CEFALÉIAS PRIMÁRIAS Ambulatório de Neurologia Prof. Dr. Milton Marchioli Acadêmica Natália H. Papa 4º Ano de Medicina 2011 – FAMEMA INTRODUÇÃO Dor de cabeça: queixa frequente da prática médica. Mais de 90% da população apresentou ou apresenta modalidades da cefaléia. Comprometimento do desempenho, prejuízos pessoais e profissionais, comprometimento psicológico e custos econômicos. Etiologia: patologias estruturais nervosas e extra-nervosas (processos expansivos intracranianos, meningoencefalites, sinusopatias), sistêmicas (estados infecciosos, LES) ou quadros disfuncionais (enxaquecas, cefaléia tipo tensional, cefaléia em salvas). CONCEITO “Trata-se de cefaléia crônica,de apresentação episódica ou contínua e de natureza disfuncional, o que significa a não participação de processos estruturais na etiologia da dor” Exame físico e neuroimagem normais. Principais: Enxaqueca, Cefaléia em Salvas, Cefaléia Tipo Tensional e Cefaléia Crônica diária. FISIOPATOLOGIA ATIVAÇÃO TRIGEMINAL A maior parte das fibras aferentes primárias que inervam os vasos sanguíneos cefálicos (vasos meníngeos ou cerebrais) se origina de neurônios pseudo-unipolares localizados no gânglio trigeminal. A cefaléia ocorre por ativação dessas fibras por algum estímulo (por ex: tração mecânica direta por tumor, irritação química causada por infecção). Cefaléia Primária: acredita-se que a diminuição de serotonina no gânglio trigeminal leve à essa ativação. FISIOPATOLOGIA TEORIA VASOGÊNICA A vasoconstrição intracraniana gera os sintomas da aura da enxaqueca; A cefaléia resulta da dilatação por efeito rebote e distensão dos vasos cranianos e da ativação de axônios nociceptivos perivasculares. FISIOPATOLOGIA Evidências: 1) os vasos extracranianos se distendem e pulsam na enxaqueca; 2) a estimulação dos vasos intracranianos dos pacientes despertos resulta em cefaléia ipsolateral; 3) substâncias vasoconstritoras (alcalóides de ergot) abortam a cefaléia e vasodilatadoras (nitratos) podem gerar um ataque. FISIOPATOLOGIA TEORIA NEUROGÊNICA Cérebro como gerador da enxaqueca Suscetibilidade é dependente de limiares intrínsecos ao cérebro As alterações vasculares durante a crise seriam o resultado e não a causa do ataque. FISIOPATOLOGIA Evidências: os ataques de enxaqueca podem ser acompanhados de sintomas neurológicos focais (aura) e vegetativos (pródromos) que não podem ser explicados pela vasoconstrição em uma única distribuição neurovascular. ASPECTOS DE AMBAS AS TEORIAS EXPLICARIAM A FISIOPATOLOGIA. ENXAQUECA 2º distúrbio cefálgico primário mais comum. Prevalência de 12%. Acomente 3x mais mulheres. Atinge a população durante os anos mais produtivos da vida (25-45 anos). Evidências genéticas. ENXAQUECA MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO Enxaqueca sem aura (comum): 85% Enxaqueca com aura (clássica): 15-20% Pródromos: presente em ambos os tipos, início 24-48h antes do ataque e incluem: hiperatividade, leve euforia, letargia, depressão, desejo por certo alimentos, retenção de líquidos e bocejos frequentes. ENXAQUECA Aura: episódios transitórios de disfunção neurológica focal, 1h antes do início do ataque. Sintomas típicos: distúrbio visual homônimo (raramente monocular) com escotoma expansivo com margem cintilante; parestesias e/ou dormências unilaterais (extremidades ou região perioral); fraqueza unilateral; disfasia e outros distúrbios da linguagem. Sintomas no tronco cerebral: vertigem, disartria, zumbido, diplopia, fraqueza bilateral, parestesias bilaterais (enxaqueca basilar). ENXAQUECA Tontura é frequentemente relatada como uma característica de um ataque de enxaqueca típica em outros aspectos, sem aura. As parestesias bilaterais podem ocorrer com a ansiedade e hiperventilação. As mulheres podem apresentar maior sensibilidade às crises durante o ciclo menstrual. Fatores desencadeantes: vinho, chocolate, contraceptivos, exercícios, estresse ou viagens. ENXAQUECA Critérios: Crises