VI SEMEAD ADM. GERAL EVOLUÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES Mara Pires de Lima Química pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo [email protected] Marcelo Miyasaki Mestrando do curso de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo [email protected] Yuzuru Abreu – Mestrando em Administração pela em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. PALAVRAS-CHAVE: Ecologia de empresas, Evolução, Inovação em Gestão, mudança organizacional, Teoria da Contingência. EVOLUÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES: UM ESTUDO SOBRE INOVAÇÃO EM GESTÃO RESUMO Neste artigo teórico discute-se o processo de sucessivas inovações em gestão através de sua perspectiva metafórica e paradigmática. Investigamos se a “mudança de paradigma” nos processos de Inovação Empresarial constitui realmente uma quebra, comparando-as com metáforas do conceito de Evolução. Diversas dessas metáforas foram transpostas de outros campos científicos para a Administração, como por exemplo a Teoria Ecológica, a Teoria Contingencial, a Teoria da Complexidade e do Caos, etc. As implicações administrativas de cada uma dessas metáforas transpostas é discutida, junto com sua crítica e relação com os paradigmas da Inovação. Por último, a partir do modelo de McKelvey e Aldrich será feito uma nova metáfora que talvez possa servir de base para novos paradigmas. Pode-se dizer que o termo “Inovação” tornou-se com certeza um dos mantras sagrados da Administração moderna, sendo usado para justificar processos de mudança: a sede de reformular e melhorar produtos e processos é usada muitas vezes para justificar os modismos administrativos. Assim acaba não importando tanto qual é a mudança, é necessário que a organização esteja sempre em eterno movimento, como se para fugir da entropia advinda da inércia. A Administração é muitas vezes acompanhada pelo registro do Modismo, e dentro deste corre-se o risco da busca pela Inovação tornese uma panacéia para os males existentes ou que um dia poderão surgir, e onde mais vale mudar do que refletir sobre o que é mudado, e a cada revolução sempre se acompanhará outra, mais fantástica ainda. Obviamente o tema não se esgota na indústria de modismos que alimenta livros, seminários e consultores antiéticos, mas a força do elemento Modismo tem crescido com o movimento de “imaterialização” dessas inovações. Explica-se: a crescente modernização da tecnologia possibilitou o desenvolvimento de produtos e de processos de produção, que ganharam assim qualidade, sofisticação, flexibilidade e produtividade; mas concluiu-se, com o passar do tempo, que as transformações mais importantes não eram de caráter técnico, e sim administrativo, objeto este muito mais nebuloso. Assim, numa primeira fase o processo de inovação se refere, por exemplo, à compra de máquinas ou de um sistema de tecnologia da informação com o objetivo de reduzir custos, diminuir estoques, aumentar a produtividade, etc. Ou seja, focalizando-se especificamente sobre os elementos mais objetivos da realidade organizacional. Num segundo momento podemos verificar que a atenção de administradores e acadêmicos se volta para os elementos mais “soft”, subjetivos, dessa realidade, concentrado mais nas pessoas e suas motivações, nos procedimentos e políticas ou na cultura ou aprendizado organizacional, todos elementos complexos e sutis, e de tal forma campo fértil para a proliferação de oportunistas. Outra grande mudança que podemos citar no discurso instituído sobre a Gestão da Inovação é o da “institucionalização” da Mudança Institucional. No contexto anterior podia-se dizer que o processo de Inovação era “empurrado”: incentivos ou ameaças são dados dentro do sistema institucional com o objetivo de desenvolver a inovação através do maior esforço de seus membros para alcançá-la. Assim incentiva-se ainda hoje, desde idéias para o controle de qualidade, no chão-de-fábrica, quanto o surgimento de novos produtos e serviços, em grandes corporações financeiras. Nesse tipo de processo “empurrado” notamos de imediato três características: seu objeto de trabalho é muito mais sobre os elementos “hard” da realidade organizacional, como produtos, serviços e processos produtivos; sua lógica é