Império Islâmico: Uma unidade de Fé forjada numa diversidade de Culturas 1 – Introdução: Este é meu sexto texto para a revista Klepsidra, o quinto a respeito de uma grande civilização do passado. De fato, este é o tema de minha preferência e acredito que minha contribuição, por mais débil que seja, é muito válida, pois elucida a muitos sobre acontecimentos quase desconhecidos da História do Mundo. Digo quase desconhecidos porque não são comumente tratado pela História tradicional, ou seja, a História fundamentada na escola Francesa. Os Árabes, no entanto, são muito estudados, pois sua implicação na História Ocidental é tão grande quanto foi a de Gregos e Romanos, porém, o período da História Árabe, e porque não dizer Islâmica, mais estudado é o compreendido entre os séculos XI e XV, pois foi entre esses séculos que se realizaram as Cruzadas, tanto as Orientais, que levam mesmo este nome, quanto as Ocidentais, que se realizaram especialmente em Portugal e na Espanha e que são também conhecidas como Guerra de Reconquista. Depois do século XV, em especial depois da queda de Granada e conseqüente fim da Guerra de Reconquista, em 1492; e da tomada de Constantinopla, em 1453, o estudo dos povos Islâmicos decai um pouco e só é referido no que se trata do Império Otomano (Turquia), que passa a levar praticamente sozinho, até a I Guerra Mundial, a bandeira do Islã frente o Ocidente. Justamente pelo fato de meu enfoque histórico ser direcionado a civilizações Antigas e Medievais (ou que se comportem dessa forma, como já me referi acerca das civilizações da América pré-colombiana e do Japão) e a períodos pouco estudados pela História tradicional, é que não me referirei, senão em pequenas menções, neste texto, às Cruzadas. Meu objetivo é realmente explicar os primórdios do Islamismo, o início da disposição das peças no tabuleiro, que mais tarde seria palco das Cruzadas. Pretendo elucidar ponto nebulosos a respeito da História de Maomé, dos quatro primeiros Califas e das duas dinastias Imperiais, os Omíadas, cujo governo estudarei por completo (exceto o seu refúgio na Espanha) e os Abássidas, cujo governo será estudado até o Califa Harun alRachid, quando precipita-se a fragmentação do poder, fragmentação esta que já havia sido iniciada justamente pela perda da Espanha, ou al-Andalus, para os Omíadas, quando do estabelecimento da dinastia Abássida, em meados do século VIII. A partir das explicações dadas, pode-se concluir, corretamente, que o enfoque de meu trabalho será entre o princípio do século VII d.C. e o princípio do século IX d.C., quando o Império se encontra em seu apogeu cultural, mas quando encontra-se em franco desmembramento. Por fim, gostaria de ressaltar algumas coisas que julgo de extrema importância: 1) Alguns nomes (tanto de pessoas, quanto de lugares), senão todos, estão grafados de forma ocidentalizada, mesmo quando entre parênteses, isso porque nos é muito difícil transliterar palavras do alfabeto Arábico para o nosso. 2) Apesar de os Muçulmanos utilizarem-se de um sistema de contagem de anos diferente; tanto pelo fato dos anos lunares terem durações diferentes dos anos solares utilizados por nós, quanto pelo fato de seu marco inicial ser a Hégira, em 622 do nosso calendário; todas as datas apresentadas no texto são pertencentes ao calendário gregoriano, todavia, deve-se notar que algumas podem estar erradas, visto que o calendário gregoriano só foi instituído no século XVI e, dessa forma, podem haver pequenas discrepância entre suas datas e as do calendário juliano, que vigorava na época a que o texto se remete. 3) Desde já peço desculpas a quaisquer adeptos do Islamismo que porventura venham a ler este texto e se sentir ofendidos com alguma das informações aqui contidas, ou mesmo com quaisquer opiniões minhas, expostas ao longo do trabalho. Quero deixar claro que nada tenho contra a liberdade de culto, ou mesmo contra o Islamismo em si, no entanto, o comprometimento com a discussão crítica proposta pela História me obrigam a, por vezes, parecer ofensivo ou demasiado crítico a essa religião, bem como a muitas outras, como ao Cristianismo de um modo geral, o Judaísmo e várias outras citadas ou não neste texto. Que meus pedidos de desculpas aos Muçulmanos se estendam a todos os outros religiosos. 2 – Preâmbulo da Península Arábica: Antes de Maomé operar a unificação da península Arábica através do Islamismo, como veremos ao longo deste texto, a região era extremamente fragmentada e nela coexistiam diversos reinos e povos autônomos. Neste item de meu trabalho, farei um pequeno resumo de tais povos, porém incluirei também nas descrições alguns povos que não estavam exatamente localizados na península, mas que tiveram, ao longo da História anterior ao Islamismo, algum contato com ela. Antes, porém, de iniciar os relatos, é importante acentuar que toda a região é de clima árido ou semi-árido, existe um grande deserto no norte da península, o Nufud, que constituiu para a região uma espécie de muralha natural, impedindo sua anexação por qualquer dos grandes Impérios antigos, nem os Mesopotâmicos, nem os Egípcios, nem os Persas, nem Alexandre, o Grande, nem os Reinos Helenísticos, nem mesmo os Romanos conseguiram colocar a região sob seu domínio. Talvez Alexandre tivesse conseguido operar a conquista da região, pois, segundo consta, quando morreu, na Babilônia, estaria preparando uma expedição que teria justamente esse objetivo. Dessa forma, julgando-se pelo retrospecto do conquistador, pode-se concluir que a Arábia só escapou de fazer parte do enorme e efêmero Império de Alexandre, devido à morte prematura do monarca. Especulações históricas à parte, é interessante que se fale sobre alguns aspectos da região na época, como por exemplo a fauna e a flora. Esta última, como se pode imaginar, era escassa, mas mesmo assim havia além de cactos, palmeiras (nos oásis), tamareiras (uma das principais fontes de alimentos da região), bananeiras, figueiras, abricoteiras... Quanto à fauna, é interessante notar que além dos camelos, conhecidos e lembrados por todos quando se menciona a região, existia uma grande variedade de animais, inclusive leões e panteras, hoje extintos na península. Muitas aves de rapina, como abutres e urubus também compõem a fauna Árabe, gatos e burros eram muito populares na região e, além de todos esses animais, não podemos esquecer dos cavalos, visto que os cavalos árabes eram (ou são) os melhores cavalos do mundo. Estes animais foram introduzidos na península pelos Hititas, no primeiro milênio antes de Cristo, lá eles ficaram isolados dos demais cavalos da Ásia e, dessa forma, se converteram numa espécie particular do animal, uma espécie refinada, de físico resistente e porte elegante, muito apreciados nas diversas regiões. Mas falemos sobre os diversos povos que habitavam a região antes do Islamismo os unificar. 2.1 – O Reino de Sabá: O Reino de Sabá tem suas origens no século VIII a.C., no atual Iêmen. Inicialmente, o Reino constituía-se numa Teocracia, cuja capital era a cidade de Sirwah. No decorrer de seiscentos anos, os governantes do país expandiram seus domínios para toda a costa do Mar Vermelho, boa parte do sul da península e algumas regiões ao norte. Nesses anos, a capital muda duas vezes, primeiro para Marib e depois para Zafar. As origens desse Estado remontam à organização de uma etnia, os Sabeus, em torno de seu Rei-Deus, porém, em 115 a.C., por motivos desconhecidos, os Himiaritas (povo que estava sob o jugo dos Sabeus) passam a governar o Reino e, no início do século I a.C., o monarca perde o caráter divino. Talvez o mais notável feito dos Sabeus tenha sido a construção de uma gigantesca represa (uma das maiores, senão a maior de toda a Antiguidade), no século VI a.C.. Os Himiaritas passaram a governar o país, mas com a conversão de seus vizinhos de costa (do outro lado da costa do Mar Vermelho), os Abissínios (Etíopes), ao Cristianismo, no século IV d.C., passaram a enfrentar invasões constantes que visavam converter o Reino de Sabá ao Cristianismo. Em 340 d.C., os Etíopes conquistaram o Reino e mantiveramse no poder até 378 d.C., quando numa grande revolta, os Himiaritas retomaram o poder. O segundo período Himiarita foi marcado por dois fatores: a nova religião, visto que durante os 37 anos de domínio dos Etíopes, os Himiaritas não se converteram ao Cristianismo, como queriam os invasores, mas sim, ao Judaísmo; e o descaso com o patrimônio público. Devido a esse descaso, tudo foi se degradando, desde as construções, até as finanças e o exército. Até que, em 530 d.C., os Etíopes conseguiram, numa nova invasão, retomar o controle sobre o Reino. Já era tarde, o estado de destruição no qual se encontravam as construções públicas era tal, que o monarca Etíope empossado pelos conquistadores nada pode fazer e, por volta de 540 d.C., a grande represa construída na Antiguidade rompeu alagando boa parte do território e matando muitas pessoas. O rompimento da represa fez com que a seca caísse sobre a região e, dessa forma, muitos foram os que abandonaram o país e rumaram para o norte. A escassez demográfica decorrente desse êxodo propiciou, em 575 d.C., a invasão, a pedido dos Himiaritas, da região pela Pérsia. Esta reempossa os Himiaritas no governo do país, e estes mantém sua soberania, mas com a condição de que sua região se torna-se uma Satrápia Persa (território semi-autônomo existente no Império Persa desde seus primórdios, que se destinava a, além de pagar impostos ao governo central, vigiar a região e suas proximidades, informando quaisquer alterações ao Grande-Rei Persa. Em 632 d.C., o Reino de Sabá foi incorporado ao Islã, com sua conversão e anexação pelas tropas de Maomé. 2.2 – Reino Mineano: Reino organizado da mesma forma que o Reino de Sabá, ou seja, com um grupo étnico, os Mineanos, se organizando numa Teocracia, cuja capital era Qarnaw (atual Ma’in). O Reino se estabeleceu também por volta do século VIII a.C., ao norte do Reino de Sabá. Por serem vizinhos, os dois Estados entraram em conflito várias vezes, até que, no século I a.C., pouco depois da ascensão dos Himiaritas no Reino vizinho, o Reino Mineano foi conquistado pelo Reino de Sabá. 2.3 – Reino de Qataban e Reino de Hadramaut: Reinos vizinhos, estabelecidos a leste do Reino de Sabá, tinham importância comercial indiscutível no tocante ao comércio Índico (eram os entrepostos entre as mercadorias da Índia e as do Mar Vermelho), além de, a exemplo do Reino de Sabá, serem produtoras de incenso e ouro. O Reino de Qataban se estabeleceu por volta de 600 a.C., tendo como capital Tamma (atual Kuhlan), e perdurou até mais ou menos 50 a.C.. Já o Reino de Hadramaut, se estabeleceu por volta de 450 a.C., tendo como capital Shabwah (atual Sabota) e perdurou até o início do século II d.C.. Ao contrário do Reino Mineano, que foi anexado pelo Reino de Sabá, estes Reino permaneceram autônomos. O que aconteceu foi que, devido à importância que as diversas regiões desses Reinos adquiriram individualmente, devido ao comércio, os chefes regionais passaram a se julgar poderosos demais para obedecerem a uma autoridade central, dessa forma, foi ocorrendo uma gradual descentralização dessas regiões até que nos períodos referidos, os governantes das capitais dos respectivos Reinos já não mais se consideravam, sequer nominalmente, soberanos de todo o país. Dessa forma, ficaram extintos os Reinos. Essas regiões continuaram a exercer políticas independentes até sua anexação pelo Islã, em 632 d.C.. 2.4 – Reino de Petra: Este Reino se localizava numa região que não pertence à península Arábica, mas sua história é interessante ao estudo, pois depois da anexação ao Islã, a região tornou-se, junto com a Arábia e com as regiões dos demais Reinos que citarei, o centro do Califado, especialmente no período Omíada. Bem, por volta de 550 a.C., várias tribos nômades do nordeste da península Arábica se reuniram com o objetivo de proteção e auxílio mútuos, fundaram então uma cidade, Petra (em hebraico, Sela’). Apesar de não terem conseguido conquistar muito espaço, seu Reino, semelhante a uma cidade-Estado, prosperou. Tanto que ficou livre do domínio de Alexandre, o Grande. O Reino de Petra, constituído por tribos que se identificavam como Nabateus, auxiliou os Romanos na destruição da Judéia e, em 106 d.C., Trajano transformou o Reino em província Romana. Depois da queda de Roma, Petra nunca mais voltou a ser um Reino autônomo, tendo pertencido ao Império Bizantino e depois ao Persa, até ser anexada ao Islã. 2.5 – Império de Palmyra ou Tadmor: Tadmor era uma cidade a nordeste de Damasco, sua origem remonta a tempos já esquecidos, mas ela só adquire importância quando do domínio Romano, isso porque ela é a o principal entreposto entre o Oriente (Pérsia, Índia, China...) e Roma. Tal importância comercial lhe valeu o status de colônia Romana. O nome Palmyra advém, inclusive, dos Romanos, pois estes chamava a cidade assim por ela estas localizada num oásis, onde existem muitas palmeiras, em latim, palmyra. Em 267 d.C., Odenato, Rei de Tadmor e seu filho, foram acusados de traição a Roma e, sendo assim, executados. Zenóbia (al-Zabba, ou Zaynab), a Rainha, assumiu o governo da cidade e, em retaliação à atitude Imperial, lançou seus exércitos contra as possessões Romanas. Em poucos meses, Zenóbia conquistou o Oriente Médio, a Ásia Menor, o Egito e chegou às portas de Bizâncio (que ainda não havia sido transformada em Constantinopla). Aureliano, então Imperador Romano, investiu contra a Rainha afim de retomar-lhe as conquistas e, entre 272 e 273, não só retomou tudo que Zenóbia havia lhe tirado, como também invadiu Tadmor, matou a Rainha e destruiu a cidade como exemplo. Apesar de muito efêmero, o Império de Tadmor foi grande e, por si só já justificaria sua menção aqui, mas, além de tudo isso, a região, assim como Petra e outras que citarei, foi uma das principais componentes do núcleo do Império Islâmico, especialmente no Califado Omíada. Depois de destruída, Tadmor não foi totalmente abandonada e, mais tarde acabou reconstruída, mas perdeu sua importância comercial. 2.6 – Reino dos Gassânidas: O Reino dos Gassânidas foi fundado por volta de 400 d.C., por fugitivos do Reino de Sabá, que havia sido conquistado pelos Etíopes. No princípio, esses refugiados viviam em acampamentos itinerantes a sudeste de Damasco, porém, com o tempo, acabaram fundando duas cidades, suas duas capitais: al-Yiabiyah e Jilliq. A região se tornou um porto seguro para os imigrantes do Reino de Sabá, tanto que foi para lá que estes emigraram quando a grande represa rompeu. Aretas II foi o maior de todos os monarcas Gassânidas, tendo inclusive, lutado em favor de Justiniano. Seu filho, al-Mundhir, foi preso pelo Império Bizantino por ter incendiado, em 580 d.C., a cidade de Hira, capital dos Lácmidas. Em retaliação pela prisão do pai, os filhos de al-Mundhir devastaram o território do Império Bizantino, mas também acabaram derrotados e presos. As conquistas que fizeram passaram para as mãos dos Persas e o Reino perdeu importância, se bem que o último soberano, Jaballah ibn-al Ayham, ofereceu muita resistência ao Islã e só caiu diante dos Árabes na Batalha de Yarmuk, em 636, batalha na qual contou com auxílio Bizantino. 2.7 – Reino de Hira: Assim como o Reino de Petra, o de Hira também se constituía apenas de uma cidade-Estado. Na verdade, esta cidade foi fundada a partir de um acampamento da tribo Tanukh (que pertencia à etnia Lácmida), que, desde 275 d.C., havia se estabelecido na atual Síria. Após terem tido participação efetiva na mudança dinástica do Império Persa (fim da dinastia Arsácida e início da Sassânida), edificaram uma cidade no local de seu acampamento permanente. A cidade levou o nome de Hira porque esta palavra quer dizer acampamento em Siríaco. Apesar de ter nascido sob a influência Persa, pendia entre os Impérios Persa e Bizantino, mas seus maiores inimigos eram os Gassânidas, que, em 580 d.C., queimaram a cidade. Após o incêndio a cidade nunca mais foi a mesma, acabou absorvida totalmente pelo Império Persa e permaneceu parte deste até ser conquistada pelo Islã, em 633 d.C.. 6.8 – Estado de Kindah e os Beduínos: O centro da península Arábica, em especial o planalto de Nedjd, era habitado por tribos nômades conhecidas como Beduínos, que viviam no deserto e regiões semi-desérticas a procura de oásis e de alimentos. Além dos Beduínos, povoavam a região os habitantes de cidades independentes, cidades-Estado nas quais a forma de governo variava de uma para a outra. Pois, bem essa região nunca havia conhecido nenhum tipo de centralização política, nunca havia sido formado um Reino ou coisa parecida no centro da Arábia. Nunca até que Hassan Tubba, soberano Himiarita do Reino de Sabá conquistou todas as tribos nômades do centro da Arábia. Na realidade o que ele fez foi dominar as tribos de Beduínos e pô-las sob sua autoridade. Depois de fazer isso, Hassan Tubba cedeu a região ao irmão, Hudjr, dessa forma, o centro da Arábia, apesar de ter sido conquistado pelo Reino de Sabá, não passou a fazer parte dele, pelo menos não na prática, porque em teoria era apenas mais um “estado” dele, um estado governado pelo irmão do Rei. No entanto, a dinastia de governadores de Kindah, o estado central da Arábia, só teve três representantes, o próprio Hudjr, seu filho e seu neto, Aretas. Este último, de tão poderoso, chegou a ser Rei de Hira, além de governar Kindah. Após a morte de Aretas, em 529 d.C., seus filhos iniciaram uma guerra para sucede-lo, as tribos Beduínas aproveitaram-se da situação e se declararam independentes novamente, sendo assim, acabava o Estado de Kindah, no entanto, ele trouxe um importante aprendizado para os povos da Arábia central: a primeira experiência de unificação, experiência esta que seria fundamental ao Islamismo. 3 – Caaba, uma união sincrética: A Caaba era um templo existente em Meca, a cidade onde nasceu Maomé. Meca era mais uma daquelas cidades-Estado do centro da Arábia, com governo e leis próprias. Ao contrário do que era mais comum nessas cidades, Meca não era uma monarquia, mas sim uma oligarquia comercial. Vejamos como surgiu a cidade. As origens de Meca são desconhecidas e de tão antigas, existem lendas que remontam ao próprio Adão, porém, o que nos interessa saber é que a cidade foi fundada por uma etnia, os Khozâ’a, já na era Cristã, mas numa data não precisada, Qusay, líder dos Coraixitas, um povo que vivia nas montanhas próximas a Meca, liderou seu povo numa invasão à cidade, dessa invasão resultou o domínio de Meca pelos Coraixitas e a conseqüente subjugação dos Khozâ’a. Os Coraixitas, amparados por seu líder, realizaram algumas mudanças na estruturação da cidade, tornando a Caaba, seu templo, o centro de todos os cultos da Arábia Central. A Caaba, segundo a mitologia Árabe é tão antiga quanto Meca e teria sido construída por Adão. Ao seu redor, desenvolveu-se a cidade. O fato é que antes dos Coraixitas dominarem Meca, o culto da Caaba era dedicado a uma estranha Pedra Negra, que muitos acreditam (hoje), ser um pedaço de asteróide caído na Terra. Porém, Qusay, após dominar a cidade, reconstruiu a Caaba (que segundo as lendas teria sido reconstruída dez vezes, sendo as duas últimas já pelos Islâmicos, enquanto as duas primeiras por Adão e por seu filho Seth, irmão mais novo de Caim e Abel, do qual descenderia toda a humanidade, uma vez que Abel foi morto e Caim condenado por sua morte) e levou para ela as diversas divindades da Arábia Central. O objetivo do conquistador era, não outro senão o atrair fiéis para Meca e, com isso, realizar feiras que renderiam grandes lucros aos Coraixitas. Na verdade Meca sempre conviveu com feiras, visto que se desenvolveu no cruzamento de rotas comerciais, tanto da Índia para a África, quanto da Arábia para a Ásia. A idéia de Qusay deu certo e, em pouco tempo Meca se tornou o centro mais cosmopolita da Arábia, com visitantes em todas as épocas do ano, mas especialmente durante as festas religiosas. No início, a cidade se limitava a sediar as feiras, mas depois de algum tempo, passou a enviar caravanas comerciais para as diversas regiões da Arábia e até a Damasco. Com o avanço comercial de Meca, uma elite substituiu gradualmente o poder de um só líder, esta elite era constituída pelas famílias, ou clãs, de comerciantes ricos, ou chefes de cada uma dessas famílias compunham o conselho dos Coraixitas, que governava Meca. Estas famílias possuíam as melhores casa, ou seja, as mais centrais e, portanto, mais próxima a Caaba e ao poço que havia em sua frente. Os Coraixitas mais pobres viviam no subúrbio, ou seja, nas regiões mais afastadas do centro. Além dos Coraixitas, detentores de maior status na cidade, havia também os membros de outras etnias, como os próprios Khozâ’a, e outros povos que migraram para a cidade em conseqüência de sua prosperidade, prosperidade esta devida à Caaba, dessa forma, a Caaba era, para Meca, muito mais do que um lugar de culto religioso, era mesmo a fonte de poder e razão de existência da cidade. 