1 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA _______ DA COMARCA DE PARACATU- MG. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pelo promotor de justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, embasado no art. 129, III da Constituição Federal, art. 84 do Código de Defesa do Consumidor e art. 5º da Lei n. 7.347/85, além dos demais dispositivos pertinentes à espécie, vem, respeitosamente propor a presente 12 7 2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL em face do MUNICÍPIO DE PARACATU, pessoa jurídica de direito público interno, pelo prefeito, Doutor representado Antônio Arquimedes Borges de Oliveira, brasileiro, casado, maior, domiciliado na Prefeitura Municipal de Paracatu-MG. pelas seguintes razões de fato e de direito: I- DOS INQUÉRITOS CIVIS N. 12/2002 E 05/2002 Em atendimento à orientação geral da Coordenadoria da Bacia do Rio São Francisco, através de expediente remetido pela Sub-Coordenadoria dos rios Paracatu e Urucuia, Estado de Minas Gerais, nos dias 4 e 19 de abril de 2002, foram instaurados os inquéritos civis n. 12/2002 e 05/2002, na 2a Promotoria de Justiça da comarca de Paracatu-MG. A orientação básica e inicial da Coordenadoria era no sentido de apurar-se, com exclusividade, os graves problemas causados pela 22 7 3 destinação final dos resíduos sólidos(lixo urbano e rural), uma vez que a falta de Aterro Sanitário e/ou controlado, em cada município mineiro, provoca, diretamente, a diminuição da qualidade e quantidade de águas do Rio São Francisco. Entretanto, após vislumbramos que o Município de ParacatuMG já possuía e estava em regular funcionamento, o sistema de arrecadação e destinação final dos resíduos sólidos, de ofício, alargamos os objetos das respectivas apurações. Os inquéritos civis, portanto, foram instaurados com triplo objetivo: primeiro, apurar as condições básicas de disposição dos resíduos sólidos; segundo, verificar se o Município e a COPASA possuem sistema de tratamento de esgoto- ETE- bem como sua real operacionalização; e terceiro, verificar se o Município de Paracatu-MG teria implantado e/ou estava em funcionamento o sistema de gestão ambiental municipal, além da atuação administrativa dos órgãos estaduais e federais de defesa do meio ambiente. Como destacado inicialmente, em relação ao primeiro objeto, o Município de Paracatu-MG possui em funcionamento o Aterro Sanitário e com licenciamento ambiental expedido pela FEAM, cumprindo-se, parcialmente, a Deliberação Normativa COPAM n. 52, de 14 de dezembro de 2001. No tocante ao segundo objeto- lançamento de esgoto in natura nos rios Paracatu e, conseqüentemente, leito do São Francisco, detectando-se a continuidade dos atos poluidores com a perenização das graves conseqüências aos recursos hídricos locais, o 32 7 4 Ministério Público ajuizou a ação civil pública com o pedido de obrigação de não fazer, ou seja, no sentido de impedir, imediatamente, a continuidade da poluição dos rios da região Noroeste, especificamente em relação aos danos ambientais provocados no Município de Paracatu-MG. Em relação ao último objeto da investigação e, conseqüentemente, fundamento da presente ação, observa-se que o Município de Paracatu-MG não possui implantado o sistema de gestão ambiental municipal. Aliás, não existe sequer estudo ou proposta nesse sentido. A hipótese em apreço - relevante omissão administrativacaracteriza e integra os elementos normativos e principiológicos da responsabilidade civil, penal e administrativa. Aliás, é flagrantemente perceptível a improbidade administrativa ambiental dos integrantes da Administração Pública municipal, do Chefe do Poder Executivo ao servidor público municipal da esfera ambiental. No entanto, na presente ação civil pública, serão tratados apenas os aspectos fáticos e jurídicos pertinentes à responsabilização civil do ente público municipal, no tocante a falta de efetiva implantação do sistema de gestão ambiental. II- DOS FATOS 42 7 5 O planeta Terra passa por graves crises e problemas ambientais. As ações antrópicas provocam a destruição das florestas, o aumento do buraco na camada de ozônio, o crescimento da temperatura da terra, o surgimento de novas formas de poluição, a falta de água potável nas cidades e a fome mundial. Na verdade, são