Caso Clínico: Miocardite

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Caso Clínico:
Miocardite
R2 - Residência Médica em Pediatria
Elaine Cristina Rey Moura
Hospital Regional da Asa Sul (HRAS)/SES/DF
Orientadora:
Dra Antonela A. do Nascimento
HRAS – 03/02/09
www.paulomargotto.com.br
Caso Clínico

Identificação:
- L.F.P.S., 5 meses, masculino, pardo,
natural e procedente de João Pinheiro –
MG

Queixa Principal:
- Cansaço há 24 dias
Caso Clínico

HDA:
Há cerca de 24 dias, paciente iniciou
quadro de dispnéia leve, não associado à
tosse ou febre. Mãe procurou assistência
médica em João Pinheiro, quando foram
prescritos amoxicilina, prednisolona e NBZ
com Berotec® e
foi orientada a evitar
alérgenos ambientais – Sibilância?
Há 4 dias, mãe observou dispnéia
progressiva às mamadas e cólicas (sic).
Durante visita familiar em Brasília, procurou o
HRC.
Caso Clínico

Antecedentes:
- Nascido de parto normal, a termo (IG: 40s
+5d), Apgar: 8 e 9
- Peso ao nascer: 3350g - Est: 51cm
- PC: 32cm
- Realizou Pré-Natal, 6 consultas, sem
intercorrências
- Mãe, 17 anos, G1 P1 A0.
- Pai, 19 anos – primos em 2˚ grau
Evoluções

PS do HRC (29/12/08):
-Paciente gemente, acianótico, sudoréico,
taquipnéico e taquicárdico (FC: 200 bpm),
com ritmo de galope B3, com hepatomegalia
(fígado 3,5 cm RCD).
-HD : Insuficiência cardíaca congestiva?
Miocardite viral?
TSV?
-Cd: Solicitado parecer CardioPediatria HBDF,
ECG e exames laboratoriais.
Evoluções

-
Enfermaria HRC (30/12/08):
Exame Físico: Admitido na enfermaria
pálido, gemente, alerta, hidratado.
-AR: MVF sem RA, com TSC. FR: 90irpm,
SatO2: 98% aa
-AC: RCR B3 (ritmo galope), sem sopros.
FC: 200 bpm, PA: 90 x 60 mmHg
-ABD: Hepatomegalia 5 cm RCD.
Pulsos cheios e amplos, perfusão < 3 seg.
Evoluções
- Rx tórax: pulmão D normal
pulmão E – hiperfluxo?
área cardíaca aumentada –
ICT:0,70
-ECG (sem laudo): Taquicardia sinusal. Sem
baixa voltagem. Eixo QRS = 0˚.
Sobrecarga de câmaras esquerdas.
Evoluções



HD: Cardiopatia Congênita?
Miocardite viral?
Cd – 30/12/08 - 15:30h:
Oxitenda FiO2: 60%
Furosemida 2 mg/kg/dia : 2 doses
Captopril 1 mg/kg/dia
Dobutamina 5 mcg/kg/min -> 8 mcg/kg/min
HV – TH: 63 ml/kg
Cabeceira elevada
Solicitada vaga UTI Ped – regulação.
Paciente foi transferido pelo SAMU para a UTI Ped
HRAS em 31/12/08 às 00:40h.
Evoluções

UTI Ped HRAS – Admissão (31/12/08 - 00:50h)
- Paciente persiste taquicárdico (FC: 200 bpm),
gemente, sudoréico, com hepatomegalia 2 cm RCD.
- HD: ICC
Cardiopatia congênita acianótica?
Miocardite?
- CD: Restrição hídrica - HV:60 ml/kg
Dobutamina 10 mcg/kg/min
Captopril 1 mg/kg/dia
Furosemida 2 mg/kg/dia
O2 sob CN 1L/min
Exames
30/12/08
31/12/08
9.770
8.890
Seg / Bast/ Linf
34/ 00/ 53
81/ 00/ 16
Mono/ Eos/ Baso
10/ 01/ 02
03/ 00/ 00
HT (%)
34,5
34,6
Hb
10,9
11,4
220.000
343.000
Leucócitos
Plaquetas
PCR
< 0,32
Glicose
88
105
Uréia
24
58
Creatinina
0,5
0,6
Cálcio
10,4
9,7
Sódio
140
136
Potássio
5,7
4,0
TGO
59
62
TGP
20
24
CK / CK-MB
LDH
Proteínas totais
Albumina / globulina
Cloro
268 / 65
1413
7,0
6,3
4,5/ 2,5
4,2/ 2,1
110
Evoluções