4 – Maomé, um profeta revolucionário: Existe uma certa discordância entre os autores especialistas no período, sobre em que ano exatamente nasceu Maomé. É certo, no entanto, que a data de seu nascimento não pode ser anterior a 567, nem posterior a 572. Dentro deste breve intervalo de possibilidades (apenas cinco anos), o ano tomado como mais provável é o de 571, sendo assim, será esta data que adotarei para me referir à idade do profeta nos diferentes períodos. O fundador do Islamismo era filho de um negociante chamado Abdallah e de uma mulher chamada Amina. Não chegou a conhecer o pai, que faleceu numa de suas viagens, antes mesmo de seu nascimento. Quando tinha seis anos de idade, perdeu também a mãe, que só lhe legou alguns camelos, algumas ovelhas e uma escrava. Filho único, Maomé passou então a viver com o avô paterno, Abd alMottalib, que, no entanto, só viveu até que o neto completasse oito anos de vida. Mais uma vez sozinho no mundo, o garoto foi viver com seu tio, Abu Talib. Este, com a morte do pai, herdara a liderança da família, os Banu Hachim, e, dessa forma, um posto no conselho Coraixita de Meca, visto que a família, ou clã (palavra mais apropriada, visto que família, de um modo geral, engloba apenas o núcleo familiar, enquanto que clã engloba a totalidade dos parentes e, no caso de uma sociedade patriarcal, como a Árabe sempre foi, também as mulheres que se casassem com os homens da família, deixando, no entanto, as mulheres realmente do clã de fazer parte deste quando se casassem com um homem de outro clã; em outras palavras, a mulher pertencia ao clã de seu pai até que se casasse, quando passava a fazer parte do clã do marido) estava entre as mais proeminentes da cidade. Abu Talib tinha um filho, Ali, que cresceu como irmão de Maomé e que, ao longo de sua adolescência, tornou-se seu maior e melhor amigo, além de vir a ser um de seus primeiros seguidores. Quando passa a viver com o tio, Maomé começa a ser iniciado na profissão de mercador, ou seja, começa a realizar viagens a toda parte, em especial para o norte, rumo a Damasco e outras cidades do Império Bizantino e da Pérsia, principalmente na Síria. Reza a tradição Muçulmana de que numa dessas viagens, Maomé, ainda adolescente (entre 12 e 15 anos) teria encontrado um monge do deserto, um eremita (nos primórdios do Cristianismo os eremitas eram muito comuns, visto que segundo as pregações do apóstolo Paulo, a salvação estaria numa renúncia ao sexo e a sociedade, ou seja, na castidade total e esta só seria possível com o afastamento das tentações mundanas, em suma, com o isolamento do indivíduo em um lugar distante, como uma montanha, uma floresta ou um deserto) chamado Bahira. Este teria predito a missão do garoto e recomendo a seu tio que o protegesse de seus possíveis inimigos (que os Islâmicos gostam de ver como sendo os Judeus ou talvez os Bizantinos, porém, com maior possibilidade para os primeiros). Até os vinte anos Maomé continua trabalhando e vivendo com seu tio, até que, em 591, torna-se agregado (um empregado que vive na casa do patrão e, em troca de seus serviços, é sustentado por ele, porém, um agregado é muito diferente de um servo ou um escravo, pois possui única e exclusivamente um vínculo empregatício com seu patrão, vínculo este que pode ser desfeito a qualquer momento por qualquer das partes, ou então baseado em um acordo formal pré-existente) de Khadidja, uma rica viúva de trinta e cinco anos. Para a viúva, Maomé trabalha por cinco anos, provavelmente como chefe de suas caravanas comerciais, visto que, com a morte de seu marido, não havia quem acompanhasse os empregados nas viagens de negócios. Depois de cinco anos, o futuro profeta, agora com 25 anos, casa-se com a patroa, agora com 40 anos (idade avançada para a época e para as condições de vida da Arábia). O casamento resulta em tranqüilidade financeira e status social para o rapaz. Além disso, ele tem sete filhos com a esposa (ao que, parece todos em seqüência, e nos primeiros anos de casamento, devido à avançada idade de Khadidja): três homens que morreram ainda bebês e quatro mulheres: Zeineb, Roqaia, Ummu Keltsum e Fátima. Em 611, já com quarenta anos, Maomé finalmente iniciou sua vida de profeta; depois de distribuir gordas esmolas aos pobres de Meca, retirou-se para as montanhas, onde iniciaria sua meditação. 4.1 – Meditação e Experiência, a criação da nova Fé: Alguns meses se passam sem que Maomé retorne para casa, nesse tempo, ele observa os céus e medita constantemente (talvez se lembrando do que o velho eremita lhe dissera, quando garoto). Nada acontece nos primeiros tempos de meditação do profeta, porém, depois de um certo período de isolamento, numa certa noite, enquanto Maomé dormia, sonhou com um anjo que lhe entregava um pergaminho e ordenava: “Leia!”. Maomé, que era analfabeto, insistia ao anjo que não sabia ler, no entanto este insistiu que o homem o fizesse e este, sem escolha, obedeceu. Para sua própria surpresa, ele conseguiu ler tudo o que estava escrito no pergaminho e, quando acordou, sentiu que um livro havia descido dos céus para seu coração. A este livro, Maomé chama Corão, ou Alcorão. À partir dessa noite, Maomé teve certeza de que era realmente o “escolhido” de Allah e que deveria pregar ao mundo. Retornou então a cãs, onde contou sua experiência a Khadidja, agora uma anciã de 55 anos. Ela, que poderia ter desdenhado do marido, ao contrário, tornou-se a primeira convertida ao Islã. Nascia uma nova fé. Maomé estava convertido, aos 40 anos, em profeta, o que, na Arábia daquela época, era comum, visto que por todos os lados havia os Kâhin, ou profetas, que preconizavam desde a vinda de um messias até o Juízo Final. Inicialmente, o profeta pregou apenas para aqueles que lhe eram mais caros, ou seja, para a mulher, para o primo, Ali; para Abu Bakr, um grande amigo; para Zayd, um escravo liberto que Maomé adotara como filho; e para Uthman, seu genro. Maomé esperava que novos sinais dos céus lhe fossem enviados, porém, em quase três anos nada aconteceu, dessa forma, ele se sentia acovardado em iniciar suas pregações para estranhos. Em 613, porém, um novo “contato divino” foi estabelecido com Maomé, ele teve uma espécie de ataque epilético (tanto que hoje muitos historiadores suspeitam que o profeta sofresse de epilepsia), do qual, depois de voltar a si, contou revelações. Na verdade, a partir dessa data, esses “contatos divinos” começaram a se tornar mais freqüentes e isso motivou o profeta a iniciar suas pregações ao povo. A princípio, as pregações do profeta não atingiram grandes proporções, mas por volta de 615, já havia um bom número de recémconvertidos ao Islamismo. Nesse grupo podia-se contar principalmente jovens dos grandes clãs Coraixitas; membros dos clãs Coraixitas menos influentes; pessoas não pertencentes aos clãs Coraixitas e escravos. A conversão dos filhos dos grandes clãs começou a preocupar a elite Coraixita que não via com bons olhos algumas das práticas recomendadas por Maomé, tais como: a valorização da solidariedade e a doação de esmolas (essas práticas iam de encontro aos ideais pré-capitalistas profundamente enraizados na sociedade Mequense, isso porque os ricos almejavam se tornar mais ricos e para isso exploravam os pobres, sendo assim, o fato de Maomé condenar à danação os que não fossem solidários e caridosos enfurecia as elites), e o caráter profundamente monoteísta do Islamismo (esta era a pior característica da nova religião, do ponto de vista dos Coraixitas, isto porque se ela se propagasse muito, poderia causar um colapso na economia de Meca que, como expliquei anteriormente, girava em torno da Caaba). Devido a esses pontos de conflito entre as elites de Meca e a religião de Maomé, iniciou-se uma forte perseguição a seu culto na cidade. Tais perseguições (iniciadas em 615) acarretaram na dissidência de muitos convertidos e na fuga de outros para a Etiópia, onde o monoteísmo era aceito devido ao fato de o país (que à época se chamava Abissínia) ser Cristão. Vendo que seus adeptos estavam começando a diminuir devido às perseguições, Maomé começou a “se mexer” para arrumar um lugar onde seu culto fosse aceito. 4.2 – A Hégira: Na verdade, Maomé não sofria, ele próprio, nenhuma sanção dos Coraixitas, porque seu tio, Abu Talib, apesar de não ter se convertido ao Islã, permanecia como um dos membros do conselho da cidade e protegia o sobrinho e filho adotivo da ira do conselho. Além disso, Khadidja, sua esposa, era muito rica. Porém, em 619, duas tragédias ocorrem em seguida para Maomé: primeiro Khadidja falece, aos 63, vítima de sua idade avançada. O profeta havia dedicado a ela vinte e três anos de sua vida e seu casamento havia sido tão feliz que Maomé nunca traiu a esposa, o que era comuníssimo na época. Porém o pior golpe viria apenas alguns dias após a morte da esposa, seu tio e protetor, Abu Talib, chefe de seu clã, morreria e, ao se recusar a se converter, mesmo em seu leito de morte, geraria a crença, entre os seguidores de Maomé e no próprio, de que iria para o inferno. Essa crença fez com que Abu Lahab, irmão de Abu Talib e novo chefe do clã de Maomé, se tornasse o pior inimigo dos Muçulmanos, incentivando as perseguições, principalmente ao próprio Maomé. Ao perder seus pontos de apoio, Maomé percebeu que sua vida, caso permanecesse em Meca, correria perigo, sendo assim, abandonou imediatamente a cidade e tentou se instalar em Taif, uma cidade nas montanhas, próxima a Meca. No entanto, depois de apenas alguns dias na cidade, foi expulso e obrigado a voltar a Meca. Tentou então contato com os chefes das tribos Beduínas, mas fracassou em uni-los e mesmo em converte-los, pois para estes, a unidade política não tinha sentido, amava a liberdade e o nomadismo que lhes eram intrínsecos há séculos. Depois do fracasso diplomático frente aos Beduínos, Maomé voltou sua atenção à cidade onde seu pai havia sido sepultado: Yathrib. A cidade de Yathrib havia sido fundada por três tribos Judaicas fugidas da destruição da Judéia: os Nadhir, os Qorayza e os Qaynoqa. Porém, depois de alguns anos do estabelecimento destas no território, duas tribos Árabes dissidentes do Iêmen, os Khazradj e os Awz, chegaram à cidade e depois de subjugar os Judeus, dominaram-na e passaram a lutar entre si pela hegemonia. Os Awz com os quais os Judeus se aliaram, venceram e passaram a controlar a cidade, num sistema semelhante ao de Meca. Porém, ao que parece, havia participação dos membros da outra tribo Iemenita no conselho da cidade, mas uma participação minoritária. Maomé reuniu-se, em 620, com os líderes dos seis clãs khazradj (os minoritários) e converteu-os. Dessa forma, meio caminho já estava andado para o profeta. Depois da conversão de parte dos membros da tribo Awz, Maomé recebeu, em 622, garantias de que poderia vir com seus adeptos de Meca para Yathrib. Maomé voltou para Meca e organizou a partida de seus seguidores, que partiram em pequenos grupos para não levantar muitas suspeitas. Ele e Abu Bakr foram os últimos a deixar a cidade. Ambos passaram por Qoba, onde Ali os esperava e os três marcham para Yathrib, onde em 24 de setembro de 622, fazem sua entrada triunfal (notem que, como veremos mais à frente, o dia da Hégira é considerado o 16 de julho, não o 24 de setembro). A Hégira, ou seja, a saída dos Muçulmanos de Meca e sua ida para Yathrib, está concretizada. Na nova cidade Maomé é recebido com honras e assume o posto de Malik (Rei). É interessante notar que as duas tribos Iemenitas de Yathrib viram em Maomé e na nova religião tanto o Messias do qual os Judeus da cidade falavam, quanto uma esperança para o fim das disputas entre ambas as tribos pelo poder a cidade. É interessante notar que a maioria dos adeptos de Maomé que havia migrado com ele de Meca, não tinha sequer uma propriedade em Yathrib e, dessa forma, estariam condenados à miséria se não fosse a política de intervenção do profeta, política esta que explicarei no item seguinte. 4.3 – Destruição dos Ídolos da Caaba: Chegando em Yathrib e obtendo o poder, Maomé tornou a cidade a inimiga número um de Meca, tanto que esta passou desde o princípio ao confronto aberto contra o profeta. Foram oito anos nos quais se por um lado Meca atacava, por outro Yathrib se defendia e fortalecia. Não convém aqui explicar detalhadamente todas as batalhas entre as duas cidades-Estado ocorridas entre 622 e 630, mas sim contar como pode Maomé, em oito anos, passar de Malik, líder político a Califa líder político e religioso (Imam) e como pode ele, nesse mesmo período, fortalecer sua cidade a ponto de empreender a conquista da rival. Bem, quando da chegada do profeta a Yathrib, a cidade estava dividida em alguns grupos bem distintos quanto a sua orientação religiosa: havia o grupo de fiéis que havia migrado de Meca com Maomé, portanto fiéis mais antigos, mas que estavam marginalizados social e economicamente na nova cidade; havia os convertidos de Yathrib, em especial a aristocracia da cidade, que davam força a Maomé; havia os hesitantes, ou seja, aqueles que haviam aceito o Islã, mas não com plena convicção; havia também os pagãos, ou seja, aqueles que se recusavam a aceitar o Islã e continuavam a praticar suas religiões antigas; e, por fim, havia os Judeus, que praticavam sua religião milenar (embasaba no Velho Testamento e no Talmude, livros que dão respaldo ao Judaísmo) e nunca aceitariam a conversão ao Islamismo. Quanto a esses grupos, Maomé tomou as seguintes providências. Das elites convertidas de Yathrib, ele tirava o apoio para realizar seus projetos; quanto aos hesitantes, fazia de tudo para torna-los realmente fiéis ao Islã; quanto aos pagãos, deu-lhes liberdade de culto, pois sabia que, na posição em que se encontrava, se fosse intolerante com aqueles que compunham a maioria da população, seria fragorosamente derrotado. Porém, as atitudes mais marcantes do profeta foram realmente com relação aos Judeus e aos que emigraram de Meca com ele. Como estes estavam sem terra e eram os mais leais à nova fé e como, por outro lado, aqueles eram os maiores inimigos da fé na cidade (lembrem-se do que disse o eremita a Maomé enquanto ele ainda era uma criança), Maomé decidiu unir o útil ao agradável, ou seja, iniciou uma política de perseguição violenta aos Judeus, e, à medida que estes eram exterminados, seus bens ficavam para os oriundos de Meca. Essa política, em oito anos exterminou as três tribos Judaicas de Yathrib, além de impor o medo aos pagãos que temiam serem os próximos a sofrerem tais perseguições. Dessa forma, Maomé conseguiu as terras e bens dos Judeus para seus protegidos e ainda conseguiu forçar a conversão de boa parte dos pagãos, tanto que, por volta de 628, Yathrib mudou seu nome para Medina, ou seja, a cidade do profeta; e Maomé recebeu o título de Califa, chefe político e religioso, sendo assim, o Estado de Medina constituía-se numa Teocracia. Em fevereiro de 628, Maomé resolveu realizar uma peregrinação a Meca, é claro que foi impedido pelos Coraixitas de entrar na cidade, mas firmou um acordo com eles de que poderia realizar sua peregrinação no ano seguinte. Este acordo foi visto como um sinal de fraqueza pelos Muçulmanos, mas, na verdade, constituía uma jogada política do profeta, isso porque, quando em 629, ele foi até Meca, com permissão para ficar três dias, conseguiu prolongar sua estadia realizando mais um casamento (após a morte de Khadidja, Maomé iniciou uma série de casamentos, o primeiro deles foi justamente com a filha de seu grande amigo Abu Bakr, mas depois foram realizados inúmeros outros, tanto que a Mesquita de Medina, a primeira que foi construída, tinha diversos quartos para as esposas do profeta; estes quartos eram construídos junto às paredes externas do templo e aumentavam em número à medida que o harém de Maomé crescia), com Maimuna, filha de seu tio, al-Abbas (que não se convertera) e tia de Khalid ibn al-Walid, o maior general de Meca. Graças a seu casamento, Maomé conseguiu a ira do tio e a conversão de Khalid ibn al-Walid. Este, no mesmo ano, liderou uma grande expedição contra as fronteiras do Império Bizantino, expedição que terminou em fiasco e morte da maior parte dos Muçulmanos, mas que foi uma demonstração de que as tropas de Medina estavam prontas para uma guerra definitiva contra Meca. No princípio de 630, o general Mequense recém convertido liderou os exércitos de Medina até as portas de Meca, lá, ele recebeu uma embaixada Coraixita que se destinava a ceder aos desígnios de Maomé. Estes eram entrar em Meca sem resistência e visitar a Caaba. Aceitas as condições do profeta, procedeu-se a entrada em Meca. Uma pequena tropa Mequense que ofereceu resistência foi destruída pelas tropas Muçulmanas e Maomé, junto com seu exército marchou até a Caaba. Chegando lá, contornou o templo sete vezes e depois entrou; então, tocou a Pedra Negra com seu cajado e gritou: “Allah é o maior!”. Depois disso, ordenou a destruição dos mais de trezentos e sessenta ídolos das várias religiões da Arábia, que havia na Caaba e, por fim, mandou que o teto, onde havia um afresco Judaico-Cristão, fosse pintado. Era a conquista de Meca, a vitória de Maomé, o profeta de Allah. 4.4 – A conquista da Arábia: Depois de conquistar Meca e destruir os ídolos da Caaba, Maomé retornou a Medina, de onde organizou expedições para toda a Arábia Central. Essas expedições colocaram boa parte da península sob a autoridade do profeta, mas não toda, sua unificação só seria concluída um ano após a morte de Maomé. Na peregrinação anual dos povos Árabes à Caaba, em 631, os peregrinos não encontram suas divindades, em seu lugar encontram a Caaba transformada numa Mesquita (templo Islâmico), com efeito, esta peregrinação é uma transição entre o politeísmo praticado no Hedjaz até então e o monoteísmo que o substituiria a partir do ano seguinte. Em 632, na peregrinação anual à Caaba, Maomé se faz presente e, com várias demonstrações dos rituais a serem seguidos nas visitas futuras, além de um discurso forte, declarou ter cumprido sua missão e rogou a todos os Árabes que permanecessem unidos no Islã. Depois, fechou seu discurso perguntando a todos se havia cumprido sua missão e como recebesse uma resposta afirmativa, declarou que aquele seria seu último discurso. É provável que Maomé já tivesse ciência de que a morte se aproximava dele, afinal, já estava com 61 anos, idade avançadíssima para a época e sendo assim, quis dar por encerrada sua missão, mas o fato é que o profeta estava correto em seu auspício, pois ao retornar a Medina, morreu apenas três meses depois, no dia oito de junho de 632. 5 – O período dos quatro Califas (Rashidun): O enterro de Maomé foi uma cerimônia simples, sem muita pompa, realizado em Medina no dia seguinte à sua morte. O motivo pelo qual Maomé não foi sepultado com muitas honras e estardalhaço não foi religioso ou mesmo moral, mas sim político, isso porque devido ao fato de o profeta não ter deixado nenhum filho homem, não se sabia quem seria seu sucessor e, sendo assim, havia muitos pretendentes ao título de governante da Arábia. Dessa forma, alguns desses pretendentes, dentre os quais se contava Ali, o primo de Maomé, temiam que Abu Bakr, por seu caráter de liderança fizesse de uma possível solenidade de sepultamento do profeta, uma forma de assumir o poder. Porém, de nada adiantaram as precauções dos candidatos à sucessão de Maomé, pois Abu Bakr e Omar (um importante membro da sociedade Caraixita que, ao ser convertido, em 619, proporcionou a conversão de boa parte da população de Meca devido à sua popularidade) chamaram para eles a responsabilidade de governar a Arábia e, apoiados em no outro, realizaram esta missão, Abu Bakr se tornou então o Califa, que segundo reza a tradição foi o primeiro, devido ao fato de Maomé ser o Profeta. 5.1 – Os Califas: O período que se seguiu à morte de Maomé foi o chamado Período dos Quatro Califas, ele é o período em que começa a se formar o Império Islâmico propriamente dito, pois antes o que Maomé fez foi costurar a colcha de retalhos que étnico-religiosa que formava a Arábia e torna-la um país unitário. Este período é muito conturbado, com o surgimento das primeiras sesseções religiosas no Islã e com o a abertura das novas frentes de batalha, contra Pérsia e Império Bizantino. Aliás, a respeito de Pérsia e Império Bizantino é interessante notar que após uma longa guerra entre os dois Impérios, finalmente, em 628, Heráclio I, Imperador Bizantino, conseguiu uma vitória definitiva sobre a dinastia Sassânida (a dinastia Persa). Definitiva não porque destruiu definitivamente a dinastia, mas porque impossibilitou-a de reagir e tornou a queda do Império Persa apenas uma questão de tempo, tanto que, em 630, o próprio Heráclio I tomou Jerusalém aos Persas e continuaria tomando regiões não fossem os Árabes... 5.1.1 – Abu Bakr (632 – 634): Quando Maomé morreu, as diversas religiões Árabes retomaram força, alimentadas pelos diversos profetas aos quais já me referi. Esses profetas tentaram operar a desunificação do que estava unificado na Arábia, porém, o novo Califa agiu rápido e em pouco tempo, contando com a ajuda imprescindível de Khalid ibn al-Walid, não só exterminou esses profetas, como também apaziguou os Beduínos, conquistando-os e enviou seu general ao sul da península, onde os Estados independentes não participavam da vida do Hedjaz, esta expedição conquistou o Reino de Sabá e os diversos Estados independentes do Iêmen, Hadramaut, Omã e litoral do Golfo Pérsico. Apesar do ano de 633 ter sido tão grandioso e proveitoso para o Califa, ele já estava velho e, sendo assim, em 634, adoeceu e morreu, porém, em seu leito de morte, Abu Bakr não se esqueceu de recompensar seu principal aliado no poder, Omar e, sendo assim, designou-o como seu sucessor. 5.1.2 – Omar ibn al-Khattab (634 – 644): Omar (em algumas fontes também mencionado como Umar) tomou o título de Califa e, segundo a História é conhecido como Omar I, isto porque, futuramente haverá outros Califas com este nome. Homem que inicialmente era um inimigo ferrenho do Islamismo, acabou se convertendo por volta de 619, e se tornou um dos principais responsáveis pelo poder deste. Em seu governo, ditado pelas aristocracias comerciais de Meca e Medina (esta última tinha se convertido na capital natural do Império, devido ao fato de ter sido o verdadeiro berço do Islamismo, de onde partiram as tropas que conquistaram Meca e toda a Arábia), concentrou seus esforços em conquistar a Mesopotâmia, as antigas Judéia e Fenícia e em se expandir até Alexandria, no Egito, pois queria dominar as principais rotas comerciais. Seus exércitos foram liderados mais uma vez por Khalid ibn al-Walid, que por todos os seus feitos em prol do Islã, recebeu o digno apelido de “A Espada de Allah”. Com efeito, o governo de Omar I foi marcado por conquistas, conquistas essas proporcionadas pela fragilidade do decadente (e por que não moribundo) Império Persa e do enfraquecido Império Bizantino. Quando Khalid estava velho demais para continuar suas conquistas, foi substituído, com honras, mas as conquistas não pararam e, em 642, o Império Árabe se estendia do Egito ao Irã. A viabilidade das conquistas se deu devido à tolerância dos conquistadores, pois quando os Árabes dominavam uma região, não obrigavam-na a se converter ao Islamismo, apenas impunham um pesado tributo (que servia para financiar a conquista de novas regiões pagando o soldo dos exércitos e proporcionando a confecção de armamentos) a quem não aceitasse a fé de Allah. Dos pontos de vista estratégico, cultural e econômico, Omar foi impecável. Ordenou a construção de três cidades que serviam de bases militares (Kufa, ao sul da Babilônia antiga; Basra, no Iraque; e Fostat (atual Cairo), no Egito) que funcionavam mais ou menos como as colônias Romanas, ou seja, regiões com a finalidade militar de defender e controlar a região e a finalidade social de Arabizar ou Islamizar a região. Além disso, foi Omar I quem organizou o calendário Muçulmano que é seguido hoje, ou seja, foi ele quem fixou a Hégira (se bem que em data errada) como marco zero do calendário Islâmico. O Califa também organizou as finanças do Império, criando o balanço (ou lista de receita e despesa) deste e organizou os territórios conquistados colocando um Wali, governador e general assistido por um Amil, responsável pela receita em cada uma das regiões conquistadas. Além de todos esses feitos, o Califa ainda é lembrado pelos Islâmicos como um modelo das virtudes do Muçulmano, ou seja, enérgico, justo e mais temido do que amado. Seu caráter era tão forte e sua crueldade devia ser tamanha que, em novembro de 644, um escravo enfurecido atacou-o causando-lhe um ferimento mortal. Omar I ainda teve tempo de, em seu leito de morte designar um conselho com seis membros com a função de eleger o novo Califa. 