exemplos negativos mundiais e que demonstram a certeza de que, alguma coisa precisa ser feita para reverter o aumento do passivo ambiental. O aumento do passivo ambiental não é correspondido, na mesma proporção, pelo aumento dos cuidados ambientais mínimos. Vale dizer: crescem vertiginosamente os problemas ambientais e os cuidados praticados pelos homens ainda são frágeis, desorganizados, inconsistentes e realizados sem homogeneidade de propósitos e ações adequadas do ponto de vista ecológico. Dentro dessa visão, ainda que em escala menor, o Município de Paracatu, situado no Estado de Minas Gerais, com população aproximada de 75.216 hab e área territorial de 8.213, 97 km2, segundo dados fornecidos pelo IBGE, colhidos no sítio eletrônico do governo federal www.ibge.gov.br, posta-se alheio aos graves problemas mundiais, nacionais, regionais e locais. Com efeito, as principais atividades econômicas estão situadas e são executadas na zona rural e interferem diretamente na qualidade do meio ambiente natural e não sofrem qualquer controle municipal. 52 7 6 A agricultura, sem dúvida, é a principal atividade econômica exercitada pela população economicamente ativa da comarca. Dessa característica advém o uso exagerado dos recursos naturais renováveis e não renováveis. Da falta de controle da agricultura sustentável do ponto de vista ambiental surgem, todos os dias, focos de incêndios, queimadas, perfuração de cavas, erosões, escavações, mudanças de cursos d’águas etc. Os recursos naturais renováveis e não renováveis são usados, diariamente, sem o mínimo de controle ambiental municipal. Outro grave problema ecológico centra-se na contínua escassez de recursos hídricos(água), que são utilizados nas lavouras e demais atividades pastoris, também sem o mínimo de cuidado e controle ambiental, seja pelo Poder Público local, seja pelos empresários. Temos, portanto, duplicidade de falhas. De um lado o Município, absolutamente omisso; do outro lado os empresários locais, absolutamente preocupados apenas com o lucro. Em decorrência da duplicidade de falhas, o meio ambiente e a sadia qualidade de vida são colocados em segundo plano. Devido à vastidão do território local, as águas são utilizadas de qualquer maneira, inclusive com acentuado desperdício nos pivôs etc. As formas de captação de água nos rios, na maiorida das vezes são ilícitas. 62 7 7 Diariamente são realizadas barragens, construídos poços artesianos e criadas barragens como forma de contenção de águas diversas, sem fiscalização e controle do Município e demais órgãos públicos ambientais. Apenas para se ter uma idéia global da grave situação, o Município de Paracatu possui diminuta quantidade de Outorgas de água fornecidas pelo IGAM e, em contrapartida, a maior quantidade de poços subterrâneos(artesianos) dentro do Estado de Minas Gerais. Aliás, são tantas perfurações realizadas de forma descontrolada e ilícita que o território municipal, visto de cima, parece um paliteiro. O mais grave é que a utilização irracional da água superficial e subterrânea, além de piorar a qualidade de vida da população local, ainda causa um dos mais drásticos e conhecidos problemas ambientais brasileiros. É que o majestoso rio São Francisco, conhecido como o rio da integração nacional, possui ou pelo menos deveria receber a maior carga de abastecimento de água oriunda do Rio Paracatu. Vale dizer: o rio Paracatu é o principal afluente e aquele que deveria abastecer, com o maior volume de água, o rio São Francisco. Por mais paradoxal que possa parecer, lamentavelmente, através das águas do rio Paracatu, vem sendo despejado no leito do rio São Francisco, enorme quantidade de detritos, agentes poluidores diversos, lixo urbano e rural e substâncias tóxicas, concorrendo dessa forma, em igualdade de condições, com os demais poluidores, para a morte do Velho Chico. 