UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS PROGRAMA DE LÍNGUA E LITERATURA ALEMÃ AS GRAMÁTICAS DOS IMIGRANTES ALEMÃES PARA APRENDER PORTUGUÊS: ÍNDICES DE BRASILIDADE LINGÜÍSTICA José Luís Félix Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Letras. ORIENTADORA: DRA. MASA NOMURA (2 volumes = 664 p.) SÃO PAULO 2004 Imigração alemã A imigração alemã para o Brasil começa oficialmente em 1824. Embora não haja consenso entre os estudiosos do tema, pois antes disso houve projetos de colonização alemã, 24 de julho de 1824 é a data da chegada dos primeiros alemães à Feitoria do Linho-Cânhamo, hoje cidade de São Leopoldo/RS. Contribuição dos imigrantes alemães Do conjunto de contribuições dos imigrantes alemães para o desenvolvimento do Brasil - na agricultura, na indústria, na arquitetura, na cultura em geral - destacamos a produção de Gramáticas da Língua Portuguesa. Alguns imigrantes alemães, por sua formação intelectual, escreveram gramáticas, em alemão, para facilitar o aprendizado da língua portuguesa. Estas primeiras gramáticas da Língua Portuguesa elaboradas por imigrantes alemães surgiram na segunda metade do século XIX, mas é no final deste mesmo século que aparece o maior número delas. Descrição do problema O problema nesta pesquisa reside em saber qual variedade de português estes imigrantes utilizaram. Se a de Portugal ou a do Brasil. A tradição gramatical brasileira daquela época baseava-se nos textos clássicos, geralmente de autores portugueses e limitava a apontar as variações dialetais da língua portuguesa no Brasil como "brasileirismos", "idiotismos", "plebeismos" ou ainda "erros". Nossa tese é a de que os gramáticos imigrantes descreveram o português do Brasil e, por isso mesmo, apontamos os "índices de brasilidade lingüística". Objetivos 1º - apresentar à comunidade acadêmica e aos estudiosos da língua portuguesa a existência destas gramáticas, elaboradas e publicadas no Brasil, por imigrantes, em alemão e em gótico; 2º - descrever e explicar como este conhecimento lingüístico foi produzido, formulado e divulgado na época; e 3º - apontar os índices de brasilidade lingüística na descrição da língua portuguesa feita pelos imigrantes alemães. Delimitações Nossa pesquisa restringe-se ao período de 1824 a 1937. 1824 porque marca oficialmente o início da imigração alemã para o Brasil. 1937 porque marca o auge do nacionalismo e a instauração do Estado Novo, pondo fim ao projeto de colonização alemã no Brasil. Quanto à delimitação espacial, concentramo-nos nos estados que receberam maior quantidade de imigrantes alemães: RS, SC, PR, SP, RJ e ES. Teoria Para atingir estes objetivos apoiamo-nos nos pressupostos da Historiografia da Lingüística, definida por Altman (2000) como "a disciplina que visa (do ponto de vista extensional) à reconstrução da história, ou de parte da história, da teoria e da prática gramatical e lexicográfica, da política lingüística e das atitudes em relação à língua, da(s) filosofia(s) da linguagem, da lógico-semântica e da linguagem relacionada ao pensamento religioso (Cf. Swiggers 1983, 1990, 1992)" Índice/Estrutura 1. INTRODUÇÃO 2. RETROSPECTIVA HISTÓRICA 2.1. Contexto histórico na Alemanha 2.2. Contexto histórico no Brasil 2.2.1. Imigração e colonização alemã no Brasil 2.2.2. A Escola Alemã no Brasil 3. ABORDAGEM HISTÓRICA DA GRAMÁTICA 3.1. Desenvolvimento histórico 3.2. Tipos de gramática 3.3. Especificidades 3.4. Brasilidade lingüística 4. AS GRAMÁTICAS BRASILEIRAS 4.1. Considerações preliminares 4.2. "Grammatica Portugueza" de Julio Ribeiro 4.2.1. Descrição 4.2.2. Comentários 4.3. "Grammatica Portugueza" de João Ribeiro 4.3.1. Descrição 4.3.2. Comentários 4.4. Comparação das gramáticas brasileiras 4.4.1. Especificidades 4.4.2. Índices de brasilidade lingüística 5. AS GRAMÁTICAS DOS IMIGRANTES 5.1. Considerações preliminares 5.2. "Vollständige Grammatik" de Wilhelm Rotermund 5.2.1. Descrição 5.2.2. Comentários 5.3. "Lehrbuch der Portugiesischen Sprache" de Rudolf Damm 5.3.1. Descrição 5.3.2. Comentários 5.4. Comparação das gramáticas dos imigrantes 5.4.1. Especificidades 5.4.2.