UTI Ped – 31/12/08 – 20h
-Paciente com dispnéia leve, TSC leve FR:
54 irpm e FC: 165 bpm
- Reduzida dobutamina para 5mcg/kg/min
-01/01/09–8h:Parâmetros
hemodinâmicos e respiratório estáveis.
Fígado no RCD. Perfusão < 2 seg. Aceita
dieta. SatO2: 98% aa
- CD: Suspensa dobutamina. Programada
alta da UTI Ped.
Evoluções
Ecocardiograma (02/01/09 – 11h) UTI
Ped:
- Presença de regurgitação mitral de grau leve
a moderado. Demais valvas sem disfunção.
- Aumento acentuado do VE, que apresenta
disfunção de grau acentuado (FE: 20%)
- Conclusão: Cardiomiopatia dilatada
Disfunção acentuada de VE
Insuficiência mitral discreta a
moderada.
- CD: Iniciados digoxina (5mcg/kg): 2
e
espironolactona (1 mg/kg/dia).

Evoluções



03/01/09 – alta da UTI Ped
ALA A:
- Miocardite viral? Solicitadas sorologias
- Sorologias(06/01/09): toxo IgM e IgG – NR;
VDRL – NR; Chagas – NR.
Ecocardiograma (08/01/09): INCOR-DF
- Cardiomiopatia dilatada de VE, de grau
acentuado. Insuficiência mitral e tricúspide de
grau discreto. FE (Teicholz): 33%, FE
(Simpson): 24%
Exames
06/01/09
08/01/09
Leucócitos
8.210
5.670
Seg/ Bast/ Linf
23/ 00/ 70
26/ 00/ 71
Mono/ Eos/
Baso
01/ 06/ 00
01/ 02/ 00
HT(%) / Hb
37/ 11,9
35,8/ 11,6
Plaquetas
361.000
382.000
VHS
5
Glicose
09/01/09
79
Uréia/
Creatinina
19/ 0,4
19/ 0,3
Cálcio
9,7
9,9
Sódio
135
137
Potássio
4,5
4,5
Cloro
109
110
TGO/ TGP
49/ 35
47/ 31
CK/ CK-MB
442/ 70
44/ 51
Amilase
50
Colesterol/
HDLc
72/ 31
Ácido úrico
6,4
Evoluções

ALA A:
- Paciente estável hemodinanicamente e
padrão respiratório sem esforço.
- 10/01/09 – alta hospitalar em uso de:
digoxina (4,3 mcg/kg/dia),
captopril (1mg/kg/dia),
furosemida (2,2 mg/kg/dia),
espironolactona (1 mg/kg/dia).
- Solicitação de cintilografia miocárdica,
consulta do INCOR-DF e acompanhamento
ambulatorial com a Genética.
MIOCARDITE
Miocardite

Definição1,2:
- Processo inflamatório do miocárdio, que
compromete o parênquima e o interstício
de forma aguda ou crônica.
- Causa mais freqüente de cardiomiopatia
dilatada na infância.
Miocardite

Epidemiologia3:
- Verdadeira incidência é desconhecida –
casos leves passam despercebidos.
- Manifestações dependem da idade:
-Primeira infância: aguda,fulminante
-Crianças que começam a andar e
crianças pequenas: miopericardite, menos
fulminante
-Crianças
mais
velhas
e
adolescentes: assintomática (cardiomiopatia
dilatada idiopática).
Miocardite

Etiologia1,2:
a) Infecciosa: vírus, bactérias, protozoários e
fungos
b) Reações imunológicas ou de
hipersensibilidade: doença reumática,
colagenoses
c) Agentes químicos, físicos, farmacológicos ou
mistos
(miocardite
linfocitária
ativa
ou
simplesmente miocardite ativa, em que existe
inicialmente agressão viral ao miocárdio e
posterior agressão imune).
OBS: Os agentes infecciosos podem causar
inflamação miocárdica por invasão direta ou por
mecanismo auto-imune (cardite reumática).
Miocardite –
1,2
Classificações

A classificação clínica e histológica são igualmente
importantes. O aparente início da doença pode ser
o início dos sintomas de uma afecção já existente.

Classificação temporal1:
- Aguda: duração < 6 meses
- Crônica: duração > 6 meses

Classificação histológica:
- Aguda: infiltrado inflamatório miocárdico, necrose
celular, evidências de agressão à fibra muscular,
como edema intersticial
- Crônica: infiltrado inflamatório, hipertrofia das
fibras cardíacas e fibrose tecidual.
Miocardite
Quadro Clínico2:
- Diversidade dos sintomas dependem:
- do agente etiológico;
- idade da criança;
- tempo de instalação da doença,
- grau de comprometimento miocárdico;
- peculiaridades imunológicas de cada
paciente.