quantitativa, pois pressupõe que o esforço do próprio sistema trará a inovação através de aperfeiçoamentos contínuos e progressivos e não de transformações radicais; por último verificamos que o sistema procura modificar o seu ambiente, externo e interno, sem no entanto nunca modificar a 1 si. Essa constatação é óbvia a partir das duas primeiras afirmações, uma vez que dentro dessa lógica, não se pretende modificar os elementos “soft” da realidade organizacional, e nem pretende realizar mudanças de caráter qualitativo na própria Instituição, o que alteraria sua estrutura e superestrutura. Defenderemos nesse texto que esse processo de “empurrar” a inovação é parte de um paradigma cuja metáfora subjacente é a da competição darwinista e da adaptação. O segundo grande processo de se produzir a Inovação, e que tem se popularizado no discurso administrativo, é o de se “puxar” a Inovação. O sistema organiza-se de tal forma a incorporar em si espaços para a experiência, aprendizado e disseminação das idéias e, dessa maneira, o sistema institucionaliza o processo de mudança como um elemento de sua estrutura formal e informal. Apenas como exemplo desse tipo de discurso citamos Van de Vem, Angle & Poole (1989, apud Silva e Fischmann 2002): “... o processo de inovação consiste em motivar e coordenar pessoas, para desenvolver e implementar novas idéias, que se engajem em transações (ou relacionamentos) com outras pessoas ou organizações, realizando as adaptações necessárias para obter os resultados necessários dentro de ambientes institucionais em mudança”. Dizemos “puxar” porque dentro desse processo a organização muda a si própria como maneira de incentivar e desenvolver as inovações. É fácil verificar que nessa lógica o processo de mudança é basicamente qualitativo, exigindo a transformação do sistema existente num agregado mais complexo, e não apenas um movimento progressivo que não mude seu comportamento intrínseco. Vemos que o foco dessa proposta é basicamente sobre a superestrutura organizacional, os elementos “soft” citados anteriormente, e através dela que se pretende atingir a Inovação. Esse segundo tipo de discurso é influenciado por sua vez principalmente por uma metáfora evolucionista, como veremos mais abaixo. Temos assim duas abordagens do discurso empresarial que são, no entanto, afetadas por uma utopia subjacente à idéia de progresso, competitividade e crescimento que, como discutiremos no restante do artigo, só pode ser compreendida através das metáforas da Evolução. Na primeira abordagem, o objeto é objetivo (“hard”) e o foco de mudança é externo. Na segunda abordagem, o objeto é subjetivo (“soft”) e o seu foco é interno. Investigaremos então se essas duas abordagens, com seu conjunto próprio de visões, discursos e metáforas constituem-se de paradigmas da Inovação. Discutiremos então se os dois paradigmas são fundamentalmente diferentes ou se pode existir uma nova proposta de metáfora (Evolucionária) que talvez possa englobar os dois. Quadro 1 – Relação entre Paradigmas da Inovação e Metáforas da Evolução na Administração Paradigma “Empurrar” a Inovação “Puxar” a Inovação Metáfora Natureza da Metáfora Darwinista A competição entre os indivíduos seleciona naturalmente os caracteres mais adaptados aos ambiente Área de Origem Biologia Adaptacionista A seleção entre possíveis caracteres se processa dentro do indivíduo, através de um mecanismo de “aprendizado” Lingüística Evolucionista- Sucessão de estágios qualitativamente distintos, Revolucionária ordenados numa escala crescente de Filosofia 2 complexidade e perfeição ? Evolucionária A competição se processa entre os caracteres a serem selecionados, e não apenas entre os indivíduos. O processo assemelha-se a um eficiente algoritmo de busca. Computação TRANSPOSIÇÃO DO CONCEITO DE EVOLUÇÃO NA CIÊNCIA A transposição de conceitos de uma área da ciência para outra deve sempre ser feita com muito cuidado, o que geralmente não acontece, como alertam Adans e Ingersoll (1990). Para esses autores, a Administração freqüentemente distorce o significado original do conceito (misplacement) quando se realiza a transposição deste (displacement) de seu campo original de conhecimento, como no caso do conceito de “Cultura”, transposto da