Índices de brasilidade lingüística 6. GRAMÁTICAS BRASILEIRAS E GRAMÁTICAS DOS IMIGRANTES 6.1. Comparação das gramáticas 6.1.1. Especificidades 6.1.2. Índices de brasilidade lingüística 7. DISCUSSÃO 8. CONCLUSÃO 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Contexto histórico na Alemanha 1 O século XIX é freqüentemente caracterizado pelos historiadores como o "século das revoluções" (RÉMOND, 1997), devido à política expansionista da Europa e aos conseqüentes choques revolucionários. Inicia-se, em geral, com o fim das guerras napoleônicas na Europa e estende-se até o início da I Guerra Mundial. Assim, é neste século que se acentuam as lutas pela liberdade, pela democracia, pelo socialismo e pelo movimento das nacionalidades. "Este confronto entre as forças de conservação, política, intelectual, social e as forças de contestação fornece a chave da maior parte dos acontecimentos da história, tanto nacional quanto européia que, quase sempre, chegam às vias de fato." (RÉMOND, 1997, p.15) Contexto histórico na Alemanha 2 Na Alemanha, a Prússia destacava-se pela maturidade advinda de sucessos e fracassos. O auge do sistema prussiano acontece durante o governo de Frederico II (1712-1786) e demonstra organização do aparelho militar e burocrático, despertando orgulho por ter um estado alemão. O fracasso coincide com seus sucessores, Frederico Guilherme II (1744-1797) e Frederico Guilherme III (1770-1840). Atinge, entretanto, seu limite de decadência na Paz de Tilsitt (1807) quando perde metade de seus territórios, cedendo espaço para o sucesso de Napoleão (1769-1821). Nesta época, a Alemanha se apresenta em dois núcleos: a Confederação Germânica e a Prússia. A partir de então, a Prússia ressurge da humilhação promovendo reformas econômicas e políticas. Há uma fase de "democratização a partir de cima" (DRIJARD, 1971, p.81) que promove o ressurgimento do exército prussiano, contornando cláusulas do tratado de Tilsitt. Reergue-se por meio de uma estratégia de aproximação entre o governo e o povo. Contexto histórico no Brasil 1 No Brasil, o século XIX caracterizase pelo fim da chamada Era Colonial e pelo inicio do Império. A rigor, em 1808 a corte portuguesa, fugindo dos exércitos de Napoleão, transfere-se para o Brasil, com uma comitiva composta por mais de 10 mil pessoas. Estava inaugurada uma nova era para a colônia. Contexto histórico no Brasil 2 Após a chegada da corte portuguesa no Rio de Janeiro este quadro se altera. Antes mesmo, ainda na Bahia, onde chegara em 24 de janeiro de 1808, D. João VI declara a abertura dos portos e funda a primeira escola médico-cirúrgica. No Rio de Janeiro, libera as indústrias do peso das proibições impostas pelos portugueses. A presença pela primeira vez de um rei e uma corte européia instalada na América fazia do Brasil, em especial do Rio de Janeiro, o centro das atenções americanas. Inaugura-se, assim, o fim da era colonial e a emancipação política do Brasil. Alemães e Brasileiros Sucedem-se fatos importantes: -Fico de D. Pedro I -Casamento com D. Leopoldina -Independência -Corte austríaca -Programa de imigração -Casamento com Amalie von Leuchtenberg -D. Pedro II Imigração alemã -Imigrantes em geral -Imigrantes liberais -Sucesso da colonização Escola Alemã • • • • • • • Escolas rurais Escolas urbanas Ginásios Colégio e formação de professores Associações Materiais importados e nacionais gramáticas AS GRAMÁTICAS BRASILEIRAS: Julio Ribeiro (1845-1890) AS GRAMÁTICAS BRASILEIRAS: João Ribeiro (1860-1934) AS GRAMÁTICAS DOS IMIGRANTES: Rotermund (1843-1925) AS GRAMÁTICAS DOS IMIGRANTES: Damm (1858-1915) Comparação das gramáticas dos brasileiros (x2) • • • • • • • Dados biográficos Dados gerais Dados dos prefácios Estrutura Fonética, morfologia, sintaxe Outros aspectos especificidades Comparação das gramáticas dos imigrantes (x2) • • • • • • • Dados biográficos Dados gerais Dados dos prefácios Estrutura Fonética, morfologia, sintaxe Outros aspectos especificidades Comparação das gramáticas (x4) • • • • • • • Dados biográficos Dados gerais Dados dos prefácios Estrutura Fonética, morfologia, sintaxe Outros