SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA - SOBRATI MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM TERAPIA INTENSIVA LILIANE VIEIRA LANDIM MORAES PROPOSTA DE PROTOCOLO DE INTERRUPÇÃO DIÁRIA DA INFUSÃO CONTÍNUA DE SEDATIVOS EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA PEDIÁTRICA BRASÍLIA, AGOSTO / 2012 LILIANE VIEIRA LANDIM MORAES PROPOSTA DE PROTOCOLO DE INTERRUPÇÃO DIÁRIA DA INFUSÃO CONTÍNUA DE SEDATIVOS EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA PEDIÁTRICA Artigo apresentado à SOBRATI como requisito final para a conclusão do mestrado profissionalizante em Terapia Intensiva. Orientador: Kamila Cristiane de Oliveira Silva BRASÍLIA, AGOSTO / 2012 PROPOSTA DE PROTOCOLO DE INTERRUPÇÃO DIÁRIA DA INFUSÃO CONTÍNUA DE SEDATIVOS EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA PEDIÁTRICA PROPOSAL OF PROTOCOL FOR DAILY INTERRUPTION OF CONTINUOUS INFUSION OF SEDATIVES IN PEDIATRIC INTENSIVE CARE UNIT Liliane Vieira Landim Moraes1 Prof Kamila Cristiane de Oliveira Silva2 RESUMO Objetivos: identificar na literatura protocolos de interrupção diária da sedação contínua, incentivar a monitorização da infusão contínua de sedativos através de escalas clínicas e propor um protocolo de interrupção diária de sedativos em pediatria, descrevendo seus benefícios. Metodologia: Levantamento bibliográfico nas bases Lilacs, Pubmed, Scielo, entre outras, guiado pela questão norteadora: “Como os novos protocolos de interrupção diária da infusão contínua de sedativos podem ser implantados na UTIP?”. Síntese dos dados: A internação em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) implica em ansiedade, estresse, exacerbação da dor e medo na criança. O uso de sedativos de forma contínua foi implantado na busca de promover conforto aos pacientes em ventilação mecânica invasiva (VMI), além de facilitar procedimentos técnicos e conter a agitação presente na maioria desta faixa etária, porém, o uso prolongado e contínuo pode desencadear alterações cardiovasculares, hepáticas, neurológicas e renais, podendo ainda causar tolerância, dependência e abstinência, aumentando o tempo de VM e de internação hospitalar. Assim, é fundamental a implantação de protocolos de uso de sedativos e a monitorização do grau de sedação através de escalas clínicas pediátricas. Uma intervenção que se mostra eficaz é a interrupção diária da infusão contínua de sedativos, que vai permitir uma avaliação efetiva das condições do paciente, facilitando o desmame da VM e uma participação integral do paciente num programa de fisioterapia intensiva. Considerações finais: Os benefícios da utilização de um protocolo de interrupção da sedação contínua em pediatria com o envolvimento de toda a equipe multidisciplinar pode contribuir para reduzir o tempo de VM, diminuir complicações associadas, reduzindo o período internação hospitalar e, consequentemente, os custos. Descritores: sedação contínua, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, UTIP, interrupção diária, ventilação mecânica. 1 Fisioterapeuta graduada pela Faculdade de Ciências Médicas-FACIME. Especialista em Fisioterapia Pediátrica e Neonatal FACID. 2 Enfermeira orientadora, mestre em Ciência e Saúde - UFPI ABSTRACT Objectives: identify in literature protocols for daily interruption of continuous sedation, encourage monitoring of sedative continuous infusions through clinical gauges and propose a protocol of daily interruption of sedatives in pediatrics, describing its benefits. Methodology: Survey bibliography on Lilacs, Pubmed, Scielo bases, among others, guided by the question: "How new protocols of daily interruption of sedative continuous infusions can be inserted in the UTIP?". Summary of the findings: The admission to a Pediatric Intensive Care Unit (PICU) implies anxiety, stress, fear and severe pain in children. The use of sedatives was continuously inserted for trying to promote comfort to patients on invasive mechanical ventilation (IMV), besides facilitating technical procedures and keep the commotion present in the majority of this age group, however, the continual and prolonged use can trigger cardiovascular, hepatic, neurological and kidney changes, yet it may cause tolerance, dependence and abstinence, increasing the duration of mechanical ventilation and hospitalization. Thus, it is essential to implement protocols of sedatives and monitor the level of sedation through of scales pediatric clinics. An effective intervention is the daily interruption of continuous infusions of sedative, which will allow effective evaluation of the patient's condition, by facilitating weaning from MV and full participation of the patient in an intensive physiotherapy