Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR PRONUNCIAMENTO nº 04/2015 Autos de PP n. 68.14.151-9, da Promotoria de Justiça da Comarca de Iretama OBJETO: Transporte de pacientes, promovido por Secretaria Municipal de Saúde, para tratamentos particulares. Intermediação de vereador para obtenção de consultas e cirurgias a pacientes SUS e para o respectivo transporte. 1. RELATÓRIO O ilustre Promotor de Justiça da Comarca de Iretama, doutor Élder Teodorovicz, por meio do ofício nº 44/2015, efetuou consulta sobre a legalidade de transporte de pacientes, promovido por Secretaria Municipal de Saúde, para tratamentos particulares. Intermediação de vereador para obtenção de consultas e cirurgias a pacientes SUS e para o respectivo deslocamento. Trata-se de procedimento preparatório que apurou até agora que a paciente XXXXXXXXXXXX (fls. 12), residente em Iretama, fazia tratamento pelo SUS em ambulatório de ginecologia do CISCOMCAM (consórcio intermunicipal de saúde), em lista de espera para execução de cirurgia eletiva de extração de mioma e histeriectomia (fls. 31). Pela demora e acreditando na piora de sua saúde (fls. 12), por intermédio do vereador XXXXXXX (fls. 21), submeteu-se a consulta com o médico XXXXXXX no Hospital XXXXXXX (situado em Mandaguaçu), pelo preço de R$ 150,00, com transporte promovido pelo próprio edil. Dias depois, submeteu-se à cirurgia já referida nesse nosocômio, executada pelo mesmo médico, através do SUS. A Secretaria Municipal de Saúde de Iretama eximiu-se de responsabilidade, alegando não ser nenhum estabelecimento de saúde de Mandaguaçu referência para Iretama, apenas salientando que promove transporte sanitário para qualquer residente de Iretama sem condições financeiras, quer seja o tratamento efetuado pelo SUS ou não (fls. 31/32) 1 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR 2. Considerações do CAOP a) Sobre os fatos apurados No caso vertente, infere-se que, de fato, a paciente XXXXXX foi submetida a uma cirurgia de histerectomia (eletiva), pelo Sistema Único de Saúde, no Hospital XXXXX, situado em Mandaguaçu, sem que tal instituição fosse o prestadora pactuada, no Plano Diretor de Regionalização do Paraná, para efetuar tais internações em pacientes residentes em Iretama. Assim, esse hospital (pessoa jurídica com fins lucrativos, contratada pela gestão estadual do SUS, conforme registro atual no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde – CNES-MS) presta serviços ao Sistema Único de Saúde para pacientes provindos de determinados municípios. Por isso é que a Secretaria Municipal de Saúde de Iretama, confirmando não se tratar de referência, não providenciou esse tratamento cirúrgico em Mandaguaçu, aguardando autorização para execução no serviço de referência, em Campo Mourão, como exposto em fls. 31/32. Portanto, quando a paciente XXXXXXXX foi submetida a essa cirurgia em Mandaguaçu, agendada em momento anterior em consulta para a qual pagou R$ 150,00 para o mesmo médico (fls. 12), por certo de boa fé1, subverteu a lista de espera das pacientes SUS para cirurgia de histeriectomia no Hospital XXXXX. Também agiram provocando esse resultado a própria instituição de saúde de Mandaguaçu, e, eventualmente, também o próprio profissional médico responsável. Há razoáveis indícios de que esse pagamento tenha servido para tanto (ainda que isso à usuária não tenha sido dito), já que o vereador XXXXXX, em suas declarações em fls. 21, ao esclarecer sua sistemática de levar pacientes SUS de Iretama para realizar cirurgias eletivas no Hospital XXXXXX em Mandaguaçu, textualmente confirmou que “Como o Município de Iretama não possui AIH pactuada naquela região, foi cobrada a quantia de R$ 150,00 por atendimento, valores revertidos exclusivamente para o estabelecimento de saúde”. Também não se tratava de urgência ou emergência que justificasse excepcionalidade de atenção em hospital não referenciado, pois a própria 1 Pois quem a encaminhou foi uma auxiliar de enfermagem do hospital municipal de Iretama, e o vereador XXXXXX atuou supostamente sob o pretexto de ajudá-la. 2 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR paciente esclareceu que, na consulta em que pagou os R$ 150,00, a cirurgia foi marcada pelo médico para outro momento, sem que ela tenha procurado a Unidade Básica de Saúde mais próxima, o hospital municipal de Iretama, ou a própria Secretaria Municipal de Saúde de Iretama, para queixar-se de agravamento de seu estado de saúde ou de evolução de sua doença e solicitar encaminhamento mais célere. Em fls. 21 o vereador nomina outros pacientes