repetidas* de cefaléia que duram de 4-72h em pacientes com exame físico normal. Pelo menos duas das seguintes manifestações: dor unilateral, dor latejante, agravamento por movimento, intensidade moderada ou grave. Além de pelo menos duas das seguintes: náuseas/vômitos, fotofobia e fonofobia. *Sem aura: pelo menos 5 episódios no mês; Com aura: pelo menos 2 episódios no mês ENXAQUECA Enxaqueca complicada ou com aura prolongada: sintomas de aura por mais de 1h, porém menos de 1 semana, com neuroimagem normal. Se persistirem por mais de 1 semana ou com anormalidades de neuroimagem, é provável que tenha ocorrido um infarto na crise de enxaqueca. ENXAQUECA Estado Enxaquecoso: ataques que persistem por mais de 72 horas. Pode ocorrer períodos livres de cefaléia de menos de 4 horas. Está usualmente associado com o uso prolongado de analgésicos. ENXAQUECA TRATAMENTO Não farmacológico: modificação do comportamento (evitar fatores desencadeantes), estabelecimento de padrões regulares de alimentação e sono e terapias de minimização de estresse ENXAQUECA Terapia abortiva (encurtar o ataque e diminuir a gravidade da cefaléia). Analgésicos simples como paracetamol (650-1000mg) e AINE (ibuprofeno 10001200mg) ou agonistas do receptor 5HT (sumatriptano 25 ou 100mg VO) Terapia profilática: se as cefaléias limitarem o trabalho ou atividades por 3 ou mais dias por mês, se os sintomas que acompanham a cefaléia são graves ou prolongados e se estiver associada com uma complicação (ex: infarto cerebral). Usados para diminuir a frequência. ENXAQUECA Aumento do apetite e ganho ponderal são efeitos colaterais. Deve-se iniciar com doses baixas, com aumentos graduais até a melhora do quadro ou aparecimento dos efeitos colaterais. A decisão de usar um ou outro se baseia atualmente muito mais na experiência do médico ou na presença de comorbidades. ENXAQUECA 1) 2) Bloqueadores β-adrenérgicos: Propranolol (40-240mg), atenolol (50150mg) Antidepressivos tricíclicos: amitriptilina (10-150mg), nortriptilina (10-100mg) ou Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (Fluoxetina 10 a 60 mg) ENXAQUECA 4) Antagonistas canal de cálcio: verapamil (120-480mg), flunarizina (5-10mg) 5) Anticonvulsivantes: dilvaproato de sódio (250-1000mg), gabapentina (9001800mg), topiramato (100-400mg), lamotrigina (50-300mg) ENXAQUECA Se tomados durante o ataque são usualmente ineficazes e os agentes usados para tratamento da crise oferecem pouca proteção contra ataques subsequentes. CEFALÉIA EM SALVAS Prevalência: 0,4-2,4 pessoas a cada 1000. Queixa: dor intensa durante os ataques. Mais comum em homens (6:1) Início da terceira à sexta décadas de vida. Ataques raramente se relacionam com a menstruação. Possível causa genética. CEFALÉIA EM SALVAS FISIOPATOLOGIA Não está bem definida. Presume-se que há eventos que ativam o sistema trigeminovascular. Os pacientes manifestam dor referida na primeira e na segunda divisões trigeminais, disfunção simpática (Sd de Horner), ativação simpática (sudorese da fronte e da face) e ativação parassimpática (lacrimejamento e congestão nasal). Esse sintomas se explicariam pela presença de lesão única no local onde as fibras das divisões trigeminais oftálmica e maxilar convergem com projeções dos gânglios cervical superior e esfenopalatino. CEFALÉIA EM SALVAS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Episódios recorrentes de dor de cabeça unilateral, orbitária, supraorbitária ou temporal, acompanhada de sinais autonômicos ipsolaterais (hiperemia conjuntival, lacrimejamento, rinorréia, congestão nasal, ptose, miose, edema palpebral e sudorese facial). Crises são frequentes à noite. Queixas visuais, náuseas ou vômitos são raros. Os ataques duram 15min-3h e são infrequentes quanto dia sim dia não como até 8 vezes por dia. CEFALÉIA EM SALVAS Crises frequentes que duram semanas ou meses e são separadas por meses ou anos de remissão. Durante um período de salvas: ciclicidade