program. Conclusions: The benefits of using a protocol of interruption of continuous sedation in pediatrics with the involvement of the entire multidisciplinary team can help reduce the duration of mechanical ventilation reduce associated complications, reducing the hospitalization period and, consequently, costs. Keywords: continuous sedation, Pediatric Intensive Care Unit, UTIP, daily interruption, mechanics ventilation. INTRODUÇÃO Um dos objetivos fundamentais na admissão em uma unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP) é realizar o tratamento que minimize a ansiedade e a resposta à dor, causando a menor agressão possível na criança para evitar sofrimento físico e emocional (BARTOLOME, 2007). A instituição e manutenção de ventilação artificial implicam em sedação, analgesia e, em alguns casos, bloqueio neuromuscular (BNM). Objetiva-se, com estes procedimentos, aliviar o desconforto associado à ventilação mecânica (VM), prevenir assincronia paciente-ventilador, permitir ventilação efetiva, prevenir extubação traqueal inadvertida e deslocamento de vias venosas, além de satisfazer as necessidades ansiolíticas, hipnóticas e amnésticas destes pacientes, busca-se, também, reduzir a ansiedade e a agitação que ocorrem com a entrada em um ambiente hostil e com a realização de intervenções dolorosas (BARTOLOME, 2007; BRESOLIN et al, 2011). Normalmente, pacientes em VM necessitam de sedativos prescritos de forma contínua para o controle desta ansiedade, desconforto, agitação e dor. No entanto, embora a infusão contínua mantenha um nível constante de sedação e pareça deixar o paciente mais confortável, tal prática já se mostrava associada a um maior tempo de VM e de internação na UTI e no hospital há mais de 10 anos, aumentando a morbimortalidade da criança na UTIP (BARTOLOME, 2007, INTENSIMED, 2010). Deve-se ressaltar que crianças menores apresentam particularidades fisiológicas significativas, o que provoca respostas a pequenos estímulos e a incapacidade de verbalizar adequadamente a intensidade e localização da sua dor, dificultando a distinção entre a sedação e analgesia, e sendo ambas tratadas simultaneamente (FONSECA et al, 2011). Nos últimos anos, houve um o avanço considerável do suporte ventilatório e nas técnicas empregadas, contudo, isto não permitiu que o adiamento da retirada da ventilação pulmonar mecânica continuasse a gerar desconforto no paciente e aumento do risco de complicações relacionadas à intubação traqueal. Segundo o III Consenso Brasileiro de VM (2007) retirar o paciente da VM pode ser mais difícil que mantê-lo e considerando que o processo de retirada do suporte ventilatório ocupa cerca de 40% do tempo total de VM, foi necessário o desenvolvimento de protocolos de retirada da ventilação. Ainda assim, métodos para desmame do suporte respiratório em crianças nunca foram rigorosamente estudados e quando estudados, estes métodos são retirados de estudos em pacientes adultos e recémnascidos prematuros, o que pode ser inapropriado. (FONSECA et al, 2011) A observação de que a sedação e analgesia profundas ou prolongadas em crianças podem evoluir negativamente, progredindo para prolongamento na necessidade de VM, no aumento da morbidade e mortalidade e na duração da internação da criança na UTIP. Isto levou à concepção de um novo modelo que destaca a otimização do conforto dos pacientes os mantendo interativos, orientados e capazes de seguir instruções. Este novo modelo baseia-se em estratégias para manter um nível adequado de sedação, interrupção diária da sedação e minimização do uso de medicações músculo-relaxantes. Como não é possível estabelecer o melhor nível de sedação/analgesia antes do início das mesmas, a monitoração do grau de sedação torna-se imprescindível para evitar sedação excessiva e a sub-sedação, além de seus efeitos adversos como tolerância, dependência ou a síndrome de abstinência (BARTOLOME, 2007; FONSECA et al, 2011). O emprego de protocolos que facilitem o desmame ventilatório, um uso mínimo de medicamentos e uma monitorização cuidadosa podem melhorar a qualidade da sedação e analgesia e evitar seus efeitos adversos (BARTOLOME, 2007). Não há, até o momento, um método ideal para avaliação do grau de sedação em pacientes pediátricos criticamente doentes, a utilização de escalas vem sendo útil principalmente em crianças que necessitam de sedoanalgesia moderada. Bartolome (2007) cita que as duas escalas mais utilizadas em pediatria são as de Ramsay modificada e a de Comfort, mas há também sistemas de avaliação direcionados como no caso dos neonatos, a Escala de dor, agitação e sedação neonatal, e a validada em recente trabalho, a escala de Comfort-Behavior, mais simplificada