de Iretama que foram submetidos a cirurgias eletivas naquela instituição de saúde de Mandaguaçu, sempre mediante o pagamento inicial de R$ 150,00 por atendimento – que a paciente, ouvida em fls. 12, alegou ter pago como “consulta”. Não restou perfeitamente claro, por outro lado, o porquê do encaminhamento dos doentes, pelo vereador, sempre para o mesmo hospital. É sempre bom recordar que o SUS é sistema nacional de saúde, regido pelos princípios de universalidade, integralidade, igualdade, regionalização, descentralização e hierarquização (incisos I, II, IV, IX “a” e “b”, do art. 7º, da Lei n. 8080/90). Corolário ao princípio da universalidade é a regra da gratuidade do serviço, (art. 43 da Lei n. 8080/90) uma vez que “a cobrança implicaria, assim, em novamente se restringir os serviços a determinada parcela da população (aquela que tem condições de contribuir) e, com isso, afastar-se-ia a universalidade. Vale dizer, os conceitos de universalidade e onerosidade são auto-excludentes.” (Marlon Alberto Weichert, Saúde e Federação na Constituição Brasileira, Lumen Juris editora) A ordem constitucional, já desde suas disposições iniciais (art. 3º, IV, e caput do art. 5º) não admite acesso não isonômico às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde; isso significa que todos têm direito a acessar e a receber as ações e serviços do SUS nas mesmas condições, sem discriminação e sem privilégios de qualquer espécie. Na prestação de serviços públicos de saúde pública, a igualdade no acesso às ações e serviços de saúde não tolera a existência de discriminações de qualquer natureza, pela regra estampada do art. 7º, IV, da Lei n. 8080/90: 3 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR “igualdade da assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie”. Importa dizer que, para a igualdade de assistência, o poder público não pode tolerar distinção entre pessoas em razão de critérios estranhos às necessidades terapêuticas do usuário. Ademais, o atendimento a usuários do SUS que se disponham a pagar aqueles R$ 150,00 pela “consulta” ou pelo “atendimento” inicial, como ocorreu com os pacientes de Iretama no Hospital São Lourenço em Mandaguaçu, representa privilégio inaceitável a esses “pagantes”, na medida em que a eles se permite o fornecimento de um serviço público de saúde (cirurgia eletiva executada pelo SUS em hospital privado contratado) facilitado, pois assim não precisaram esperar pela marcação de suas cirurgias nos serviços de referência, como a paciente XXXXXX (que, por ter pago na forma descrita em fls. 12 e 21 não precisou continuar esperando pela cirurgia em Campo Mourão, na lista de espera informada pela Secretaria Municipal de Saúde de Iretama em 31/32. Enquanto isso, o cidadão que não tem condições de pagar por essa “consulta” ou “atendimento inicial” permanecerá na “vala comum” dos demais usuários do SUS: terá que se submeter à regulação para acesso ao leito hospitalar de referência (que para os residentes em Iretama não será em Mandaguaçu), pois a regra do art. 10 do Decreto n. 7508/2011 (regulamentador da Lei n. 8080/90) prevê que os serviços hospitalares serão referenciados a partir das portas de entrada do SUS (unidades básicas de saúde, em geral). Esse pagamento subverte a lógica de que a marcação de consultas em hospital ou a internação do paciente SUS (afora casos de urgência ou emergência) deve partir da unidade básica de saúde de referência, por encaminhamento da Secretaria Municipal de Saúde, para então ser agendada a consulta ou a cirurgia eletiva. Isso tudo demonstra possíveis improbidades administrativas que, em tese, podem ter ocorrido em Mandaguaçu e que merecem ser apuradas pela respectiva Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público, não só por parte da direção do hospital e daquele médico, recebendo recursos financeiros para captação de clientela SUS à mercê da pactuação objeto do contrato de prestação de serviços com o Estado, mas talvez até da auditoria da Regional de Saúde da SESA em Maringá (com 4 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR atuação em Mandaguaçu), que, ao receber as respectivas AIHs (autorizações para internação hospitalar) das cirurgias de tantos pacientes de município fora da área de abrangência, não as glosou (o que, certamente, impediria o pagamento e faria cessar a continuidade dessa prática ilícita). b) transporte de pacientes, promovido por Secretaria Municipal de Saúde, para tratamentos particulares O transporte sanitário (para o deslocamento do paciente para o local de tratamento, fora de seu