Miocardite

Diagnóstico Clínico1,2:
A) Miocardites agudas:
- Insuficiência cardíaca de início abrupto e,
eventualmente, por baixo débito cardíaco.
- Taquidispnéia, sudorese, palidez cutânea
- Pulso rápido e fino
- Ictus cordis desviado para esquerda e para baixo
(aumento das câmeras ventriculares – VE).
- Hipofonese de B1 e B3 ou B4 (ritmo de galope – FC
elevada).
- Arritmias com extra-sístoles podem ocorrer
- AR: estertores creptantes nas bases pulmonares
- Estase jugular, hepatomegalia e edema de MMII
podem ocorrer, até mesmo, anasarca.
Miocardite

Diagnóstico Clínico1,2:
B) Miocardites de evolução prolongada:
- assintomática -> oligossintomática
- Infecção sistêmica ou pulmonar -> ICC
- Diagnóstico: após Rx tórax, em criança com
suspeita de infecção pulmonar, sem suspeita
prévia de cardiopatia.
- Abaulamento precordial: nos processos crônicos
e intensos
Miocardite
- Ictus cordis impulsivo, desviado para E e para
baixo
- B1 hipofonética em FM e B2 hiperfonética no FP
(grau de hipertensão pulmonar)
- B3 presente na maioria dos casos
- Sopro sistólico suave, de regurgitação mitral
(ou tricúspide, mas raramente) em grande parte
dos casos
- Estase jugular e hepatomegalia podem ocorrer.
Miocardite

Complicações2:
- Principais: - arritmias
- embolias sistêmicas
pulmonares
- choque cardiogênico
Miocardite

Exames complementares1,2:
- Rx de tórax: cardiomegalia global,
principalmente às custas
de VE e congestão
venocapilar pulmonar.
Miocardite

ECG:
- Quadros agudos: taquicardia sinusal, arritmias,
complexos QRS de baixa voltagem, alterações
difusas na repolarização ventricular.
- Quadros crônicos: sobrecarga ventricular ou
biventricular, sobrecarga AE ou biatrial. Pouco
encontrados, bloqueios bidivisonais ou de ramos.
Miocardite

Ecocardiograma:
- Ventrículos dilatados (principalmente VE) e
hipocinéticos.
- Regurgitação mitral ou tricúspide podem ser
detectados pelo doppler.
- Trombos intra-cavitários podem ocorrer.

Exames radioisotópicos:
- Ventriculografia radioisotópica: evidências
câmaras dilatadas e hipocinéticas.
- Cintilografia com gálio 67: detecta captação do
radiofármaco aumentada no coração
Cintilografia miocárdica
Paciente 3 anos, miocardite
Pós-tratamento com
imunossupressores – cintilografia
negativa.
Miocardite

Biópsia endomiocárdica2:
a) Indicações muito precisas:
- Pacientes com ICC refratária, graves,
cardiomiopatia dilatada de importante repercussão
clínica e hemodinâmica, onde a biópsia permitirá a
constatação da presença de miocardite ativa.
b) Procedimento: Cateter introduzido na veia
jugular interna e sua ponta é posicionada, sob visão
fluoroscópica, na parede do VD, de onde são
obtidos os fragmentos
Biópsia endomiocárdica
Miocardite

Biópsia endomiocárdica2:
c) Diagnóstico: infiltrado inflamatório intersticial e
agressão às fibras cardíacas por mononucleares.
Necrose celular pode ser detectada. A presença de
hipertrofia de miócitos e fibrose, retratam quadros
crônicos.
Miocardite

Exames laboratoriais1,2:
- HC, mucoproteínas, eletroforese de proteínas,
VHS, PCR e ASLO -> afastar cardite reumática.
- CK-MB: elevada nos processos agudos
- LDH: elevada nos processos crônicos
- Troponina I: mais sensível e possui valor
prognóstico -se correlaciona com a fração de
ejeção e a falência cardíaca.
- Sorologias: toxoplasmose, Chagas, VDRL, antiHIV, PPD.
- Suspeita etiologia viral: isolamento do vírus
(sangue, fezes, orofaringe, líquido pericárdico).
Miocardite –

1,2
Tipos
Miocardite Viral:
- Vírus cardiotrópicos – mais comuns –
pertencem ao grupo dos enterovírus: Coxsackie,
ECHO, poliovírus.
- Outros: Influenza A e B, hepatite A e B,
adenovírus, parotidite, CMV, varicela, rubéola.
- Coxsackie B: 40-50% das causas virais, no
homem.
- História de quadro infeccioso agudo 2-3 sem
antes da eclosão da miocardite, mas os sintomas
tb podem ocorrer durante a infecção aguda.
Infecção vírus
cardiotrópico
Necrose focal de
miócitos
Rápida e completa
recuperação
Prosseguimento da
necrose focal
Infiltrado linfocitário
Maioria
Recuperação
Necrose difusa
Infiltrado
pleomórfico
Morte súbita
Miocardite crônica
Cardiomiopatia
dilatada
Minoria
Miocardite –