72 7 8 Assim, a redução da qualidade e da quantidade de águas do rio Paracatu, além de afetar a qualidade de vida da população local, provoca a lenta, inexorável e nostálgica morte do Velho Chico. Daí, o Município de Paracatu apresentar poucas chuvas anuais, calor diário infernal, maior foco de incêndio estadual, agricultura devastadora, escassez de água, enfeiamento da zona rural e, além disso, contribuir com a inelutável morte do rio São Francisco. No plano do meio ambiente artificial, a zona urbana possui um dos piores traçados de vias públicas. O parcelamento do solo urbano é completamente irregular. As ruas, casas e o comércio local são desorganizados e estabelecidos de forma equivocada do ponto de vista ambiental. Nesse sentido, são vários os loteamentos e assentamentos clandestinos, existentes no território local e, infelizmente, contando com o beneplácito e a omissão municipal. Ora, atuar contra os assentados, ainda que em áreas de preservação permanente, significa perder votos. Daí, as autoridades municipais, simplesmente, nada fazem! Na verdade, imóveis urbanos e rurais registrados na comarca de Paracatu-MG, ainda são raridades. Normalmente, os poucos títulos imobiliários existentes, são obtidos através de ações judiciais de usucapião. Por conta disso, são raras as propriedades urbanas(casas urbanas e fazendas) que possuem registro imobiliário regular. 82 7 9 As habitações- urbanas e rurais- são construídas sem planejamento e controle municipal. Aliás, a expedição de alvarás de construção não obedece nenhum critério ambiental. Por conta dessa anomalia, as ruas são de tamanhos diminutos, variados e sem qualquer rigor na forma de construção. O Município não possui Plano Diretor ou plano de melhoria das condições de vida urbana da população. Na verdade, o Estatuto da Cidade ainda não entrou em vigor, pelo menos no município local. Assim, o Município de Paracatu-MG sofre com os ilícitos e danos praticados contra o meio ambiente natural e o artificial. Dessas assertivas decorre a precária qualidade de vida da população local, especialmente dos mais carentes de recursos financeiros. Instado a se manifestar sobre a apuração desenvolvida nos autos, inclusive sobre a proposta de ajustamento de conduta apresentada pelo Ministério Público, o Município recusou-se a assinar o ajustamento de conduta e demonstrar qualquer interesse em criar condições para iniciar a defesa do meio ambiente. O próprio Secretário Municipal do Meio Ambiente, em depoimento prestado no Ministério Público, assegurou que o Município de Paracatu-MG não possui sistema de gestão ambiental municipal, conforme declarações prestadas às fls. 96/97 nos autos n. 05/2002. Além dos danos e ilícitos ambientais praticados, diariamente, percebe-se que o Município de Paracatu-MG fortalece e incentiva a 92 7 10 clandestinidade ambiental, ao omitir-se na criação do sistema de gestão ambiental municipal. A pessoa física e/ou jurídica que deseja habilitar-se legalmente para exercer atividades, obras e serviços que, direta ou indiretamente interfiram com a qualidade de vida e a quantidade do patrimônio ambiental- por relevante omissão administrativa municipalexercem seus afazeres na clandestinidade, por falta de condições mínimas de legalização. Assim, da análise dos autos percebe-se que dois problemas emergenciais afloram: primeiro, os ilícitos e danos ambientais são praticados sem controle municipal; segundo, o empresário local não consegue, mesmo querendo, legalizar suas atividades. Daí, o aumento da clandestinidade e do passivo ambiental. A pessoa física e/ou jurídica, sem meios de providenciar sua legalização, exerce as atividades, obras e serviços, aufere lucro certo e contribui, diretamente, com a destruição dos recursos naturais. Além desse fatores- causados pela omissão administrativa municipal, em co-autoria- é claríssima e vexatória a evasão tributária. Em virtude do descontrole das atividades, obras e serviços locais, os tributos não são pagos e, sequer, cobrados; não existe licenciamento ambiental ou qualquer medida restritiva e não existe, ainda, sequer plano de aumentar a arrecadação fiscal com a cobrança pelo uso dos recursos naturais, claramente finitos e limitados. O Município empobrece. Os empregos e serviços são clandestinos. São ilícitas as atividades, obras e serviços ambientais. 