município de residência) decorre do princípio de integralidade da assistência, do art. 7º, II, da Lei n. 8080/90, “entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”. Decorre também do princípio da universalidade a garantia de acesso aos serviços de saúde. Se a oferta para o tratamento necessário se encontra distante do município de residência do usuário (não havendo outros na municipalidade), o acesso universal fica prejudicado, impedindo a continuidade da assistência, se meios para tanto não forem disponibilizados. Assim, para tratamentos fora do domicílio do paciente, entre municípios, a matéria está disciplinada na Portaria SAS/MS n. 55/1999, e, no Paraná, ainda pela Deliberação CIB/PR sob n. 34/199, constantes do Manual de Regulamentação para tratamento fora de domicílio no SUS-PR (todos na página deste CAO na internet, em “referências práticas”, no item “tratamento fora de domicílio”). Esses regramentos exigem que o transporte seja promovido ou custeado pelo poder público somente quando necessário para a continuidade do tratamento no âmbito do SUS, independentemente da condição financeira do paciente. E não poderia ser diferente. Autorizar deslocamento custeado pelo município para tratamento assistencial não realizado no SUS, embora ainda comum no cotidiano de nossas práticas sanitárias, implica em inversão de valores constitucionais que norteiam o Sistema Único de Saúde. Segundo a diretriz do artigo 199, §1o, da Constituição Federal, a iniciativa 5 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR privada atua de forma complementar ao Sistema Único de Saúde, e não o contrário. Nestes termos, tratando-se de um sistema voltado para universalidade, integralidade e gratuidade, a iniciativa privada não pode atuar como meio principal e se socorrer do público em suas deficiências. A tese não afasta o princípio da universalidade. Todos mantêm o direito à promoção da saúde. O paciente que optar pelo sistema público de saúde (independentemente de sua condição financeira) tem direito à assistência integral à sua saúde (inclusive farmacêutica e de transporte sanitário), não podendo haver limitação de medicamento essencial à sua saúde; entretanto, se optar pela iniciativa privada, não poderá pretender fazer exames, receber medicamentos e utilizar outros serviços do SUS para essa integralidade (a abranger o transporte sanitário), uma vez que existem regramentos e uma organização administrativa que deve ser obedecida pelo cidadão. O direito existe, mas o cidadão deve obedecer à organização imposta pela administração pública, que decorre de lei. O importante é o ordenamento jurídico não ferir direitos públicos subjetivos, cerceando o acesso direito do cidadão ao melhor tratamento para a sua doença quando prescrito em assistência promovida pelo SUS. Lembre-se, por exemplo, que as operadoras privadas de serviços de saúde, nos contratos de “planos de saúde”, em regra, não fornecem transporte para o deslocamento de seus beneficiários para tratamento ambulatorial (muitas vezes nem sequer para tratamento hospitalar). Se o SUS for obrigado a fazê-lo ao paciente que optou pela iniciativa privada, estará complementando serviços desses planos, fornecendo indevido deslocamento aos seus beneficiários. Ademais, fornecer transporte sanitário para pessoas não inseridas no sistema do SUS dificulta que o respectivo gestor faça um planejamento consequente sobre os custos e execução desses serviços, pois o poder público não tem informações sobre o paciente que não seja do SUS. É necessário enfrentar a desorganização ocorrida em Iretama, e reconhecida pela própria Secretaria Municipal de Saúde, em fls. 31/32, em que terceiros (não servidores públicos, sequer conhecidos da municipalidade) agendavam com os motoristas as viagens – quando não os próprios pacientes e/ou seus familiares, chegando ao ponto de a gestão municipal do SUS sequer saber quem foram os usuários 6 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR transportados, nem se, de fato, aqueles que foram transportados pelos veículos da Secretaria de Saúde se submeteram ou não às cirurgias, exames e consultas nos municípios para as quais se dirigiram às expensas públicas. c) Intermediação de vereador para obtenção de consultas e cirurgias a pacientes SUS e para o respectivo transporte A regionalização é uma diretriz do Sistema Único de Saúde, prevista no art. 7º, IX, “b”, da Lei n. 8080/90 e deve orientar a descentralização das ações e serviços de saúde, bem como os procedimentos de negociação e pactuação entre os gestores. Um dos principais