e com eliminação da variáveis fisiológicas presentes na original (AMORETTI et al, 2008; FONSECA et al, 2011). É evidente a importância da implementação de protocolos e estratégias em uma unidade de terapia intensiva, principalmente, em pediatria. O emprego da interrupção diária de sedação contínua conduzida de forma multiprofissional vem sendo relacionado com a redução do tempo de VM, consequentemente, com redução da pneumonia associada à VM, e da mortalidade, levando a redução no tempo de internação na UTI e uso de sedativos, contribuindo com contenção de gastos relacionados à internação em unidades de terapia intensiva. Além disso, na UTIP, emprego de protocolos como a interrupção da infusão continua de sedativos poderia facilitar uma correta seleção de medicamentos, uma administração adequada e uma monitorização cuidadosa que podem melhorar a qualidade da sedação e analgesia e evitar seus efeitos adversos (BARTOLOME, 2007; COUTINHO, 2011). OBJETIVOS • Identificar na literatura artigos com protocolos de interrupção diária da infusão contínua de sedativos em UTI; • Incentivar o uso de escalas de sedação para indicar a quantidade e o momento do uso de infusão contínua de sedativos em pacientes pediátricos que cursam em VM, de forma mais objetiva e confiável e menos empírica; • Oferecer uma proposta de protocolo para interrupção da infusão contínua de sedativos, descrevendo os benefícios da mesma como forma de redução do tempo de VM em pacientes pediátricos, além da redução de complicações iatrogênicas e custos financeiros relacionados à internação em UTI. METODOLOGIA Trata-se de pesquisa bibliográfica com as seguintes etapas: definição da questão norteadora, seleção de descritores, definição dos critérios de seleção, levantamento do material bibliográfico, organização das categorias e análise dos dados obtidos. O estudo foi guiado pela seguinte questão norteadora: “Como os novos protocolos de interrupção diária da infusão contínua de sedativos podem ser implantados na UTIP?”. A identificação do material foi alcançada nas bases da literatura Lilacs (LatinoAmericana de Ciências da Saúde), Medline/PubMed (Literatura Internacional em Ciências da Saúde) e Scielo (Scientific Electronic Library online), entre outros. Tendo como critérios de seleção: artigos em português e inglês com textos disponíveis na íntegra no período estabelecido indexados pelos termos mesch/desc: sedação contínua, UTIP, VM, interrupção. A busca foi realizada no período de Janeiro de 2000 a Junho de 2012. Os resultados foram agrupados em categorias de acordo com seu enfoque principal. Foram encontradas 26 publicações que após a análise e aplicação dos critérios de inclusão resultaram em 18. Da amostra selecionada, 02 são da base de dados Lilacs; 02 são da base de dados Medline/PubMed e 04 da base de dados Scielo, 10 foram resultantes da busca avançada em outras bases. A descrição de cada categoria será vista a seguir (Anexo 2). REVISÃO DE LITERATURA SEDAÇÃO E ANALGESIA EM TERAPIA INTENSIVA PEDIÁTRICA O uso de analgésicos e sedativos para a manutenção de conforto e segurança para pacientes graves é recomendação do American College of Critical Care Medicine´s e da Society of Critical Care Medicine´s desde 1995. Outra recomendação grau C destas instituições é que todos os pacientes criticamente doentes têm direito de analgesia adequada e gestão de sua dor (WANZUITA, 2011). Sabe-se que a dor e a tensão podem levar a danos físicos e emocionais que comprometem a recuperação ocasionando até mesmo o aumento da mortalidade. Dessa forma, uma analgesia inadequada influencia o prognóstico do paciente, já que o medo e a ansiedade exacerbam a dor e o estresse em crianças criticamente enfermas (MARTINBIACHO, 2008). Para Jacobi (2002), a falta de sedação adequada pode levar não apenas à dificuldade na VM, mas também ao estresse. Este, por sua vez, parece estar associado à taquicardia, ao aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio, hipercoagulabilidade, imunossupressão, falta de sincronia com o ventilador, extubação acidental ou remoção de outros cateteres e sondas. Sedar os pacientes sob VM é considerado justo e necessário. E é, de fato, a rotina em praticamente todas as unidades de terapia intensiva. Afinal, a VM é um procedimento altamente invasivo e, consequentemente, muito desconfortável. Na prática, sedar profundamente sempre todos os pacientes de forma rotineira e indistinta talvez não seja a melhor das opções. Embora o conforto do paciente seja certamente uma das prioridades da assistência médica, a sedação não deveria mais ser considerada a única nem a melhor forma de confortar o individuo sob ventilação pulmonar mecânica (LAURINAVICIUS, 