Antropologia. O cuidado deve ser redobrado com os conceitos provenientes da Teoria de Darwin segundo os quais as mudanças nas estruturas físicas das espécies se desenvolveram de forma a facilitar a sobrevivência dessas espécies em seus respectivos habitats, pois eles têm sido de longa data transpostos para o campo das ciências sociais com resultados insatisfatórios e polêmicos, de forma a sustentar posições ideológicas. Um exemplo dessas transposições mal-sucedidas é dado por Mair (1969, p. 47) cita como os evolucionistas sociais do século XIX acreditavam estar seguindo Darwin ao afirmar que a sociedade humana passara pela mesma sucessão de estágios em toda parte do mundo. Mas essa proposta altera o significado original do termo pois Darwin descreveu a maneira como novas espécies tornam-se diferenciadas das espécies antecessoras, enquanto os evolucionistas sociais descreviam a evolução como uma série de processos que a espécie humana sofria, afirmando que sendo a mente humana a mesma em todas as regiões, a sociedade deveria ter evoluído sempre da mesma forma. Dessa maneira concluíam geralmente sobre a superioridade da sociedade européia sobre as demais, ainda em estados “inferiores” na escala evolucionária. Outra aberração conhecida do conceito de evolução transposto de maneira errônea encontra-se na tentativa de eugenia nazista realizada com o propósito de “purificar” a sociedade de elementos indesejados como doentes mentais, judeus, homossexuais, etc. Além disso a Teoria da Evolução muitas vezes não pode dar explicações satisfatórias de como os processos evolutivos ocorrem, e explicações funcionais baseadas na Seleção Natural podem muitas vezes cair em tautologias. Pode-se facilmente argumentar que uma determinada característica de um animal, empresa ou cultura é útil pelo simples fato de existir, pois caso contrário, a seleção natural a teria eliminado. O argumento é tautológico pois pressupõe que a Seleção Natural elimine as características inúteis, e conclui que toda característica existente é útil, ou teria sido eliminada pela Seleção Natural. Esse tipo de explicação é sedutora mas ignora por exemplo o Apêndice Humano. Outro tipo de complicação é que mesmo admitindo que determinada característica seja funcional, descobrir que função é essa pode ser confuso. Por exemplo, muitas vezes se é falado que a função do tabu do incesto seria impedir o surgimento de doenças hereditárias, provindas de genes recessivos. Na verdade, esses genes recessivos só são perigosos devido ao tabu do incesto, que os protegem de serem selecionados: a verdadeira função desse tabu seria o aumento da variabilidade genética dos indivíduos do grupo (Van Parijs, 1981, p.84). 3 Tendo essas preocupações em mente, discutiremos os quatro tipos de visão do conceito de Evolução, junto com sua transposição para o campo da Administração, discutindo sua importância para se compreender a Inovação nas organizações, dentro dos dois paradigmas apresentados. A VISÃO DARWINISTA - COMPETIÇÃO COMO MECANISMO DE SELEÇÃO NATURAL Nas últimas décadas tem sido crescente a difusão do conceito de Competitividade como sendo o coração do sucesso ou do fracasso das organizações empresariais, determinando sua adaptação ao mercado. Com um pouco de liberdade, podemos dizer que o maior teórico da competitividade não foi Porter, e sim Darwin. O motivo é óbvio: enquanto as grandes organizações empresariais humanas têm pouco mais de um século, os seres vivos travam competição feroz pela sobrevivência há vários bilhões de anos. O conceito da competição empresarial como sendo um análogo da Seleção Natural encontra-se presente de maneira explícita ou não em vários autores (Cunha 1999, McKelvey e Aldrich 1983, Moore 1993) através da idéia de ecologia das organizações, que defende a idéia que o ambiente tem muito mais força na determinação da sobrevivência da empresa do que é admitido pelas teorias da Administração, que atribuem mais flexibilidade e capacidade de adaptação das empresas do que muitos membros do que Mintzberg (2000) chama de “Escola Ambiental” podiam aceitar. Esses teóricos formularam a administração como nada mais do que um processo reativo, enquanto o ambiente é encarado como o elemento ativo, a força central por traz de toda