instrumentos de planejamento na regionalização é o Plano Diretor de Regionalização (PDR). Isso se faz necessário pois, por óbvio, é impossível que todos os serviços de saúde sejam prestados dentro do mesmo município em que resida o usuário. Sempre haverá necessidade de consultas, exames, cirurgias e outros procedimentos serem realizados em outras localidades. Para tanto, os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos a uma determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e com definição e conhecimento da população a ser atendida. A partir do que fora ajustado e combinado entre os gestores municipais e estadual no Plano Diretor de Regionalização (PDR), estabelecem-se as referências: quais áreas cada prestador (da rede própria, contratada e conveniada) deve atender, ou seja, usuários de quais municípios aquele serviço deve atender. Na prática sanitária, isso serve para quando o paciente no seu tratamento de saúde pelo SUS necessitar de um procedimento não disponível em seu município, a gestão local do SUS (Secretaria Municipal de Saúde), já conhecendo de antemão o serviço de referência que execute esse procedimento (pois isso está previamente contido no PDR), possa encaminhá-lo adequadamente para tanto, procedendo a todas as diligências necessárias pela rotina TFD (tratamento fora de domicílio): aciona o gestor do SUS responsável pelo respectivo serviço (que se sabe pelo PDR), e, quando recebe desse gestor a designação de data e horário para o procedimento, promove o transporte sanitário e o custeio de hospedagem e alimentação (ambos nos termos da Portaria SAS n. 55/1999, 7 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR da Deliberação CIB/PR sob n. 34/199, e do Manual de Regulamentação para Tratamento Fora de Domicílio no SUS-PR). Em suma, são essas as providências necessárias, para oferta de ações e serviços públicos de saúde, quer seja no domicílio do paciente ou em outros. Encaminhamento para serviço de referência em outros municípios, agendamentos, promoção de transporte sanitário e quaisquer outras, são de atribuição exclusiva da Secretaria Municipal de Saúde, não havendo nenhuma necessidade de se buscar outros poderes públicos para tanto, nem mesmo integrantes da Câmara Municipal de Vereadores. Até porque o Poder Legislativo, por óbvio, não detém nenhuma atribuição na prestação de serviços públicos de saúde, cabendo-lhe, evidentemente, por força constitucional, a competência para elaboração de leis e fiscalização do Poder Executivo. Quando agentes públicos do Poder Legislativo buscam executar ou “facilitar” atos administrativos próprios do Executivo, podem estar atuando em desvio de finalidade, sem prejuízo de eventual tipificação de crimes ou improbidades administrativas, além de outras possíveis consequências jurídicas. Quando assim o fazem, muitas vezes, como a experiência demonstra, talvez por desconhecerem a lógica da prática sanitária definida pelo ordenamento jurídico, em especial as regras de regionalização e hierarquização no SUS, tais agentes políticos ou seus servidores acabam por promover iniquidade, buscando privilegiar alguns munícipes no acesso a serviços de saúde situados em outros territórios. Foi o que parecer ter se passado no caso vertente, em que a paciente XXXXXX (e os demais residentes em Iretama, nominados pelo vereador em fls. 21) foram atendidos em hospital não referenciado, em Mandaguaçu, ao arrepio da lei e da rotina de TFD (na qual a paciente já estava inserida aguardando sua cirurgia no serviço de referência), inclusive em prejuízo deles próprios (pois tiveram que desembolsar R$ 150,00 para acesso a ações de saúde do SUS) e dos demais usuários do SUS referenciados para aquele estabelecimento de saúde de Mandaguaçu. Essa “intervenção” do vereador, providenciando as ações e serviços de saúde desses pacientes de Iretama, induzindo-os em erro da necessidade de e pagamento de R$150,00 para “atendimento” no hospital de Mandaguaçu, ainda que acaso os tenha auxiliado, além de ser tecnicamente desnecessária (em especial para a paciente 8 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR XXXXX, que estava aguardando a execução de sua cirurgia pela rotina TFD, providenciada pela Secretaria Municipal de Saúde de Iretama), trouxe vantagem patrimonial indevida para terceiros em um estabelecimento privado de saúde, com fins lucrativos, contratados pelo próprio SUS através da Secretaria de Estado da Saúde, a tornar razoável a apuração dos possíveis crimes que possam ter sido praticados dessa forma. Isso torna razoável adoção de providências também na esfera ética, no sentido de se apurar se essas condutas do multicitado edil não importariam em violação de decoro, em procedimento próprio pela Câmara de Vereadores. 