2012). A sedação profunda de pacientes sob VM virou rotina na década de setenta, quando a introdução dos benzodiazepinicos intravenosos permitiu titular esta sedação “em tempo real”. Satisfazia a necessidade da época, pois eliminava a assincronia com o ventilador, confortava o paciente e poderia ser revertida rapidamente ao desmame da VM (LAURINAVICIUS, 2012). Entre os agentes sedativos e analgésicos mais comumente utilizados em UTIP, encontram-se os benzodiazepínicos (midazolan, diazepan e lorazepan), os opióides (morfina e fentanil), os barbitúricos (tiopental), propofol, cetamina e hidrato de clora. Além disso, os bloqueadores neuromusculares (BNM) estão indicados para a intubação endotraqueal e durante a VM para eliminar o assincronismo com o respirador em crianças com insuficiência respiratória grave ou para reduzir o risco de extubação acidental em crianças com via aérea instável (BRESOLIN et al, 2011; SFOGGIA et al, 2003; WANZUITA, 2011). Em razão do conhecido efeito aditivo da associação de benzodiazepínicos a opióides, a co-sedação (combinação de ansiolíticos e analgésicos) é prática rotineira na maioria da UTIs (SFOGGIA et al, 2003). Nas UTIs brasileiras a associação do midazolan (diazepínico com rápido início de ação, ótima distribuição e grande capacidade amnéstica) e fentanil (opióide cem vezes mais potente que a morfina) em infusão endovenosa contínua é o esquema mais utilizado. Esta associação permite a administração de doses menores de cada droga, e reduz os efeitos indesejados a elas associados (SFOGGIA et al, 2003; WANZUITA, 2011). Não existem estudos na literatura comparando os diversos sedativos, analgésicos ou bloqueadores neuromusculares na população pediátrica. Dessa forma, não podem ser feitas recomendações específicas para essa população (GUPTA et al, 2011). Entretanto, existem vários trabalhos na população geral de pacientes adultos críticos que podem nortear o uso destes medicamentos nesta faixa etária. Para Gupta et al (2011), considera-se não existir evidência para afirmar a superioridade de um sedativo sobre outro, ficando a cargo de cada serviço a escolha da droga. Além de melhorar o conforto do paciente pediátrico e reduzir o estresse, a sedação é útil para facilitar os procedimentos técnicos e a realização de exames diagnósticos, além de conter a agitação que pode resultar em desconexão de vias de acesso, equipamentos de suporte à vida e de monitoramento das funções vitais (MARTINBIACHO, 2008). Para Sfoggia et al (2003), apesar das evidentes vantagens da sedoanalgesia, com o uso contínuo destes medicamentos, existe o outro lado da moeda: o seu potencial mórbido, pois o uso prolongado e excessivo pode desencadear alterações cardiovasculares (hipotensão e bradicardia), gastrointestinais (íleo), hepáticas, neurológicas e renais. Jacobi (2002) cita também como malefícios conhecidos da sedação excessiva, a redução de mobilidade no leito, aumento de fenômenos tromboembólicos, fraqueza muscular e lesões cutâneas. Paralelamente, alguns estudos demonstraram que o uso de sedativos em infusão contínua aumenta o tempo de ventilação artificial, o tempo de internação em UTI, e prolonga a internação hospitalar em adultos, quando comparados com pacientes não sedados, ou com os que os receberam sob a forma de bolus (SFOGGIA, 2003). Além disso, Rodrigues (2002) relata em seu estudo que mesmo com a utilização crescente de sedativos, muitas vezes as drogas sedativas são prescritas com maior freqüência para compensar inquietações da equipe médica ou prover condições convenientes para a procedimentos da equipe da UTI, ao invés de serem administradas em acordo com as necessidades dos pacientes (RODRIGUES, 2002). Laurinavicius (2012) diz que é “Hora de acordar nossos pacientes na UTI...”. Ou seja, atualmente, o fato de sedar profundamente e continuamente todos os pacientes em VM ainda ser um paradigma leva a questionar os motivos contrários a este tipo de sedação. Citamse, então, vários motivos. Em primeiro lugar, ao sedar o paciente perde-se a possibilidade de monitorar seu nível de consciência; em segundo lugar, a sedação tira a possibilidade de valorizar e avaliar o desconforto do paciente como um sinal de alerta para algum problema subjacente que precisa ser resolvido (por exemplo, hipóxia, hipercapnia, retenção urinária, delirium, dor); em terceiro lugar, têm-se sólidas evidências que quanto maior o nível de sedação maior o tempo de VM e de internação na UTI; em quarto lugar, o paciente sedado é menos mobilizado, tendo maior predisposição a miopatia, tromboembolismo venoso e lesões de decúbito; e, por fim, a sedação parece não reduzir o estresse pós-traumático dos pacientes uma vez recebida a alta hospitalar. Está