5.1.3 – Uthman ibn Affan (644 – 656): O conselho dos seis era formado por, dentre outros, o próprio Uthman; que além de amigo de Maomé, havia desposado uma de suas filhas; e Ali (o primo de Maomé). Este conselho terminou por eleger Uthman como novo Califa. Uthman, ao contrário de seus predecessores, não era uma figura famosa entre o povo, nem tão pouco, um herói militar, era, no entanto, um importante membro da aristocracia comercial de Meca, sendo pertencente ao clã Omíada (em Árabe, Umayyad). Dessa forma, a eleição do novo Califa marcou a vitória, e porque não o início da hegemonia, da aristocracia comercial de Meca sobre o Califado. Os objetivos do novo Califa eram óbvios desde o início de seu governo, pois tentou dominar as mais importantes regiões comerciais do Oriente Médio e norte da África. Em seu governo Alexandria foi retomada, pois havia sido momentaneamente reconquistada pelos Bizantinos e a conquista da Palestina e da antiga Fenícia foi consolidada. Estas conquistas, juntas, possibilitaram o início da expansão marítima Árabe, pois antes, estes nunca haviam se arriscado nas águas do Mediterrâneo. A principal figura da expansão marítima é Moawiya (em Árabe, Mu’awiyya), o governador da Síria, que instalado na proeminente cidade de Damasco, chefiou as esquadras Árabes em suas sucessivas vitórias sobre a esquadra Imperial Bizantina. Em 649, o Chipre caiu nas mãos Muçulmanas e isto marcou o fim da hegemonia de Constantinopla sobre as águas do Mediterrâneo, em especial sobre o Mediterrâneo Oriental. Com as fronteiras comerciais consolidadas e a economia do Império indo “de vento em popa”, o Califa tomou duas atitudes importantes relacionadas com a política interna: diminuiu a fervor expansionista, com intuito de fortalecer as defesas; e direcionou seus esforços no sentido de elaborar um texto único para o Alcorão, pois a existência de textos conflitantes (visto que Maomé não sabia escrever e, sendo assim ditou o livro para outros) começava a gerar discórdias religiosas que,mais tarde eclodiriam em revoltas e num cisma religioso. Uthman, no entanto, desenvolveu em seu governo algumas vicissitudes que o tornaram muito impopular, além de enfraquecerem a unidade do Império. Contam entre essas medidas a prática deliberada do nepotismo (ou seja, o emprego de parentes e amigos em cargos públicos de confiança ou não) seguido do esbanjamento do tesouro central, o que acarretou em diminuição de recursos para fins importantes, como o militar. Somam-se ao esbanjamento duas práticas que, por si sós, já seriam suficientes para reduzir a receita Imperial, ou seja, a parada na expansão, que acarretou no fim (pelo menos temporário) das presas de guerra; e a conversão ao Islamismo da maioria das populações conquistadas anteriormente. Esta última ação reduziu as receitas, pois, como o leitor deve se lembrar, aqueles que não quisessem se converter ao Islã depois de conquistados, não seriam obrigados, mas estariam sujeitos a pesados tributos, dessa maneira, muitos simularam sua conversão para assim se verem livres de impostos (dos quais os Islâmicos estavam livres). A repercussão de tais fatos teve um peso negativo muito maior do que o peso positivo das conquistas (leve-se em consideração que foi no governo de Uthman que as conquistas foram realmente divididas em três frentes (como será explicado mais adiante), além disso, foi em seu governo que a Pérsia caiu de joelhos definitivamente diante dos Árabes, com a morte do último Grande Rei), tanto que desde o princípio de seu governo, o Califa encontrou feroz oposição de quatro figuras importantes dentro da comunidade Islâmica: Aysha, filha de Abu Bakr e principal esposa de Maomé; Ali, primo do profeta; al-Zubayr e Talha, ambos, assim como Ali, membros do conselho dos seis que elegeu o Califa. O nepotismo e o esbanjamento praticados pelo Califa se irradiaram para as províncias, dessa forma, as populações passaram a ser muito exploradas (talvez isso tenha, mais que tudo, motivado as conversões em massa) pelos governadores locais que eram nomeados e renomeados pelo Califa a seu bel prazer. A situação se tornou calamitosa quando no final de 655, Amr, o governador do Egito foi deposto pelo Califa que nomeara para seu lugar um parente. Ele com seus soldados tentaram depor Uthman, mas não lograram sucesso. Porém, este (o Califa) pediu auxílio ao novo governador do Egito para que este sufocasse a revolta, este (o governador) obedecendo, matou um importante general leal a Amr. A morte do oficial revoltou os exércitos do Califado e, sendo assim, quando a notícia chegou a Medina, os soldados que outrora eram leais a Uthman invadiram seu palácio e mataram-no enquanto lia o Alcorão. 5.1.4 – Ali ibn Abi Talib (656 – 661): Quando Uthman morreu, mais do que depressa (no mesmo dia) Ali (o mesmo que era primo de Maomé e que com ele crescera) tomou para si o título de Califa, no entanto, as circunstâncias nas quais o antigo Califa fora morto (lendo o livro sagrado) fizeram com que, inesperadamente, ele se converte num mártir (um herói morto). Sendo assim, Ali, que possivelmente instigara os exércitos contra Uthman, foi considerado por seus antigos aliados (leia-se Aysha, al-Zubayr e Talha), além de por Moawiya (governador da Síria, que era primo de Uthman e que, dessa forma, com sua morte, herdou a chefia do clã Omíada). Certamente, Ali contava com inúmeros aliados, dentre os quais podemos referir principalmente os mais antigos fiéis, ou seja, os que haviam conhecido Maomé, além de quase a totalidade dos exércitos, visto que as três fortalezas Árabes (Fostat, no Egito; Kufa e Basra, na Mesopotâmia) lhe eram fiéis. A viúva de Maomé (entenda-se que apesar de após a morte de Khadidja, o profeta ter criado um harém, a primeeira mulher com a qual se casou, no caso Aysha, passou para a História como sua viúva, isto porque foi a única que teve alguma relevância depois da morte do marido, além de ter sido a única cujo pai (Abu Bakr) também se tornou Califa), juntamente com os outros dois inimigos de Ali, se mudou para Basra, onde pretendia corromper a fortaleza contra o novo Califa. Vendo que sua presença se fazia necessária junto aos exércitos, em especial na Mesopotâmia, Ali transferiu a capital do Império de Medina (onde haviam reinado Maomé, Abu Bakr, Omar e Uthman) para Kufa. Lá, ele organizou as tropas e marchou contra os rivais. Tudo isso ainda e 656, o mesmo ano de sua posse. Desenrolou-se então a chamada batalha do camelo, de onde Ali saiu vitorioso, exterminando as tropas dos oponentes e, além de matar al-Zubayr e Talha, capturou Aysha, esta foi silenciada (pois ficou sem aliados) e então enviada de volta para Medina, onde viveu o resto de sua vida (morreu em 678, de velhice, com quase oitenta anos) confortavelmente, mas sem ter outra chance de agir politicamente falando. A morte de seus inimigos serviu para consolidar as posições de Ali no Iraque (ou Mesopotâmia), mas, no entanto, na Síria as coisas estavam diferentes. Moawiya não aceitava o governo de Ali, a quem considerava um usurpador, dessa forma, agora aliado com Amr (entendam que Amr, apesar de ter sido inimigo de Uthman, viu em seu primo Moawiya, um aliado poderoso, posto que este não praticava os mesmos erros grotescos que o Califa anterior, além disso, Ali lhe tinha usurpado a idéia de dar um golpe e tomar para si o título de Califa, visto que havia feito isto antes, sendo assim, a vingança também o motivava), iniciou, já em 657, suas ofensivas. A batalha de Siffin, na margem direita do rio Eufrates, em 657, foi decisiva em muitos aspectos, pois os exércitos de Ali estavam levando vantagem até que Amr, que comandava os exércitos de Moawiya, ordenou que todos os seus homens colocassem sobre as espadas folhas do Alcorão. Essa imagem fez com que as tropas de Ali desistissem de lutar, pois consideravam sacrilégio matar homens tão leias à sua fé. Além da desistência, os homens de Ali decidiram submete-lo a uma Arbitragem, ou seja, uma espécie de julgamento que apontaria se sua ascensão ao poder era válida (na prática, isto punha em dúvida o mérito do governante, ou seja, o desmoralizava). Enquanto Ali se retirava do campo de batalha com seus homens, cerca de metade deles veio insistir para retornar ao combate. O Califa, no entanto, achou prudente não aceitar, pois estariam em menor número e certamente perderiam a batalha. Diante da recusa de Ali, estes soldados desertaram, mas ao invés de passarem para o lado de Moawiya, formaram uma milícia religiosa cujos seguidores foram batizadados de Kharidjitas (os que saem). A formação dessa milícia marca o primeiro grande cisma do Islã. Depois da formação do Kharidjismo, Ali teve que ocupar seu tempo enfrentando-os, dessa forma, Moawiya passou a agir livremente e, sendo assim, não só retomou o Egito, cujo governador era leal a Ali, e entregou-o a Amr, como, em 660, em Jerusalém, proclamou-se Califa. Isso gerava uma situação de quase ruptura, uma vez que passava a haver dois indivíduos que se consideravam governantes supremos do Império, um cuja influência de estendia ao Egito e à Síria (Moawiya) e o outro, ao qual eram leais a Arábia em si e o Iraque (Ali). Ali finalmente derrotou os revoltosos Kharidjitas, na batalha de Nahrawan, nas margens (e mesmo dentro dele, dizem que as águas do rio se tornaram turvas com o sangue dos dissidentes) do rio Tigre. Porém, apesar de agora ineficazes militarmente, os Kharidjitas continuaram a existir e a agir de forma semelhante aos terroristas de hoje, tanto que, em 661, quando (livre dos insurretos) Ali organizava suas tropas para marcharem contra a Síria, um Kharidjita disfarçado invadiu a Mesquita de Kufa e matou o Califa. Com a morte de Ali, o caminho ficou livre para as pretensões de Moawiya. 5.2 – As Revoltas Xiitas e as dissidências religiosas no Islã: As tensões que se iniciaram no Califado de Uthman acarretaram diversas transformações no mundo Árabe. Porém, as principais talvez tenham sido as religiosas. Digo principais, pois além das transformações políticas profundas ocorridas no Império Islâmico, decorrentes em grande parte de tais dissensões religiosas (não devemos esquecer que os Kharidjitas atrapalharam a possível e provável reação de Ali, abrindo o caminho para o fortalecimento dos Sírios), até hoje essas diferentes correntes têm, em maior ou menor grau, alguma influência no mundo Muçulmano, sendo que o Irã tem como religião oficial o Xiismo. O Kharidjismo foi a primeira dessas dissensões religiosas e, como já expliquei no item anterior, surgiu de uma discordância entre os soldados de Ali e este. Ele foi responsável por diversos ataques tanto na época de Ali, quando ainda era efetivo numericamente o suficiente para realizar reides, quanto em épocas posteriores, através de atentados e da conversão de adeptos do Sunismo (ortodoxia Islâmica original) a sua causa. A principal discordância dos Kharidjitas em relação aos Ortodoxos (os Muçulmanos que seguem os ensinamentos originais de Maomé) era política, eles acreditavam que qualquer cidadão deveria ter o direito de ascender ao Califado, desde que fosse Islâmico. Porém, o Califa deveria ser cobrado quanto ao cumprimento de suas obrigações, podendo ser deposto se não as cumprisse adequadamente. Esse princípio batia de frente com o caráter hereditário que viria a se instaurar no Califado após a morte de Ali, sendo assim, essa seita continuou agindo contra o interesse dos Califas. O mais curioso quanto aos Kharidjitas é que para eles (apesar de serem Islâmicos), era mais fácil considerar um Judeu ou um Cristão como igual do que um Muçulmano não adepto de sua causa. Após a morte de Ali, que possuía muitos apoiadores incontestes, este foi transformado por muitos numa figura semi-divina, de fato, Ali, bem como seus descendentes (filhos deste com sua esposa Fátima, filha de Maomé) passaram a ser considerados mais importantes do que Maomé. É bom que se explique que os Califas eram, até o tempo de Ali, ao mesmo tempo Malik (Rei) e Imam (Líder Religioso), porém o culto que se desenvolveu a Ali, tratava-o, e também a seu filho, Hussayn, como Imam. Este culto recebeu o nome de Xiismo. Os Xiitas, uma seita que persiste, como já foi referido, até os dias de hoje, acreditam que o Califado só pode ser exercido pelos descendentes diretos de Ali, pois estes são naturalmente divinizados. Cada Imam tem o dom, concedido por Allah, de rever as escrituras, sendo assim, a palavra de um Imam é absoluta sendo superior ao Alcorão e até mesmo a palavra do Imam anterior. A crença na divindade do Imam fez com que os Xiitas não aceitassem os Califas e, sendo assim, desenvolvessem vários ataques e revoltas ao longo de todo o Califado Omíada e depois, também do Abássida. Para os Xiitas, o Imam designa entre seus filhos aquele apto a ser o futuro Imam. Porém, isso causou algumas dissidências entre os próprios Xiitas, pois o sexto Imam, Djafar, não escolheu como futuro Imam ao seu filho mais velho, Ismail, como era costume até então, mas sim ao seu filho mais novo, Musa. Dessa forma, alguns Xiitas que acreditavam na sucessão varonil por idade (ou seja, o filho homem mais velho deveria ser o novo Imam), não aceitaram Musa como Imam e passaram a cultuar Ismail como seu Imam, estes foram então ditos Ismailitas, uma facção Xiita considerada radical até mesmo por estes (que, diga-se de passagem, já são radicais o bastante). Os Ismailitas recusam-se a acreditar que Ismail tenha morrido um dia, ao contrário, eles afirmam que seu líder irá retornar ao mundo e salválos, bem como a todos os que se converterem, sendo assim, para os Ismailitas, com Ismail encerra-se o ciclo de Imans. Ao contrário, para os Xiitas, que aceitaram Musa como seu Imam, o ciclo só se encerra quando (por volta do final do século X) o décimo segundo Imam se retira para uma montanha sob o pretexto de meditar. Os Xiitas acreditam (talvez inspirados nos Ismailitas) que este ainda está meditando nas montanhas, até hoje, e um dia retornará para salva-los, nesse dia, as revelações finais sobre o Alcorão serão feitas, e as partes perdidas (que teriam sido excluídas propositalmente para retirar os predicados de Ali quando foi elaborado o texto único) serão reencontradas. Tanto os Xiitas, quanto os Ismailitas (que nada mais são do que uma facção dos Xiitas) acreditam que, quando Uthman realizou a edição do texto “oficial” do Alcorão, deliberadamente negligenciou algumas partes que beneficiavam Ali. Dessa forma, ele teria impedido o “fundador” do Xiismo de obter privilégios semelhantes aos de Maomé. É interessante notar no Xiismo que apesar de Ali ser seu “fundador”, ou pelo menos inspirador, seu filho Hussayn foi mais venerado, isso porque sua morte (apesar de ter sido morto numa emboscada, armada pelo novo Califa Moawiya, que temia que o filho de Ali reunisse forças suficientes para destrona-lo) foi considerada um rito de auto-sacrifício, em busca de purificação, de salvação. A morte de Hussayn entrou para a História como o massacre, ou drama, de Karbala, e inspirou o início das violentas hostilidades Xiitas ao longo da História. Para os Xiitas, existe uma necessidade de vingar Hussayn, sendo assim, eles se mobilizam para tal feito. Essa mobilização, aliada a outras causas que veremos mais adiante, foi uma das responsáveis pela queda da dinastia Omíada. O enviado de Allah que, tanto para os Xiitas, quanto os Ismailitas, esperam, é chamado de Mahdi e será simplesmente infalível. 5.3 – As três frentes da expansão: Certamente foi durante o governo de Uthman que a expansão dos domínios Árabes tomou realmente a forma que viria a ter nos próximos anos, sobretudo durante a dinastia Omíada. Três foram os caminhos adotados pelos Muçulmanos para expandir sua fé e seu controle temporal. Veremos neste item boa parte das principais conquistas Islâmicas desde o estágio embrionário da divisão em frentes de combate, até o final do período ao qual se remete este texto, ou seja, em 809, com a morte de Harun al-Rachid. 5.3.1 – Oriente: A expansão rumo ao Oriente existiu em boa parte sobre os domínios do antigo Império Persa. Este estava fragilizado pelas sucessivas derrotas que sofrera frente ao Império Bizantino, sendo assim, não pode resistir à organização das tropas Islâmicas. O leitor deve estar intrigado com uma questão importante e pouco estudada sobre o Império Persa. Ele não havia acabado no século IV a.C., quando Alexandre matou Dario III e conquistou seu Império Persa. Vejamos, depois da morte de Alexandre, seu Império foi dividido entre seus principais homens, dentre eles contavam Antígono, a quem coube o núcleo do Império, ou seja, a Grécia-Macedônia; Ptolomeu, a quem coube o Egito; e Seleuco, a quem coube a Ásia, ou o antigo Império Persa. Logo no início, a Ásia Seleucida foi desmembrada em diversos Reinos: Armênia; Média Atropatena; Partia; Bactriana e a própria Seleucida. Em 64 a.C., a Partia, que sob a dinastia dos Arsácidas (dinastia estabelecida em 247 a.C.) se fortalecera, toma as demais regiões, mas não recria o Império Persa, este período é chamado de Reino Parto, e perdura até 224 d.C.. Os Partos impuseram dura resistência ao Império Romano, tendo sido combatidos por famosos generais, tais como Lépido e Marco Antônio. Em 224 d.C., um príncipe regional chamado Ardachêr, filho de Sâssân, organiza uma revolução nacional e, derrubando a dinastia Arsácida, instala no lugar a sua, que em homenagem a seu pai, se chama Sassânida. Os Sassânidas, em busca de respaldo anterior ressucitam o nome Pérsia, bem como todos os seus títulos, dessa maneira, o soberano volta a se chamar Grande-Rei, como na Pérsia Pré-Alexandrina e o Império volta a se chamar Império Persa. Os Sassânidas oferecem muito mais problemas aos Romanos do que seus antecessores, os Partos, talvez por serem mais ferozes que estes, ou pelo fato de aqueles estarem em decadência. O fato é que um Imperador Romano é morto (Juliano, em 363) e outro capturado e escravizado (Valeriano, em 260) em guerras contra os Persas Sassânidas. Depois da queda do império Romano, os Sassânidas passam a disputar com os Bizantinos a hegemonia do Oriente. De início, são atrapalhados em suas tentativas, pelos Hunos e quando tentam conquistar territórios Bizantinos, encontram Constantinopla em seu apogeu militar, com Justiniano, que os repele. Khosrô II, no entanto, conquista diversos territórios do Império Bizantino (Ásia Menor, Síria, Palestina e Egito) após a morte de Justiniano, desencadeando uma guerra feroz entre os dois Impérios. Heráclito I, Imperador Bizantino, começa a retomar o que lhe havia sido usurpado pelos Persas e, em 628, lhes impõe uma derrota definitiva (já mencionada anteriormente), derrota esta que praticamente destrói qualquer chance da dinastia Sassânida se reerguer. É neste contexto que os árabes encontra os Persas, ou seja, praticamente derrotados desde 628, precisando apesar do “último empurrão” para caírem no precipício; e este “empurrão” é dado pelos Muçulmanos. Em 651, Yazdgard, último Grande-Rei Sassânida é morto pelos Árabes depois de fugir de cidade em cidade, sendo assim, termina a dinastia, pelo menos na Pérsia, visto que no Turquestão (antiga pátria dos Turcos, dos quais falarei brevemente no item sobre a dinastia Abássida) e depois na China, ainda resistem Reis Sassânidas até meados do século VIII, quando são finalmente exterminados pelos Árabes. Se por um lado a expansão Árabe em seu rumo oriental se fundamentou na conquista dos territórios do Império Persa, por outro, não se limitou a isso, visto que entre o governo de Uthman (644 – 656) e o de Al-Walid (705 – 715), estenderam seus domínios do oeste do atual Irã até certas regiões da China e da Índia, tendo inclusive se deparado com tropas da dinastia T’ang, da China da época. 5.3.2 – Norte: Enquanto a expansão rumo ao leste se fundamentava na anexação dos territórios do Império Persa, a expansão no sentido norte almejava a conquista de regiões do Império Bizantino. Iniciada por Uthman, esta direção das conquistas foi a que menos logrou efeito (pelo menos na época referida, visto que como esta frente nunca foi esquecida pelos povos Islâmicos, posteriormente os Turcos, saídos do Turquestão, atacaram a Ásia Menor, ou Capadócia, visando se instalarem. Venceram a batalha de Manzikert, em 1071, iniciaram a formação do Império Turco, ou Otomano, que, dominando os Bálcãs e boa parte dos domínios centrais do Império Islâmico original, perdurou até o final da Primeira Guerra Mundial), pois teve como oposição ferrenha o, ainda poderoso, Império Bizantino. As principais motivações dessa frente de combate eram nitidamente comerciais. Os Árabes, que estavam sob a égide de um clã comercial (os Omíadas), desejavam banir os Bizantinos do comércio do mar Mediterrâneo e, se não pudessem conquista-los, pelos menos queriam sobrepuja-los. Foi com esse intuito que, já no governo de Uthman, o Império Islâmico iniciou a construção de sua esquadra que conseguiu grandes vitórias logo de início, conquistando o Chipre e dizimando a marinha Bizantina. Depois de conquistar a supremacia no Mediterrâneo, os Árabes iniciaram a construção de uma rede de postos avançados no mar, com a conquista de diversas ilhas e cidades costeiras, como Rhodes e Chipre, além de ataques a Sicília e ao sul da Itália. Desejando exterminar definitivamente os Bizantinos e abrir seu caminho rumo a Europa, os Árabes enviaram, em 674, uma grande esquadra para Constantinopla, pois sabiam que se a capital caísse, todo o Império cairia. Ocorreu um longo cerco de quatro anos, nos quais a cidade resistia e os Árabes atacavam, até que os Bizantinos utilizaram a ciência para lhes garantir a sobrevivência. Graças a pesquisas de Calímaco, um engenheiro da Síria que se refugiou no Império Bizantino para fugir do domínio Islâmico, foi inventado o fogo grego, uma mistura de petróleo, enxofre, salitre e cal viva, que se inflama com o impacto e queima em qualquer superfície, inclusive sobre a água (devido ao petróleo, que é o que queima realmente). Graças ao fogo grego, Constantinopla conseguiu armar suas defesas navais e destruir a esquadra Árabe que a cercava (isso porque, como os navios da época eram feitos de madeira, o fogo se tornava especialmente perigoso para eles). Os Árabes evitaram realizar novas investidas navais contra Constantinopla para não perderem mais navios, em contra partida, os Bizantinos não conseguiram reaver o que haviam perdido, pois assim como não conseguiriam produzir fogo grego suficiente para queimar todos os navios Árabes, também não teriam recursos para reconstruir sua marinha perdida (uma vez que depois da dispendiosa reconquista organizada por Justiniano (que governou entre 527 e 565), as finanças Imperiais ficaram de tal forma arruinadas, que nunca mais se recuperaram). Dessa maneira, houve uma certa paz nos mares entre os Impérios Islâmico e Bizantino. 