10 27 11 Enfim, a ilicitude e a danosidade ambiental são os graves problemas da comunidade, que precisam ser enfrentados e resolvidos pelos dirigentes municipais. Mais drástico ainda é o fato de que, do ponto de vista meramente formal, o Município de Paracatu possui legislação protetora do meio ambiente, Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente e o Fundo Municipal. Primeiro, a legislação municipal encontra-se desatualizada, ultrapassada e conflitante em vários pontos com a legislação federal e estadual. É sabido que as leis municipais devem ser mais restritivas que as leis federais e estaduais, no tocante ao mesmo objeto e conteúdo. Entretanto, na prática é muito mais benevolente, uma vez que não é exigida. Aliás, não se tem notícia nos autos de uma autuação administrativa patrocinada pelo Município de Paracatu-MG. Nenhuma multa foi aplicada. Sequer uma advertência foi imposta na forma legal. Segundo, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente é utilizada apenas para ajudar os empresários locais na feitura de obras e serviços, inclusive irregulares do ponto de vista ambiental. Na verdade, o próprio órgão público municipal patrocina e realiza obras, atividades e serviços danosos ao meio ambiente em aut6entica coautoria com os empresários locais. É, em verdade, apenas um grupo de servidores públicos comissionados, sem qualquer preparo técnico- jurídico, alocados no 11 27 12 órgão público municipal com o objetivo de respaldar as ações burocráticas do governo municipal. Na maioria das vezes, são colocados como forma de pagamento de dividendos políticoseleitorais nas sucessivas eleições municipais. Terceiro, o Conselho Municipal- CODEMA- que deveria ser o órgão independente e com capacidade para estabelecer a política pública municipal, infelizmente, limita-se a participar de reuniões meramente formais para outorgar foros de legalidade às ações da burocracia municipal. O mais grave defeito dos CODEMAs tem início no processo de escolha dos conselheiros. Embora a lei estabeleça que a composição seja paritária, na prática, o Poder Executivo Municipal apresenta cinco servidores públicos dos seus quadros- totalmente submissos- e ainda auxilia e interfere na indicação de cinco simpatizantes da Administração Pública Municipal. Assim, sem entendimento do significado de suas relevantes atribuições; sem conhecimento técnico-jurídico das questões ambientais; absolutamente submissos à vontade do Prefeito; sem participar das decisões governamentais, de forma paritária, os resultados das deliberações são irregulares. Vale dizer: da forma como atua o CODEMA atual, não existe defesa municipal do meio ambiente. Por último, apesar da existência do Fundo Municipal, observa-se que o uso dos recursos e/ou verbas públicas de natureza ambiental são utilizadas de forma irregular e lesiva aos interesses 12 27 13 ambientais. É importante frisar: os recursos públicos ambientais somente poderiam ser gastos com a prévia aprovação do CODEMA. Ora, se no plano repressivo e/ou coercitivo, o Município não aplica qualquer tipo de penalidade administrativa, no plano proativo, as verbas públicas ambientais alocadas ao fundo municipal são utilizadas sem a prévia Resolução formal do Conselho Municipal e sem qualquer planejamento ou discussão prévia com a sociedade. Em conclusão, no plano fático, é claramente perceptível: Os ilícitos e danos ambientais locais aumentam; as pessoas físicas e jurídicas exercem suas atividades obras e serviços na clandestinidade; os ilícitos tributários são visíveis; a população empobrece por falta de políticas públicas ambientais e, finalmente, a estrutura operacional não funciona. O resultado é a flagrante omissão administrativa municipal. III- O MUNICÍPIO E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE A partir de 1972, época da Conferência de Estocolmo, patrocinada pela ONU, as nações civilizadas participantes do pacto internacional, lentamente, passaram a incluir a temática ambiental nas respectivas constituições e na legislação infraconstitucional. A idéia central que frutificou na primeira grande conferência mundial foi no sentido de era necessária e urgente adotar-se medidas capazes de conter e/ou pelo menos minimizar os graves problemas 13 27 14 ambientais e, ao mesmo tempo estimular o desenvolvimento sustentável no planeta Terra. Nesse sentido, os países deveriam iniciar os respectivos procedimentos culturais, sociais, jurídicos e comunitários de defesa do meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, utilizando-se, inclusive, do plano jurídico-penal. Ficou, portanto, a idéia da defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Em 1992, no Rio de Janeiro, realizou-se a 2a grande Conferência Mundial de defesa do meio ambiente, que ficou conhecida internacionalmente como a ECO- 92. Nessa fase, após intensas discussões sobre os avanços e retrocessos da última conferência mundial, ratificou-se a idéia central de que os países pactuantes deveriam colocar em prática os princípios acordados na Suécia e desenvolver ações globais, regionais e locais. Além dessa nova forma de atuação- descentralizada- porém, homogênea e integrada, outro princípio emergente e importante foi no sentido de que tornava-se imprescindível a conjugação de esforços entre sociedade civil e os Poderes Públicos federais, estaduais e municipais. Nesse sentido, os grandes, médios e pequenos contingentes populacionais, em conjunto com os respectivos integrantes dos Poderes Públicos, deveriam adotar programas e metas próprias de defesa do meio ambiente no plano nacional, regional e local. Para tanto, seria criada a Agenda 21 de cada segmento. 14 27 15 É interessante lembrar que, mesmo antes da ECO- 92, precisamente em 1988, com a entrada em vigor da Constituição Federal, o Município de Paracatu recebeu o poder-dever de patrocinar a defesa do meio ambiente, no plano local. Na verdade, a ECO-92 veio apenas estabelecer as bases principiológicas da atuação municipal, uma vez que a normatização constitucional brasileira vigente, por si só, já obrigava os municípios a agirem de forma harmônica e integrada com o plano estadual e federal. O dever de agir- da União, Estado, Distrito Federal e do Município- é cristalizado no art. 225, caput, que diz: Art. 225. Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações. Em complemento ao citado dispositivo, o art. 23, VI da Carta Magna dispõe: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I-... 15 27 16 VI- proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII-... No plano constitucional, através da análise dos dois dispositivos transcritos, portanto, alcança-se com nitidez o dever de agir do Município de Paracatu-MG. Entretanto, como se não bastassem os comandos constitucionais, no plano infraconstitucional, além da própria Lei Orgânica municipal vigente estabelecer a obrigatoriedade do patrocínio da defesa do meio ambiente, pelo próprio ente políticoadministrativo criador da lei, a Resolução CONAMA, n. 237/97(anexa), de forma minudente, ratifica a obrigatoriedade da defesa ambiental, no âmbito municipal. É pertinente destacar que, todas as esferas governamentaisfederais, estaduais e municipais- tem o dever jurídico de defender o meio ambiente. No entanto, para evitar eventual conflito e/ou supersposição da atuação dos órgãos administrativos, a doutrina nacional criou o critério mais utilizado na busca da delimitação da competência ambiental, a partir da entrada em vigor da citada resolução federal. Trata-se do critério da preponderância do interesse ambiental. O critério, a partir da divisão de tarefas e responsabilidades entre órgãos deliberativos e executivos, é o que melhor atende à eficiência e eficácia da defesa administrativa do meio ambiente. 16 27 17 Se os danos ou ilícitos ambientais são nacionais ou na divisa de Estados da Federação, atuam o CONAMA(órgão deliberativo) e o IBAMA(órgão executivo); se regional ou na divisa de municípios, atuam o COPAM e a FEAM; se local( no município) atuam o CODEMA e a SECRETARIA Municipal. A esfera de atuação de cada esfera governamental é explicitada na obra de Daniel Roberto Fink, Hamilton Alonso Jr e Marcelo Dawalibi, In Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental, São Paulo: Forense Universitária, 200, p. 97: ...Cabe, assim, licenciar empreendimentos de impacto meramente local. Ao Estado caberá o licenciamento de obras ou atividades de impacto regional. Já a União, por sua vez, por meio do IBAMA, caberá o licenciamento de empreendimentos cujos impactos alcancem dois ou mais Estados. Após análise dos dispositivos constitucionais e da doutrina citada, torna-se fácil afirmar que, apesar da clarividência da necessidade de proteção ambiental, patrocinada pelo Município de Paracatu, a realidade é dissonante dos textos e das lições doutrinárias aplicáveis à espécie. Urge, portanto, que o Município de Paracatu-MG promova a defesa integral do meio ambiente. 