suficientemente demonstrado que, além dessas consequências, o uso contínuo e prolongado de analgésicos e sedativos pode induzir à tolerância, dependência e abstinência. Tolerância refere-se à necessidade de aumentar a dose do medicamento para obter o mesmo efeito clínico (perda da sensibilidade ou esgotamento dos receptores, indução de aumento do metabolismo e depuração dos fármacos). Da mesma forma, pacientes expostos a terapias sedativas, opióides ou não, podem desenvolver neuroadaptação ou dependência fisiológica. Já a abstinência refere-se a um conjunto de manifestações comportamentais, autonômicas e motoras (choro constante, sudorese, tremores, alucinações, irritabilidade, lacrimejamento, salivação, movimentos mastigatórios, taquicardia, vômitos, diarreia, febre, agitação psicomotora e ansiedade, entre outros) em resposta à suspensão rápida ou diminuição da infusão. A abstinência tem uma relação direta com a dose cumulativa total recebida e, por outro lado, na maioria das vezes, necessita de intervenção terapêutica para antagonizar essas manifestações (SFOGGIA et al, 2003). As tentativas de bloquear a percepção nociceptiva dos pacientes da UTIP levam a falhas que podem ter efeitos desastrosos, pois dores não tratadas induzem ao catabolismo persistente, ativam o sistema nervoso simpático, alteram a demanda cardiovascular, podendo, ainda, desencadear intensa ansiedade e delírio (SFOGGIA et al, 2003). As necessidades sedativas de cada paciente mudam constantemente, dependendo da natureza e do curso da doença, assim como da interação com outras terapias. A maioria dos agentes sedativos tem ação ansiolítica, hipnótica e amnéstica variável, e com pobre atividade analgésica. Dessa forma, deve-se tentar individualizar ao máximo a sedação, titulando-a em cada paciente de acordo com suas peculiaridades, como presença de disfunções renal e/ou hepática, idade e nível prévio de consciência (GUPTA et al, 2011 ; SFOGGIA et al, 2003). É importante estabelecer claramente os objetivos da sedação, tentando individualizar ao máximo as doses utilizadas, de forma a manter os pacientes num grau de sedação mínimo que permita tranquilidade e acoplamento à VM (GUPTA et al, 2011). Ressalta-se que, atualmente, apesar da falta de evidências cada unidade de terapia intensiva deve considerar um protocolo bem estabelecido de sedação, com titulação ou interrupção diária da mesma. MONITORIZAÇÃO DA SEDAÇÃO A monitorização do grau de sedação é fundamental para evitar a subsedação, que produz sofrimento ao paciente, e a supersedação, que retarda a extubação (BARTOLOME, 2007). A instituição de protocolos não seria viável sem a adoção de uma escala de avaliação do grau de sedação. Já foi demonstrado que a monitorização por meio da utilização de uma escala contribui para a evolução favorável dos pacientes. Essa monitorização deve fazer parte dos controles de toda a equipe da UTI, de forma a permitir os ajustes necessários (GUPTA et al, 2011). As escalas clínicas são os instrumentos mais utilizados para a monitorização do grau de sedação. Contudo, apresentam suas limitações, já que são subjetivas, sua avaliação é intermitente, podem interromper o descanso do paciente e, em certas ocasiões, valorizam a resposta à dor mais que ao grau de sedação. Além disso, não há validação das escalas em graus profundos de sedação e em pacientes com relaxamento muscular (GUPTA et al, 2011). Existe uma série de fatores na relação do paciente pediátrico com a equipe médica que fazem com que a sensação dolorosa tenha diferentes conotações. Em primeiro lugar, não se pode eliminar a ansiedade, o medo e a sensação de separação do verdadeiro sentimento causado pelos procedimentos que produzem ou refletem sensação dolorosa na criança (MARTINBIACHO, 2008). A dificuldade para quantificar a intensidade da dor em pacientes pediátricos e a variabilidade individual de sedação e analgesia diante dos estímulos extremos torna seu manejo desafiador. Havia o conceito de que o recém-nascido (RN) e lactentes jovens não teriam maturidade neurológica para conduzir de forma adequada os estímulos dolorosos devido à mielinização incompleta do sistema nervoso, além disso, acreditava-se que esses pacientes não eram capazes de armazenar em suas memórias estas experiências dolorosas (MARTINBIACHO, 2008). Atualmente, sabe-se que alguns conceitos são equivocados e que as vias neurológicas necessárias para percepção da dor estão bem desenvolvidas no final da gestação. A densidade de nocireceptores na pele do RN é igual ou maior que em adultos. A ausência de mielinização também não seria justificativa para subtratamento, uma vez que, esta pode ser encontrada igualmente em adultos. Não existe um