5.3.3 – Ocidente: A expansão Árabe rumo ao ocidente foi a que começou mais cedo, já no governo de Omar, talvez motivada pelo sentimento de revanchismo que boa parte dos Árabes nutria em relação aos Abissínios (Etíopes), pois, como já foi explicado, este dominaram por longo período o Reino de Sabá, além de tentarem impor o Cristianismo aos povos Árabes pré-Islâmicos. Durante o Califado de Omar (634 – 644), as conquistas se estenderam até Trípoli, tendo tomado, no caminho, o Egito e a Abissínia. No governo de Uthman, esta frente foi preterida em detrimento das outras duas e no Califado de Ali, devido às diversas guerras que o primo de Maomé teve que travar e ao conturbado momento político em que se encontrava o Califado, a expansão parou momentaneamente. Quando a dinastia Omíada se instalou, voltou seus olhos novamente a esta direção da expansão. Talvez a ênfase maior a estas conquistas tenha sido dada quando os Árabes se deram conta de que, pelo menos por aquela hora, não poderiam tomar Constantinopla, sendo assim, precisavam atingir a Europa de outra maneira. Através das conquistas no norte da África, ocorreu um aumento brutal da extensão do Império, bem como uma verdadeira revolução na máquina de guerra Islâmica, visto que os Berberes (povo do norte da África (região da Numídia) conhecido por sua resistência intransponível a todos os Impérios anteriores e por seu nomadismo, além de suas altíssimas qualificações militares) se converteram ao Islamismo e tomaram para si a responsabilidade de invadir a Espanha Visigótica (o domínio da Espanha será contado em detalhes num item especial, devido à grandeza do general responsável por sua conquista). Outras conseqüências importantes tanto para o Império Islâmico, quanto para o mundo atual da conquista do norte da África foram: o surgimento da África Branca, ou seja, a irradiação dos povos Semitas da Arábia e Egito até o Maghreb; a destruição definitiva de Cartago (a cidade havia sido destruída pelos Romanos em 146 a.C., porém, depois de ficar vários anos desocupada, foi revivida por Júlio César) para a construção, no mesmo lugar, de Tunis; a criação de portos importantes para o ataque a ilhas do Mediterrâneo e regiões costeiras da Europa; além da principal conseqüência Histórica, a conquista da Espanha e o subseqüente fechamento do Mediterrâneo à navegação Européia, pois os Árabes passaram a domina-lo completamente. Com certeza, com veremos, a conquista da Espanha (entre 711 e 714) marca o início do apogeu do Império Islâmico, uma Império que existia a apenas oitenta anos e que já dominava uma região maior do que a extensão máxima do Império Romano. 6 – O Califado Omíada: Após a morte de Ali, finda-se o período dos Califas ditos Ortodoxos, isso porque, os quatro que reinaram depois da morte do profeta haviam tido contato direto com ele e assim, estavam entre os primeiros convertidos ao Islã. Moawiya dá um golpe em 660, quando se proclama Califa, em Jerusalém. Seu golpe, no entanto, só se concretiza em 661, quando Ali morre, desde então, o antigo governador da Síria e agora, novo Califa, introduz algumas mudanças substanciais na política e, trazendo de volta para sua família o poder (visto que Uthman era seu primo e líder da família antes dele) proclama o Califado como hereditário, estabelecendo assim, a dinastia Omíada, visto que uma dinastia se caracteriza pelo domínio do poder por uma família ao longo de um certo tempo. 6.1 – Os Califas e os feitos da Dinastia: A dinastia Omíada foi marcada por alguns pontos importantes tanto de conflito quanto de evolução. Já mencionei que foi durante esta dinastia que o Império Islâmico atingiu seu apogeu tanto físico (em tamanho) quanto militar, somente o apogeu cultural é que viria posteriormente, com a dinastia Abássida. Do ponto de vista político-religioso, a transformação do Estado em Estado Laico foi uma evolução, no sentido em que retirou do Califa o peso de ser o sumo pontífice do Islamismo, deixando-o livre para decidir o futuro econômico, militar, social e político do império; ao mesmo tempo que talvez tenha sido um retrocesso, uma vez que esta separação acarretou na dissolução da Teocracia que havia sido criada ainda na época de Maomé. O fim da Teocracia é ruim, pois retira parte do apoio popular, advindo da Religião, ao governante. Outra característica importante da dinastia Omíada é que ela nunca contou com o apoio total da população do Império, tanto por causa das revoltas religiosas (Kharidjitas e Xiitas), quanto pelo fato do tamanho do Império ter começado a torna-lo ingovernável na época. Pois em regiões tão distantes e, sendo assim, tão distintas, se tornava difícil manter uma comunhão de pensamentos e mesmo religiosa, em suma, o que era bom para a Espanha não necessariamente era bom para a Síria, ou para o Iraque, ou para a Arábia. Porém, acredito que a principal característica da dinastia Omíada tenha sido realmente a vitória dos grupos mercantis (repito pré-capitalistas) sobre os grupos religiosos fundadores do Império, dessa forma, o Império que foi criado e era mantido através da difusão de uma fé, não era mais administrado pelos superiores dela. 6.1.1 – Moawiya (661 – 680): Moawiya foi o fundador da dinastia Omíada e, apesar de não ter sido o primeiro membro desse clã o governar o Império (Uthman também era do clã Omíada), foi, com certeza, o mais revolucionário Califa desde de Maomé. Em seu governo, o novo Califa operou várias transformações no mundo Islâmico. Uma delas já foi mencionada, ou seja, foi a laicização do Estado, mas convém enumerar outras: a transferência da capital de Kufa (para onde Ali tinha transferido-a anteriormente) para Damasco; a proclamação da hereditariedade do título de Califa (o que fundou a dinastia propriamente dita); a retomada das frentes expansionistas iniciadas por Uthman; a reintegração da totalidade do Império sob uma só autoridade; o combate às dissensões religiosas. Quando Ali morreu, seu filho, Hassan, foi escolhido pelas tropas do Iraque como seu sucessor, dessa forma, as disputas entre Síria e Iraque continuariam, no entanto, por motivos ignorados, Hassan abandonou o poder, deixando-o todo para Moawiya. Existem duas hipóteses para explicar o ocorrido, sendo uma delas mais provável. A primeira, e menos provável, é a utilizada pelos Sunitas (os Muçulmanos Ortodoxos, ou seja, que seguem o Alcorão tal como foi escrito e que se posicionaram ao lado dos Omíadas), e diz que num encontro entre Hassan e Moawiya, o filho de Ali se sentiu inferior ao concorrente e, sendo assim, abandonou o poder. A outra hipótese, mais provável, é defendida pelos Xiitas (aqueles que se posicionaram ao lado de Ali, contra os Omíadas), segundo esta hipótese, Moawiya teria armado uma cilada para Hassan, na dita reunião, sendo assim, o soberano Omíada teria capturado o filho de Ali e, mais tarde matado-o com veneno. De qualquer forma, com a abdicação de Hassan, Moawiya ficou sozinho para governar e iniciou seu Califado em 661. Seu primeiro ato de governo foi tornar o Califa superior ao Shura, o conselho dos seis, criado por Omar para designar o sucessor do Califa. Desta forma, o Califa não só passava a responder sozinho pela administração Imperial, como também indicava em vida um de seus filhos como sendo seu sucessor. Este, ainda durante a vida do pai, passava pela aprovação (meramente formal, visto que o conselho era controlado pelo Califa) da Shura e, sendo assim, estava efetivado como herdeiro do trono. Dessa forma foi possível a manutenção do clã Omíada no poder. A transferência da capital do Império para Damasco não ocorreu meramente porque o Califa estava radicado nesta cidade, constituindo ela, sua fonte de poder. Ao contrário, foi uma questão geopolítica e religiosa de extrema importância. Religiosa, porque em Medina, antiga capital do Império (antes de Ali se mudar para Kufa), estava radicada a elite sacerdotal do Império, em outras palavras, era o centro de poder do antigo Estado Teocrático Árabe, Estado este que os Omíadas queriam derrubar. Porém, sob o ponto de vista geopolítico e também administrativo, Damasco estava muito mais bem situada, localizando-se na Síria, a cidade estava exatamente no núcleo do Império, de onde era possível ir facilmente para qualquer de seus pontos, e também proteger-se de ataques, visto que não se tratava de uma cidade costeira. Do ponto de vista comercial, o governo de Moawiya também foi importantíssimo, pois com a conquista do antigo Império Persa, ele dominou as rotas comerciais do oriente e, sendo assim, o comércio Mediterrâneo (coisa que foi facilitada pelo poderio da marinha de guerra). O domínio das rotas comerciais deu novo fôlego ao Império que havia percebido a falha de seu sistema de tributação dos infiéis (sistema criado por Omar e que se esfacelou no final do governo de Uthman, com a conversão em massa das populações dominadas à fé Islâmica). O sistema de tributação perdurou, pois era interessante como forma de compelir, não violentamente, os dominados à conversão, porém, já não era a responsável pela economia do Império, que se apoiava agora no comércio oriental e Mediterrâneo. No tocante às dissensões religiosas, Moawiya encontrou duras ações dos Kharidjitas, porém, se mostrou hábil em contornar os ânimos dos Xiitas. Estes eram mais numerosos, mas menos agressivos e organizados que aqueles. Por fim, sobre o governo de Moawiya é interessante assinalar a importância da formação da Monarquia Nacional e Centralizada. Centralizada ela era devido ao poder supremo do Califa, tanto no tocante às nomeações, quanto à administração, porém, o caráter Nacional era novo, visto que anteriormente, os Islâmicos eram considerados pertencentes cidadãos do Império, agora não mais, estes eram apenas os Árabes, ou seja, os nascidos (ou descendentes de nascidos) na região que vai do Iêmen (no sul da península Arábica) até a Síria (onde se localiza Damasco). Dessa forma, mesmo que estes não fossem Islâmicos, seriam considerados cidadãos. O governo de Moawiya, e a dinastia Omíada como um todo, se caracterizou pelo profissionalismo dos cargos públicos, era uma clara tentativa de combater os graves problemas que ocorreram no governo de Uthman (o primeiro Omíada), quando o critério de seleção para os cargos era o nepotismo. Agora, os altos cargos públicos só eram ocupados por pessoas comprovadamente competentes, mesmo que não fossem Muçulmanas (de fato, houve um grande número de Cristãos ocupando importantes cargos durante a dinastia Omíada). O objetivo dos Califas Omíadas com essa atitude era, não só profissionalizar o Estado, como também fazer o Império prosperar pela competência administrativa (competência esta copiada, em muito, do Império Bizantino, daí os Cristãos no governo). A colocação de não Muçulmanos em cargos públicos causava a revolta de alguns mais exaltados, mas é importante que se note que todos os Califas Omíadas, sem exceção, sempre foram Muçulmanos tradicionalistas (Sunitas) e grandes observadores da fé, do Alcorão e dos costumes Árabes (as Sunnas de Maomé, daí Sunitas). 6.1.2 – Yazid (680 – 683): Em 680, Moawiya morreu, mas seu filho, Yazid, já estava homologado há muito tempo pela Shura, sendo assim, assumiu sem problemas. Porém, se por um lado não houve problemas legais na cúpula Imperial, por outro, Husayn, irmão de Hassan e filho de Ali, instalado em Meca e com o auxílio de Abdallah ibn al-Zubayr, recusa-se a reconhecer o novo Califa. Kufa, a cidade que Ali escolhera para ser sua capital, apóia Husayn e este se dirige para lá, em busca de homens para formar seu exército. No entanto, no meio do caminho, é morto e decapitado (10 de outubro de 680). Para os Xiitas, que consideravam Husayn como seu segundo Imam, a morte de seu líder foi glorificada como um ato de autosacrifício (em busca da salvação eterna ao lado de Allah), sendo assim, o local da morte do filho de Ali se tornou imediatamente um local de peregrinação Xiita. A morte do Imam, como já me referi anteriormente, incitou os Xiitas contra os Omíadas e gerou os movimentou que ficaram conhecidos como: “A Revoluções Xiitas no Islã”. Esse movimento foi mais forte durante a dinastia Omíada e, como veremos, contribuiu muito para sua derrobada, em 750. Porém, mesmo depois de 750, os Xiitas continuaram causando problemas aos Islâmicos de outras seitas, inclusive, em 1980, quando ocorreu a Revolução Xiita Iraniana, que derrubou o Xá Rezah Pahlavi, e instaurou no poder o Aiatolá Khomeini, o povo, nas ruas, portava estandartes nos quais estava escrito: “Xá = Yazid / Khomeini = Hussayn”, numa clara alusão à idéia de que a deposição do Xá viria vingar o marte de Hussayn, operada por Yazid, em 680. Apesar da morte de Husayn, al-Zubayr atinge Kufa e consegue reunir sob seu comando tanto Xiitas, como Kharidjitas (ambos unidos pelo ódio aos Omíadas), sendo assim, quando retorna ao Hedjaz, faz eclodir uma revolução em Medina e Meca. Os Omíadas são expulsos da região e, temporariamente, esta passa a ser governada pelos revoltosos. A reação Imperial não tarda, o general Muslim é enviado, em 682, à região e impõe uma séria derrota aos revoltosos, na cidade Medina. Porém, em Meca, o general não tem a mesma sorte, numa batalha sangrenta, Meca é incendiada, mas os exércitos do Califa, inclusive Muslim, perecem. No incêndio, a Caaba é destruída. Nova investida, sob o comando de Ibn Numayr, ia ser feita, em novembro de 683, mas o Califa morre e a expedição é cancelada. O filho de Yazid era Moawiya II, que, assim como ocorrera com o pai, já havia sido homologado como herdeiro durante seu governo. Porém, o novo Califa assume o trono e, quarenta dias depois, falece, vítima de uma grave doença. A morte prematura de Moawiya II coloca o Império sob um breve período de Anarquia, uma vez que Yazid tinha apenas 38 anos de idade e como tal, não podia ter um filho velho o suficiente para ter um herdeiro capaz de assumir o trono. Além das guerras ocorridas no breve governo de Yazid, houve uma expansão dos domínios no norte da África, no entanto, esta expansão foi realizada de forma impensada, pelo general Oqba ibn Nafi e, sendo assim, apesar de ter atingido o Maghreb pela primeira vez, gerou uma guerra ferrenha contra os Berberes e pôs as conquistas em risco. Tanto que, em 681, o general foi morto e suas tropas desbaratadas, o que ocasionou o avanço dos Berberes e a conseqüente evacuação de Trípoli pelos Árabes, ou seja, no norte da África o Império começava a recuar. 6.1.3 – Mawan (684 – 685): A morte de Moawiya II finalizou o braço principal do clã Omíada, sendo assim, o mais velho membro de um outro braço do clã, Marwan, foi nomeado Califa. Porém, ele estava numa situação difícil, pois além de já contar mais de 70 anos de idade (o que lhe dificultava a locomoção junto das tropas), a demora para sua escolha (mais de três meses se passaram entre a morte de Moawiya II e a posse de Marwan) possibilitou que alZubayr fosse eleito Califa na Arábia. O líder dos revoltosos tinha o apoio inconteste do Iraque e o Egito havia se aliado a ele, sendo assim, das cinco principais regiões do Império (Arábia, Síria, Egito, Iraque e Oriente (visto que a Tripolitânia, região a oeste do Egito, havia sido perdida em 681)), três apoiavam al-Zubayr, uma apoiava Marwan e a outra, o Oriente (composto por regiões distantes como Kabul, na China, certas regiões da Índia e do Turquestão (Mongólia)), estava há tão pouco tempo conquistada, que tendia mais a se separar do Império, do que a apoiar um dos dois pretendentes ao trono. Para agravar ainda mais a situação de Marwan, começava a surgir na própria Síria, um forte partido, os banu Qays, que apoiava al-Zubayr na sucessão Imperial. O próprio Marwan estava a ponto de renunciar em favor do concorrente, mas um fato viria mudar o panorama político que estava em vias de se definir em prol dos revoltosos, cujo corpo era composto por Xiitas e Kharidjitas. Discordâncias entre al-Zubayr e seus comandados fizeram com que, tanto Xiitas, quanto Kharidjitas, se declarassem independentes em relação a seu governo. Esse fato encoraja Marwan a encarar uma luta contra o opositor, na medida em que reduziu brutalmente suas fileiras. O Califa (chamarei à partir daqui Marwan e os Califas Omíadas, de Califas e al-Zubayr, de Anticalifa) consegue colocar toda a Síria sob sua autoridade e então marcha rumo ao Egito. Lá, ele derrota o governador nomeado por al-Zubayr e reintegra a região a seus domínios. No entanto, quando o velho Califa retorna a Damasco e começa a preparar sua investida contra a península Arábia, morre, em conseqüência de sua avançada idade. 6.1.4 – Abd al-Malik (685 – 705): A morte de Marwan não se torna nenhum grande problema, pois, justamente por ter assumido em idade avançada, o Califa havia pensado desde o princípio em homologar seu sucessor. E este era seu filho, Abd alMalik. Quando o novo Califa assume, o Império está dividido em dois: metade (Egito e Síria) sob seu controle e a outra metade (Arábia e Iraque) sob o poder do Anticalifa de Meca. Além dos problemas que isso acarretaria ao novo Califa, o Império Bizantino percebe que se trata de uma boa hora para reconquistar o que lhe fora tomado, sendo assim, inicia-se (pelo mar e pelo norte) uma forte investida Bizantina contra os domínios de al-Malik. Se por um lado o Califa passava por um período difícil, com os Bizantinos tendo lhe tomado a Fenícia, penetrado na Armênia, reconquistado algumas regiões do norte da África e imposto pesados tributos; por outro, o Anticalifa também tinha sérios problemas. A al-Zubayr só restavam a Arábia e o Iraque, o ele residisse na primeira, entregou o governo da segunda a seu irmão, Musab. Musab teve de enfrentar, radicado numa província que não lhe era totalmente leal, duros embates com Xiitas e Kharidjitas. Para os primeiros, surge um líder importantíssimo, al-Muhtar, que altera as orientações teológicas da seita. Em 685, al-Muhtar e seu general, Ibn al-Astar, tomam Kufa e continuam avançando, dominando cidade após cidade. O irmão do Anticalifa, no entanto, consegue vencer os revoltosos e recuperar Kufa. Com a morte de al-Muhtar, o general Ibn al-Astar se submete a Musab, em 687. Enquanto o Anticalifa se fortalecia, ao vencer os revoltosos do Iraque, o Califa pensava numa maneira de interromper a seqüência de derrotas que lhe vinham sendo impostas. Decidiu, então, em 688, utilizar-se de uma “jogada de marketing” para combater o rival. Uma vez que é obrigação de todo Muçulmano peregrinar pelo menos uma vez na vida à Meca (estando livres apenas aqueles a quem faltam recursos), todos os que iam para Meca (capital do Anticalifa) podiam ser expostos à maquina de propaganda de alZubayr, sendo assim, o Califa proibiu seus súditos da Síria e do Egito de peregrinarem a Meca. Para compensa-los, utilizou-se das próprias palavras de Maomé, que se dizia o terceiro profeta (sendo o primeiro Moisés e o segundo Jesus). Dessa forma, a cidade sagrada de Jesus (Jerusalém) também poderia ser sagrada para Maomé e seus filhos, assim, o Califa construiu em Jerusalém, no local do antigo templo hebraico (destruído pelos Romanos e cujas ruínas constituem, hoje, o Muro das Lamentações) a Mesquita de Omar, mais conhecida hoje como O Domo da Rocha, destinada a ser o novo local de peregrinação Muçulmana, em substituição a Meca. Aliada à tática da propaganda, Abd al-Malik investe em seus exércitos e, em 690, consegue derrotar o governador do Iraque e retomar a província. Com a retomada do Iraque, as províncias orientais, sobre as quais a autoridade de um Califa não se fazia sentir desde Yazid, foram reintegradas. Cerca de um ano depois da retomada do Iraque, o general alHadjdjadj, aliado ao Califa, invadiu Meca e, matando o já idoso Anticalifa, reunificou o Império. A este general, como prêmio, foi entregue o governo da maior província do Império, o Iraque, que contava agora em seu território com as províncias orientais. Apesar do poder que proporcionava governar tamanha região, isto também constituía um problema, pois o Iraque, desde aquela época já era um verdadeiro “barril de pólvora” (e olhem que a pólvora ainda nem tinha sido inventada). O governador teve de enfrentar diversas rebeliões de Xiitas e Kharidjitas. Porém, a pior de todas as revoltas foi a de um general seu, Ibn al-Asat, que fora enviado para derrotar um Rei Turco (lembrem-se que os Turcos dessa época não viviam na Turquia atual, mas no Turquestão, uma região situada nas atuais Mongólia e China), mas que se aliou com este para derrotar o governador. Esta revolta foi dificilmente apaziguada, o que fez com que o governador tomasse medidas drásticas: construiu uma nova capital para a província, muito mais fortificada do que Kufa, a cidade de Wasit e obrigou os recém convertidos ao Islã a pagarem tributo, como forma de impedir que conspiradores se convertessem só para se livrarem de impostos. No tocante ao ocidente, o Califa organizou a retomada das regiões perdidas, entregou o comando das tropas daquela frente a Hassan alNuman. O general avançou com muito êxito, com seu numeroso exército e, mesmo combatido pelos Berberes, conseguiu tomar Cartago, em 692. Boa parte dos habitantes da cidade se refugiaram na Sicília (região pertencente ao Império Bizantino), o que fez com que a notícia chegasse rapidamente e com forte impacto a Constantinopla. Uma grande esquadra Bizantina, com muitos homens, foi enviada a Cartago e, em 697, ela foi retomada pelos Bizantinos. Os Berberes auxiliaram os Bizantinos e impuseram graves derrotas a al-Numan. Porém, o general não se deixou abater, reuniu novos contingentes e partiu contra as regiões das quais havia sido expulso. Em 698, retomou Cartago, que foi inteiramente destruída, e Derrotou Kahena, a rainha dos Berberes. Esta região constituiria a província da Ifríqiya, e passaria a ser organizada pelo conquistador. O general investiu no desenvolvimento de um pequeno povoado (ao que parece muito antigo, de origem Fenícia), que existia nos arredores de Cartago. Este povoado se chamava Túnis e se tornaria a capital da província conquistada. Com o tempo, Túnis cresceu e ocupou o território onde um dia existiu Cartago. Em 705, Abd al-Malik faleceu, mas deixou seu nome gravado para sempre na História, como sendo o homem que reconstruiu um Império que estava à beira do precipício, ou seja, como um dos maiores estadistas de todos os tempos. 