Dr. Elton Alonso Pompeu R3 Psiquiatria Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) • Abuso e dependência de álcool afetam 8% da população brasileira. • Muitas vezes é ocultado no atendimento em saúde (visto como falha de caráter ou como causa de problemática familiar que motiva o atendimento). • Causa de danos físicos graves. • Causa ou consequência de um transtorno mental. • Situação estigmatizante. • Enorme impacto na saúde pública. A. Um padrão problemático de uso de álcool, levando a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativos, manifestado por pelo menos DOIS dos seguintes critérios, ocorrendo durante um período de 12 meses: • 1. Frequentemente consumido em maior quantidade ou tempo do que o pretendido. • 2. Desejo persistente ou esforço mal sucedido em reduzir ou controlar uso. • 3. Muito tempo gasto para obter, utilizar ou se recuperar dos efeitos. • 4. Fissura, forte desejo ou necessidade de uso. • 5. Uso recorrente resultando no fracasso de desempenhar papéis importantes no trabalho, escola ou em casa. • 6. Uso continuado apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados por seus efeitos. • 7. Abandono ou redução de importantes atividades sociais, profissionais ou recreacionais em virtude do uso. • 8. Uso recorrente em situações de perigo à integridade física. • 9. Uso mantido apesar da consciência de problema físico ou psicológico recorrente que tenda a ser causado ou exacerbado pelo álcool. 10. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos: • A. Necessidade de quantidades progressivamente maiores de álcool para alcançar a intoxicação ou o efeito desejado. • B. Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade de álcool 11. Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos: • A. Síndrome de abstinência característica do álcool • B. Consumo do álcool (ou substância estreitamente relacionada, como benzodiazepínicos) para aliviar ou evitar sintomas de abstinência. • Frequentemente usado para alívio de sintomas indesejáveis ou para cobrir ausência de outras substâncias (cannabis, cocaína, heroína, anfetaminas, sedativos, hipnóticos ou ansiolíticos). • Transtornos de conduta, depressão, ansiedade ou insônia frequentemente acompanham consumo intenso (muitas vezes o antecedendo). • • • • • TAB Esquizofrenia Transtorno de personalidade anti-social Transtornos ansiosos ou depressivos. Intoxicação ou abstinência podem induzir sintomas depressivos temporários. • Gastrite, úlceras estomacais e duodenais, cirrose hepática ou pancreatite (em 15% dos usuários em grande quantidade), câncer de esôfago e estômago. • Hipertensão leve. • Miopatias (incluindo miocardiopatias). • Risco elevado de cardiopatias (miocardiopatias associadas a alterações metabólicas). • Maior risco de traumatismos. • Supressão imunológica aumentando risco de infecções ou câncer. • Fraqueza muscular, parestesias e diminuição da sensibilidade periférica. • Déficits cognitivos, mnêmicos, degeneração cerebelar, lesão diencefálica. • Deficiência de vitamina B. • Transtorno amnéstico persistente induzido por álcool (Síndrome de Wernicke-Korsakoff). • Aumento de risco de suicídio (URSS, década de 80, racionamento de bebida alcoólica por um ano levou à queda de 32% no número de suicídios). • Ação no sistema opióide endógeno, aumentando a liberação de dopamina no sistema de recompensa (atividade 100 vezes maior do que em situações cotidianas de prazer). • Adaptação de prejuízo dificultando a ação do álcool nas células (causando tolerância). • Adaptação de oposição tentando compensar efeito da droga produzindo um efeito oposto (causando síndrome de abstinência). • Padrão genético familiar explica 40 a 60% da variação de risco. • Polimorfismo de genes metabolizadores da álcool-desidrogenase e aldeído-desidrogenase em 40% dos japoneses, coreanos, chineses e respectivos descendentes (causando reações adversas quando do consumo – proteção indireta para dependência). • Cultura: países onde há proibição religiosa (islâmicos) tem prevalência