A EXPERIÊNCIA DE UM AMBULATÓRIO DE SEGUIMENTO Mércia M. F. L. Lira [email protected] Não tenho conflito de interesse. 1. Por que um Ambulatório de Seguimento? 2. Nossa Experiência; 3. Nossos desafios; 4. Conclusão. 1. Por que um Ambulatório de Seguimento? A hospitalização em geral é causa de trauma, ocasionando transtornos mentais mesmo após a alta Mitre e Gomes , 2004 As reações da criança à doença e à hospitalização dependem principalmente do nível de desenvolvimento psíquico na ocasião da internação, grau de apoio familiar, tipo de doença e atitudes do médico. Qualquer criança sob estresse físico, psicológico e social é propensa a distorções perceptivas, intelectuais e emocionais. À internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), estas reações podem ser mais intensas. Pediatria (São Paulo), 21(3) : 182-190, 1999. 1. Por que um Ambulatório de Seguimento? As Unidades de Tratamento Intensivo pediátricas têm proporcionado maior sobrevida às crianças e adolescentes criticamente enfermos. Ballard, K S et al. Issues in Mental Health Nursing; vol.3:89-108,1981. Bedran,J.N. Anais Fac. Med. Univ. Fed. Minas Gerais. Belo Horizonte ,Vol. 4, n. 1: 45-58, 1985. Colville GA . The impact of admission to pediatric intensive care unit (PICU) on the child and family. In : The Psychological Challenges of Intensive Care. S Ridley ed. Critical Care Focus Series. Oxford, UK: BMJ Books, Wiley Blackwell, 2005. Colville GA .The Value of Screening Parents for Their Risk of Developing Psychological Symptoms After PICU: A Feasibility Study Evaluating a Pediatric Intensive Care Follow-Up Clinic. BMJ Evidence-Based Nursing 2016; 19(1): 13 1. Por que um Ambulatório de Seguimento? É necessário o acompanhamento das crianças após a sua internação na UTIP, situação traumática para o paciente e sua família. Pesquisas mostram que crianças internadas na UTIP são mais tristes, ansiosas e apreensivas que as demais, além de poderem cursar com sequelas inerentes à doença de base. Necessário saber: como estão estas crianças/adolescentes e as suas famílias? Muitos pais procuravam profissionais da UTI Pediátrica para atendimento e orientação, após a alta hospitalar. 1. Por que um Ambulatório de Seguimento? Acompanhar de forma estruturada estes pacientes, a fim de conhecer o perfil das crianças e adolescentes que sobrevivem à UTI, assisti-los. Saber também o que os pais, acompanhantes, as crianças/adolescentes acham da assistência prestada e poder desta forma corrigir, melhorar a atenção e o trabalho em equipe. 2. Nossa Experiência • Ambulatório – Início: 2001 Solicitamos uma sala à Direção do Hospital O ambulatório funciona uma vez por semana, nas quartasfeiras, de 14h00 às 17h00. São marcados até 5 pacientes por dia; Atualmente é marcado retorno na alta, mas é feito contato com a família confirmando a consulta. Isto diminuiu a abstenção; O Ambulatório era feito em geral pela coordenação da UTIP e/ou por um dos plantonistas e 1 dos residentes. Atualmente, há um médico escalado para atendimento do ambulatório, juntamente com equipe multidisciplinar. 2. Nossa Experiência • Primeira consulta no Ambulatório de oriundos da UTIP O agendamento da primeira consulta é feito no momento da alta da UTIP por profissional da equipe. Marcamos o atendimento em uma agenda para 2 meses após a alta. O retorno é marcado a cada 6 meses ou 12 meses, até a criança completar 7 anos; O acompanhante deverá comparecer à 1ª consulta trazendo exames e relatório médico da internação hospitalar. No relatório devem constar todas as morbidades apresentadas durante o período de internação, assim como medicamentos usados e procedimentos realizados. Deve conter também os dados da alta hospitalar, como peso, estatura, medicações em uso, tipo de dieta em uso. Atualmente já dispomos do prontuário eletrônico. 2. Nossa Experiência • Agendamento de consultas para as crianças já em acompanhamento: O agendamento é feito pela equipe do ambulatório nos dias das consultas ou por telefone. • Em casos de Urgências, as famílias são orientadas a procurarem os PS de Pediatria. EQUIPE ATUAL Membro da equipe Papel na equipe de seguimento Médico Coordenação. Avalia a criança. Responsável pelo manejo de intercorrências clínicas em geral. Médico Residente Avalia a criança. Orienta e auxilia no manejo de intercorrências clínicas em geral. Psicóloga infantil Avaliação do neurodesenvolvimento, dos problemas comportamentais, vínculos e manejo dessas situações. Intervenções de apoio e suporte. Enfermagem Controle dos medicamentos em uso. Orientação de medidas preventivas de diversas doenças. Manejo do oxigênio domiciliar, sondas entéricas e cuidados gerais de higiene. EQUIPE ATUAL Membro da equipe Papel na equipe de seguimento Fonoaudiologia Avaliação da deglutição. Avaliação da linguagem. Orientação de condutas. Fisioterapeuta Avaliar desenvolvimento motor, tônus e força muscular. Planejar apropriada intervenção individualizada. Ensinar aos pais exercícios para fazer em casa. Orientar. Terapeuta ocupacional Programar reabilitações das crianças com dificuldades. Interface e diálogo com escolas e pré-escolas. Definir habilidades que capacitem no contexto social e profissional futuro. Nutricionista clínica (Equipe do hospital) Controle dos medicamentos em uso. Orientação de medidas preventivas de diversas doenças. Manejo do oxigênio domiciliar, sondas entéricas e cuidados gerais de higiene. Assistente Social (Equipe do hospital) Ajudar a recuperar perdas. Manejo dos problemas sociais: pobreza extrema, etc. 2. Nossa Experiência Atividades do ambulatório Consultas Encaminhamentos Procedimentos Médico Enfermagem Fonoaudiologia Fisioterapia Psicologia Terapia Ocupacional Especialistas: neurologia, pneumologia, alergia e imunologia, oftalmologia, cirurgia pediátrica, vacinas, nutrição, outros. Troca de cânulas, sondas, curativos. Solicitação de exames. Orientação. 