mudança. Os membros mais ferrenhos dessa escola não admitem a possibilidade de acesso privilegiado aos recursos por uma organização em particular, retirando a relevância do papel adaptativo da organização, focalizando-se a análise das populações de organizações, e como elas seriam selecionadas pelo seu ambiente. Essa visão Darwinista (ou quem sabe Hobbesiana) baseia-se na idéia de que as organizações, assim como os organismos vivos, dependem para sua sobrevivência de sua habilidade para adquirir recursos escassos, e que essas habilidades estão sujeitas a variações de características individuais, variações essas consideradas basicamente aleatórias, e que elas seriam selecionadas pela competição. Assim restaria ao gestor apenas um papel passivo: por exemplo McKelvey e Aldrich (1983; p. 122) chegam a afirmar que a racionalidade lógica e analítica das grandes organizações pode ser perigosa por eliminar variações aleatórias dentro da empresa, de onde se entende que essas variações aleatórias tem maior potencial adaptativo que o trabalho do próprio administrador, postura essa considerada como Anti-management por Cunha (1999). Quadro 2 – A teoria ecológica - Darwinista Mecanismo de Seleção Competição entre indivíduos por recursos escassos As diferenças entre os indivíduos são basicamente aleatórias Implicação para A ênfase é dada nas pressões inerciais que impedem a empresa de responder ao ambiente, ou seja, é considerado difícil ou impossível para o gestor realmente a Inovação inovar suas práticas de gestão de maneira eficaz. Mesmo empresas de sucesso que se adaptem ao seu meio ambiente estão destinadas a fracassar se mudanças suficientemente fortes ocorrerem. Relação com os paradigmas de Inovação Relaciona-se com o paradigma de “empurrar a inovação” pois seu objeto consiste de caracteres objetivos, que podem ser selecionados, e seu foco é externo, os caracteres selecionados não modificam a própria essência da 4 apresentados organização. A VISÃO ADAPTATIVA – A TEORIA CONTINGENCIAL E A TEORIA DO APRENDIZADO Nem sempre um determinado nicho empresarial é ocupado por um grande número de organizações que possam ser selecionadas pelas pressões ambientais. Muitas vezes os mercados são dominados por um pequeno conjunto de grandes e duráveis empresas, não havendo assim um processo óbvio de “sobrevivência do mais forte”. No entanto, essas empresas mudam e continuamente adaptamse às mudanças de seu ambiente. Van Parijs (1981) sugere um outro mecanismo evolucionário, no qual a seleção de características não se operam através da seleção das populações de indivíduos, mas sim dentro deles próprios. Esse mecanismo leva à seleção de características que maximizam localmente as chances de satisfação da entidade. Esse mecanismo, chamado pelo autor de R-evolutionary (“R” referente a “Reinforcement”) foi baseado principalmente em conceitos da Lingüística sobre a transformação das formas idiomáticas na tentativa de se maximizar a relação entre custo (lei do menor esforço) e comunicação. Outra forma mais conhecida desse fenômeno é o condicionamento de animais de laboratório, no qual seleciona-se um determinado comportamento que, para o animal, trará maior satisfação, por exemplo o animal receberá comida ao acionar uma alavanca. Na primeira vez esse comportamento é aleatório, mas ele é estimulado pela satisfação obtida dele e tende a se repetir. A relevância desse tipo de mecanismo é mais óbvia na explicação de traços culturais em animais e seres humanos, traços esses consideravelmente estáveis, mas que não podem ser explicados por razões genéticas: Van Parijs dá como exemplo pássaros numa cidade que aprendem a abrir garrafas de leite, deixadas nos degraus pelos leiteiros, enquanto pássaros da mesma espécie em outra cidade próxima não o fazem; hábitos alimentares de macacos; e a transformação de um idioma humano em outro com o passar dos séculos. Na administração, o conceito de adaptação da organização ao seu ambiente, através da seleção das características que aumentam sua eficiência e sucesso, deu-se pela Teoria da Contingência. Essa Teoria encara as organizações como sistemas abertos que equilibram suas necessidades internas e as circunstâncias ambientais: assim não haveria uma única “melhor maneira” de se