menor de T.R.A. • Famílias com um dos pais dependente, porém estruturadas (mantém-se juntas nas refeições, em festas tradicionais e datas comemorativas, relação com outras famílias), tem índice de repetição do transtorno em outro familiar bastante reduzido. • 3,8% das mortes e 4,6% dos anos perdidos por incapacidade em todo o mundo são decorrentes do álcool. • 3,6% da população mundial de 15 a 64 anos de idade apresentam transtorno por uso de álcool atualmente, com prevalência de 1,1% na África, 5,2% nas Américas e 10,9% no Leste Europeu. • 20% das admissões em U.T.I em hospitais de centros urbanos tem relação direta ou indireta com o álcool. • Acréscimo de 74,53% no consumo entre 1970 e 1996 (superando crescimento populacional do período, estimado em 65%). • Nas maiores cidades do Brasil, os níveis de dependência do álcool chegam a 11,2%. • Estudo de 2006: 9,8% em cidade do Interior de SP. • Responsável por 85% das internações por uso de drogas, 20% das internações em clínica geral e 50% das internações psiquiátricas. • 61% das pessoas envolvidas em acidentes de trânsito em Recife, Brasília, Curitiba e Salvador tiveram álcool detectado no sangue. • Gasto estimado com consequência de problemas relacionados ao álcool: 7,3% do PIB • Há um vazio em advocacia pública. • ONGs como prováveis candidatas para representarem o público nos assuntos relacionados ao consumo de álcool. • Preocupação relativamente recente dos profissionais de saúde. • Conflito de interesse das indústrias de bebidas. • Políticas de alocação: promovem recursos a um grupo ou organização específica para prevenção e tratamento, de forma a atingir objetivos de interesse público, como financiamento de campanhas educativas e fornecimento de tratamento aos dependentes do álcool. • Políticas regulatórias: uso de leis para restringir o acesso à bebida alcoólica por razões de saúde e segurança públicaa (regulam preço e taxação dessas bebidas; impõem uma idade mínima para sua compra; limitam os horários de funcionamento de bares; proíbem total ou parcialmente a propaganda de bebidas). • Aumento de preços • Diminuição da disponibilidade de varejo (restrição à localização dos pontos de venda; estabelecimento de idade mínima para compra; restrição de dias e horário de venda; restrição de venda a alcoolizados; regulação de dose; inibir “open bar” ou “consumação mínima”). • Sistema de licença para venda de bebidas alcoólicas (revogáveis em caso de infração à legislação vigente). • Promoção de atividades alternativas de lazer e diversão “livres de álcool” (como esportes); abordagens efetivas direcionadas à clarificação de valores, auto-estima e habilidades sociais (exceto em contexto de tratamento, como nos AA). • Prevenção nas escolas: programas escolares que tentam modificar crenças, atitudes e comportamentos dos adolescentes em relação ao álcool aumentem o conhecimento, porém não modificam o consumo. Além disso, fornecer informação sobre os perigos de diferentes substâncias psicoativas pode despertar a curiosidade e estimular o consumo entre aqueles que buscam estímulos. Qualquer que seja o programa educacional adotado, é alternativa bastante cara e pouco efetiva, com pequeno e fugaz impacto. • Designação de serviços de transporte ou “designação do motorista da vez” para prevenção do dirigir alcoolizado. • Advertências nos rótulos das bebidas não são eficazes em mudar comportamentos relacionados ao consumo de álcool e não são efetivos para diminuir o consumo entre bebedores pesados. • Mensagens publicitárias: Apesar do apelo popular, a propaganda educativa não é tão bem produzida, não possui os mesmos recursos e freqüência nos meios de comunicação do que a propaganda da indústria. Apresenta alguma efetividade quando parte integrante de um programa mais amplo de políticas. Proibir a publicidade do álcool custa menos e é mais eficaz que contra-propaganda. Medida Efetividade Evidência Transposição Custo Comentário Cultural Preço/Taxação +++ +++ +++ Baixo Contrabando Idade Mínima +++ +++ ++ Baixo