aspectos especificidades Por exemplo: os pronomes pessoais Comparação (x4) dos pronomes ... • O pronome "você' constitui parte do sistema pronominal descrito, embora não tenha sido citado diretamente na seção que trata dos pronomes pessoais e, por isso, o colocamos em colchetes. Com exceção de Julio Ribeiro, todos os outros gramáticos registram o uso deste pronome, inclusive alertando para a necessidade de uma concordância na terceira pessoa gramatical. Convém atentar para o fato de as gramáticas dos imigrantes terem sido elaboradas em regiões do Brasil em que o pronome “você” não ocorre com tanta freqüência, predominando o emprego do "tu", especialmente naquela época. No entanto, o fato de João Ribeiro tê-lo descrito, aliado ao fato de ser observado no uso geral da língua portuguesa do Brasil, fez com que os gramáticos imigrantes se vissem motivados a incluí-lo, com explicações detalhadas. Rotermund, por exemplo, distingue o "você" ao lado das formas de tratamento, mas equipara-o ao pronome "du". Distingue mais: o "V. Mcê", indicando o modo de pronúncia "Voss-mecê" para o tratamento de pessoas desconhecidas. Damm ensina que o "Vossa mercê" é uma expressão muito cortês que se utiliza com superiores (Höherstehenden) e que "você" tem quase o valor do "du" e é utilizado com inferiores. Comparação de especificidades: exemplo do infinitivo flexionado • O infinitivo flexionado é uma especificidade da língua portuguesa que é abordada por todos os gramáticos analisados (ocor. 9, 10, 155-160). Na abordagem de Julio Ribeiro e João Ribeiro verificamos semelhança, especialmente quando consideram a exclusividade deste fato gramatical no português e quando se preocupam com seu emprego. Na abordagem de Rotermund e Damm, verificamos a reprodução das explicações dos gramáticos brasileiros: a particularidade da flexão e o emprego correto do infinitivo. Ambos registram a dificuldade no emprego do infinitivo. Rotermund chega a propor seu emprego "onde houve falta de clareza" ou, então, tenta uma analogia com a construção do "accusativus cum Infinitivo". Mas o problema ganha novos contornos quando os gramáticos imigrantes reconhecem a invariabilidade do infinitivo alemão e criam formas para alcançar a correspondência das formas: "sem eu ir = ohne mein Gehen" (Rotermund); "tu teres = haben du" (Damm). Em suma, os gramáticos imigrantes percebem em conjunto com os gramáticos brasileiros a dificuldade desta especificidade no vernáculo e tentam facilitar sua compreensão pelos imigrantes alemães então aprendizes da língua portuguesa. Comparação de brasilidades: exemplo da partícula “se” • A partícula "se" foi tratada anteriormente como especificidade lingüística, mantendo correlação com o "man" e o "es" do alemão. Retomamos esta questão para apontar outro índice de brasilidade lingüística. Julio Ribeiro registra o uso de "homem" e de "gente" como pronome, "sobretudo no dialecto brazileiro" (ocor. 110). João Ribeiro vê nestas construções uma concorrência com a "voz média passiva" formada com "se" (ocor. 111). Juntamos a esta questão o emprego de "elle" e "ella" como pronomes neutros (ocor. 114 Ju.R. e 117 Jo.R.). Os gramáticos imigrantes tratam desta questão, mas, em geral, preocupam-se em traduzir os pronomes "man" e "es" do alemão (ocor. 276 R. e 280-1 D.). No contraste das ocorrências, verifica-se que os quatro gramáticos discutem a questão do emprego de um indefinido na posição de sujeito, sendo que somente Rotermund menciona a polêmica do "se" nesta função. Julio Ribeiro e Rotermund também são explícitos quanto ao emprego do termo "a gente" no lugar do pronome "nós", constituindo (Cf. CASTILHO, 2002, p.246) uma característica gramatical inovadora da língua portuguesa no Brasil. DISCUSSÃO 1 • O contexto histórico, a história da gramática, a definição de especificidades e a reflexão acerca da brasilidade lingüística constituem a base para analisarmos e tentarmos compreender a produção do conhecimento gramatical acerca da língua portuguesa por parte dos imigrantes alemães no Brasil do final do século XIX e início do século XX. • O contraste da fonética, morfologia