gerir uma organização, e sim a manutenção de uma homeoestase, na qual os estilos de organização são uma função de características próprias e do seu ambiente, como complexidade, tipo de tecnologia utilizada, etc. Quando se compara essa visão particular de Evolução com os paradigmas encontrados na Introdução, verificamos que ela relaciona-se de maneira mais forte com o Primeiro; o processo de “empurrar” baseia-se na premissa de que, modificando seus elementos “hard” no grau necessário para se adaptar às mudanças no ambiente, a organização alcançará um progresso contínuo. Assim como o rato de laboratório modifica seu comportamento para buscar comida, a empresa modifica seus produtos, processos ou tecnologia. No entanto, o processo de aprendizagem não implica a necessidade de uma mudança na sua identidade básica, e a estrutura institucional pode permanecer intacta, portanto há pouca correlação com o Processo de “puxar a inovação”. A VISÃO EVOLUCIONISTA - REVOLUCIONÁRIA Usamos aqui o termo “evolucionista” no sentido dado por Van Parijs (1981, p. 51) de uma perspectiva que “consiste essencialmente em olhar para a história (seja biológica ou social) como 5 desenvolvimento, como um movimento de progresso, como uma sucessão de estágios de complexidade ou perfeição crescente.” Muitas das teses distorcidas discutidas em Transposição do Conceito de Evolução na Ciência tem caráter evolucionista. Um exemplo positivo desse tipo de pensamento pode ser encontrado na Teoria de Desenvolvimento Cognitivo proposta por Jean Piaget, que acreditava que as habilidades mentais dos seres humanos se desenvolviam na forma de estruturas cada vez mais complexas com o objetivo de facilitar a adaptação do organismo a seu meio-ambiente. Licht (1996, p. 41) também destaca que o modelo desenvolvimentista é hierarquico, ou seja um “nível superior só pode ser atingido se todos os anteriores o tiverem sido, além de partir do pressuposto de que cada estágio contém o anterior mas de modo mais enriquecido”, havendo um conceito de salto qualitativo, que o autor identifica com a noção kantiana de superação de um movimento em espiral ascendente, expresso pelas leis da dialética da “negação da negação” e de “conserva e supera”. Para Licht, as organizações, pela adaptação ao ambiente e esforço dos seus membros, vão desenvolvendo-se por níveis de cultura ético organizacionais, onde a cada nível torna-se capaz de lidar com níveis mais complexos de decisões éticas. Além disso, argumenta que a cada nível superado, a empresa encontra-se mais capacitada para buscar eficiência e eficácia, pois essa busca, quando em ambientes com maior grau de complexidade, exigir um ambiente de trabalho onde se supere a competição predatória, a manipulação dos pares, e a obediência cega às regras, levando ao comprometimento dos membros da organização. Argumenta também que a visão da organização passa do curto prazo e do atendimento exclusivo dos acionistas (shareholders) para o de um número maior e mais inclusivo de stakeholders, entre eles os clientes, funcionários, comunidade, sociedade, ambiente natural, etc. Ou seja, nessa visão otimista, as empresas “evoluem” ao aprender a conciliar padrões utilitaristas com os direitos morais e balizados pelos padrões de justiça, sendo essa a maneira de se conseguir a eficácia organizacional. No entanto, essa visão evolucionista não está restrita ao capitalismo otimista: verifica-se no Quadro 3, que as mesmas Leis da Dialética servem de base aos princípios da análise Marxista do capitalismo. Assim percebe-se as duas bases que correlacionam-se com o segundo paradigma discutido na Introdução, o de “puxar” a inovação: a mudança como caráter necessário e inescapável, inerente ao próprio núcleo de identidade da organização; e do desenvolvimento através de processos revolucionários para formas cada vez mais complexas e eficientes. Quadro 3 – Princípios da mudança dialética (adaptado de Morgan, 1996) Interpenetração mútua dos opostos (luta ou unidade) O motor principal da sociedade é a contradição, e as características de um arranjo social dão inevitavelmente origem a outro Negação da negação A mudança pode assumir um caráter de desenvolvimento, pois cada negação rejeita uma forma anterior, embora mantenha algo