temporal (ataques ocorrem quase na mesma hora todos os dias). Em 70% casos desencadeadas por bebidas alcoólicas. CEFALÉIA EM SALVAS TRATAMENTO Durante crise: inalação Oxigênio (100%) numa taxa de 8L/min por 15 minutos. Tartarato de ergotamina 1mg sublingual; diidroergotamina 1mg intranasal; sumatriptano 6mg subcutâneo. Devem ser utilizadas com cuidado em pacientes com risco aumentado de doença arterial coronariana (vasoconstrição). CEFALÉIA EM SALVAS Profilático: tartarato de ergotamina VO (2-4mg/dia), carbonato de lítio (600-900mg/dia), verapamil (180-240mg/dia). As doses são reduzidas gradualmente e descontinuadas em 3-6 semanas após cessarem as cefaléias em salvas recorrentes. CEFALÉIA TENSIONAL Distúrbio primário mais comum. Mais comum em mulheres. Início na 2ª década de vida. A prevalência diminui com o aumento da idade Fatores genéticos não são tão proeminentes. CEFALÉIA TENSIONAL FISIOPATOLOGIA Não é bem compreendida. Acredita-se que há uma diminuição de neurotransmissores, uma vez que os antidepressivos tricíclicos respondem ao tratamento. CEFALÉIA TENSIONAL MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Ocorre nas formas episódica e crônica. Espasmos musculares ou dolorimento muscular pericraniano podem ou não estar presentes em ambas as formas. Episódica: ataques recorrentes de cefaléia constritiva, em aperto, bilaterais, de leves a moderadas e que duram minutos a dias. Crônica: pelo menos 15 dias por mês. CEFALÉIA TENSIONAL As cefaléias tensionais não pioram com o esforço rotineiro e nem estão associadas com náusea, embora fotofobia e fonofobia possam estar presentes. CEFALÉIA TENSIONAL TRATAMENTO Episódicas: analgésicos simples e AINE (AAS 900-1000mg, Ibuprofeno 200800mg). Cuidado com o uso abusivo de analgésicos (>3 dias por semana). CEFALÉIA TENSIONAL Crônicas: tratamento profilático com antidepressivos tricíclicos (amitriptilina 25-150mg é a droga de escolha). Nortriptilina (25-100mg a cada noite) e fluoxetina (10-60mg/dia) são às vezes efetivos. CEFALÉIA CRÔNICA DIÁRIA Cefaléia que ocorre mais de 15 dias por mês por pelo menos 1 mês. O termo inclui várias síndromes, como cefaléia em salvas, hemicrania contínua, hemicrania paroxística crônica e cefaléia do tipo tensional crônica. CEFALÉIA CRÔNICA DIÁRIA O paciente típico é uma mulher com 30-40 anos com história de enxaqueca episódica ou cefaléia do tipo tensional começando na adolescência ou adulto jovem. Por um período de meses ou anos, as dores de cabeça do paciente aumentam gradualmente de gravidade e frequência a ponto de serem raros os dias consecutivos livres de cefaléia. CEFALÉIA CRÔNICA DIÁRIA MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Ocorrem com base diária ou quase diária, com características de enxaqueca e de cefaléia do tipo tensional e estão frequentemente associadas com uso excessivo de medicações analgésicas. CEFALÉIA CRÔNICA DIÁRIA DIAGNÓSTICO: intensidade leve a moderada, tipo compressiva ou levemente latejante e associadas com com fotofobia e fonofobia leves, sem náuseas ou vômitos. Duração varias de horas até constante. Frequência de 3x na semana até 1-2x no mês. Os ataques graves podem ser precedidos por aura enxaquecosa. O paciente apresenta com frequência características de depressão ou ansiedade. CEFALÉIA CRÔNICA DIÁRIA Enxaquecas transformadas: quando o componente enxaquecoso é proeminente. Pode estar acompanha de sintomas como tonturas, zumbido, fonofobia extrema, fadiga flutuante ou alterações do humor. CEFALÉIA CRÔNICA DIÁRIA TRATAMENTO Retirada da medicação de uso excessivo usualmente melhora a situação. As medicações mais frequentes usadas em excesso são combinações de butalbital, ergotamínicos, analgésicos orais contendo cafeína em combinação com acetaminofeno ou AINE e combinações com opiáceos. REFERÊNCIAS Fauci, A.S. Harrison Manual de Medicina. 17ª Ed. AMGH, 2009. Goldman, Lee. Cecil Tratado de Medicina Interna. 23ª Ed. Elsevier, 2009.