e sintaxe revela semelhanças e diferenças. Semelhanças em conceitos embora tenham empregado terminologia distinta. Diferenças na percepção do fato lingüístico como, por exemplo, a confusão entre letra e som; diferenças na concepção das classes de palavras e de seus componentes, e diferenças no modo de relacionamento entre as palavras. O contraste entre os quatro gramáticos correlacionado com o percurso das idéias gramaticais em vigência na época pode representar uma contribuição para a Historiografia Lingüística. • As gramáticas dos imigrantes alemães são descrições de intelectuais alemães que imigraram para o Brasil no final do século XIX. A biografia dos gramáticos imigrantes permite entender quem eram estes intelectuais e com que instrumentos trabalharam em suas gramáticas. DISCUSSÃO 2 • • Rotermund era pastor luterano e tinha vindo para São Leopoldo com a missão de resgatar a auto-estima dos imigrantes luteranos abalada pela Guerra dos Mucker. O instrumento de ação deste intelectual foi a organização destas comunidades e a retomada das instituições de ensino. Fundamental e estratégico para este alemão foi a fundação da Editora Rotermund, pois através dela conseguia abastecer a escola e a igreja com materiais produzidos no Brasil. Assim, sua gramática cumpre um papel social: dotar o imigrante alemão com conhecimento da língua portuguesa, retirando-o de sua condição de cidadão de segunda classe, rejeitado muitas vezes pelos próprios conterrâneos. O projeto de Rotermund atingiu seu auge quando publicou sua gramática completa, passando a enfrentar seus opositores no segmento da Igreja Católica ou nas lideranças políticas entre os imigrantes. Com a publicação demonstra uma nova concepção: perpetuar o patrimônio cultural alemão e a religião luterana por meio não exclusivamente do alemão, mas também de bons conhecimentos da língua portuguesa como língua de tradição cultural. Rudolf Damm estudou filologia em Munique, na Alemanha e no Brasil, foi professor em Florianópolis e Joinville. Em Blumenau foi, além de professor, funcionário do Cartório. Esta atuação por si só demonstra um envolvimento do gramático com o português. Foi também escritor e poeta, publicando traduções e poesias. Suas fontes literárias para ilustrar as regras gramaticais, suas traduções e seus poemas atestam conhecimento da literatura brasileira e da língua portuguesa. Sua permanência em Santa Catarina assegurou-lhe um convívio com imigrantes alemães considerados como portadores de uma formação intelectual de melhor qualidade, representando nesta região o auge do sistema educacional alemão. Por estas razões, Damm reunia condições para a elaboração de uma gramática da língua portuguesa, como, de fato, o fez, e no modelo de gramática tradicional. DISCUSSÃO 3 • Assim, as gramáticas dos imigrantes e também as dos brasileiros buscam justificar suas descrições com as observações do cotidiano dos falantes. Julio Ribeiro revela-se atento às realizações dos caipiras de São Paulo. Rotermund mostra-se observador do português coloquial, chegando a descrever formas onomatopaicas de como atiçar um cachorro ("scóscó") ou espantar aves (ruxoxó), ou, ainda, como se referir à esposa de forma muito íntima ("minha velha"). Desta forma, podemos afirmar que as gramáticas dos imigrantes vão além da língua escrita e da norma culta, valorizando aspectos da realidade brasileira, da oralidade e do contato entre brasileiros e alemães. • A mentalidade que orienta a elaboração destas gramáticas está baseada predominantemente na filosofia evolucionista e comparativista. A língua é um organismo social que sofre modificações ao longo do tempo. Para Julio Ribeiro as línguas são "verdadeiros organismos sociológicos" e estão sujeitas à lei da seleção. Este gramático chega a tecer uma comparação do processo de seleção darwinista, colocando lado a lado as línguas e as espécies orgânicas. Predominam ainda nesta época o pensamento positivista em que a cada atividade filosófica e científica corresponde uma análise empírica e o historicismo que tenta explicar a variação lingüística por meio da