dessa antiga forma. Transformação da quantidade em qualidade Processos de mudança revolucionários em que um tipo de organização social dá lugar a outro. A VISÃO EVOLUCIONÁRIA – GENES, COMPETÊNCIAS E NOVOS PARADIGMAS ? Cunha (1999) argumenta contra o uso de conceitos evolucionários na Ecologia Organizacional pelo fato das empresas não possuírem genes, muito menos poderem propagá-los para outras empresas, para que estes possam ser selecionados pelas pressões competitivas. No entanto, McKelvey e Aldrich 6 (1983), sugerem uma analogia dos genes com o conjunto de competências mantidas por seus funcionários. A importância dessa analogia é que a Seleção Natural não age diretamente sobre os indivíduos e sim sobre o conjunto de genes distribuídos entre os indivíduos, e na maneira como esse conjunto de genes é reproduzido nas gerações futuras. As pressões competitivas atuam sobre todos os indivíduos portadores de um gene, dessa maneira afetando probabilisticamente a transmissão desse gene. As pressões probabilísticas ao longo das gerações é que garantem a permanência de um gene numa determinada população. Através dessa analogia, passamos a nos preocupar em “como as competências são distribuídas através do tempo, através das sucessivas gerações de empregados que pertencem à população da organização, e intercambiadas entre as populações de outras organizações”( McKelvey e Aldrich, 1983, p. 114). “Competência” está definida como os elementos de conhecimento e habilidade que, no total, constituem a Competência Dominante da organização. Já a competência dominante da organização é definida (p.112) como sendo a combinação de conhecimentos organizacionais, habilidades, e tecnologia (ex: diferenciação, coordenação, controle, medidas de eficiência e processos organizacionais) que de maneira conjunta determinam a capacidade da organização de sobreviver1. Esse pararelo com o fenômeno de hereditariedade, fundamenta-se no que McKelvey e Aldrich chamam de princípio da retenção e da difusão. Organizações competidoras entre si terão que selecionar funcionários que tenham as competências mais adequadas ao seu mercado, e terão que treina-los, dessa maneira difundindo as competências através de sua população. Podemos até mesmo fazer um pararelo com a tática de benchmarking (troca de “melhores práticas”) como sendo um processo similar de troca de competências (genes que apresentaram vantagem durante o processo de seleção natural). Nota-se também a similaridade com o conceito de “meme” de Dawkins (1979). Dawkins define o “meme” como sendo o pararelo do gene para a cultura e comportamento humano, cada “meme” tentando se multiplicar no poço de culturas, crenças, valores e conhecimentos da humanidade. Podemos exemplificar melhor mostrando o trabalho de Holland (1992) com redes neurais e outros sistemas de inteligência artificial. Holland, procurando desenvolver sistemas capazes de aprendizado, criou analogias entre a programação de softwares e o processo de evolução biológica, analogias essas que ele transformou no que ele chamou de algoritmo genético, um algoritmo que replica de maneira análoga os processos de reprodução sexuada, crossing-over, mutação, seleção natural, etc. O operador genético teve grande sucesso em vários tipos de simulação, de ecossistemas a sistemas sociais (Axelrod). Seu primeiro grande sucesso foi em 1983 com um sistema capaz de dirigir uma linha de distribuição de gás, sistema complexo e com grande número de variáveis semiconhecidas, controlado por operadores humanos na base do instinto após longo aprendizado (o software criado por Holland e seu aluno Goldberg “aprendeu” a manejar a linha de distribuição a partir de instruções aleatórias submetidas ao algoritmo evolutivo, e isso tudo num Apple II de 64 Kb de memória) como contado em Waldrop (1992, p. 191). 1 Comparar com o conceito de Capital Intelectual descrito em Jóia (2001, p. 56) como a soma de Capital Humano (somatória das habilidades e conhecimentos individuais) e Capital Estrutural (“composto por todos os processos internos e externos que existem dentro da empresa e entre ela e seus outros parceiros (capital de processos); pelo capital de relacionamento, ligado aos fornecedores, clientes, prestadores de serviços e outros parceiros principais envolvidos; e pelo capital de inovação, uma conseqüência direta da cultura da empresa e de sua capacidade de criar conhecimento novo com base no conhecimento existente”). 