2. Nossa Experiência 2001 - 2015 Idade média Procedência Doenças 22 Meses DF Respiratórias Alterações referidas pelos acompanhantes Padrão de sono Comportamentais 30% 10% Insônia, sono agitado. Irritação, dificuldades de concentração, distúrbios de aprendizagem. Poucos relatos de trauma na UTIP. Presentes pacientes submetidos a muitos procedimentos. Neurológicas 15% Convulsões, hipertonias, hipotonias, problemas de locomoção, deglutição. 2. Nossa Experiência Ano Média internações/ano Média atendimento Ambulatório/ano Observações 2001-2005 294 28 (9,5%) Dificuldades na Comunicação, Estrutura deficiente, Pacientes de outros estados, Dificuldades Financeiras. 2006-2010 240 41 (17%) Pacientes crônicos 2011-2015 312 70 (22%) Maior organização da equipe. Melhora da comunicação. Total de 15 4230 internações 3891 altas 695 at. (18%) anos Muitos dados foram perdidos na mudança de computador. 2. Nossa Experiência • Dificuldades dos pais Marcar consulta com especialistas, lidar com sondas, tubos, dificuldades financeiras; • Problemas das crianças Falta de atendimento especializado ,perda de sondas, tubos, infecções recorrentes, desnutrição; 2. Nossa Experiência Avaliação da UCIP pelos pais foi realizada até 2008* A idade dos responsáveis variou entre 15 e 40 anos, com moda de 23 e 26 anos. Completaram o 1º grau 43,5% e o 2º grau 30%. A maioria (73,9%) não conhecia uma UTI e todos afirmaram que receberam informações claras durante a internação. Avaliaram como “muito bom” ou “ótimo” o atendimento da equipe médica 86%, enfermagem 78%, fisioterapeutas 69% e demais profissionais 88%. A maioria permanecia na UTIP “quase todo o tempo”. *Avaliação não é mais realizada no Ambulatório. É realizada na UTIP. 2. Nossa Experiência • Avanços Ampliar a equipe e mostrar os resultados Aumento do retorno dos pacientes ao ambulatório decorrentes de maior estímulo, apoio às famílias Participação de residentes no Ambulatório Foto autorizada Criança de 1 ano admitida na UTIP após afogamento em balde. Reanimada em casa pela equipe do SAMU e trazida emergência, onde continuou reanimação. Transferida para UTIP, GRAVE. Ventilação Mecânica prolongada. Apresentou IRA, submetida a diálise. Alta com graves sequelas neurológicas. Com dieta por sonda. Atualmente, com 2 anos e 7 meses. Com dieta oral, e recuperação motora. Criança de 4 meses admitida na UTIP procedente da Bahia com quadro de pneumonia e insuficiência respiratória. Ficou em Ventilação mecânica. Recebeu alta ainda dependente de oxigenoterapia. Retornava ao ambulatório tendo de viajar de ônibus durante 2 horas. Confiava na equipe. Foto autorizada 3. Nossos desafios Oficializar o programa de atendimento ambulatorial dos pacientes oriundos das UTIP. Não há no SUS este tipo atendimento cadastrado, o que dificulta a escala dos profissionais para o ambulatório, não contabiliza os atendimentos, os quais não são onerados; Fazer a rede funcionar - funciona a rede de amigos. Criar fluxo de atendimento e encaminhamentos. Sensibilizar os profissionais da importância do ambulatório dos pacientes oriundos da UTIP, que possibilita saber como estão os sobreviventes das nossas UTIPs. Realizar estudos sobre as alterações psicoemocionais e orgânicas decorrentes da internação na UTIP em crianças/adolescentes e nos pais. 4. Conclusão São muito escassos os estudos em relação ao seguimento de crianças/ adolescentes egressos das UTIP. O surgimento desse ambulatório, assim como aconteceu com o de egressos de RN das UTI neonatais, gerou uma oferta de atendimento, antes inexistente, cuja demanda é dependente do interesse da equipe em prestar o serviço, portanto, uma demanda induzida. A população que participa desses ambulatórios é direcionada pela equipe da UTIP. O envolvimento dos profissionais de saúde, o trabalho em equipe, o aproveitamento dos recursos, a busca pelo conhecimento serão responsáveis pela melhoria da assistência prestada a essas crianças e suas famílias. 4. Conclusão O ambulatório de seguimento se justifica: Pela necessidade de conhecermos de que forma as crianças/adolescentes egressos das UTIP estão, e como são inseridos na rede de atenção à saúde. Como forma de cuidar dos pacientes e suas famílias. Diminuir morbidade e mortalidade. Diminuir custos. O paciente e sua família necessitam fazer parte do processo, construir e reconstruir seus conhecimentos sobre seus problemas de saúde. Só assim poderão assumir sua autonomia de forma consciente.