17 27 18 IV- COMO O MUNICÍPIO DEVE DEFENDER O MEIO AMBIENTE? A partir da constatação fática e jurídica- a primeira, pelo exagerado e crescente passivo ambiental- a segunda, pela certeza jurídica de que o Município possui o dever de defender o meio ambiente- surge a necessidade de explicitar como o ente público local deve exercer a tutela administrativa ambiental. De início, surgem três opções de atuação ao administrador público municipal. A primeira, no plano preventivo; a segunda, no plano preventivo-repressivo; a terceira, no plano repressivo. No preventivo, a educação ambiental nas escolas, fábricas, locais de trabalho etc, constitui-se numa das melhores formas de desenvolvimento de ações tutelares ambientais. Além da maciça aceitação social é a que possibilita a perfeita integração do princípio da precaução ambiental e o do desenvolvimento sustentável. Infelizmente, no Brasil e, especificamente na comarca de ParacatuMG ainda é pouco exercitada. O resultado da omissão de ações preventivas básicas traduz-se no perceptível aumento do passivo ambiental. No plano repressivo-preventivo, o Município deve criar o Sistema de Gestão Ambiental e, além disso, exercer o poder-dever de licenciar as atividades, obras e serviços locais e/ou exigir o EIA/RIMA, nos termos do art. 225, §1o ,IV da Constituição Federal. 18 27 19 Fica claro, portanto, que a indagação acima fica respondida, na sua integralidade, a partir da real implantação do Sistema de Gestão Ambiental Municipal, segundo os termos preconizados pela Deliberação Normativa COPAM n. 029, de 9 de setembro de 1998, conforme cópia anexada. Nos termos do art. 2o da citada norma estadual, implantar o sistema de gestão ambiental municipal significa: 1. Aprovar e incrementar a política municipal de defesa do meio ambiente(Lei); 2. Criar e/ou fazer funcionar- corretamente- a instância normativa, colegiada, consultiva e deliberativa de gestão ambiental, com representação da sociedade civil organizada paritária à do Poder Público(CODEMA); 3. Criar e/ou fazer funcionar o órgão técnico-administrativo dotado de corpo técnico multidisciplinar(SECRETARIA); 4. Fazer funcionar o sistema de licenciamento ambiental; 5. Tornar prático e operacional o sistema de fiscalização ambiental, inclusive com aplicação das penalidades administrativas; 6. Destinação das rendas públicas ao Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente; 7. Fazer funcionar o gerenciamento e/ou aplicação das verbas públicas ambientais, somente com a prévia e regular aprovação do CODEMA. 19 27 20 A criação, portanto, do Sistema de Gestão Ambiental permitirá o início da defesa do meio ambiente, patrocinada pelo Município de Paracatu-MG. No plano repressivo, após a implantação do sistema de gestão ambiental, caberá a aplicação das penalidades administrativas previstas na legislação municipal e, de forma subsidiária, na Lei n. 9.605/98. Não é razoável que o Município de Paracatu-MG não seja obrigado a agir, a despeito de todos os problemas destacados, tais como: diminuição e falta de água potável, uso desordenado de agrotóxicos nas lavouras, lançamento de esgoto, sem tratamento, nos rios da comarca, excessivo número de perfurações para feitura de poços artesianos, loteamentos clandestinos localizados nas APPs, mineração desordenada. Além desses fatores justificadores da ação civil pública, observa-se que as pessoas físicas e jurídicas- exercentes de atividades no município- poderão regularizar suas atividades, obras e serviços, inclusive com o aumento da arrecadação de tributos e demais créditos fiscais. Em síntese: a implantação do sistema de gestão ambiental municipal é urgente, necessária e obrigatória como uma das alternativas válidas para o enfrentamento do crescente passivo ambiental municipal. 