, por
dificilmente
se
conciliarem
com
a
tutela
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ressarcitória, na verdade não podem ser
lesados, sendo necessária, portanto, uma
tutela capaz de impedir a prática, a repetição
ou a continuação do ilícito, bem como uma
tutela capaz de remover o ilícito continuado,
para
que
danos
não
ocorram,
não
se
multipliquem ou não sejam potencializados.
É interessante destacar que, nas ações ressarcitórias
individuais, o Município de Paracatu-MG é acionado, juntamente com
o poluidor, devido à responsabilidade solidária e objetiva. Entretanto, é
visível que as ações individuais não vem conseguindo reverter o grave
quadro de destruição da natureza.
É óbvio que o Direito brasileiro sempre possuiu ações e
pedidos de natureza mandamental. Basta lembrar os efeitos das
decisões prolatadas no mandado de segurança individual, na ação de
nunciação de obra nova e nos interditos proibitórios.
A novidade, que vem trazendo colorido especial às
discussões, centra-se na utilização da tutela inibitória na defesa dos
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, especialmente
quando utilizada contra os atos e omissões dos Poderes Públicos e
para a real implantação dos princípios ambientais da prevenção e
precaução.
É evidente que os interesses difusos são defendidos de
forma mais eficaz e eficiente, antes da prática do ilícito. Entretanto, no
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presente caso a reiteração dos atos omissivos devem ser obliterados,
com urgência, pelo Poder Judiciário, sob pena de pactuar-se com a
ilegalidade patrocinada pelo Poder Executivo municipal.
Conforme destacado, o art. 84 do Código de Defesa do
Consumidor, o art. 461 do Código de Processo Civil e o art. 3o da
LACP
permitem o manejo da ação na busca da implantação da
política pública municipal de defesa do meio ambiente.
As políticas públicas podem ser exigidas através do Poder
Judiciário. A tutela mandamental- obrigação de fazer- permite que se
obrigue o administrador público a implantar políticas públicas capazes
de defenderem os interesses e direitos ambientais lesados.
Assim, a tutela inibitória de natureza positiva traduz-se no
meio processual adequado, hábil e pertinente para satisfazer a
pretensão do Ministério Público na defesa do meio ambiente.
V- CONCLUSÃO
Ex positis, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais,
através da 2a Promotoria de Justiça requer a Vossa Excelência:
1. Concessão de LIMINAR, sem justificação prévia,
consistente em obrigação de fazer, no sentido de determinar que o
requerido, no prazo de 30 dias da decisão jurisdicional:
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1.1. Promova estudos no sentido de implantar- integralmenteos sistemas, regimes e programas descritos no art. 2o da Deliberação
Normativa COPAM n. 029/98;
1.2. No prazo de (60) sessenta dias da decisão, apresente as
conclusões dos estudos efetuados e inicie a implantação do sistema
de gestão ambiental, segundo o molde preconizado pela FEAM;
1.3. Seja impedido de licenciar, conceder alvarás e/ou
documentos administrativos legalizadores de quaisquer atividades,
obras
ou
serviços,
doravante,
sem
cumprir
os
parâmetros,
regramentos e princípios estabelecidos na legislação municipal
vigente;
1.4. Seja fixada MULTA diária no valor de 50(cinquenta)
salários mínimos mensais vigentes ao requerido, em caso de
descumprimento da LIMINAR, se concedida.
2. Seja condenado o requerido, no prazo de (90) noventa
dias, nos termos do art. 84 do CDC c/c art. 461 do CPC, na
obrigação de fazer consistente em:
2.1. Implantar- integralmente- o Sistema de Gestão
Ambiental Municipal;
2.2. O Sistema de Gestão Ambiental Municipal deverá
possuir:
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2.2.1 Legislação municipal atualizada e condizente com os
parâmetros
constitucionais
vigentes,
seguindo-se
os
modelos
expedidos pela FEAM;
2.2.2. Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente;
2.2.3. Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente;
2.2.4. Corpo técnico multidisciplinar;
2.2.5. Fundo municipal;
2.2.6. Sistema de licenciamento ambiental municipal;
2.2.7. Sistema de fiscalização ambiental municipal.
2.3. Seja fixada multa diária no valor de 100(cem salários
mínimos), como forma de obrigar o requerido cumprir as obrigações
fixadas jurisdicionalmente.
3. Seja(m) citado(a)(s), através de seu representante legal,
para oferecer, querendo, resposta escrita no prazo de (60) sessenta
dias, sob pena de REVELIA.
4. Seja(m) condenado(a)(s) o(a)(s) requerido(a)(s)
nas
custas, emolumentos e honorários, com isenção do autor de
quaisquer emolumentos e despesas judiciais.
5. Sejam produzidas as provas em direito permitidas,
notadamente a testemunhal, pericial, vistoria judicial, depoimento
pessoal dos representantes legais do requerido e outras ao douto
arbítrio de Vossa Excelência.
Dá-se à causa, para efeitos fiscais o valor de R$
200,00(duzentos reais).
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N. T.
P. D.
Paracatu-MG, 03 de novembro de 2002
JADIR CIRQUEIRA DE SOUZA
Promotor de Justiça
Anexo(s): Inquéritos Civis n. 05/2002 e 12/2002, fls. 01 a _______.
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