7 Segundo Holland, as vantagens do operador genético que o tornam tão surpreendente são: a) o pararelismo intrínseco entre o teste e a exploração de padrões úteis (schemata), ou seja a maneira como o sistema otimiza as soluções úteis encontradas ao mesmo tempo em que não fica preso nelas, buscando sempre novas opções, e b) pelo armazenamento compacto e uso de grandes quantidades de informação resultantes de observações anteriores dos schemata (Holland, p. 97). Percebe-se dessas características que a evolução é um processo de busca capaz de achar soluções eficientes em ambientes complexos, dinâmicos e rapidamente mutantes. CRÍTICA AOS PARADIGMAS EVOLUCIONÁRIOS Devemos ressaltar que a visão Darwinista não pode mais ser considerada adequada com as novas visões da ciência. O processo de adaptação não é passivo, sendo preciso incorporar elementos da Teoria Contingencial, para se ter uma visão mais clara da complexidade da adaptação dos seres ou organizações ao seu ambiente. Já argumentamos acima que não é importante que os indivíduos (no caso as organizações) se reproduzam desde que eles possuam equivalentes aos genes, que possam ser transmitidos e selecionados de acordo com seu fitness com o ambiente. A visão Evolucionista também apresenta seus críticos ferozes, como Maffesoli (2001) que denuncia o caráter pseudo-revolucionário da tese evolucionista, encarando-a como reflexo de uma violência totalitária típica do ideal progressista e racional contemporâneo. Dentro da sociedade haveria duas forças básicas: a pluralidade, caracterizada pela Vitalidade humana, e o Poder, caracterizado por sua busca do Uno, através da dominação e da redução do pluralismo. Assim, o desejo do Poder de se perdurar, deve ser mascarado por imperativos que justificam essa perdurância, baseados no ideal da racionalidade e do ideal Uno. Como todo poder é por sua natureza conservador, e busca perpetuar-se e renovar-se: periodicamente deve, de maneira simbólica, ritualizar a mudança, a libertação, e porque não, a inovação. Esses retornos simbólicos “sustentam o sistema social e político; operam uma purificação social que em nada muda a estrutura real do poder” (Balandier apud Maffesoli, 2001, p.50). E, em toda ideologia de progresso revolucionário, de utopia, encontraremos reformas parciais que buscam a manutenção da ordem, pois o poder é uma estrutura invariante que não muda de natureza, não importa os homens que estejam em comando, ou a ideologia que lhes dê sustentação. Portanto, para Maffesoli, qualquer ideal revolucionário esconde apenas um movimento de circulação entre as elites, movimento esse que, quando não ocorre naturalmente, exige a violência social. A visão de Maffesoli é pertinente ao contexto das empresas, pois nela encontramos claramente a violência totalitária da busca do Uno. Veja-se por exemplo a frase de Van de Vem, Angle & Poole citada na Introdução: em nenhum ponto se discute quem decide quais são as idéias e inovações a serem desenvolvidas, como se houvesse um referencial absoluto dentro da empresa (seria o do acionista ?) que unificasse as divergências entre indivíduos e grupos. É quase como um Leviatã capaz de se levantar acima das visões conflitantes para estabelecer a ordem absoluta. Na comparação dessas duas visões sobre a Evolução também deve se destacar que no contexto evolucionário não existe padrão de referência para o grau de adaptação: “Ecossistemas, economias, sociedades – todos operam de acordo com uma espécie de princípio relativístico Darwiniano: todos estão constantemente se adaptando a todos os outros ao seu redor. E por causa disso, não há maneira de se olhar para um agente em particular e dizer ‘Sua adaptação é 1,375’. ” diz Holland (citado em Waldrop, 1992, p. 259). Isso difere do conceito Evolucionista que pressupõe algum tipo de escala 8 hierárquica absoluta, onde se possa definir uma métrica qualitativa que vai do menor para o maior grau de complexidade ou ainda de “perfeição”. Por outro lado, esse princípio de co-evolução entre seres e ambientes permite fazer o pararelo entre teoria