1,2
Tipos
Miocardite bacteriana:
- Quadro infeccioso sistêmico
a)Inflamatórias
agudas:
estreptococos,
estafilococos, salmonela, meningococo.
b) Processos granulomatosos: bacilo de Koch,
Treponema pallidum
c) Endo e exotoninas: bacilo diftérico. Ocorria
em 25% dos pacientes com difteria. Em
extinção.
Miocardite –
1,2
Tipos

Miocardite por protozoários:
-Trypanosoma cruzi (Chagas): 1%
-Toxoplasma
gondii
(toxoplasmose):
congênita ou adquirida.

Outros agentes:
- Raros: rickettsias, fungos, Schistosoma,
cisticerco, larva migrans, etc.
Miocardite –

1,2
Tipos
Miocardite ativa:
- Denominação histológica
-Expressa-se
clinicamente
como
miocardiopatia dilatada
- Fator desencadeante: miocardite viral
- Indivíduos geneticamente predispostos,
nos quais, após cessar o quadro
infeccioso,
o
processo
inflamatório
persistiria, por agressão auto-imune (linf
T).
Prognóstico
70-80%
Curso da
Miocardite
ICC leve a
moderada
60-70%
Recuperação
20-30%
ICC severa ou
choque
10-20%
Cardiomiopatia
dilatada
10%
Óbito ou
Transplante
Tratamento

Medidas Gerais1,2:
- Repouso (reduzir o trabalho cardíaco e
aumentar a oxigenação do paciente);
- Restrição hídrica;
- Dieta hiperprotéica e hipercalórica;
- Correção de eventuais distúrbios
hidreletrolíticos,
anemia
e
hipoproteinemia;
- Oxigenoterapia nos casos de ICC grave.
4
Tratamento

Tratamento da insuficiência cardíaca
- Associação da miocardite e espasmos da
microvasculatura coronariana -> evolução
pra cardiomiopatia dilatada:
- captopril (1ª escolha),
- ß bloqueadores.
OBS: Captopril demonstrou redução
necrose miocárdica em camundongos.
na
1,2
Tratamento

Tratamento da insuficiência cardíaca:
-Digitálicos
(metade
dose
–
risco
intoxicação aumentado)
-Diuréticos
-Casos graves: aminas vasoativas –
dobutamina, dopamina.
-Imunossupressores:
- após 30 dias de doença;
- atividade inflamatória comprovada;
- ICC refratária.
1,2,3
Tratamento

Combate ao agente infeccioso:
- Conforme o agente: soro anti-diftérico,
antimicrobianos. A terapia antiviral específica
para enterovírus (pleconaril) ou vírus EpsteinBarr (aciclovir) pode ser eficaz.

Supressão do processo inflamatório:
-Objetivos: melhorar a função cardíaca, evitar
ou minimizar a evolução da inflamação para
fibrose.
- Corticóides: cardite reumática ou autoimune
Após 1 mês de evolução, sem melhora
da ICC e da disfunção ventricular
Cintilografia miocárdica com gálio
67 ou
Biópsia endomiocárdica
Confirmação da inflamação miocárdica
Imunossupressores
(6 a 12 meses)
1,2
Tratamento

Imunossupressores:
- Após confirmação da inflamação pela
biópsia endoscópica
- Prednisona (2,5 mg/kg/dia) dose única
+ Azatioprina (2,5 mg/kg/dia) dose única
OU
- Prednisona (0,5 a 1 mg/kg/dia) +
ciclosporina (15mg/kg/dia).
- Controle mensal: HC + plaquetas,
exames de urina, função hepática e renal.
2
Tratamento

Nos casos em que os imunossupressores
não se mostrem eficazes (recaídas) e a
disfunção ventricular for importante =>
transplante cardíaco.
OBRIGADA!
Referências Bibliográficas
1.
2.
3.
4.
Marcondes E, Vaz FAC, Ramos JLA, Okay Y.
Pediatria Básica Tomo III. Editora Sarvier. São
Paulo, 2004.
Ramires JA. Cardiologia em Pediatria Temas
Fundamentais. Editora Roca. São Paulo, 2000.
Behrman, Kliegman, Jenson. NELSON Tratado
de Pediatria. Editora Elsevier. São Paulo, 2005.
Lopez FA, Júnior DC. Tratado de Pediatria.
Sociedade Brasileira de Pediatria. Editora
Manole. São Paulo, 2007.
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