6.1.5 – Al-Walid (705 – 715): A morte de Abd al-Malik colocou no poder seu filho, Al-Walid, que, como rezava a tradição, já estava homologado como herdeiro antes da morte do pai. Seu governo foi marcado pelo apogeu militar da dinastia Omíada, nele, além dos Bizantinos terem sido definitivamente expulsos da Síria e da Armênia, as conquistas em sua frente tríplice foram retomadas a pleno vapor. No Iraque, depois de apaziguadas as revoltas que duraram tanto tempo, iniciou-se uma marcha para o oeste que, entre 709 e 715, faria com que o Império alcançasse sua maior extensão naquela região. Partes da China e da Índia foram anexadas aos domínios Omíadas e o Turquestão teve que se converter ao Islamismo, além de se tornar parte do Império, com suas principais cidades (Bukhara, Kabul e Samarkanda) conquistadas. O Império Bizantino teve de renunciar às investidas contra o outrora fragilizado Império Islâmico, pois precisava se defender das tropas veteranas que avançavam sobre ele. Por essa época, os Árabes tomaram Tiana, uma importante cidade do Império Bizantino. Porém, foi na expansão rumo a ocidente que as maiores marcas militares do governo de Al-Walid se fizeram sentir. Musa ibn Nuçair (dito Musa) foi quem substituiu Hassan al-Numan no governo da Ifríqiya. Ele estava disposto a realizar duas obras: converter os Berberes ao Islamismo; e atingir o oceano Atlântico. Em pouco tempo, entre 705 e 708, ambos os objetivos do governador estavam completados. Porém, apresentava-se agora, um terceiro objetivo, muito maior, muito mais difícil e, sendo assim, muito mais glorificante: dominar al-Andalus, a Espanha. Não narrarei aqui a conquista da Espanha, pois, dada a importância histórica de tal acontecimento, separei um item específico só para ele. No que toca ao desenvolvimento sócio-cultural, o governo de Al-Walid também marca o apogeu da dinastia Omíada. Em outras palavras, podemos utilizar uma expressão clássica em História: Al-Walid “deitou na cama preparada por seu antecessor”, Abd al-Malik. Em seu governo foram construídas várias mesquitas, em especial em Meca, Medina e Damasco. Além disso, as já existentes foram ampliadas. É o caso, por exemplo, de Damasco, onde a chamada Mesquita dos Omíadas, a mesquita símbolo da dinastia, tomou sua forma final, a forma que nos é apresentada hoje, se bem que com algumas partes em ruínas. Talvez o único erro do Califa tenha sido a tentativa de “Arabizar” a administração Estatal, sendo assim, todos os Judeus e Cristãos que ocupavam cargos público foram demitidos. A curto prazo esta medida não acarretou grandes problemas, mas a longo prazo, os mais capazes começaram a ser preteridos por causa de sua religião e, sendo assim, o Estado se afundou na incompetência, que aliada a outras causas, ocasionou seu fim, trinta e cinco anos após a morte de Al-Waild, que ocorreu em 715. 6.1.6 – Sulayman (715 – 717): Como Al-Walid não deixou descendentes, seu irmão, Sulayman, assumiu o trono para o qual já estava homologado. O efêmero governo de Sulayman marca o início da decadência Omíada. Primeiramente, ocorreu a revolta de Kotaiba, general responsável por boa parte das conquistas efetivadas a oriente, sendo assim, este é morto pelas tropas Imperiais, em 715, mas esta frente se estagna e, muito mais, começa a regredir em tamanho. Em segundo lugar, podemos levar em consideração a verdadeira “caça às bruxas” operada pelo Califa com o objetivo de exterminar os funcionários nomeados por al-Hadjdjadj, governador do Iraque, que falecera recentemente. Esta “caça às bruxas” foi realizada provavelmente porque estes funcionários eram suspeitos de terem apoiado a revolta de Kotaiba. Além desses feitos, nada enobrecedores e, sobretudo, prejudiciais ao futuro do Império, o Califa realizou apenas um ataque mal sucedido a Constantinopla. Sulayman morreu, em 717, sem deixar filhos. 6.1.7 – Omar II (717 – 720): Omar II era primo de Sulayman e for a por ele designado como herdeiro. Ele é o único dentre todos os Califas Omíadas cuja memória foi poupada pela propaganda negativa que os Abássidas (depois de conquistarem o poder, em 750) fizeram da dinastia. Este fato se deve, possivelmente, ao fato de o Califa se aproximar da figura do Rei-filósofo que caracterizou os soberanos da dinastia Abássida. Omar II teve um governo humanitário, tanto que gerou desobediências internas. Defendia a Islamização pacífica, o fim dos praguejos contra a memória de Ali (que eram realizados diariamente nas orações nas mesquitas) e uma humanização fiscal, operada através da redução dos impostos pagos pelos recém-convertidos. O Califa defendia também o fim da expansão militar, isso porque alegava que o Estado não dispunha de recursos para sustentar-se num tamanho tão grande e com combates constantes. O soberano chegou ao extremo de exigir a redução das fronteiras do Império, com a desocupação do Turquestão, nisso ele foi desobedecido, pois os Árabes que ocupavam a região se negaram a abandona-la. O governo de Omar II agravou ainda mais a crise que começava a se abater sobre o Império Islâmico. Isso porque se por um lado ele pensou em parar a expansão para não despender recursos e pessoal dos quais não dispunha, por outro, não compreendeu que, reduzindo os impostos, colocaria o Império numa crise fiscal profunda, uma vez que mesmo com os impostos antigos, ele já não estava conseguindo pagar o soldo de seus guerreiros e a pensão dos veteranos. 6.1.8 – Yazid II (720 – 724): Quando Omar II morreu, também não deixou filho e, sendo assim, um outro filho de Abd al-Malik assumiu o governo. Era Yazid II. Em seu governo, o novo Califa teve que enfrentar uma revolta muito severa de todas as regiões sob a jurisdição da cidade de Basra. O Califa enviou tropas para a região com o intuito de arrasar os revoltosos, e cumpriu seu objetivo, no entanto, exagerou, fez com que as mulheres e filhos dos envolvidos (mesmo sendo Muçulmanos) fossem vendidos como escravos. Esta atitude indignou a população do Império de um modo geral e os Iemenitas de um modo específico. Como se não bastassem todos esse problemas, o Califa ainda teve que suportar a forte represália de Leão III, Basileu Bizantino (à partir de 716, o Império Bizantino passa a assumir cada vez mais um caráter Grego, sendo assim, até mesmo o título de Imperador (claramente Romano), é substituído pelo de Basileu, que na Grécia antiga significava Rei) que, barrou de uma forma quase definitiva os avanços Islâmicos rumo ao seu Império. 6.1.9 – Hisham (724 – 743): Seu Califado, apesar de ser considerado por muitos historiadores como um dos mais imponentes da dinastia Omíada, na verdade foi responsável por mais um dos fatores (e um grande fator) de sua queda. Mais um filho de Abd al-Malik, Hisham não soube contentar os Berberes, que haviam se tornado um dos principais braços militares do Império. Este, apesar de terem tido importância crucial nas conquistas realizadas a ocidente, eram obrigados a pagar impostos, como se fossem cidadãos de segunda. Dessa forma, os opositores da dinastia, que já começava a ganhar força, souberam manipular os Berberes para que se revoltassem e colocassem Hisham em maus lençóis. A revolta dos Berberes, que não precisaria ter ocorrido, demorou dois longos anos para ser abafada, mas no final das contas, acabou resultando em vitória do Califa. Porém, os Berberes permaneceram insatisfeitos com sua condição. No plano das conquistas, apesar da derrota de Acroïnon, na Síria, frente o Império Bizantino; e apesar da expansão rumo ao oriente ter se estagnado; rumo a ocidente as coisas continuavam bem. A Espanha estava quase toda dominada (somente um pequeno número de Cristãos se refugiara no noroeste, região de Astúrias) e as tropas faziam avanços significativos em direção ao Reino Franco onde a moribunda dinastia Merovíngia, apoiada em seus Prefeitos do Palácio (espécies de Primeiros Ministros) não conseguia se defender muito bem. (Mais detalhes sobre a expansão Árabe na França no item sobre a Batalha de Poitiers). 6.1.10 – Al-Walid II (743 – 744): Na verdade, este não foi um anos em que governou apenas um Califa, foi um anos em que governaram três: Al-Walid II, que por desprezar os costumes da fé Islâmica, acabou assassinada; Yazid III, que teve o mesmo fim; e Ibrahim. Este último tentou iniciar governo de um modo normal, porém, foi derrotado por um parente, que liderava os veteranos do exército que, insatisfeitos com sua situação, queria depor o Califa. 6.1.11 – Marwan II (744 – 750): Este sobrinho de Abd al-Malik, que na época estava com mais de setenta anos, assumiu o poder em uma época muito conturbada, de fato, todo o Império estava ruindo e o novo Califa precisou reconquistar diversas das regiões. Logo no início de seu governo, Marwan II tem que pacificar a própria Síria, centro do Império e, por não se sentir seguro na capital, Damasco, transfere-a para Harran. Depois de pacificar a Síria, lança-se sobre o Iraque, na verdade, sobre toda a Mesopotâmia, sobretudo, sobre o Irã, que se via marginalizado no contexto do Império. É justamente do Irã que emerge a família Abássida, que extrai seu nome de um tio de Maomé, al-Abbas. A família busca legitimidade em todos os lados, pois ao mesmo tempo em que alegam descenderem do tio do profeta, o que agrada aos Muçulmanos em geral, também dizem serem herdeiros de Ali, o que agrada aos Xiitas em específico. Utilizando-se de Abu Muslim, um ardil orador, a família Abássida consegue reunir os crentes sob a promessa do surgimento da figura de um Imam, ou Califa, que, carregando o estandarte negro de Maomé, livraria o Islã dos Omíadas. A máquina de propaganda Abássida obtém resultados impressionantes, em especial nas regiões orientais do Império, ou seja, no Iraque, Irã e em Khorassan, uma parte do Irã. O mais importante de toda esta mobilização é que, por ser motivada por um ódio nacional conjunto aos Omíadas, ela pode ser articulada secretamente, ou seja, sem que o Califa suspeitasse. Em 747, Abu Muslim, empunhando o estandarte negro de Maomé (ou seja, encarnando em si a figura do salvador esperado) entra em Marw (antiga cidade do Império Persa, onde morrera Yazdgard, último soberano Sassânida), onde é carregado em triunfo. À partir daí, a revolução torna-se evidente, Marwan II ordena que Ibrahim (não é o mesmo Ibrahim que ele havia deposto, mas sim, o chefe da família Abássida) seja preso. Este, no entanto, tem tempo para avisar seus irmãos Abu al-Abbas e Gaffar, para que fujam. Ambos se refugiam em Kufa, onde também são aclamados. Enquanto isso, Abu Muslim faz avanços importantes, arrastando o povo por onde passa. Os avanços de Abu Muslim forçam as tropas de Marwan II a recuar. Em Kufa, Abu al-Abbas se proclama Califa, em plena grande mesquita, além disso, ele também se proclama al-Saffah, ou seja, “aquele que derrama sangue”; uma nítida declaração de que não iria poupar um só Omíada. Marwan II tentou atacar as tropas revolucionárias, assim, dirigiu-se para a confluência dos Tigre e Zab al-Akbar, onde os exércitos travaram uma batalha memorável. As tropas de Marwan II foram derrotadas e este pôs-se a fugir. Perseguido de cidade em cidade, tal como havia acontecido com o último soberano Persa, Marwan acabou morto no Egito. Abu alAbbas assumiu o governo, sem oposições, estava acabada a dinastia Omíada. Porém, uma promessa ainda precisava ser cumprida, a de exterminar os membros da família Omíada. Para este fim, foi ordenado ao governador Abássida da Síria que convidasse todos os membros do clã Omíada para um jantar em Damasco. O motivo do jantar seria um pacto de boas relações entre os membros da antiga dinastia e os da nova. No entanto, durante o jantar, os oitenta Omíadas presentes foram mortos. Um dos poucos sobreviventes do massacre foi Abd al-Rahman, que depois do ocorrido, fugiu em direção à península Ibérica, o al-Andalus e, antes que os Abássidas pudessem reorganizar o Império, fundou na região uma dinastia própria, dinastia essa que ficou conhecida como: os Omíadas da Espanha. Depois do fim dos Omíadas, os Abássidas destruíram até mesmo a memória daquela dinastia, tendo vilipendiado o túmulo de quase todos os soberanos. É devido ao ódio que os Abássidas nutriam pelos Omíadas e ao fato de aqueles terem sido os responsáveis pela maior parte do que se sabe sobre o Império Islâmico que se tem a impressão de que os Omíadas foram realmente terríveis, quando na verdade, foram muito mais mitificados como terríveis, pelos Abássidas. Apesar de tudo isso ter ocorrido quase sete séculos antes da vida de Maquiavel, pode-se dizer que os Abássidas deram um golpe perfeitamente Maquiavélico, pois em sua obra “o Príncipe”, Maquiavel recomenda que a capital seja num lugar onde o soberano tem influência, ou num lugar de constantes revoltas, pois a presença firme do soberano no local inibirá os revoltosos (na verdade esta é apenas uma das recomendações de Maquiavel a esse respeito, ele também diz que o ideal para uma nação é que sua capital seja seu governante, ou seja, que a capital não seja um lugar físico, mas sim, esteja associada à figura do governante), que no caso de um golpe, a dinastia antiga seja totalmente extinta, para não oferecer perigos futuros e que, se possível, se governe com o apoio do povo e dos poderosos, para isso deve-se iludir o povo e agradar os poderosos. Acredito que não é preciso explicar muitas coisas, pois os Abássidas agiram exatamente da maneira descrita, inclusive com a construção de um nova capital, Bagdad, que, por se localizar nas margens do Tigre (sendo assim, no Iraque), estava ao mesmo próxima ao Irã, local de influência primaz da dinastia, como também no Iraque, local cujas revoltas constantes enfraqueceram a dinastia anterior. Dessa forma, os Abássidas recompensavam tanto Iranianos, quanto Iraquianos, pela ajuda dada na Revolução; e ainda por cima, mantinham os perigosos Kharidjitas e Xiitas sob constante vigilância. 6.2 – Djabal al-Tariq: Certamente, o nome de Djabal al-Tariq (também conhecido como Tarif abu Zara) deveria ser muito mais conhecido do que é. Isto porque, este general Árabe foi um dos maiores conquistadores de toda a Idade Média. Seu nome não chega a rivalizar com o de um Carlos Mango, ou com o de um Justiniano, mas seus feitos retrataram bem o poderio militar Islâmico no primeiro quarto do século VIII. Mas o que fez este general de tão importante? Bem, para nos situarmos na História deste homem, devemos nos lembrar que no final do governo de Abd al-Malik (685 – 705), os Berberes foram finalmente submetidos e convertidos ao Islã. Assim sendo, no início do governo de AlWalid (705 – 715), serviram de braços para Musa ibn Nuçair, governador da Ifríqiya (região do norte da África, a oeste do Egito), em sua expansão rumo ao Maghreb (região onde hoje se situa o Marrocos). Entre 705 e 708, o governador realizou com sucesso esta expansão e, através dela, atingiu o oceano Atlântico. O estreito de Gibraltar, que atualmente separa Europa e África, naquela época era conhecido pelo nome de Colunas de Hércules, pois, segundo a Mitologia Grega, o Semi-Deus teria, em sua passagem pela Espanha, separado os dois continentes que eram (segundo acreditavam os Gregos) unidos por uma montanha. Pois bem, as Colunas de Hércules separavam a Espanha do Marrocos e as cidades Africanas que mais se aproximavam da Europa eram Tânger e Ceuta (localizadas na parte Africana do estreito). Com a chegada do Império Islâmico ao oceano Atlântico, estas cidades foram dominadas. No entanto, a situação de Ceuta era singular. A cidade era uma província da Hispânia (nome pelo qual os Romanos haviam batizado a península Ibérica), um Reino governado pelos Visigodos (um dos povos ditos bárbaros que, nos séculos IV e V, arrasaram o Império Romano); província esta que estava em litígio com a coroa Espanhola devido à situação em que esta se encontrava. Façamos então uma breve explicação da situação da Espanha naquela época. A península Ibérica foi uma região há muito habitada, com uma população nativa que foi desde cedo submetida ao contato de povos estrangeiros, tais como Fenícios e, talvez, Celtas. Depois da Primeira Guerra Púnica, quando o Império de Cartago se enfraqueceu com a perda da Sicília, Córsega e Sardenha, os interesses da República Africana se voltaram para a região, sendo assim, foram fundadas cidades (como Cartagena), em especial na costa oriental da península. Depois da Segunda Guerra Púnica, os Romanos limitaram os domínios de Cartago à própria cidade, sendo assim, conquistaram a península Ibérica. À partir daí, o que houve foi uma guerra sangrenta entre Roma e os habitantes nativos e descendentes de Fenícios, Celtas e Cartagineses, que habitavam a península. Estes querendo manter-se livres de Roma, aqueles, querendo conquistar uma nova província. No início do século I a.C., a península Ibérica já estava conquistada e dividida em três províncias: a Lusitânia (mais ou menos onde hoje é Portugal, região que alegava ter habitantes descendentes dos Fenícios), a Terra Conense (costa oeste e centro da península) e a Bética (região sul). Estas três regiões compunham a Hispânia dos Romanos, da qual o célebre Marco Antônio foi governador (dito Propretor). Quando iniciaram-se as invasões “bárbaras” no Império Romano, a Hispânia foi invadida por um sem-número de povos, dentre os quais contavam os Bascos, os Suevos e Godos (os Godos Ocidentais, que ocuparam a Hispânia, receberam o nome de Visigodos, enquanto os Godos Orientais, que ocuparam a Itália, receberam o nome de Ostrogodos). Dessa forma, três povos, principalmente, ocupavam a região quando da queda do Império Romano. Estes três lutaram entre si e, por volta do início do século VI, os Visigodos assumiram clara preponderância, apenas com uma pequena, mas imbatível, resistência dos Bascos na divisa com a Gália (atual França). No século VI, mais precisamente em 554, o general Belisarius, enviado por Justiniano, conquistou todo o sul da Espanha (passarei a me referir assim a toda a península, pelo fato de, na época, Portugal não existir). Essa ocupação, contudo, foi tão duradoura quanto o governo do Imperador, ou seja, muito breve, em 565, quando Justiniano morreu, os Visigodos iniciaram a retomada da região (que foi concluída em 624) e mantiveram seu Reino de uma maneira unitária, como era tradicional nas monarquias Góticas (dos Godos). Depois desse breve resumo da História da Espanha, voltemos à época referida, ou seja, voltemos a 710 d.C.. Por essa época, a conquista do norte da África estava consolidada pelos Árabes e o governador de Ceuta, Juliano, que outrora fora fiel ao monarca Visigodo havia cedido seu apoio aos Árabes (apesar de ser Cristão). Mas por quê? Bem, segundo consta, o Rei Witza, da Espanha, havia morrido e a seu filho, Áquila, não havia sido permitido assumir o trono; os nobres Visigóticos elegeram Rodrigo, um deles, para o trono. Segundo Juliano disse aos Árabes, ele odiava Rodrigo, pois este havia desonrado sua filha (filha de Juliano), que vivia na Espanha, sendo assim, queria vê-lo derrotado e humilhado. Os Árabes, que já vinham atacando, por meio de navios, as costas da Espanha há muito tempo, viram nessa inimizade sua chance para invadir e anexar a região que eles conheciam como al-Andalus. Em junho de 711, Musa ibn Nuçair, o governador do norte da África, enviou à Espanha um exército composto por cem cavaleiros, quatrocentos guerreiros e sete mil Berberes. Os navios para o ataque foram fornecidos por Juliano, governador Visigótico de Ceuta. Rapidamente, os Muçulmanos tomaram a cidade de Algeciras e os rochedos da costa (hoje conhecidos como Rochedo de Gibraltar). Depois disso, marcharam para Córdoba (uma grande cidade da Espanha). O Rei da Espanha, Rodrigo, estava ocupado combatendo os Bascos, no norte, e demorou certo tempo para conseguir mobilizar seus exércitos para combater os invasores. Enquanto as tropas Reais não chegavam, Djabal al-Tariq assolava o sul da península. Enfim, em 19 de julho de 711, o Rei Rodrigo finalmente alcançou a região onde os Árabes estavam e a batalha iniciou-se. Esta iria durar sete dias, ou seja, até o dia 26 e ser decidida pela inteligência do general Árabe. Numericamente superiores e providos da motivação de defenderem seus domínios, os Visigodos estavam a ponto de derrotar os Árabes. Foi quando Tariq convidou dois irmãos do Rei Witza (o Rei que havia morrido), e fez com eles um pacto: se estes desertassem com suas tropas, seriam poupados e recompensados. Sendo assim, no dia 26, dia do combate derradeiro, as duas principais frentes da cavalaria Visigótica debandaram e os flancos do exército Espanhol ficaram desguarnecidos. Avisados de antemão que isso iria ocorrer, os Muçulmanos atacaram pelos flancos e trucidaram a infantaria Visigótica. Foi um massacre no qual tombou, inclusive, Rodrigo. Ficando sem um Rei, a Espanha não conseguiu se reagrupar para a defesa e, sendo assim, em dois meses, Tariq havia conquistado totalmente o sul da Espanha e se preparava para marchar em direção ao centro. Musa, na África, ao saber dos sucessos de seu general, reuniu um exército e desembarcou na costa leste da Espanha, sendo assim, havia agora duas frentes de invasão Muçulmana atacando a península. Os nobres Visigóticos que não haviam se deixado subornar pelos Mouros (nome pelo qual os Europeus, em especial os Espanhóis, chamavam os Islâmicos), começaram a ser exterminados e, ao procurarem auxílio nas cidades, não eram bem recebidos, pois os Judeus (que dominavam o comércio e, sendo assim, a vida urbana) estavam cansados das perseguições Cristãs impostas a eles pelos Visigodos e preferiam a liberdade de culto (mediante o pagamento de impostos) oferecida pelos conquistadores. Dessa forma, os partidários de Rodrigo, agora sob o comando de Pelágio, foram se isolar nas montanhas do extremo norte da Espanha, onde, devido ao posicionamento estratégico, esperavam resistir ao extermínio da mesma maneira que os Bascos vinham fazendo contra eles. Formou-se assim, o primeiro dos Reinos Hispânicos pós-conquista Árabe: o Reino de Astúrias. Entre 711 e 714, os dois generais Árabes conquistaram toda a Espanha, exceto o Reino e Astúrias, que devido à sua localização de difícil acesso, pode resistir e se tornar, mais tarde, no século IX, o berço da Reconquista da Espanha, reconquista esta que teve o apoio, militar e financeiro, de Carlos Magno (pelo menos em sua fase embrionária). Quanto a Tariq, foi mais um dos conquistadores esquecidos de nossa História, só não foi totalmente esquecida porque, em homenagem a ele, foi erigida uma cidade (na parte Européia do estreito), e esta cidade foi batizada com seu nome, cujas corruptelas futuras tornaram Gibraltar, o mesmo nome com o qual foram rebatizadas as Colunas de Hércules, pois, se no passado o Semi-Deus havia afastado os perigosos Berberes da Europa por meio da separação dos dois continentes, agora, um general (que nada tinha de Semi-Deus) conseguia quebrar a vontade dele e impor a sua, em outras palavras, o Islã ganhava terreno dentro da Cristandade. 