MEMÓRIA - AJUDANDO O ALUNO A GUARDAR MELHOR O QUE APRENDEU Mestre Celso Antunes A memória humana viveu na história da escola breves momentos de glória e de martírio. Houve tempos em que os alunos que melhor decoravam eram os que mais aplausos recebiam e não havia festa de formatura sem que os mais bem dotados não fossem chamados à frente para mostrar que sabiam “de cor” todo o Navio Negreiro, trecho dos Lusíadas ou ainda outras longas poesias e sonetos. Excelente memória significava então garantia de sucesso. Com o advento da “Escola Nova” memorizar passou a ser o antônimo de compreensão e os professores viram-se induzidos a significação do apreendido, se opondo à memorização estática. Decorar passou a ser ícone de incompreensão e se acreditava que memorizava quem tinha deficiências no apreender. Vive-se agora tempos de bom senso e descobre-se que se uma memorização mecânica e distante da atribuição de significado quase nada vale para a aprendizagem significativa, não pode existir uma verdadeira aprendizagem sem uma boa memória, pois é com a mesma que os pensamentos criam asas e podem fazer do que se conhece, degrau para mais coisas conhecer. Um professor que ajuda seu aluno a ter uma boa memória, não apenas o estimula a resolver problemas, mas também a aguçar sua inteligência e acordar sua criatividade. A memória significativa não é apenas o combustível da aprendizagem, é também seu motor e seu comando. Mas, como ajudar um aluno a possuir memória útil e mais significativa para sua mais consciente aprendizagem? A resposta a essa questão passa, pelo menos, por dois grupos diferentes de ações; algumas de natureza “comportamental”, e que transformadas em hábitos ajudam nossas memórias funcionar melhor, outras não explicitamente associadas a procedimentos, mas ligadas aos saberes que se busca transmitir. Vamos as primeiras. * Ajude o aluno a exercitar seu “prestar atenção”. Exercite-o a observar os detalhes das informações recebidas, das ilustrações colhidas, os detalhes que estão sempre ocultos nos rostos, nos nomes e nas roupas dos colegas. Faça breves jogos e proponha desafios instigando-os sua perspicácia na observação de detalhes tanto nos textos quanto nas paisagens, tanto nas músicas que se ouve, quanto no som das palavras que se diz. * Ajude-o a organizar suas agendas, a conquistar progressivamente a disciplina do espaço, guardando suas coisas sempre no mesmo lugar, mantendo a ordem nos objetos sobre a carteira, nos frascos sobre uma pia. Instigue-os a conversarem entre si, sobre o lugar das coisas em sua casa, na escola, no cinema, nos shoppings, em toda parte. Não existe maior ajuda para a memória que a organização e organizar-se não é atributo que se herda, mas competência que pela aprendizagem se desenvolve. * Estimule-os em seus momentos de lazer a ler, escrever, jogar xadrez, praticar batalha naval, fazer palavras cruzadas, contar para alguém ou para si mesmo o enredo de um filme ou uma cena vista. Atividades como essas transformadas em rotina estimulam significativamente as memórias. * Proponha atividades em que um aluno necessita falar ao outro o que ouviu, trocando informações, ministrando “aulinhas” onde um corrige detalhes da fala do outro. Todos os alunos precisam ser exercitados na tarefa de transmitir e se assistirem mutuamente, mesmo que se esteja priorizando não o conteúdo, mas os exercícios de clareza da transmissão. A conversa interior é estímulo crucial para a memória, mas se não somos estimulados a exercitar essa prática, a mesma apresenta-se difícil de ser exercida, quando requerida. * A alimentação equilibrada, atividades físicas, mas principalmente o sono é fundamental para a saúde das memórias. Converse com seus alunos mostrando a relação entre um corpo saudável e memórias eficientes. Conquistando pouco a pouco procedimentos saudáveis estamos ajudando uma boa memória, mas ajudamos muito mais ainda, quando o saber que se busca fixar, apresenta-se estruturado por certos princípios. Assim como cozinhar alimentos ajuda o mecanismo digestivo a melhor incorpora-los, os conhecimentos que chegam ao cérebro precisam de preparo para que mais eficientemente se encaixem na memória. Por exemplo: # Ensinar para que nunca leiam um texto, sem perceber a plena significação do mesmo. Decorar algumas palavras sem saber o fato e o episódio que as mesmas descrevem, significa esquece-las rapidamente. Quase sempre o “branco” que acomete na hora de uma prova, decorre de uma memorização desprovida de significação. Portanto, ao ler algo, buscar “ver” o que está lendo e conversar consigo mesmo sobre o que está buscando compreender. # Sempre que possível associar o que deseja lembrar a outras linguagens. Se tiver que guardar algumas teorias, idéias, hipóteses ou equações, pense nas informações contidas nas mesmas como um texto, mas também como um discurso, uma figura, um gráfico, um ou alguns desenhos ou cenas de um filme. # Nunca deixar de associar o que busca guardar com algo que você já saiba. Ao ler ou ouvir um texto, por exemplo, procurar associá-lo a um lance de futebol ou do vôlei, uma anedota, um desastre no trânsito e assim por diante. Um inimigo pertinaz das memórias semânticas ou episódicas é a ausência de contextualização, isto é, o fato não se ajustar a nós mesmos, ao nosso tempo, e ao contexto de nossas relações. # Sempre que possível, estabelecer uma relação entre o que está buscando guardar com uma emoção vivida. É sempre interessante forçar uma relação entre o que estuda com um tombo, um fiasco, uma grande alegria, uma árvore em sua casa, etc. Um dos mais eficiente “segredo” da boa memória é sempre a associar o aprendido a uma emoção. Nossas emoções são sempre as lembranças que ficam dos saberes que o próprio cérebro para sua saúde descarta. # Procurar sempre organizar a matéria que busca aprender em espaços mentais diferenciados. Assim, separar as informações em “causas”, “conseqüências”, “antigas”, “novas” e todas as formas de classificação possíveis. Se, por exemplo, você pedir a sua memória que guarde 40 palavras escolhidas ao acaso, a memória atuará melhor se você as classificar. É claro que essas recomendações podem ser transmitidas aos alunos por um professor efetivamente envolvido pelo desejo de ajudá-los, mas bem mais que sugerir pode também o professor ao saber como a memória guarda fatos, apresenta-los de forma a facilitar sua assimilação. Uma aula que explora o tema proposto através de linguagens diferentes, que usa os saberes existentes na estrutura cognitiva do aluno para mostrar novos saberes, que o ajuda associar o apreendido às suas emoções e que clarifica o que se expõe, com uma nítida organização é sempre uma aula com conteúdos mais fáceis de serem lembrados. ___________________________________________________________________ O autor é Mestre em Ciências Humanas e Especialista em Inteligência e Cognição e escritor, entre outras obras, A Criatividade em Sala de Aula; O Jogo e a Educação Infantil; As Inteligências Múltiplas e seus Estímulos; O Cérebro e a Educação.