padrão ouro de avaliação da sedação na UTIPs como há nas unidades de adulto, onde as escalas baseiam-se no julgamento do nível de consciência. Além disso, a sedação pediátrica torna-se difícil, pois, em muitas ocasiões não é possível distinguir a dor e a ansiedade, tratando-se ambas simultaneamente (MARTINBIACHO, 2008). As duas escalas mais utilizadas em pediatria são as de Ramsay modificada e a de Comfort. A escala de Ramsay (Quadro 1) é simples e rápida de aplicar, compreendendo seis pontos de avaliação, mas não é útil em pacientes relaxados, já que sua subjetividade aumenta pela utilização de estímulos auditivos e dolorosos para avaliar a resposta (GUPTA et al, 2011; MARTINBIACHO, 2008). Quadro 1: Escala de Ramsay Há sistemas direcionados somente para população pediátrica. Dentre elas, Hartwig, Escala de Michigan, Comfort e uma para neonatos, a Escala de Dor, Agitação e Sedação Neonatal. A escala de Comfort (Quadro 2), em 1992, foi apresentada para crianças em ventilação pulmonar mecânica e não requer aplicação de nenhum estímulo para realizar a avaliação. Porém, é mais demorada e complicada para aplicar, analisa parâmetros subjetivos e objetivos, inclui variáveis que se alteram nos pacientes instáveis, como a freqüência cardíaca e a tensão arterial, além de não ter sido validada em crianças com bloqueadores. Amoretti et al (2008), em recente trabalho validou para língua portuguesa uma escala de Comfort simplificada de igual validade que a escala original, na qual foram eliminadas as variáveis fisiológicas, sugerindo a aplicação da escala com apenas os seis itens comportamentais e a nomeando escala de “Comfort Behavior”, hoje conhecida como Comfort-B. (GUPTA et al, 2011; LAURINAVICIUS, 2012; SILVA, 2011) Quadro 2: Escala de COMFORT Nos últimos anos, tem-se desenvolvido vários métodos que permitem valorizar de forma objetiva o nível de consciência mediante a análise das características do eletroencefalograma, como o índice bioespectral (BIS), os potenciais audioevocados de latência media e a análise do espectro do eletroencefalograma (EEG). Esses instrumentos têm sido desenvolvidos e validados para valorizar a profundidade da anestesia em pacientes submetidos a intervenções cirúrgicas; entretanto, existem poucos estudos analisando sua utilidade no paciente grave (SILVA, 2011). INTERRUPÇÃO DIÁRIA DA SEDAÇÃO CONTÍNUA Atualmente, discute-se que pacientes com sedação contínua deveriam ser submetidos à interrupção diária dessa sedação. A interrupção diária da sedação para pacientes em ventilação mecânica invasiva é recomendada pelo III Consenso de Ventilação Mecânica (2007), com grau de evidência “A”. O despertar diário permite a avaliação contínua das condições do paciente ser retirado da VM, além de permitir uma participação integral do paciente num programa de fisioterapia intensiva. O estudo clássico que representa um marco no assunto é o publicado no New England Journal of Medicine por Kress e colaboradores em 2000. Nesse estudo demonstrou‐se que a rotina de interrupção diária da sedação até a superficialização da consciência e/ou o desconforto do paciente levou a redução do tempo de VM, consequentemente, ocorre menor risco de desenvolvimento da pneumonia associada à ventilação (PAV), complicação temida pela alta mortalidade. Por este motivo a rotina proposta por estes estudiosos passou a integrar o bundle da prevenção da PAV proposto pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI) (LAURINAVICIUS, 2012). Em estudo recente, pacientes foram aleatorizados para um grupo controle que seguia o protocolo usual da unidade e um grupo intervenção, em que a sedação era interrompida diariamente, a despeito dos pacientes já se encontrarem por vezes superficialmente sedados. Todos os pacientes seguiam o mesmo protocolo de sedação, cujo objetivo era manter a graduação na escala de Ramsay entre 3 e 4. A sedação era interrompida diariamente e só era reiniciada quando o paciente fosse considerado acordado ou houvesse assincronia com o ventilador (GUPTA et al, 2011). O grupo da intervenção teve redução significativa do tempo de VM e da duração de internação na UTI. Embora no grupo que utilizou propofol como hipnótico o tempo médio diário sem infusão de medicação tenha sido de apenas 1,2 horas, no grupo sedado com midazolan, o tempo médio sem droga foi de 5,3 horas diárias, demonstrando que teria sido desnecessária a infusão durante esse período, assim, o custo médio da terapia foi significativamente reduzido (GUPTA et al, 2011). Embora que a análise detalhada dos possíveis efeitos colaterais dessa interrupção, em termos de distúrbios autonômicos e impacto psicológico, não tenha sido feita, o mesmo grupo relatou posteriormente