6.3 – A Batalha de Poitiers: A conquista da Espanha não foi o ponto final da expansão ocidental Islâmica, que foi, sem dúvidas, a expansão que obteve os maiores êxitos, se bem que esses êxitos não perduraram, pelo menos em termos de religião, até os dias de hoje, como ocorreu com os das conquistas orientais. Após a tomada da Espanha, que caiu de assalto em apenas três anos (711 – 714), os Muçulmanos continuaram marchando em direção ao coração da Europa e, se não tivessem tido as crises políticas internas pelas quais a dinastia Omíada passou (e que, como vimos, levaram à sua derrocada, em 750), talvez tivessem atingido Constantinopla, ou seja, talvez tivessem varrido a Europa assim como varreram o Império Persa e o norte da África. Muitos acreditam que a lendária (digo lendária não porque não tenha acontecido, mais sim porque gerou muitos mitos em torno de si) Batalha de Poitiers, ocorrida em 732, próxima a cidade Franca de Poitiers, tenha colocado um ponto final na expansão Árabe rumo ao ocidente, mas tratasse de um ledo engano, isto porque, a Batalha nada mais foi do que um marco de ânimo para a Cristandade como um todo e para um homem em específico. Falemos sobre este homem. Trata-se de Carlos Martel. Ele era o Prefeito do Palácio da França (ou Reino Franco, como é mais apropriado chamar a França antes de Hugo Capeto, que estabeleceu a cede da Monarquia em Paris e iniciou a dinastia Capetíngia) e, como deve-se saber, a França da época não era um país unitário, não porque fosse dividido em feudos (uma vez que o Feudalismo só se iniciou, realmente, depois de Carlos Magno, já que foi o monarca que lançou boa parte de suas bases), mas porque, devido ao costume dos monarcas Merovíngios (primeira dinastia da França após a queda do Império Romano) de dividirem seu Reino entre seus filhos vivos, havia três Reinos no território da atual França: a Borgonha, a Nêustria e a Austrásia. Em cada um desses Reinos havia um Rei, porém, cada Rei escolhia um Prefeito do Palácio (algo semelhante a um Primeiro Ministro) para administrar sua região. Os Prefeitos do Palácio tinham poder total e a pesar de terem algumas restrições quanto a investidura de clérigos, eram os verdadeiros governantes do Reino Franco. O enorme poder dos Prefeitos do Palácio contrastando com a insignificância dos monarcas Merovíngios fez com que começassem a existir verdadeiras dinastias de Prefeitos do Palácio. No século VII, Pepino II, Prefeito do Palácio da Austrásia, enfrentou e venceu Ebroin, Prefeito dos Palácios da Nêustria e da Borganha. Com essa vitória, ele unificou o título de Prefeito do Palácio e, sendo assim, entregou a seu filho Carlos (depois conhecido como Carlos Martel), o título de Prefeito do Palácio da França toda, o que correspondia ao poder absoluto no país. Em 732, depois de cansar de ver o Reino Franco ser devastado por reides Árabes, Carlos armou uma emboscada para os invasores. Esta ocorreu nas proximidades da cidade de Poitiers, uma importante cidade da França Medieval. Lá, o Prefeito do Palácio saiu vitorioso, a primeira vitória significativa dos Francos contra os Árabes. À partir dessa vitória, Carlos soube fazer uma propaganda enorme, que lhe rendeu o apelido de Martel (ou seja, o Martelo que defende a França contra os invasores infiéis). Graças a seu apelido, Carlos Martel passou a ser amado pela população e, sendo assim, seu filho, Pepino, o Breve, pode, como Prefeito do Palácio, depor os monarcas Merovíngios e se declarar (com o consentimento do Papa e sob a promessa de que iria, a exemplo de seu pai, defender a Cristandade contra os Árabes e, além disso, expulsar os Lombardos (povo “bárbaro”) da Itália, pois este estavam ameaçando a soberania do Papa) Rei da França. Com Pepino, o Breve, se inicia a dinastia Carolíngia, que, ao contrário do que muitos pensam, não deve seu nome a Carlos Magno (filho de Pepino, o Breve e, com certeza, um dos maiores, senão o maior nome da História Medieval), mas sim a Carlos Martel, que possibilitou o fortalecimento de Pepino. Apesar da derrota fragorosa que sofreram em Poitiers, onde o próprio Abd al-Rahman al Gafiqi, governador de al-Andalus, morreu, os Islâmicos continuaram suas investidas contra o Reino Franco e, em 735, tomaram Avignon e Arles, de onde caminharam, tomando várias cidades, até Lyon, que ficou em seu domínio até 759, quando Pepino, o Breve, retomou as regiões ocupadas pelos Árabes na França e impediu novas incursões destes em seu Reino. É verdade que sobre os Abássidas, os Árabes continuaram atacando a Europa e dominando regiões, além de, como veremos, terem mantido sua presença na Espanha até 1492. Porém, podemos arriscar dizer que sob os Omíadas os Árabes representaram para a França (em menor grau, é claro, principalmente devido ao tempo), aquilo que entre os séculos IX e XI, os Vikings representariam para a Inglaterra, ou seja, um enclave permanente em seu território. 7 – A Revolução Abássida: Acredito que muitas coisas mudaram no Império Islâmico depois da ascensão dos Abássidas ao poder. Primeiramente, como pode-se perceber, até aqui o Império havia sido um Império Árabe e, porque não, um Império do Hedjaz e da Síria, sendo que os Muçulmanos das demais regiões nunca haviam sido considerados como iguais pelas elites dominantes. Sendo assim, só não chamo o Império construído pelos seguidores da religião de Maomé de Império Árabe, justamente porque sob os Abássidas, o Império perde esse caráter e, ao contrário, ganha, cada vez mais um caráter Persa. Sob a nova dinastia, ocorrem diversas transformações em diversos campos do Império. Primeiramente, deve-se notar que, enquanto os Omíadas laicizaram o Estado, os Abássidas retornaram à Teocracia orginal, aliás, a Teocracia Abássida era muito mais real do que a dos Califas Ortodoxos. Os Califas dessa dinastia realmente se consideravam homens acima da média, que haviam sido escolhidos por Allah para governar não só o Império, mas também a vida de todos os Muçulmanos. Sendo assim, Esta dinastia retomou para o Califa o título de Sumo Pontífice Islâmico. Justamente pelo fato de os Abássidas se considerarem os donos da verdade Islâmica é que as perseguições contra todos aqueles que não seguissem exatamente a Sunna do Profeta, ou seja, todos os não Sunitas, seriam perseguidos implacavelmente, tanto por meio de armas, quanto através da propaganda do Estado. Porém, os Abássidas não foram de todo ruim, eles tinham uma grande preocupação com a humanidade, por isso, tentavam de todas as maneiras tornar todos os Muçulmanos iguais, ao contrário dos Omíadas, que não se preocupavam com o bem estar do povo. Foi sob esta dinastia que foram produzidos os principais legados do mundo Árabe: obras literárias, como “As mil e uma noites”; Mesquitas gigantescas, túmulos igualmente majestosos; a tradução das antigas obras Gregas (Platão, Aristóteles, Sófocles, Aristófanes, Tales, Arquimedes, Pitágoras, Homero...) que estavam perdidas na memória Européia, mas que foram resgatadas pelos Árabes através da memória Persa, mantida devido à helenização da Ásia proporcionada por Alexandre, o Grande; dentre outras grandes façanhas. No campo da política, os Califas Abássidas criam um novo cargo: o Vizir. Este é, a exemplo do Prefeito do Palácio, do Reino Franco, uma espécie de Primeiro Ministro Islâmico que, à medida que os Califas vão se ocupando mais e mais da cultura e da religião, tornam-se os responsáveis pela administração política e militar do Império. A dinastia também é marcada pelo início da fragmentação do Império, com a criação de um governo (mais tarde Califado) Omíada na Espanha e, com a independência das tribos Berberes do norte da África. Além disso, a capital do Império é mais uma vez alterada, inicialmente se centra em Kufa e depois, passa para Bagdad, uma cidade construída justamente com o intuito de ser a nova capital do mundo Islâmico, sendo a herdeira de Ctesifonte (antiga capital do Império Persa (se bem que o Império Persa tinha quatro capitais: Ctesifonte, Pasárgada, Persépolis e Susa)) e da gloriosa, porém esquecida, Babilônia. 7.1 – O refúgio Omíada na Espanha: Quando iniciou-se a dinastia Abássida, com o governo de Abu alAbbas, os Omíadas, como já foi dito, foram perseguidos. Boa parte deles foi exterminada de uma só vez no fatídico jantar em Damasco. Porém, alguns membros da família resistiram ao massacre, mas perceberam que sua permanência dentro dos domínios do novo Califa (que se denominara o caçador do sangue Omíada) seria impossível. Observando que, devido às conjunturas presentes no conturbado início da nova dinastia, os Abássidas não desfrutavam de um controle pleno sobre as províncias do ocidente; Abd el-Rahman, o último sobrevivente do clã Omíada, fugiu para al-Andalus (a Espanha), em 756. Lá, ele obteve boa receptividade das populações e, sendo assim, pode se instalar em Córdoba, onde se proclamou Emir (espécie de governador soberano, ou seja, muito superior aos meros governadores de província do Império, pois tinha total autoridade sobre a região na qual governava). Estava fundado o Emirado de Córdoba, uma região que, justamente por pertencer aos Omíadas, não aceitava o domínio Abássida e que constituiu o primeiro grande racha dentro do Império Islâmico. Abd el-Rahman fundou, assim, a dinastia Omíada da Espanha, um prolongamento da dinastia que havia governado o Império Islâmico entre 661 e 750. O Emir contava não só com o apoio das populações Espanholas convertidas ao Islamismo, mas também com o apoio dos Bascos que, apesar de Cristãos, preferiam manter boas relações com os Árabes do que se submeterem aos ataques dos demais Reinos Cristãos. Em 778, a Espanha foi atacada por Carlos Magno que, como parte de seu acordo com Harun al-Rachid (Califa Abássida que, como veremos, mantinha um pacto com o Rei Franco) pretendia exterminar os Omíadas da Espanha. Carlos Magno foi ajudado por Ibn el-Arabi, antigo governador de al-Andalus, que, quando os Omíadas chegaram, se refugiou em Saragoça, de onde pretendia reconquistar seus domínios, ajudado pelo soberano Franco. Com a ajuda dos Bascos, o Emir Omíada trucidou as tropas de Carlos Magno e, destruindo Ibn el-Arabi, obteve a hegemonia de toda a antiga Espanha Visigótica (exceto do Reino de Astúrias (onde haviam se refugiado os Visigodos) e da região dos Bascos (que por meio de um tratado no qual se comprometia a ajudar os Omíadas a defender suas fronteiras contra invasões Francas, permaneceu livre)). No entanto, para Carlos Magno, a expedição não foi um completo fracasso pois, apesar da morte de Rolando, o Marquês da Bretanha (região da França, não confundir com a Britânia, ou Inglaterra), o Rei Franco conseguiu estabelecer uma Marca (região fronteiriça muito fortificada e sob a autoridade de um Marquês) na fronteira entre a França e a Espanha. Dessa forma, Carlos Magno não só preparara uma região militarizada pronta para desfechar um novo ataque contra a Espanha Muçulmana, como também estabelecia uma zona tampão entre os Mouros e seu Reino. Tudo corria muito bem para os Omíadas durante o governo de Abd elRahman, porém, depois de sua morte, em 788, quando seu filho Hisham assumiu o poder, iniciou-se um conturbado período de guerras civis na Espanha, período esse que perduraria por quase um século e que permitiria o fortalecimento dos Reinos Cristãos (Bascos e Reino de Astúrias) do norte, foi, de fato, o início da Guerra de Reconquista. No conturbado período que se seguiu à morte de Abd el-Rahman, o Reino de Astúrias se expandiu e, em 840, quando conquistou a cidade de Leão (León, em Espanhol), transformou-se no Reino de Leão. Em 860, ao redor da cidade de Pamplona, os Bascos estabeleceram um Reino, o Reino de Navarra. Estes dois Reinos persistiriam durante muitos tempo até se fundirem (juntamente com outros que passariam a existir), no século XVI (mais precisamente em 1516), para formar a monarquia Espanhola. Com o tempo, foram surgindo outras regiões soberanas Cristãs, no norte, como por exemplo, o Condado de Castela, que se estabeleceu em 960, na cidade de Burgos (talvez a mais fortificada de toda a Espanha, por isso o nome do Condado). Barcelona, que outrora integrara a Marca de Carlos Magno, também se tornou um Condado independente e, apesar de estar quase sozinha no alto da costa leste (quase na divisa com a França), se manteve independente dos Islâmicos. No final do século IX, os Omíadas conseguiram pacificar e reunificar seus domínios, porém estes eram agora bem menores do que os originais (o norte estava quase todo nas mãos dos Cristãos). Como nessa época, como veremos, o Império Islâmico já se encontrava em franca desintegração, os Omíadas, em 929, resolveram desfechar um duro golpe contra o Califa Abássida. Abd el-Rahman III, proclamou-se Califa de alAndalus, sendo assim, Nem mesmo o título de Califa era mais um privilégio da dinastia Abássida que, como veremos, não possuía mais muitos poderes políticos. O Califado Omíada da Espanha persiste até 1031, quando entra em colapso ao ser derrotado pelas tropas de Al-Mansur (um conquistador vindo do norte da África). À partir dessa data, com a quebra de uma autoridade Islâmica central na Espanha, surgem diversos Emirados Muçulmanos (chamados Reinados de Taifas), que se afundam em guerras fratricidas por uma maior obtenção de territórios. Essas guerras entre os Mouros da Espanha faz com que os Reinos Cristãos do norte se fortaleçam e, sendo assim, a Guerra de Reconquista ganha força. Muitos autores chegam a considerar que ela se inicia, de fato, em 1031. Porém, a esses autores jogo a seguinte pergunta: Reconquista não quer dizer reconquistar? Então, se os Reinos Cristãos estabelecidos no extremo norte da península Ibérica iniciaram a reconquista de territórios ocupados pelos Muçulmanos por volta de 790, por quê dizer que a Guerra de Reconquista só se inicia em 1031? Só porque os combates passam a ser mais favoráveis aos Reinos Cristãos após essa data? Ou será que talvez seja para que a velha teoria sobre as Cruzadas (de que seriam necessariamente, em todos os casos, uma forma de eliminar o excedente populacional Cristão da Europa, excedente esse que começou a ser registrado com a crise feudal do século XI) não caia por terra? 7.2 – Os Califas Abássidas e as transformações culturais: A dinastia Abássida foi, em termos de duração, muito maior do que a Omíada. Esta última durou de 661 a 750, enquanto a nova dinastia iria durar de 749 (pois foi estabelecida antes mesmo da derrocada final dos Omíadas) até 1258. Porém, apesar de terem se perpetuado por 509 anos, contra apenas 89 dos Omíadas, os Abássidas só exerceram poder sobre o Império efetivamente falando, até 809, porque depois, como veremos, o Império entra num ritmo tal de esfacelamento que se torna impossível dizer que ainda constitui um Império, sendo muito mais apenas mais um dos Reinos Islâmicos, Reino este cuja única importância residia no fato de que seu soberano se considerava e era considerado por muitos, como o Sumo Pontífice do Islamismo. Justamente por causa da fragmentação acelerada ocorrida à partir de 809 é que estudaremos apenas os cinco primeiros Califas da dinastia, pois como avisei na Introdução de meu trabalho, ele não se remete a estudar a colcha de retalhos que se tornou o mundo Islâmico depois do colapso da autoridade centralizada no Califa de Bagdad. 7.2.1 – Abu al-Abbas al Saffah (749 – 754): Abu al-Abbas, como vimos, foi o líder da revolução após a prisão de Ibrahim. Ele se declarou o caçador do sangue dos Omíadas e seu ódio a essa dinastia foi tão grande que ele dedicou boa parte de seu governo a destruir os Omíadas sobreviventes. Justamente por causa disso, o Califa não se deu conta de que perdera as regiões do norte da África, nem de que o governador de al-Andalus (Espanha) permanecera leal aos Omíadas e que, dessa forma, alguns sobreviventes do massacre operado pelo Califa se dirigiram para a Espanha, onde, inacessíveis, puderam continuar sua dinastia. Apesar de odiar os Omíadas, al-Abbas retomou algumas práticas de Uthman, o primeiro Omíada, ou seja, retornou ao nepotismo. Na realidade, o novo Califa distribuiu cargos público, em especial governos de províncias, entre seus parentes, para poder enraizar definitivamente a dinastia que estava nascendo. Talvez a mais vil e desprezível atitude do Califa, no entanto, tenha sido caçar muitos daqueles que o haviam apoiado em sua ascensão ao poder. Por exemplo, os Xiitas, que foram de fundamental importância na jornada militar contra as tropas Sírias de Mawan II, passaram a ser perseguidos, visto que o próprio Califa era Sunita e, como tal, não permitia outra interpretação do Alcorão que não fosse a oficial. 7.2.2 – Abu Dja’far al-Mansur (754 – 775): Apesar de ter sido o segundo Califa da dinastia, al-Mansur é considerado por muitos como o verdadeiro fundador dela, isto porque foi ele quem lançou as bases daquilo que a caracterizaria durante sua existência. O Califa, que iniciou seu governo na cidade de Hasimiyya, para onde al-Abbas havia transferido a capital (que inicialmente era Kufa), logo percebeu que não estava seguro o suficiente e que precisaria construir, de fato, uma nova capital. Dessa maneira, ordenou a construção, nas margens do Tigre, de uma cidade que, quando ficou pronta, em 762, foi chamada de Bagdad (em Iraniano, Doada por Deus). Além da construção de Bagdad, o governo de al-Mansur foi marcado por uma duríssima repressão a seus opositores, pela instituição do cargo de Vizir e pela adoção de muitas medidas tanto Bizantinas, quanto Persas no sentido de modernizar o governo. No tocante à repressão às revoltas e aos que lhe podiam ameaçar a autoridade, o Califa foi cruel. Ordenou a prisão e morte de Abu Muslim, o homem que possibilitou a vitória Abássida, além disso, assassinou seus dois tios que almejaram o Califado quando da morte de al-Abbas. A repressão aos cultos religiosos também impiedosa neste governo. Além dos Kharidjitas, que já eram perseguidos naturalmente (e sob cujas atuações falarei ainda neste item), o Califa exterminou os Rawandiyya, uma seita que acreditava que ele próprio (o Califa al-Mansur) fosse o messias, sendo assim, queriam venera-lo. Os Kharidjitas incitaram uma revolta que tomou praticamente toda a África do norte (sobre a qual os Abássidas ainda não tinha voltado a atenção e que se mantinha levemente independente, com os Berberes agindo por conta própria). Estes religiosos criaram na região um Estado que foi destruído pela ação rápida do Califa, entre 770 e 771. Porém, a região além do Egito nunca mais esteve sob a autoridade inconteste dos Abássidas. Quanto às modernizações introduzidas pelo Califa, consistiam na adoção de algumas instituições Bizantinas (modificadas ao bel prazer dos Muçulmanos) e na ressurreição do sistema de correios do Império Persa, através do qual, o Califa esperava se manter informado rapidamente de tudo o que acontecia e, assim, evitar o que aconteceu a Marwan II. Finalmente, a criação do cargo de Vizir servir para retirar do Califa algumas obrigações que ele não estava interessado em ter. Para tal cargo, al-Mansur escolheu Barmak. Este cargo, que era para ser apenas um apoio ao Califa e, dessa maneira, escolhido por cada novo Califa na hora em que desejasse, passou a constituir uma dinastia própria, pois todos os Vizires passaram a ser escolhidos dentre os membros do clã Barmékida, o clã de Barmak. 7.2.3 – Al-Mahdi (775 – 785): Depois da morte de al-Mansur, que morreu em peregrinação a Meca, seu filho Al-Mahdi assumiu o título de Califa. Na verdade, seu governo foi muito bom e também facilitado pelo fato de seu pai o ter deixado a situação política estável e os cofres cheios. No tocante às revoltas, o novo Califa só precisa reprimir uma grande revolta de seguidores de Abu Muslim (depois da morte deste, surgiu um culto que cria em sua volta, pois ele era considerado santo, uma vez que empunhou o estandarte de Maomé contra os Omíadas) que, em 778, tomaram a Transoxiana (região além do rio Oxo, que foi, durante muito tempo uma barreira natural à expansão Árabe, barreira esta só vencida em 705). No entanto, apesar dos reveses iniciais sofridos pelas tropas Imperiais, em 780, os revoltosos foram derrotados e seu líder, al-Muqanna (o profeta velado, pois nunca havia mostrado o rosto) se suicida. Foi no governo de al-Mahdi que Bagdad se consolidou como o verdadeiro “umbigo da Ásia”, visto que não só era o centro do Império que governava a maior parte do continente, como também havia se tornado a mais importante cidade comercial do mundo, sendo o centro onde se encontravam as mercadorias vindas do ocidente e do oriente. Porém, a orientalização da capital fez com que os assuntos do ocidentes fossem deixados cada vez mais em segundo plano. O Califa teve dois filhos, Musa e Harun, ambos com uma mesma escrava. O segundo era o preferido da mãe e, por isso, esta fez com que o Califa o nomeasse seu sucessor. Musa, o filho mais velho, não aceitou a decisão do pai e decidiu desafia-lo para um duelo. O Califa, que era um exímio guerreiro, aceitou, mas acabou tombando diante de seu primogênito. 7.2.4 – Musa al-Hadi (785 – 786): Depois de matar o pai, Musa assume o poder, porém, seu governo é tão efêmero quanto o dos últimos Califas Omíadas. Passa-se menos de um ano até a morte do novo Califa, possivelmente por envenenamento e, também possivelmente, a mando do irmão. 