ecológica e contingencial, como dito acima, por exemplo Cunha (1999) considera essa complexa dinâmica competitiva como sendo muito perigosa: “A idéia de co-evolução, assente num mecanismo de feedback não-linear, torna patente a atuação simultânea de processos de adaptação (estudados pela Teoria Contingencial) e de seleção (abordados pela Teoria Ecológica): as organizações procuram adaptar-se ao ambiente externo, mas tal esforço repercute na restante população, que lhes responde na tentativa de manter a sua própria posição adaptativa. Esses esforços adaptativos, ampliados à escala populacional, geram por vezes ciclos de feedback não-linear (ex: Guerra de Preços) que neutralizam as tentativas de adaptação individual e tornam particularmente visível a atuação dos mecanismos de seleção.” Na natureza essa verdadeira “corrida armamentista” entre as espécies que co-evoluem (o sapo que tenta comer a mosca e a mosca que tenta fugir do sapo, por exemplo) cria uma dinâmica difícil de controlar e de prever, pois a estratégia ótima para cada agente depende essencialmente do que o outro está fazendo, e qualquer adaptação nova modifica as condições para todos os agentes ao redor, podendo muitas vezes trazer, após um período de calma, processos catastróficos e endóginos de extinções em massa (Kauffman, 1993). Esses processos são muito estudados, até mesmo pelo interesse na própria sobrevivência da raça humana, pois muitas civilizações desaparecem de forma súbita, como a Anasasi (Waldrop, 1993). Essas instabilidades, combinadas com a conclusão de que os ecossistemas perdem muito de seu fitness e variabilidade nesses processos caóticos (pois nem sempre as espécies sobreviventes ao processo de catástrofe são realmente as mais importantes para o ecossistema como um todo) representa uma forte crítica às “ideologias competitivas”: o processo de competição desenfreado pode sair de controle facilmente, levando a situações de dominação de alguns agentes sobre o conjunto da sociedade. A metáfora das competências organizacionais como sendo genes nos ensina também a proteger a variabilidade “genética”, único caminho para que não se fique preso em ótimos locais. O exemplo disso seria a empresa cujos processos continuam sempre o mesmos porque “foi assim que sempre fizemos e sempre deu certo”. Dentro desse contexto, novas visões, habilidades ou atitudes podem não ser bem vistas pelo mercado, e assim não terem tempo de sobrevida necessário para se firmarem. Na natureza o mecanismo encontrado para se garantir uma maior variabilidade genética é o de tornar parte do material cromossômico “recessivo”, de forma a protegê-lo de uma seleção demasiado agressiva. Colocamos aqui a possibilidade de que, no âmbito humano, as Universidades, Centros de Pesquisa, Organizações Sem Fins Lucrativos e outras financiadas pelo poder público cumpram esse mesmo papel, protegendo competências, valores e conhecimentos não reconhecidos pelo mercado, resguardando esse patrimônio para as gerações futuras. Para concluir, vimos nesse artigo que as diferenças entre os paradigmas atual (“puxar”) e antigo (“empurrar”) da Inovação Empresarial são mais superficiais e cosméticas, quando vistas pela ótica crítica de Maffesoli. Talvez o surgimento de novas metáforas para a Evolução, como a apresentada aqui, possa embasar um processo de busca da Inovação que uma os pontos positivos das outras abordagens, mantendo-se ao mesmo tempo livre do registro do Modismo. 9 BIBLIOGRAFIA ADANS, G. B. e INGERSOLL, V. H. Painting over old works: the culture or organization in an age of technical rationality. In: TURNER, B. A. (Ed.). Organizational symbolism. Berlin: de Gruyter, 1990, Cap. 1. BOEKER, W. Organizational Strategy: an ecological perspective. Academy of Management Journal, 1991, Vol. 34, No. 3, 613-635. COURTNEY, H.; KIRKLAND, J.; VIGUEERIE, P. Strategy under uncertainty. Harvard Business Review, New York, Nov/Dez, p. 67-79, 1997. CUNHA, M. P. Organizações, Recursos e a luta pela sobrevivência. RAE – Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v 33, n 5, p 34-47, Set/Out 1993. DAWKINS, R. O gene egoísta, Belo Horizonte : Ed Itatiaia, 1979. FREEDMAN, D. H. Is management still a science ? 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