20 27 21 V- DA TUTELA INIBITÓRIA POSITIVA- OBRIGAÇÃO DE FAZER O Ministério Público, nos termos do art. 129, III da CF possui legitimidade ativa, na qualidade de substituto processual e/ou legitimado extraordinário, para promover as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis à integral proteção e defesa do meio ambiente. Os interesses difusos, dentre os quais destaca-se o meio ambiente, possuem os mecanismos processuais hábeis à busca de sua efetiva defesa, através da tutela jurisdicional, na Lei n. 7.347/85(LACP), no Código de Defesa do Consumidor(CDC) e, subsidiariamente, no vigente Código de Processo Civil(CPC). É bom relembrar que, a despeito das medidas fixadas pelo Poder Judiciário, não cabe denunciação da lide e/ou outra forma de intervenção de terceiros, no bojo do presente pedido. Eventuais discussões patrimoniais entre o Município, Estado de Minas Gerais e União deverão ser travadas na competente ação de regresso. É preciso lembrar ainda que a implantação do sistema não é ato discricionário do administrador público municipal. Primeiro, pelo fato de que a CF traz a obrigação jurídica; segundo, porque o administrador público não tem opção de deixar de cumprir a lei; terceiro, pela simples razão de que, se todos devem defender o meio ambiente, com muito mais razão o poderoso município, também deve. Ora, deixar ao critério do administrador público municipal o momento de agir, é o mesmo que permitir que se aguarde a destruição da Terra 21 27 22 e/ou quando a defesa do meio ambiente passar a ser fator preponderante na busca de votos nas eleições municipais. A completa omissão do Município de Paracatu-MG é comprovável pela farta documentação anexada aos autos. Aliás, basta análise superficial nos autos judiciais e extrajudiciais, em curso na comarca, para se constatar que o Município de Paracatu-MG tem se postado alheio às ações tutelares do meio ambiente, desenvolvidas pelo IGAM, FEAM, IEF, IBAMA, Ministério Público e o Poder Judiciário. A tutela jurisdicional inibitória positiva, quando deflagrada contra os Poderes Públicos- ainda pouco apreciada pelos tribunais e pouco estudada pela doutrina nacional- tem rompido com os tradicionais paradigmas do tradicional Processo Civil Brasileiro. É que, se antes se exigia a tríplice ação de conhecimento, cautelar e execução para satisfação dos direitos e interesses materiais violados. Agora, com base no art. 84 do CDC e 461 do CPC, com a tutela inibitória específica, resolvem-se os fatos trazidos à apreciação jurisdicional, numa única ação e com apenas um processo. O mestre Joaquim Felipe Spadoni, em sua excelente dissertação de Mestrado, publicada comercialmente sob o título Ação inibitória: a ação preventiva do art. 461 do CPC, São Paulo: RT, 2002, p.66 destaca o conceito de tutela inibitória: Pode ser definida como aquela que tem por objetivo alcançar provimento jurisdicional apto 22 27 23 a impedir a prática futura de um ilícito, sua continuação ou repetição. Ela procura obstar, de forma definitiva, a violação instantânea ou continuada de um direito, já iniciada ou ainda apenas ameaçada, possibilitando que ele seja usufruído in natura pelo seu titular, tal como permite o ordenamento jurídico. Na ação mandamental, o resultado é mais rápido, econômico, objetivo, útil e permite a adequada tutela do direito material violado. Aliás, é possível o uso, na forma preventiva, para impedir a ocorrência do provável ilícito ou do provável dano, bem como no caso de continuidade e/ou reiteração. No caso dos autos, por clara omissão administrativa municipal, a hipótese configurada centra-se na existência de ilícitos continuados e praticados de forma reiterada. Vale dizer, o Município não criou o Sistema de Gestão Ambiental. Os ilícitos e danos, com frequência indesejada, ocorrem no território municipal. O prof. Luiz Guilherme Marinoni, na melhor obra sobre o assunto produzida sob o título: Tutela específica,( arts. 461, CPC e 84, CDC), São Paulo, RT, 2000, p. 16 ensina que: Como se pode perceber, os novos direitos, como os direitos difusos e coletivos, por dificilmente se conciliarem com a tutela 23 27 24 ressarcitória, na verdade não podem ser lesados, sendo necessária, portanto, uma tutela capaz de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, bem como uma tutela capaz de remover o ilícito continuado, para que danos não ocorram, não se multipliquem ou não sejam potencializados. É interessante destacar que, nas ações ressarcitórias individuais, o Município de Paracatu-MG é acionado, juntamente com o poluidor, devido à responsabilidade solidária e objetiva. Entretanto, é visível que as ações individuais não vem conseguindo reverter o grave quadro de destruição da natureza. É óbvio que o Direito brasileiro