7.2.5 – Harun al-Rachid (786 – 809): Este é, com certeza, o mais famoso dentre todos os Califas do Império Árabe. Sua fama se deve a sua exaltação na obra “As mil e uma noites”. Nela, o Califa é retratado como um homem bom e virtuoso, que passeia pelas ruas de Bagdad, disfarçado e em companhia de Jaffar, seu Vizir. Ambos têm em mente observar as necessidades da população e assim, serem melhores governantes. Na realidade, isto tudo não passa de estória, pois Harun al-Rachid foi, talvez, o mais tirânico dentre todos os Califas que já governaram o Império Islâmico. Seu Vizir (que não se chamava Jaffar, mas sim Yahya), era quem governava o Império realmente e o Califa só intervinha quando estava tomado por ódio e, sendo assim, causava alguma destruição muito grande. Rachid passava a maior parte de seu tempo entre as mulheres de seu numeroso harém e as bebidas (nas quais era viciado). Quando se preocupava com assuntos políticos, geralmente se tratava de reprimir alguma revolta, ou culto. No entanto, é no governo de Rachid que se pode encontrar indícios de maior contato Islâmico com o mundo Europeu ocidental. Isso porque, segundo diversas fontes Européias, o Califa teria enviado e recebido embaixadas (repletas de presentes) a Carlos Magno, Rei da França e, para alguns, o fundador do Sacro Império Romano-Germânico. Essas embaixadas tinham razões políticas claras e úteis para ambos os monarcas, pois se por um lado Carlos Magno (que não se considerava Imperador do Sacro Império Romano-Germânico (o qual estudarei futuramente em um outro trabalho)), mas sim Imperador Romano (no que há uma grande diferença) e que, portanto, queria anexar aos seus domínios a parte oriental do Império Romano, ou seja, o Império Bizantino. Em contrapartida, Harun al-Rachid que a ajuda do soberano Franco para exterminar os Omíadas da Espanha, sendo assim, as relações diplomáticas entre ambos eram boas, inclusive, talvez o início da Reconquista, que foi patrocinado por Carlos Magno, tenha sido realizado devido a algum pacto deste, com Harun alRachid. Por sua parte, o Califa também procurou manter o acordo, atacou constantemente o império Bizantino, durante o governo da Imperatriz Irene. Neste período, conseguiu fundar uma colônia militar em plena Ásia Menor. Graças a essa colônia, Irene se sentia compelida a pagar volumosos tributos ao Califa para que este não atacasse seus domínios. Consta que, quando Irene morreu, em 802, e foi substituída pelo Basileu Nicéforo I, este se recusou a continuar com os pagamentos, além de exigir a restituição do que havia sido pago por Irene. A isso, Harun alRachid respondeu com a seguinte carta: “Bismillah, em nome de Allah, da parte de Harun, príncipe dos crentes, a Nicéforo, cão Romano. Li tua carta, ó filho de mãe infiel. A resposta, teus ouvidos não ouvirão; teus olhos vê-laão”. Deste dia em diante, Harun ordenou ataque constantes às possessões Bizantinas e, em pouco tempo, os Árabes haviam conquistados Tiana, importante cidade da Ásia Menor e, estavam a caminho de Cesaréia. Assim sendo, Nicéforo foi obrigado a pagar tributo a Harun por duas vezes, em 803 e em 806. No tocante à cultura, realmente o governo de Harun al-Rachid foi magnânimo, ao que parece, durante os anos em que governou, Bagdad foi repleta de poetas, pintores, escultores e outros artistas. É muito possível que a figura de Rachid em “As mil e uma noites” tenha sido construída propositalmente para homenagear o soberano que tanto fez pela arte. Pode-se, inclusive, considerar o governo de Rachid como sendo o apogeu cultural do Império Islâmico. Por fim, é interessante que se note que Yahya, o Vizir (que era pai de Jaffar, amigo pessoal de Harun, mas não o Vizir), não dispunha de poderes ilimitados, mas foi o grande responsável pela manutenção dos domínios Islâmicos e pelas campanhas contra o Império Bizantino. Porém, talvez um dia Harun tenha se irritado com Jaffar, o fato é que este foi executado e retalhado em pedaços que foram expostas nas pontes de Bagdad, enquanto seu pai foi preso nos calabouços do palácio do Califa. Isso demonstra muito bem o temperamento do Califa, que se exaltava facilmente e que era muito cruel quando o fazia. Porém, nem só de crueldades, cultura e glória viveu o governo deste Califa. Foi nele que o Império Islâmico perdeu definitivamente o norte da África. O Califa, como forma de agradecimento pela reconquista da região, entregou, em 799, ao seu governador, Ibrahim bem al-Aghlab, o título de chefe hereditário da província de Ifríqiya, residência dos Berberes (os melhores guerreiros do Império). A única coisa a qual estava obrigado o novo governante, era a pagar tributo ao Califa. Com esse desmembramento, a África do norte saíra das mãos do Império, pois a Ifríqiya tornara-se independente (estabelecendo a dinastia dos Aglábidas) com esta doação e, no Maghreb (região banhada pelo oceano Atlântico), os Kharidjitas, após tantos anos de revoluções, haviam finalmente desenvolvido um Estado independente e, no Marrocos, os Álidas (uma dissensão dos Xiitas) haviam fundado seu Estado autônomo. Só restara ao Império, na África, o Egito. Apesar de toda a desintegração que estava ocorrendo, as coisas ainda ficaram piores quando o Califa morreu e dividiu o Império entre três de seus filhos: al-Amin, al-Mamun e al-Qasim. Os três lutaram incessantemente até só restasse Al-Mamun, que governou o Império à partir não de Bagdad, mas de Marw. Este tentou uma aproximação com os Xiitas, inclusive nomeando seu Imam como seu sucessor no Califado. Porém, a morte do Imam fez com que desistisse da aproximação. Data de seu governo a construções, em Bagdad (quando de seu retorno para lá) daquela que foi talvez a primeira Universidade Medieval (entenda-se que não se tratava de uma Universidade segundo os conceitos Europeus, ou seja, não era semelhante às que iriam surgir na Europa do século XII), construída em 827. Se por um lado o governo de Al-Mamun representou o prolongamento do apogeu cultural, com a construção da Universidade de Bagdad, por outro caracterizou mais um desmembramento do Império, pois no Khorassan, província de onde os Abássidas tiraram sua força inicial, surgiu uma dinastia, os Tahíridas, muito semelhante, na formação, aos Aglábidas da Ifríqiya. Depois de sua morte, em 833, Al-Mamun foi sucedido por seu irmão, Al-Mutassim. Este governou com a ajuda de mercenários Turcos (Berberes e Eslavos também serviram como mercenários, mas os Turcos formavam o corpo da milícia) que, pelo menos inicialmente, demonstraram ser totalmente fiéis ao Califa. Porém, este optou, por segurança, em abandonar Bagdad (para onde seu irmão havia retornado depois de tê-la abandonado) e, sendo assim, transferiu a capital para Samarra. A transferência da capital fez com que o povo retirasse dos Abássidas qualquer apoio que ainda lhes desse. Al-Mutassim foi sucedido, em 842, por seu filho al-Watiq e este, foi sucedido, em 861, por seu irmão al-Matawakkil. Este último além de não readquirir o apoio do povo, ainda fez pior, julgou o Mutazilismo (doutrina Islâmica à qual al-Mamun havia se convertido e tornado oficial do Estado) como herético, em 849, sendo assim, perdeu o apoio dos Mutazilistas, que compunham àquela época a elite do Império. Ainda por cima, este Califa acentuou as perseguições a Judeus e Cristãos obrigando-os a utilizar roupas com identificações, para que assim, pudessem ser humilhados por todos. Se por um lado a dinastia Abássida havia dado um golpe totalmente Maquiavélico (como já expliquei, Maquiavel ainda não havia existido, mas os preceitos que ele prega em “o Príncipe” podem ser notados em diferentes épocas da História anterior a sua existência, tanto que o próprio Maquiavel utiliza-se de fatos históricos ao longo de sua obra para justificar o que esta dizendo, sendo assim, “o Príncipe” nada mais é do que uma análise crítica da História Geopolítica anterior a Maquiavel), por outro, havia se perdido e se afundado nos principais problemas que Maquiavel vê num governo; ou seja, havia não só perdido o apoio tanto do povo, quanto dos poderosos (o que Maquiavel diz é que, se possível, deve-se governar com o apoio de ambos, o que a dinastia tinha no princípio, mas caso contrário, deve-se fortalecer o lado que o apóia, ou seja, se os poderosos o apóiam, governe oprimindo o povo, e se o povo o apóia, demonstre isso aos poderosos a todo momento para que, temendo uma revolução, eles o respeitem), com também havia passado a recorrer a tropas mercenárias que, segundo Maquiavel, por não terem nenhum vínculo exceto o monetário, com o governante, não hesitariam por um só momento em abandona-lo num momento crucial. E foi quase isso que aconteceu, os Turcos, passaram a ser as principais figuras do governo Imperial, pois este dependia deles para se manter (uma vez que, era mantido agora, sem apoio, única e exclusivamente através da força). Sendo assim, os Turcos começaram a se achar os donos do poder e, em 861, ajudados por um dos filhos do Califa, mataram-no. À morte do Califa Al-Mutawakkil, segue-se um período de grande instabilidade que leva à desintegração total do Império e ao surgimento de um número cada vez maior de regiões independentes. Aliás, em teoria, o Império continua existindo e o Califa a exercer certo poder, porém, à medida que o tempo passa, os Turcos, sob o título de Vizires, se tornam os verdadeiros mandatários do Império que está esfacelado. 7.3 – A Fragmentação do Império: A fragmentação do Império, ou seja, da autoridade central no mundo Islâmico, se iniciou com o começo da dinastia Abássida. Essa dinastia parecia, no entanto, que reergueria as glórias militares Islâmicas, alcançadas durante o ápice da dinastia Omíada. Porém, com vimos, não foi bem isso o que aconteceu, após a morte de Harun al-Rachid, o maior dentre todos os Califas, o Império entrou num período de esfacelamento muito rápido. Esse período foi marcado pelo surgimento de diversos Emirados, cada um dos quais com sua própria dinastia Reinante. Talvez a mais famosa dentre essas dinastias tenha sido a Fatímida, que seguiam uma tendência extremista do Xiismo, o Ismailismo. Estes fanáticos, depois de iniciarem sua expansão, em 893, estabeleceram um Califado (depois de aberta a porta pelos Omíadas da Espanha, os Fatímidas também se atribuíram o título de Califa) no Egito, em 969, e este perdurou até 1171. Além dos Fatímidas, outras diversas dinastias estalaram em diversas partes do antigo Império, como os Qarmatas, na Arábia; os Rhaznévidas, no Irã; os Hamdânidas, na Armênia; os Sulaihidas, no Iêmen; os Safáridas, no Irã; os Samânidas, próximos ao Turquestão; os Tulúnidas, no Egito, antes dos Fatímidas. Além de muitas outras dinastias, como eu disse, o mundo Islâmico se tornou, após o colapso do Califado Abássida, uma verdadeira colcha de retalhos e, o que é pior, em constantes alterações, tanto que se torna quase impossível dizer exatamente quando e onde se estabeleceu cada um dos Estados. Há, pois, uma crescente preponderância dos Turcos dentro do contexto do antigo Império. Eles emergem inicialmente como mercenários, mas em pouco tempo começam a mandar de fato no Império chegando mesmo a nomear Califa Abássidas (os quais faziam de fantoches) para legitimar seu poder político. Como veremos no item “As Sombras do Império”, os Turcos foram os que mais se aproximaram de ser os herdeiros do Império Islâmico e foram os responsáveis diretos pela decisão do Papa Urbano II, em 1096, de pregar a Primeira Cruzada. 8 – O Islamismo: Como já fiz menção no início do trabalho, antes de Maomé iniciar sua pregação, os povos Árabes (e nisto estão englobados não só os povos da península Arábica, mas também os Sírios e os Mesopotâmicos) estavam entregues a diversas religiões. Algumas nos são até hoje conhecidas, tais como o Zoroastrismo (ou Mazdaíso, do Império Persa), o Judaísmo e o próprio Cristianismo. Porém, além dessas religiões grandes; dentre as quais figurava também o Maniqueísmo; e bem difundidas, havia também os adeptos de diversas seitas, religiões e cultos de menor expressão, por toda a Arábia. Uma característica comum a boa parte, senão a todos, desses cultos era o politeísmo. Acompanhava essa tendência politeísta, um fenômeno (provavelmente influência dos Judeus radicados na região) de intenso “profetismo”, ou seja, a cada dia surgiam mais e mais profetas que pregavam alguma nova doutrina, ou mesmo a vinda de um messias. Como já fiz menção, os Coraixitas de Meca fizeram sua fortuna exatamente centralizando na Caaba as principais divindades de todas essas religiões. Divindades essas que tiveram suas imagens destruídas, em 630, por Maomé. Convém, no entanto, que apresentemos algumas das principais divindades Árabes pré-Islâmicas para que, além de conhece-las, possamos perceber sua influência sobre Maomé, na criação da nova fé. Os Beduínos cultuavam, principalmente, divindades animistas, ou seja, criam em elementos da natureza (tais como árvores, lagos...) como sendo divindades. Sua crença é perfeitamente explicável pela própria forma de vida dos Beduínos, uma vez que, como eram nômades, um oásis podia representar para eles a diferença entre a vida e a morte, sendo assim, seus elementos eram sagrados. Porém, além das divindades animistas (que fique claro que o termo animista é nitidamente pejorativo, no entanto, fiz uso dele devido à falta de um termo melhor), eram também cultuadas as deusas Allat, Al-Uzza e Manat, filhas de um deus mais importante, cujo nome referirei mais adiante. Em Palmyra e Petra, podia-se observar o culto de antigas divindades Fenícias, os Baal. A rigor, essa palavra quer dizer senhor, e na Fenícia, também designava aqueles que portavam altos cargos. Porém, existiam diversos Baal, dos quais, o mais célebre se tornou Baal-Zebbul, cuja corruptela do nome hoje nos dá o famoso Belzebu, ou seja, o Diabo. A associação da figura do Diabo Judaico-Cristão, com essa antiga divindade, dá-se pelo costume que seus adoradores tinham em montar os chamados poços de sacrifícios, onde eram sangrados e depois arremessados toda a sorte de animais e, vez por outra, uma criança pequena. Nas outras regiões Árabes, eram adorados diversos deuses astrais, principalmente o Sol e a lua que, de forma antagônica ao culto que era feito na antiga Mesopotâmia (se bem que os nomes dessas divindades fossem praticamente os mesmos, o que caracteriza, necessariamente, uma influência daquele culto nos cultos Árabes), os sexos das divindades era oposto, ou seja, na Babilônia, o Sol era masculino e a Lua feminina, enquanto que na Arábia, ocorria o inverso. Para os Babilônios, o planeta Vênus era feminino, enquanto para os Árabes, era masculino. É curioso notar que, em boa parte desses cultos (mesmo, talvez no culto aos Baal, visto que este já não era mais o culto Fenício original, mas sim, havia se transformado ao longo do tempo) havia uma divindade comum que, em boa parte das vezes, se sobrepunha às demais. Essa divindade era Allah (o pai das três deusas Beduínas). Sendo assim, é perfeitamente explicável que Maomé, por influências Judaico-Cristãs, tenha aceitado o monoteísmo e, assim sendo, associou como figura divina, o nome do principal deus que conhecia, ou seja, Allah. Dessa forma, Allah não era para Maomé apenas mais um deus, mas sim, o Deus. Dado este primeiro passo, o profeta passou a assimilar a sua crença, diversos elementos Judaico-Cristãos, como a noção de inferno (a Gehenna dos Árabes), de paraíso e até mesmo a santidade de alguns homens, como Moisés, Abraão e o próprio Jesus. É interessante que os Muçulmanos aceitaram facilmente a santidade de Jesus, aceitaram até mesmo o fato deste ter (supostamente) nascido de uma mulher virgem. Porém, em nenhum momento consideraram-no como sendo o Cristo, ou seja, o ungido de Deus, o escolhido. Da mesma forma que não criam que Jesus fosse o escolhido, pois para os Muçulmanos, Maomé é o profeta definitivo, abominavam ainda mais a idéia da Santíssima Trindade, na qual Pai (Deus, que para os Judeus e Cristãos tem o nome de Jeová, ou mesmo Javeh), Filho (Jesus) e Espírito Santo estariam unidos numa única figura, ou seja, Jesus Cristo. Para eles, a idéia da Santíssima Trindade constitui uma enorme heresia, pois gera a crença em outro ser supremo que não seja Allah e, sendo assim, o politeísmo. Por todas as semelhanças entre o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo, muitos Historiadores (especialistas em religiões) não consideram as três como religiões diferentes, mas sim, como ramos distintos da mesma fé. Se nos aprofundarmos um pouco no estudo das religiões, veremos que o Cristianismo surgiu do Judaísmo e este, por sua vez, teria tido, em suas raízes, profundas influências do Zoroastrismo (influências prováveis devido às semelhanças entre e ambas e devido ao fato da religião Persa ser mais antiga que a Judaica), datadas da época do Êxodo. Devido a todas essas semelhanças, podemos dizer duas coisas: 1ª) De um ponto de vista racional, as três religiões; Judaísmo, Cristianismo e Islamismo; seriam braços dissidentes de uma mesma religião inicial: a religião Persa (que não era o Zoroastrismo, mas que foi reformada por Zoroastro, por volta de 700 a.C.). Levando-se em conta o fato de que o surgimento das religiões, segundo estudos antropológicos comprovam, foi devido à observação dos fenômenos da natureza e, conseqüente tentativa de explicá-los. Pode-se concluir que, na verdade, nenhuma dessas religiões está correta, visto que todas as religiões que pressupõe uma divindade estão, necessariamente equivocadas, pois, à medida que a ciência caminha e que mais mistérios são desvendados, torna-se cada vez mais provável que um dia tudo poderá ser explicado cientificamente e, dessa maneira, não serão mais necessários deuses, pois todos eles estarão mortos. Assassinados pela ciência. Aliás, só para completar, talvez a própria cúpula das religiões já esteja convencida disso (e há muito tempo), pois isso explicaria claramente todos os entraves colocados, por exemplo, pela Igreja Católica, aos avanços da ciência (na Idade Média era pecado dizer que a Terra era redondo, hoje é pecado fazer clonagem humana). Será que tudo isso não é apenas uma tentativa desesperada e inútil, por parte do clero, de manter as migalhas de poder que o mundo ainda lhe reserva? Será que a clonagem humana não seria a prova do homem para ele mesmo de que não foi realmente Deus quem o criou, como dizem as religiões? Reflita! 2ª) De um ponto de vista crédulo, podemos dizer que Maomé estava realmente certo, pois, se acreditarmos nas palavras de todos os profetas das grandes religiões ocidentais (excluindo assim as religiões do Extremo Oriente), o Judaísmo teria sido criado a partir de novos ensinamentos divinos, ensinamentos que, através dos Dez Mandamentos, reformulariam as crenças Persas (os Semitas, como queiram) pré-existentes. Posteriormente, a vinda de Jesus Cristo e as conseqüentes lições de Amor que este deixou teriam reformado as crenças Judaicas e, por fim, as revelações de Deus a Maomé, teriam completado (pelo menos por enquanto) a linha de revelações divinas. Sendo assim, o profeta fundador do Islamismo estaria certo em todas as suas afirmações e o Islamismo seria, necessariamente, a mais perfeita manifestação da vontade de Deus. Para tornar minha análise mais sucinta e específica, terminarei aqui as digressões pessoais e me aterei apenas a enumerar os principais dogmas do Islamismo, além fazer algumas referências sobre passagens do Alcorão que retratam uma clara preocupação do profeta Maomé em unir o povo. Primeiramente, devo me remeter a explicar por o livro Alcorão tem este nome e também porque a religião se chama Islã, ou Islamismo. Responderei, em primeiro lugar, a segunda questão. Islã é uma palavra Árabe que significa rendição, sendo assim, é Islâmico todo aquele que se rende à palavra e à vontade de Allah. Islamismo é o emprego da palavra Islã, com a terminação ocidental “ismo”, que se remete a designar algo semelhante à designação nipônica “do”, ou seja, caminho, via; dessa forma, Islamismo é o caminho da rendição, caminho que todo o Muçulmano tem que percorrer corretamente para ser salvo por Allah e escapar da Gehenna (inferno), no final de sua vida. Quanto à segunda questão, Alcorão vem do Árabe al Qur’ân, que quer dizer “A Leitura”. Esse nome remete-se ao sonho que Maomé teve com Allah, no qual o Deus lhe apresentou um pergaminho e ordenou: “Leia!”, e o profeta leu mesmo sem saber ler. Muitos lingüistas defendem que o livro deveria se chamar, em português, Corão, visto que a designação “al” quer dizer “o”. Porém, outros refutam essa palavra com a seguinte afirmação. Existe uma tendência na língua portuguesa em “importar” as palavras Árabes segundo o seu som e não segundo o seu significado, sendo assim, palavras como Alfândega, Algodão, Alquimia, Almíscar, Álgebra, Alferes, Alambique, Alcaide e até mesmo Arroz e Açúcar; não foram traduzidas segundo seu significado, caso contrário, seriam algo como a Fândega, o Godão, a Quimia, o Míscar, a Gebra, o Feres, o Lambique, o Caide, o Roz e o Sucar. Como a tendência que defende a forma Alcorão tem mais respaldo teórico (como os exemplos mostraram), é mais comumente encontrada a forma Alcorão, sendo que a forma Corão, apesar de não usual, não está errada. A vida e os costumes Árabes passaram, desde Maomé, a serem ditados pelo Alcorão. Porém, o próprio Maomé dizia que: “É uma blasfêmia atribuir este Alcorão a outro, que não Deus. Ele é a confirmação do que o procedeu e a elucidação do Livro incontestável do Senhor dos mundos”. Segundo o Alcorão, todos os Muçulmanos têm cinco obrigações básicas: 1 – orar diariamente com a cabeça voltada para Meca; 2 – doar esmolas aos pobres; 3 – jejuar no mês do Ramadã (mês lunar, do calendário Árabe, sagrado); 4 – peregrinar a Meca pelo menos uma vez na vida (dessa obrigação estão livres aqueles que dispuserem de recursos; 5 – difundir a fé (essa obrigação deu origem à Jihad, ou Guerra Santa, pois se tratava da guerra, com a bênção divina, contra aquele que não aceitassem a fé Islâmica). Dentro dessas cinco obrigações, pode-se constatar pelo menos duas que foram incluídas pelo profeta: jejuar no Ramadã e difundir a fé. A primeira é explicada devido ao fato deste mês ser o mês das secas e, conseqüentemente, da fome, dessa forma, se o Muçulmano estiver jejuando, ele não acreditará que está passando fome por condições que lhe são inatingíveis, mas sim por vontade própria. Já a difusão da fé é uma preocupação do profeta para que, com sua morte, a religião não se estagnasse. As outras três podem ser divididas da seguinte maneira: duas de