história. DISCUSSÃO 4 • Portanto, as descrições das gramáticas de Rotermund e de Damm revelam influência e inter-relacionamento com o conhecimento gramatical existente na época, especialmente com os modelos filosófico e greco-latino. Esta época representa o auge da reflexão filosófica acerca da linguagem humana que, a partir da Europa, espalham-se pelo ocidente. Teorias evolucionistas, racionalistas, historicistas, positivistas, naturalistas, monistas e neokantistas predominam nas discussões sobre as línguas e influenciam os intelectuais da época. Tobias Barreto, por exemplo, deixou-se influenciar no início pelo monismo de Haeckel. Este filósofo alemão era amigo de Koseritz, a quem revelou sua admiração por Tobias Barreto. Koseritz era o principal adversário de Rotermund e líder político dos imigrantes alemães. Sílvio Romero era amigo de Tobias Barreto e de Koseritz. Na região de Blumenau, nota-se também um inter-relacionamento entre intelectuais alemães no Brasil, intelectuais brasileiros e europeus. Fritz Müller, por exemplo, era amigo do Dr. Blumenau e de Darwin. Por este entrelaçamento de relações e conhecimento, é possível inferir que as gramáticas de Rotermund e Damm não estavam isoladas nas colônias, mas, ao contrário, estabeleciam um diálogo direta e indiretamente entre intelectuais brasileiros e estrangeiros. DISCUSSÃO 5 • As gramáticas da língua portuguesa elaboradas pelos imigrantes alemães revelam um contraste com a gramática da língua alemã. Suas descrições gramaticais apoiam-se no conhecimento gramatical alemão, cuja tradição passa pela filosofia da linguagem, pela teoria comparativista, pela constante discussão e sistematização até encontrar espaço e emprego no sistema escolar alemão, sobretudo na era prussiana. Desta forma, o gramático imigrante vale-se deste apoio para descrever o português, inventando recursos face às especificidades encontradas ou empregando, por exemplo, a flexão de casos em alemão para facilitar a compreensão da língua portuguesa pelos imigrantes e seus descendentes. Estes procedimentos fazem com que a descrição da língua portuguesa feita por Rotermund contenha regras pouco consistentes, já que o gramático busca uma espécie de "simetria lingüística" com o alemão. Em Damm, encontramos também esta busca pela simetria, especialmente quando o gramático inventa regras para atender especificidades existentes entre as duas línguas em contraste. CONCLUSÃO 1 • O resgate destas gramáticas dos imigrantes representa um passo na preservação da memória cultural dos alemães no Brasil. A descrição da língua portuguesa feita por estes imigrantes pode se configurar como mais uma contribuição para a Historiografia da Lingüística. Ao apresentar as gramáticas dos imigrantes em contraste com as gramáticas dos brasileiros oferecemos um enfoque lingüístico das gramáticas alemãs sobre a língua portuguesa no Brasil. Constituem um estudo gramatical feito em alemão no Brasil em sintonia com a cultura e tradição editorial alemã. Com este estudo, acreditamos ter descrito e explicado como se produziu e como se deu a apropriação do conhecimento gramatical tanto dos imigrantes alemães quanto dos gramáticos brasileiros. • Ao realizar a descrição destas gramáticas encontramos especificidades realçadas pelo contraste do alemão com o português. Encontramos, ainda, índices de brasilidade em diversos níveis gramaticais. Apontamos mais de trezentas ocorrências que comprovam especificidades e índices de brasilidade lingüística nas gramáticas analisadas. CONCLUSÃO 2 • Por fim, concluímos que as gramáticas dos imigrantes alemães descreveram, por motivação prática, o português brasileiro, abordando especificidades da língua portuguesa e fornecendo elementos que podem contribuir para a discussão da questão da brasilidade lingüística. • O levantamento das especificidades e dos índices de brasilidade lingüística nas quatro gramáticas foi suficiente para demonstrar que os gramáticos brasileiros e imigrantes descreveram a língua portuguesa com características gramaticais próprias de seu uso no Brasil do final do século XIX e início do século XX