que não houve aumento de complicações clínicas no grupo submetido à interrupção, nem aumento da incidência de estresse pós-traumático, pelo menos numa pequena parcela da população do estudo original. (GUPTA et al, 2011; HOPKINS, 2007). Estudo mais recente demonstrou que o acoplamento entre interrupção diária da sedação e tentativas de ventilação espontânea foi capaz de reduzir não apenas o tempo de VM, internação na UTI e no hospital, mas também a mortalidade. Houve também aumento do número de desintubações acidentais, sem aumento da necessidade de reintubações (KRESS et al, 2000) Kress et al (2000) recomenda a interrupção diária da sedação em unidades de terapia intensiva com adequado número de profissionais treinados na detecção precoce da necessidade de retorno à sedação. Nos locais onde a interrupção não for possível, é válida a titulação diária da sedação com contínuas tentativas de redução das doses administradas, ainda que o paciente esteja num nível de sedação adequado. Fonseca et al (2011) cita um recente estudo clínico randomizado controlado no qual crianças em VM por mais de 48 horas que são despertadas uma vez ao dia, por meio da interrupção da infusão da sedação, obtiveram redução do tempo de internação na UTI, da dose total da medicação sedativa e do custo médio calculado, quando comparadas com os pacientes que permaneceram com sedação contínua. Entretanto, a dificuldade em se implantar e efetivamente seguir diretrizes estabelecidas, traduzindo em ação à beira leito a evidência da literatura, é conhecida e a sedação e analgesia não fogem desse cenário. Recentemente, um estudo caso-controle demonstrou que essa vigilância pode reduzir o tempo de internação na UTI e no hospital, bem como a incidência de PAV (GUPTA et al, 2011). A interrupção diária na infusão de drogas sedativas em pacientes sob VM é segura e prática, contribuindo para reduzir o tempo de duração da ventilação pulmonar mecânica, internação na UTI, e dose utilizada de sedativo. Basicamente, tendo como bases Rezende (2004) e a publicação em Intensimed de 2010, recomenda-se que a interrupção da sedação contínua em pediatria siga o seguinte protocolo: (Anexo 1) 1. Inicialmente, a avaliação diária da possibilidade de interrupção da sedação contínua deve ser aplicada em pacientes que estão por mais de 48 horas em VM, exceto se o uso de sedativos for por crises convulsivas, ou agitação grave, se o paciente estiver em uso de BNM, em caso de necessidade da posição prona como estratégia ventilatória, houver evidências de realização de procedimento cirúrgico iminente, crianças com cardiopatias graves descompensadas ou de hipertensão intracraniana (HIC); 2. Caso o paciente possa ter a infusão de sedativos desligada, espera-se até que o paciente possa obedecer a comandos e não apresente agitação ou sinais de desconforto por 4 horas; 3. Se o paciente ficar agitado ou desconfortável, com dificuldade de manter uma VM adequada, os sedativos serão religados em metade da dose prévia, inicialmente, e serão ajustados para manter o paciente confortável, de acordo com a escala de COMFORT, nos níveis de 17 a 26. Se necessário, realizar bolus. No dia seguinte, procede-se a nova avaliação quanto à suspensão dos sedativos; 4. Cada dia, avalia-se o nível de consciência do paciente em relação à vigília. A criança é considerada “acordada” se ela é capaz de realizar pelo menos pelo menos três das seguintes quatro ações, que podem ser avaliadas objetivamente: abertura ocular ao comando verbal, acompanhar o examinador com o olhar (se necessário ao estímulo), apertar mão ao comando, e esticar a língua para fora da boca a pedido. 5. Neste momento, surge a necessidade e importância da fisioterapia intensiva afim de que possa ser realizada uma avaliação cinesiofuncional objetiva do sistema respiratório e motor do paciente, para poder acompanhar a reversão do quadro que causou o motivo da VM, evitar o imobilismo no leito e realizar testes funcionais. 6. Caso o paciente seja considerado “acordado” e permaneça desperto e confortável no período determinado, retoma-se a infusão contínua de sedativos com metade da dose administrada antes da interrupção, ajustando-a aos níveis de 17 a 26 na escala de COMFORT. Neste grupo, pode-se avaliar diariamente a possibilidade da realização de um teste de respiração espontânea (TRE), mantendo-se a oximetria de pulso em torno de 88-93%, com fração inspirada de oxigênio abaixo de 50% e pressão expiratória positiva final (PEEP) menor que 7 cmH2O; A partir daí, a conduta seria igual quanto a sedação contínua, sugerindose a otimização do parâmetros da VM para o desmame da mesma. Ressalta-se sempre que além da interrupção diária, a retomada de drogas, sedativos