caráter religioso real e uma de caráter altruístico. O caráter religioso é demonstrado na peregrinação à Meca e na oração diária. Já o caráter altruístico (de ajuda ao próximo, também pode ser dito, caráter humanitário) pode ser visto na obrigação de doar esmolas aos pobres. Além dessas obrigações, as principais, diversas outras obrigações menores compõem a complexa e rígida moral Islâmica. São obrigações nitidamente colocadas no livro por alguém (talvez Maomé, talvez Uthman, quando publicou o texto único do livro, exterminando as diversas versões concorrentes) que intentava regular a vida da população de uma forma indiscutível, ou seja, legitimando suas ordens como sendo vontade de Deus. Dessas obrigações constam coisas como não comer carne de porco (algo que faz muito mal à saúde de quem vive em regiões áridas), ser asseado (para evitar doenças), além de punições divinas (respaldadas pelo Alcorão) a crimes humanos, como o roubo, o adultério, o assassinato... Todas essas punições, sempre podem ser evitadas, bastando que o criminoso se arrependa diante de Allah. O Muçulmano deve ser piedoso. A compilação das Sunnas (tradições) Árabes, no Alcorão, por Maomé, serviu para dar aos povos Árabes um caráter unitário e, dessa forma, por fim às dissensões internas. Depois da morte de Maomé, as Sunnas do Alcorão (referidas nele próprio como Sunnas de Allah), passaram cada vez mais a ser conhecidas como Sunnas de Maomé, ou Sunna de Maomé. No entanto, esse conjunto de tradições se mostrou incompleto com o passar do tempo e, sobretudo, à medida que os Árabes se expandiam e assim, entravam em contato com povos não Árabes. Justamente devido a essas lacunas do Alcorão, criou-se no mundo Islâmico a tradição dos Hadith, ou seja, homens que ditavam a maneira mais adequada de se agir frente às situações sobre as quais o Alcorão nada mencionava. Esses Hadith eram verdadeiros Oralistas e, sendo assim, estudavam o Alcorão a fundo e, baseados nesses estudos e nas tradições orais passadas ao longo do tempo, davam seu parecer sobre como agir. 8.1 – Um Império de Fé: Talvez este seja o item mais importante do trabalho, isto porque é nele que pretendo expor meu pensamento sobre o Islamismo. É simples, o Império Islâmico se iniciou com um objetivo missionário pregado por Maomé. Em suas raízes (ainda na época de Maomé e depois, sob Abu Bakr), ele uniu povos cujos interesses e cultura eram semelhantes, sendo assim, cuja união seria facilmente conquistada apesar do histórico de independência dos povos Árabes. No entanto, a medida em que a expansão do Império foi caminhando, especialmente sob Uthman, os povos abraçados por ele já não tinham mais os mesmos interesses dos Árabes do Hedjaz, de Hadramaut, do Iêmen, da Síria e do Iraque (regiões que primeiro foram conquistadas e, sobre as quais me referi no início do trabalho como sendo habitadas por povos Árabes), eram povos que já haviam estado sob a égide de outros Impérios e Reinos e que, por isso, se habituaram com certa facilidade a integrar o Império que surgia. É notório que os Omíadas desempenharam um papel fundamental no Império,aliás, não só para o Império, mas para o Islamismo em si. Hoje, as regiões onde o Islamismo é professado como religião oficial correspondem exatamente às regiões ocupadas pelos Omíadas e, em alguns casos, ao seu prolongamento natural, como é o caso de regiões distantes da Ásia. É claro que não podemos deixar de levar em consideração a importante presença do Império Otomano (também chamdo de Império Turco) que, durante séculos, dominou vastas regiões a leste da Europa. Porém, exceto na Espanha, onde os Reinos Cristãos foram vitoriosos e impuseram pela força das armas a eliminação do Islamismo, nas outras regiões Omíadas, esta ainda é a religião dominante. Não é a toa que o Islamismo conta hoje com mais de um bilhão de fiéis sendo, individualmente, a maior religião do planeta (o Cristianismo tem mais adeptos do que o Islamismo, porém, estes estão divididos entre o Catolicismo, a Igreja Cristã Ortodoxa, o Espiritismo e as seitas ditas Evangélicas ou Protestantes). O forte trabalho missionário dos conquistadores Islâmicos se fez possível porque juntamente com a religião (que juntamente com o Cristianismo é a maior religião missionária do mundo), os conquistadores levavam sua língua, que se tornou a oficial e obrigatória em todo o Império, e sua tolerância aos cultos locais. A mesma coisa não acontecia com os povos Cristãos que se expandiam, pois estes impunham sua fé de maneira compulsória aos povos dominados (quem nunca ouviu falar no massacre da Saxônia, operado por Carlos Magno, onde o Rei matou todos os Saxões que se recusaram a se converter ao Cristianismo? E olhem que Carlos Magno, juntamente com Luís IX, o São Luís, são considerados os dois maiores Reis Cristãos da Idade Média). Diga-se de passagem, a tolerância foi um dos principais trunfos dos Muçulmanos e, talvez, o que tenha tornado possível sua conquista, pois estes obrigavam os não Muçulmanos a pagar pesados impostos, mas não os matavam, como faziam os Cristãos. É curioso notar que os Islâmicos demonstravam maior intolerância contra os Muçulmanos não Sunitas (Kharidjitas, Xiitas e seguidores de outras seitas) do que contra os não Islâmicos, estes, só estavam obrigados à tributação, não eram considerados traidores, uma vez que nunca haviam jurado fidelidade aos dogmas de Maomé. A tolerância proporcionava uma fácil aceitação do domínio Islâmico por parte das populações que possuíam recursos para pagar os tributos que lhes seriam cobrados (foi o caso dos Judeus das cidades Espanholas que, por serem perseguidos pelos Visigodos Cristãos, demonstraram grande receptividade aos Muçulmanos, vistos como salvadores). Fundamentalmente, o Império Islâmico não foi o Império de um povo, mas sim de uma religião e é apenas por isso que, até hoje, os povos Islâmicos possuem uma certa noção de interesses comuns, uma vez que, são ligados por uma mesma religião, religião esta que os incumbe de propagar sua fé a todo custo, sendo assim, em algumas ocasiões podemos ver povos de países diferentes se unirem em torno de um objetivo comum, ligado à religião, como nas vezes em que, no século XX, uma Liga dos Povos Árabes foi reunida para combater Israel (um país Judeu incrustado no meio do Oriente Médio). 9 – As Sombras do Império: As Sombras do Império foram, as diversas tentativas (não necessariamente conscientes) de se reunificar o Império Islâmico, além disso, também podem ser consideradas como a irradiação do Islã por diversas outras regiões (até os Mongóis chegaram a se converter ao Islamismo, e este finalmente invadiu a Europa através do Império Bizantino), o que caracterizou, mais ainda, o final do caráter Árabe da religião de Maomé. De Árabe só restaria o idioma oficial. Dentro do que mais merece ser mencionado pode-se, com certeza, incluir os povos Turcos, ou seja, com origem no Turquestão. Os Turcos eram tão heterogêneos quanto os Árabes pré-Islâmicos, mas assim como esses, também detinham muitas características comuns que foram as responsáveis por sua consciência os considerar a todos Turcos. Como vimos, eles se tornaram mercenários dos Califas Abássidas e, dentro de pouco tempo, seu único sustentáculo. Sendo assim, os Turcos começaram a ocupar o cargo de Vizires e a mandar, de fato, muito mais do que o próprio Califa. Em 932, os Buwayhidas, uma família Xiita do Irã, invadiu Bagdad e dominou-a, expulsando os Turcos, sendo assim, o Califa Abássida passou a ser controlado pelos chefes dessa família, inclusive, o líder dos Buwayhidas foi designado pelo Califa como sendo “O Chefe dos Emires” (Há que se compreender que, apesar da fragmentação, o Império Árabe ainda continuava inteiro, pelo menos em teoria, visto que o Califa era seu líder máximo, o que acontecia era que os Emires, chefes regionais, desempenhavam políticas totalmente autônomas e só concediam ao Califa (no caso do Emir ser Sunita) as honras de Sumo Pontífice do Islã), sendo assim, esse título implicava em que os Buwayhidas fossem os verdadeiros comandantes (pelo menos em teoria) político-militares do Império (é sempre bom lembrar que, a presença dos Califados da Espanha e do Egito significava que, nessas regiões o Califa Abássida não era sequer considerado chefe religioso pois, elas próprias constituíam-se em Teocracias. Na prática, a diferença entre um Emir e um Califa é que o primeiro é apenas um governante temporal (político) e o segundo, além de também poder ser um governante temporal, é, sobretudo, um governante espiritual). Quando foram expulsos de Bagdad, os Vizires Turcos conquistaram a Síria e organizaram, em 935, a dinastia dos Ikchiditas que, no entanto, só resistiu até 969. Essa situação perdurou até 1055, quando um grupo de Turcos nômades, os Seldjúcidas, atacou Bagdad e derrotou os Buwayhidas. O líder dos Seldjúcidas, Toghrul-Beg, então, foi nomeado pelo Califa como Sultão, o que correspondia a uma separação definitiva entre os poderes temporal e religioso, ficando o primeiro a cargo do Sultão e o segundo nas mãos do Califa. Por serem Sunitas, os Seldjúcidas combateram o Xiismo, que havia se tornado dominante no período de governo dos Buwayhidas, mas, no entanto, seu feito mais importante foi, sem dúvida a vitória na Batalha de Manzikert. Esta batalha, travada na Ásia Menor, contra o Império Bizantino, constituiu no início do fim deste. Aparentemente, foi apenas uma vitória heróica conquistada por um grupo, os Seldjúcidas, que apesar de estar em franca minoria, lutava de forma coesa e apaixonada, sobre um grupo enorme, o exército Bizantino, e heterogêneo, formado por mercenários de diversas partes do Império que, na hora do combate, foram incapazes de obedecer corretamente um comando central e, por isso, acabaram fragorosamente derrotados. Porém, foi muito mais do que isso, pois permitiu aos Turcos conquistarem as planícies da Anatólia (ou Ásia Menor), ou seja, a Armênia e a Capadócia, região vital para a sobrevivência do Império Bizantino, uma vez que era de lá que ele retirava a maior parte de seus gêneros agrícolas e também, os cavalos para seus cavaleiros. Sendo assim, sem a Anatólia, o Império Bizantino viu-se obrigado a importar cavalos para poder manter uma cavalaria, o que encarecia este tipo de tropa, essencial nas guerras Medievais, e limitava o exército Bizantino, à partir de 1071, quando ocorreu a batalha, mais e mais a apenas infantarias e tropas de arqueiros, impotentes contra as cavalarias Muçulmanas. É importante notar a atuação dos Sultões Seldjúcidas, em especial Alp Arslan, filho do primeiro Sultão. Eles, com efeito, sediados na cidade de Isaphan (próxima a Bagdad), recriaram o Império Islâmico, porém, agora em três frentes diferentes e com um caráter primordialmente Turco. As três frentes de expansão Seldjúcida eram respectivamente: a Anatólia; a Síria e o Irã. A Síria foi reconquistada aos Emires independentes que lá haviam se instalado, no Irã, ocorreu o mesmo e a Anatólia, por sua vez, depois da Batalha de Manzikert, foi pouco a pouco sendo ocupada pelos Seldjúcidas até se tornar realmente o novo Turqustão (há que se notar que a Turquia de hoje nada mais é do que a própria Anatólia, ou Ásia Menor). A derrota do Basileu Romano IV na Batalha de Manzikert provocou profundo abalo no Império Bizantino. Inicialmente, foi a dinastia dos Ducas (a qual o Basileu pertencia) que caiu, em seu lugar entrou Nicéforo III, que percebendo a situação delicada em que se encontrava, começou a pensar em uma reaproximação com o ocidente (digo reaproximação porque desde 1053, com o Cisma do Oriente (separação entre a Igreja Católica, com sede em Roma, e a Igreja Cristã Ortodoxa, com sede em Constantinopla), que as relações entre Constantinopla e o resto da Europa estavam estremecidas). Esta reaproximação foi executada, no entanto, quando Aleixo I, o Basileu que assumiu, em 1081, requisitou ao Papa Urbano II o envio de uma força militar de apoio na guerra contra os Muçulmanos. O Papa aceitou o pedido (principalmente porque sua condição, a reunificação das duas Igrejas, foi aceita pelo Basileu) e, em 1095, no Concílio de Clermont, pregou a Cruzada com a desculpa de reconquistar Jerusalém, que se via nas mãos dos Muçulmanos. A Primeira Cruzada, realizada entre 1096 e 1099, foi realizada, portanto, com o intuito de auxiliar o Império Bizantino na medida em que abria uma nova frente de combate contra os Turcos. Porém, ela só obteve sucesso (reconquistou Jerusalém, Belém, Nazaré e outras cidades, além de estabelecer Reinos Cristãos na Palestina) devido a fragmentação política dos Seldjúcidas decorrente da morte do Sultão Malik-Chah, em 1095. Este dividiu seu Império em três partes: a Síria, a Anatólia e a Pérsia, ficando todas independentes umas das outras, constituindo as duas últimas, Sultanatos próprios e a primeira estando dividida em dois Reinos. Os Seldjúcidas entraram em decadência à medida que mergulharam na descentralização e sua queda foi precipitada quando, em 1258, os Mongóis, liderados por Hulagu, tomaram Bagdad e depuseram o último Califa Abássida, al-Mustasim. Os reides Mongóis, que se haviam iniciado no final do século XII, destruíram o Sultanato da Pérsia (o Irã) e depois o centro do antigo Império. Somente a Anatólia permaneceu sobre a autoridade Turca, porém não apenas Seldjúcida. O domínio Mongol, estabelecido ao longo de toda a Ásia através dos diversos Canados (forma de administração cujo líder máximo é um Khan, tal como Gengis Khan, uma espécie de Rei, mas que vive de forma militar), facilitou, no final do século XIII e início do XIV, a ascensão, na Anatólia, de uma tribo Turca que tomaria o nome de seu fundador, Otaman (que governou seu povo entre 1299 e 1326). Este povo dito Otomano, iniciou a construção de um Sultanato que, à partir de meados do século XIV já impressionava pela força e que, em 1453, depois de já estar irremediavelmente incrustado na península Balcânica, foi capaz de tomar Constantinopla pondo um ponto final ao Império Bizantino (que a esta época se resumia única e exclusivamente à sua capital), renomeandoa como Istambul e, colocando assim um ponto final naquilo que é conhecido como História Medieval. Os Otomanos continuariam sua expansão até o século XVI, e nela conquistariam todas as regiões costeiras entre a Grécia e o Marrocos, ou seja, a Anatólia, a Palestina, o Egito e todo o norte da África. À partir de meados do século XVI, as regiões mais distantes do Império Otomano (que era governado por um Sultão) começam a agir de forma independente e, no início do século XIX, quando Napoleão toma o Egito, a soberania dos Otomanos passa a ficar muito restrita. Essa situação só se agravaria, com a perda, em meados do século XIX, da Hungria. O Império resistiria ainda à Primeira Guerra Mundial, mas depois dela, se tornaria tão fragilizado que, em 1922, abdicaria de sua condição Imperial para formar a atual Turquia, uma República (a República foi proclamada em 1923), cuja capital é Ankara. 9.1 – Legados Culturais: São incontáveis os legados dos povos Árabes Medievais para a humanidade, dessa forma, não seria possível para mim, que sou apenas um leigo, enumera-los ou tão pouco estuda-los todos. Cabe, no entanto, à responsabilidade a qual me incumbi, enumerar alguns dos legados culturais mais importantes dessa “Civilização” (coloco o termo entre aspas pois não creio ser o mais adequado para definir povos tão distintos que têm em comum apenas a religião, a língua e a arquitetura, mesmo essa última, com muitas variantes) magnífica. A religião é incontestavelmente, o legado mais importante dos Muçulmanos, pois, no mundo, hoje, como me referi, mais de um bilhão de pessoas é adepta do Islamismo, religião que não só rege seus espíritos, mas que também, por seu forte código de moral e ética, rega suas vidas. Podemos citar a Matemática como ciência revolucionária do Islã, mas aliada a ela vêm também a Física, a Química (e por que não a Alquimia) e a Astronomia. No campo da Literatura, muitos poetas Árabes adquiriram renome no mundo, mas nenhuma obra supera em grandiosidade “As mil e um noites”. Uma aliança entre a literatura, a Alquimia e cultos antigos fez com que florescessem no mundo Islâmico Medieval homens como o Persa Omar Khayyam (não confundir com o falso guru brasileiro que, em 2000, enganou muitas pessoas sendo, inclusive, convidado a ministrar palestras na conceituada Unicamp), astrônomo, matemático, poeta e, segundo consta, uma espécie de Mago, ou seja, um homem aprofundado nas ditas Ciências Ocultas. As artes Islâmicas tinham, em sua maioria, temas religiosos, mas havia também um pequeno número de obras profanas (não religiosas), de grande qualidade. A arquitetura Islâmica é impressionante e, ao longo do tempo, foi se aprimorando. Hoje, da época Omíada nos restam muito poucas coisas, mas as mais impressionantes são a Caaba (cuja última reconstrução data de 696), a Mesquita dos Omíadas, em Damasco e o Domo da Rocha, em Jerusalém. Já do período Abássida, a mais imponente obra é, sem sombra de dúvidas, a própria cidade de Bagdad, cidade que, terminada em 762, marca o apogeu cultural do mundo Islâmico Medieval. Não se pode esquecer da importância da compilação dos textos gregos de autores há muito perdidos na Europa. Essas compilações foram possibilitadas devido ao contato com regiões que fizeram parte dos antigos reinos helenísticos (estabelecidos após a morte de Alexandre, o Grande). Elas tiveram participação direta e fundamental (inclusive, arrisco dizer que este não teria ocorrido sem a influência dessas obras resgatadas pelos Muçulmanos) no Renascimento, iniciado no século XIV, especialmente na Itália, e continuado nos séculos XV e XVI. Além desses grandes legados culturais, outros legados também devem ser levados em conta. A expansão Árabe, além de restaurar o comércio oriental com o ocidente, relembrou aos Europeus que este existia. Com efeito, os Muçulmanos foram responsáveis pelo resgate do ideal grego de que o mundo era redondo; esse ideal, por si, foi o inspirador de muitos pensadores Europeus e, inclusive, do navegador Italiano Cristóvão Colombo que, em 1492, acreditando que o mundo era realmente redondo e que iria, saindo da Espanha, chegar à Índia, descobriu a América. 9.2 – Legados Tecnológicos: É claro que quando se lembra que os Árabes re-introduziram na Europa os textos Gregos há muito esquecidos, pode-se pensar que isso seja um legado tecnológico Árabe, porém, não se pode conceber dessa maneira, pois os textos Gregos constituem muito mais legados culturais do que tecnológicos. Como legados tecnológicos (se é que tecnologia é a melhor palavra para o que irei descrever) do mundo Islâmico Medieval, podemos enumerar principalmente duas coisas: os algarismos arábicos e a pólvora. Os primeiros, revolucionaram a matemática e são, seguramente a forma mais perfeita de representação numérica já inventada. Além de contarem com a noção do zero, noção inexistente nos algarismos romanos utilizados até então, contavam com dez símbolos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9), proporcionando uma escrita muito mais simples dos números do que os sete símbolos romanos (I, V, X, L, C, D e M). É claro que a Matemática, por si só, é uma Filosofia e, como tal, deve ser incluída na seção de Legados Culturais, mas os algarismos são uma nova tecnologia. A pólvora, talvez tenha sido a mais impressionante e importante contribuição tecnológica do mundo Islâmico para o mundo. Aliás, se pensarmos sobre a importância da pólvora na História da Humanidade, veremos que, talvez, ao lado do fogo e da roda, ela seja a invenção mais revolucionária de todos os tempos. A pólvora foi o veículo que possibilitou a queda do Feudalismo, uma vez que tornou os Castelos, símbolo de poder da nobreza feudal, obsoletos. A pólvora não foi inventada, em si, pelos Árabes, mas sim pelos Chineses. Estes a utilizavam desde tempos muito remotos como fogos de artifício, mas os Árabes, ao compreenderem suas propriedades foram os primeiros a pensar numa utilização bélica para ela. Isso deve ter ocorrido no final do século XIII, tanto que, em meados do século XIV, o Império Otomano formava o primeiro corpo de Janízaros (soldados armados com arcabuzes, armas de fogo rudimentares que, segundo consta disparavam de tudo, desde pedras até flechas. Ao que parece, o chumbo só passou a ser utilizado como munição por volta do século XV) da História. Os arcabuzes dos Janízaros Turcos, no entanto, não constituíam a mais importante utilização da pólvora na Idade Média, isso porque, esse arcabuzes eram lentos e muito perigosos para os soldados que os empunhavam (na realidade, as armas manuais de fogo só passaram a ter uma utilidade grande em campos de batalha quando, por volta do século XVII, os Ingleses descobriram as linhas de tiro, ou seja, quando eles faziam três ou mais fileiras de soldados e, depois que a primeira fileira disparava, começava a recarregar as armas enquanto a segunda e a terceira faziam seus disparos. Só então, a primeira fileira voltava a atirar, sendo assim, o fogo ficava praticamente contínuo), sendo assim, a grande utilização da pólvora na Idade Média foi, sem sombra de dúvidas, nos canhões que, graças ao poderio das grandes pedras lançadas por eles, destruíram vários Castelos, tornando assim, sua existência quase inútil. Por fim, pode-se considerar a Bússola e o Astrolábio que, assim como a pólvora, não foram invenções dos Árabes, mas dos Chineses. Estes foram transmitidos aos Europeus pelos Árabes e revolucionaram a navegação. É verdade que o Astrolábio já havia sido inventado pelos Gregos na Antiguidade, porém, foi, como outras coisas, esquecido e os Chineses, apesar de posteriormente, tiveram a mesma idéia que os Gregos antigos haviam tido e inventaram um aparelho semelhante, que foi passado aos Árabes. Estes, por sua vez, o aprimoraram e tornaram-no indispensável à sua navegação. 10 – Bibliografia: CHALLITA, Mansour (trad.). O Alcorão. GIORDANI, Mário Curtis. História da Antiguidade Oriental. GIORDANI, Mário Curtis. História da Ásia: Anterior aos descobrimentos. GIORDANI, Mário Curtis. História do Mundo Árabe Medieval. HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. LOYN, H.R. (org.). Dicionário da Idade Média. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. McEVEDY, Colin. Atlas da História Medieval. PERRY, Marvin. Civilização Ocidental: Uma História Concisa. PIRENNE, Henry. História Econômica e Social da Idade Média. Vários. As mil e uma noites. Vários. Atlas de História Geral. Vários. Grande Enciclopédia Delta Larousse.