Fiscalização Responsabilizar Atendente +++ + +++ Baixo Definição legal Proibição Total +++ +++ ++ Alto Restringir bares ++ +++ ++ Baixo Longo prazo Disponibilidade diferente por teor alcoólico ++ ++ + Baixo Efeitos colaterais Medida Efetividade Evidência Transposição Cultural Custo Comentário Mobilização comunitária ++ ++ + Alto Fiscalizar Venda ++ + ++ Alto Não servir alcoolizado + +++ ++ Médio Treinamento e fiscalização Promov. Ativ. Sem álcool 0 ++ + Alto Códigos de conduta 0 + + Baixo Qualidade da Fiscalização Ineficaz sem fiscalização Medida Efetividade Evidência Transposição Custo Comentário Cultural Programas escolares 0 +++ ++ Alto Advertência nos rótulos 0 + + Baixo Aumenta conscientização, não muda comportamento Aumenta conhecimento, não diminui consumo Medida Efetividade Evidência Transposição Custo Cultural Comentário Proibição da + propaganda ++ ++ Baixo Forte oposição da indústria Controlar 0 conteúdo da propaganda 0 0 Médio Depende de acordos de autoregulação Medida Efetividade Evidência Transposição Custo Cultural Comentário Reduzir Conc. Alc. Sang. permitida +++ +++ ++ Baixo Implementação cara Checagem aleatória +++ ++ + Médio Implementação cara Pontos de checagem ++ +++ +++ Médio Efeito de curta duração Suspender habilitação ++ ++ ++ Médio Visa dependentes ou quem faz uso nocivo “Motorista da rodada” 0 + + Médio Não evita acidentes • Se há tendência natural à mudança, cabe ao terapeuta potencializá-la. • Intervenções motivacionais breves funcionam. • A motivação do paciente é maleável (não-fixada pelo caráter). • Pré-contemplação: “Não quero mudar, não aceito orientação.” • Contemplação: “Reconheço o problema, mas gosto da bebida e preciso beber (ambivalência)”. • Preparação: “Reconheço o problema, preciso de ajuda”. • Ação: “Parei de beber, comecei a me tratar”. • Manutenção: “Dá vontade de beber, mas não quero recair”. • Recaída: “Bebi de novo”. • Quanto mais tempo em tratamento, melhores as chances de mudança. • Vários tratamentos prévios não são necessariamente sinal de mau-prognóstico (possibilitam melhorias nos esquemas pregressos e trazem consigo seus benefícios). • Traçar objetivos e metas específicas. • Deixar claro que a dependência é uma doença crônica. • Mapear cotidiano para identificar situações frequentes de risco de uso. • Usar auxílio medicamentoso (carbamazepina, dissulfiram, naltrexona, evitar uso crônico de benzodiazepínicos). • Buscar os suportes sociais (familiar, religioso, comunitário, AA). • Deixar claro ao paciente que ele é o agente responsável pela sua mudança. • Entender e evitar as situações de risco são a razão de ser da prevenção das recaídas. • Atentar para sinais de recaída iminente ou presente: Atrasos ou perda de consultas, Mudanças de humor ou comportamento, Relatos de quase-recaída. • • • • • Presença de co-morbidade psiquiátrica grave. Presença de complicações clínicas. Investigação diagnóstica. Perda do suporte social ou familiar. Fracasso do tratamento ambulatorial. • O sucesso das intervenções terapêuticas atinge cerca de um terço dos pacientes ao final de um ano. • Estudo que acompanhou usuários de álcool por 50 anos observou que padrões de abstinência estáveis eram alcançados apenas a partir do sexto ano. • A intensidade e duração do tratamento estão diretamente relacionados à capacidade de o paciente assumir suas responsabilidades e consolidar sua autonomia. • O alcoolismo é uma doença prevalente em nosso meio, incapacitante, de manejo desafiador. • É um problema de saúde pública relevante, trazendo gastos por sua cronicidade, pela relevância de suas consequências e pelas dificuldades no manejo. • É quadro extremamente estigmatizado, e parte do sucesso de qualquer medida terapêutica, individual ou coletiva, passa por retirar estigmas. • Em termos de saúde pública, as medidas governamentais mais intrusivas tem sido as mais eficazes. • Todo profissional de saúde deve estar atento ao alcoolismo, estando preparado para dar o correto manejo inicial, fundamental para o futuro sucesso terapêutico.