3. CONCLUSÃO Em vista do exposto, como orientações preliminares, sugerese: a) Remessa de fotocópia integral dos autos à Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública da Comarca de Mandaguaçu, para adoção das providências necessárias2, em face das irregularidades na prestação de serviços ao SUS pelo Hospital São Lourenço, por executar cirurgias eletivas a pacientes SUS não residentes em municípios referenciados (descumprindo o Plano Diretor de Regionalização) e pelas referidas cobranças a usuários do SUS, bem como para Dentre as quais as ora aqui sugeridas: I – emissão de ofício ao Hospital São Lourenço Ltda, solicitando informar sobre as providências adotadas ou a adotar para restituir a quantia de R$ 150,00 indevidamente cobrada de cada um dos pacientes nominados pelo vereador em fls. 21, para execução de cirurgias eletivas pelo SUS, tendo em vista tal edital ter indicado se tratar de pagamento para “atendimento” no hospital “por não ter AIHs pactuadas com Iretama”; II – emissão de recomendação administrativa à Regional da Secretaria de Estado da Saúde em Maringá, para que se abstenha de autorizar internamentos pelo SUS no Hospital São Lourenço Ltda, de pacientes residentes em municípios não referenciados pelo contrato em vigor e pelo Plano Diretor de Regionalização, glosando as AIHs desses usuários, com exceção de casos de emergência documentadamente caracterizados no respectivo prontuário médico; III – emissão de recomendação administrativa ao Hospital São Lourenço Ltda, para se abster, por quaisquer de seus prepostos e/ou profissionais, de solicitar ou exigir, de pacientes usuários do SUS e/ou seus respectivos familiares, acompanhantes e/ou responsáveis legais, o pagamento de quaisquer despesas a qualquer título (mesmo como contribuição “voluntária” ou alegações de que o custo não seria suportado pelo SUS), inclusive de consultas e/ou avaliações iniciais, e para afixar, em todas as dependências de recepção para recebimento e/ou acolhimento de pacientes, inclusive para internações, exames, consultas e procedimentos de qualquer natureza, cartazes, em letras suficientemente visíveis à distância, informativo da gratuidade de todos os serviços prestados aos usuários do SUS, como exigido pelo art. 85 da Lei Estadual n. 13.331, de 23 de novembro de 2001 (Código de Saúde do Estado do Paraná). 2 9 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR apurar as diligências que tenham sido ou venham a ser adotadas pela gestão estadual do SUS tomadora desses serviços em face do prestador; b) Remessa de fotocópia integral dos autos à Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público da Comarca de Mandaguaçu, para adoção das providências necessárias para apuração dos atos de improbidade administrativa em tese ocorridos no Hospital São Lourenço, por executar cirurgias eletivas a pacientes SUS não residentes em municípios referenciados (descumprindo o PDR) mediante referidas cobranças, pela intermediação do multicitado vereador de Iretama; c) Providências para persecução penal (instauração de procedimento investigatório ministerial ou requisição de instauração de inquérito policial) dos possíveis crimes em tese praticados pelo vereador de Iretama e terceiros, ao induzir em erro os pacientes nominados em fls. 21 para pagamento para “atendimento” para cirurgias eletivas em hospital privado contratado pelo SUS, obtendo vantagem patrimonial ilícita em favor de tal estabelecimento de saúde em prejuízo desses usuários do sistema público de saúde; d) Remessa de cópia integral dos autos à Câmara de Vereadores de Iretama, para conhecimento e adoção de providências que considerar necessárias em face de eventual infração ética do vereador XXXXXXXXX; e) Expedição de recomendação administrativa à Secretaria Municipal de Saúde de Iretama, para adoção das providências necessárias para limitação de transporte sanitário apenas para tratamentos promovidos no âmbito do Sistema Único de Saúde para quaisquer usuários (independentemente de situação financeira, econômica ou social), ressalvados os casos de urgência ou emergência médica, com a devida comprovação documental em momento oportuno. Continuando à disposição para esclarecimentos que posteriormente se façam necessários, restituam-se os autos mediante ofício. Curitiba, 11 de fevereiro de 2015. Fernanda Nagl Garcez Marco Antonio Teixeira Promotora de Justiça Procurador de Justiça 10