sempre possuiu ações e pedidos de natureza mandamental. Basta lembrar os efeitos das decisões prolatadas no mandado de segurança individual, na ação de nunciação de obra nova e nos interditos proibitórios. A novidade, que vem trazendo colorido especial às discussões, centra-se na utilização da tutela inibitória na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, especialmente quando utilizada contra os atos e omissões dos Poderes Públicos e para a real implantação dos princípios ambientais da prevenção e precaução. É evidente que os interesses difusos são defendidos de forma mais eficaz e eficiente, antes da prática do ilícito. Entretanto, no 24 27 25 presente caso a reiteração dos atos omissivos devem ser obliterados, com urgência, pelo Poder Judiciário, sob pena de pactuar-se com a ilegalidade patrocinada pelo Poder Executivo municipal. Conforme destacado, o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, o art. 461 do Código de Processo Civil e o art. 3o da LACP permitem o manejo da ação na busca da implantação da política pública municipal de defesa do meio ambiente. As políticas públicas podem ser exigidas através do Poder Judiciário. A tutela mandamental- obrigação de fazer- permite que se obrigue o administrador público a implantar políticas públicas capazes de defenderem os interesses e direitos ambientais lesados. Assim, a tutela inibitória de natureza positiva traduz-se no meio processual adequado, hábil e pertinente para satisfazer a pretensão do Ministério Público na defesa do meio ambiente. V- CONCLUSÃO Ex positis, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através da 2a Promotoria de Justiça requer a Vossa Excelência: 1. Concessão de LIMINAR, sem justificação prévia, consistente em obrigação de fazer, no sentido de determinar que o requerido, no prazo de 30 dias da decisão jurisdicional: 25 27 26 1.1. Promova estudos no sentido de implantar- integralmenteos sistemas, regimes e programas descritos no art. 2o da Deliberação Normativa COPAM n. 029/98; 1.2. No prazo de (60) sessenta dias da decisão, apresente as conclusões dos estudos efetuados e inicie a implantação do sistema de gestão ambiental, segundo o molde preconizado pela FEAM; 1.3. Seja impedido de licenciar, conceder alvarás e/ou documentos administrativos legalizadores de quaisquer atividades, obras ou serviços, doravante, sem cumprir os parâmetros, regramentos e princípios estabelecidos na legislação municipal vigente; 1.4. Seja fixada MULTA diária no valor de 50(cinquenta) salários mínimos mensais vigentes ao requerido, em caso de descumprimento da LIMINAR, se concedida. 2. Seja condenado o requerido, no prazo de (90) noventa dias, nos termos do art. 84 do CDC c/c art. 461 do CPC, na obrigação de fazer consistente em: 2.1. Implantar- integralmente- o Sistema de Gestão Ambiental Municipal; 2.2. O Sistema de Gestão Ambiental Municipal deverá possuir: 26 27 27 2.2.1 Legislação municipal atualizada e condizente com os parâmetros constitucionais vigentes, seguindo-se os modelos expedidos pela FEAM; 2.2.2. Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente; 2.2.3. Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente; 2.2.4. Corpo técnico multidisciplinar; 2.2.5. Fundo municipal; 2.2.6. Sistema de licenciamento ambiental municipal; 2.2.7. Sistema de fiscalização ambiental municipal. 2.3. Seja fixada multa diária no valor de 100(cem salários mínimos), como forma de obrigar o requerido cumprir as obrigações fixadas jurisdicionalmente. 3. Seja(m) citado(a)(s), através de seu representante legal, para oferecer, querendo, resposta escrita no prazo de (60) sessenta dias, sob pena de REVELIA. 4. Seja(m) condenado(a)(s) o(a)(s) requerido(a)(s) nas custas, emolumentos e honorários, com isenção do autor de quaisquer emolumentos e despesas judiciais. 5. Sejam produzidas as provas em direito permitidas, notadamente a testemunhal, pericial, vistoria judicial, depoimento pessoal dos representantes legais do requerido e outras ao douto arbítrio de Vossa Excelência. Dá-se à causa, para efeitos fiscais o valor de R$ 200,00(duzentos reais). 27 27 28 N. T. P. D. Paracatu-MG, 03 de novembro de 2002 JADIR CIRQUEIRA DE SOUZA Promotor de Justiça Anexo(s): Inquéritos Civis n. 05/2002 e 12/2002, fls. 01 a _______. 28 27