ou não, e todas as outras decisões relativas à assistência ao paciente devem ser feitas por toda a equipe multiprofissional da unidade de terapia intensiva. Avançando ainda mais, o grupo de Strom publicou no Lancet, em 2010, um estudo comparando a rotina de Kress com a ausência completa de sedação e registrando uma redução ainda maior no tempo de VM com esta última estratégia. Um detalhe muito importante é que a estratégia da “não sedação” é uma estratégia inicialmente cara, pois é fato que o paciente acordado dá “mais trabalho” e requer maior assistência: no estudo de Strom a relação enfermeiro/paciente era de 1:1. É claro que a mensagem final não é deixar sem sedação quem precisa dela. A mensagem, nas palavras do próprio Strom, é “ajustar a sedação as necessidades do paciente em vez de ajustar o tratamento do paciente às necessidades da UTI” (LAURINAVICIUS, 2012). CONSIDERAÇÕES FINAIS Protocolos ainda são pouco utilizados em UTI pediátrica, havendo poucas pesquisas sobre o assunto desmame de VM e sedoanalgesia. Essa revisão mostra os benefícios da utilização de um protocolo de interrupção da infusão contínua de sedativos em pediatria, que pode contribuir para reduzir o tempo de VM, diminuir complicações associadas, reduzir os índices de tolerância, dependência e abstinência, permitir uma avaliação neurológica e motora diária da criança, além de reduzir o tempo de internação hospitalar e, consequentemente, os custos. Embora haja avanços nesse novo modelo de sedoanalgesia e na VM de pacientes pediátricos, existe ainda um longo e difícil caminho para percorrer, uma vez que, tal procedimento deve envolver toda a equipe, havendo a necessidade de se realizar mais estudos para comprovar a eficácia de se padronizar protocolos de interrupção da infusão de sedativos em UTI pediátrica. REFERÊNCIAS AMORETTI, C. F; RODRIGUES, G. O; CARVALHO, P. R. 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ANEXOS: 1 – Algoritmo adaptado de Kress JP, et al (2000), segundo Rezende (2004): 2 – Descrição das categorias das Referências utilizadas: Título do trabalho Ano Base de dados Metodologia Validação de escalas de sedação em crianças submetidas à ventilação mecânica internadas em uma unidade de terapia intensiva pediátrica terciária 2008 Scielo Estudo transversal e observacional Sedação e analgesia em crianças: uma abordagem prática para as situações mais freqüentes 2007 Scielo Levantamento bibliográfico e revisão da experiência local Sedação, Analgesia e Bloqueio Neuromuscular 2002 Outros Levantamento bibliográfico 2011 Revista Intensiva Estudo retrospectivo por revisão de prontuários 2011 Revista Brasileira Terapia Intensiva Estudo descritivo Avaliação do impacto da implementação das medidas preventivas do bundle de ventilação mecânica Sedação da criança submetida à ventilação pulmonar mecânica: estamos avançando Randomized controlled trial of interrupted versus continuous sedative infusions in ventilated children 2012 PubMed Estudo randomizado prospectivo controlado A doença aguda e o tratamento em unidade de terapia intensiva contribuem para a morbidade cognitiva e funcional em pacientes pediátricos? 2007 Lilacs Estudo descritivo III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica 2007 Jornal Brasileiro Pneumologia Método participativo e inclusivo Interrupção diária da infusão contínua de sedativos ('Despertar Diário') 2010 Outros Estudo descritivo Clinical practice guidelines for the sustained use of sedatives and analgesics in the critically ill adult 2002 PubMed Estudo descritivo Estudo randomizado controlado Daily interruption of sedative infusions in critically ill patients undergoing mechanical ventilation 2000 Lilacs Hora de acordar nossos pacientes na UTI 2012 Outros Estudo descritivo Uso de hidrato de cloral para sedação em unidade de terapia intensiva pediátrica: indicações, efeitos adversos e fatores de riscos associados 2008 Outros Levantamento bibliográfico Interrupção diária de sedação 2004 Outros Método dedutivo Experiência clínica com o uso de sedativos em terapia intensiva: estudo retrospectivo 2002 Scielo Estudo retrospectivo A sedação e analgesia de crianças submetidas à ventilação mecânica estariam sendo superestimadas? Comparação dos níveis de sedação graduados pela escala de COMFORT-B e o Índice Biespectral de crianças em ventilação mecânica na UTI pediátrica Repercussão da substituição da infusão venosa de fentanil por metadona enteral sobre o tempo de desmame da ventilação mecânica em pacientes graves internados em unidades de terapia intensiva de adultos 2003 Scielo Estudo de coorte prospectivo 2011 Outros Estudo comparativo Outros Estudo prospectivo, controlado, randomizado e duplo-cego 2011