Parte IV Teoria de Perturbação de Muitos Corpos Joaquim D. Da Motta Neto Departamento de Química, UFPR, P.O. Box 19081, Centro Politécnico, Curitiba, PR 81531-990, Brasil Resumo Teoria de perturbações Correções para a energia Oscilador harmônico perturbado Átomo de hélio Átomo de lítio Técnicas diagramáticas Conclusões XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 2 Motivação: Suponha que se quer estudar um problema físico cuja equação de Schrödinger ~ 0 0 H 0 n E n0 n foi resolvida, ou seja, foi obtido um conjunto completo de autofunções ortonormais tais que n 0 m 0 nm XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 3 Se perturbamos o potencial levemente, provavelmente (aliás, quase certamente) o Hamiltoniano resultante não tem solução exata. Teoria de Perturbações é um procedimento sistemático para obter soluções aproximadas para este novo Hamiltoniano. XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 4 Existem diversas formulações de Teoria de Perturbações. Neste curso é conveniente examinar uma que é particularmente apropriada para nossos objetivos... XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 5 John William Strutt, 3rd Baron of Rayleigh (1842-1919) Em 1865, formou-se em matemática no Trinity College. Em 1894 descobriu o elemento argônio (com Ramsay). Em 1897 sugeriu (com Jeans) a distribuição da energia dos osciladores no problema do corpo negro. Em 1904 ganhou o Prêmio Nobel de Física. XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 6 Erwin Schrödinger (1887-1961) Inventou sua famosa equação no Natal de 1925. Em 1926 publicou a solução da equação para o átomo de hidrogênio. Em 1933 recebeu (com Dirac) o Prêmio Nobel de Física. XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 7 Teoria de Perturbações Se o Hamiltoniano completo pode ser ~ 0 desmembrado em uma parte não-perturbada H ~ 0 e uma perturbação pequena em comparação com H , e se conhecemos a solução exata da parte não-perturbada , então podemos imaginar que a perturbação é aplicada de modo a variar continuamente: ~ ~ 0 ~ H H V onde o parâmetro varia de 0 (perturbação desligada) até 1 (perturbação ligada). XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 8 A função de onda de qualquer nível n pode ser expandida em uma série de Taylor: n n En En 0 0 1 n n 1 2 En En 2 2 2 ... En 3 3 ... Substituindo estas expressões na equação de Schrödinger, vem ~ 0 ~ 0 1 2 3 2 3 H V n n n n ... En0 En1 2 En 2 ... n 0 1 n 2 n XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 2 ... 9 Agrupando os termos de mesma potência de , vem H~ E ... ~ ~ V E H E ... ~ ~ H V V E E E ... 0 0 n 0 1 n 2 0 0 n n 0 n 2 0 n 0 n 1 n 0 n 1 n 0 n 2 n 1 n 1 n 2 n 0 n ... 0 Se esta série for convergente, então os coeficientes de cada potência de devem ser nulos. XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 10 Correções de primeira ordem O coeficiente de nos dá a equação ~ 0 1 1 0 ~ 0 0 1 H n E n n E n n V n Para resolvê-la usamos o teorema da expansão: consideramos que as funções desconhecidas podem ser expandidas em termos das funções do Hamiltoniano de ordem zero, logo n 1 a k k 0 k XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 11 ~ 0 1 ~ 0 0 0 0 H n a k H k a k E k k k k e a equação do coeficiente toma então a forma a E k 0 k 0 En 0 k 1 En ~ 0 V n k XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 12 Multiplicando à esquerda por n 0 e integrando ao longo do espaço de configurações, a expressão à esquerda desaparece pois as autofunções nãoperturbadas são ortonormais. Após alguma álgebra, chegamos à correção de primeira ordem da energia, 1 E n n 0 ~ 0 0 * ~ 0 V n n V n d XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 13 Correção para a função de onda 0 0 am Em En 0 * ~ m V n 0 d , m n Por hipótese, o nível En é não-degenerado, logo am m 0 ~ 0 V n E n0 E m0 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 14 A correção de primeira ordem para a função de onda é n 1 a m m 0 m E a função de onda perturbada é então n n 0 mn m 0 0 ~ 0 V n 0 En Em XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 m 0 15 A correção em segunda ordem O próximo termo da expansão é o de segunda ordem. Do coeficiente de 2 tiramos a correção En 2 k 0 ~ 0 V n 2 E n0 E k0 k n e a energia fica então E n E n0 E n1 E n 2 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 16 Esta formulação deve ser satisfatória se escolhermos uma função de ordem zero apropriada... Se quisermos calcular sistemas de N elétrons, por exemplo moléculas, que tipo de função é esta?... XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 17 Christian Møller (1904-1980) Milton S. Plesset (1908-1991) Escolheram o Hamiltoniano de Hartree & Fock como o Hamiltoniano de ordem zero. XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 18 Existem várias formulações diferentes de Teoria de Perturbação. A que tratamos aqui é a de Rayleigh-Schrödinger. Para que os conceitos fiquem mais claros, é conveniente apresentar neste ponto alguns exemplos de aplicações... XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 19 Oscilador harmônico perturbado Suponha que queremos obter níveis de energia aproximados para um sistema cuja equação é 2 d 2 n 8 2 m kx 3 4 2 E n ax bx n 0 2 2 dx h É fácil reconhecer que, se a e b fossem zero, esta seria a equação do oscilador harmônico, cujas soluções já conhecemos. Se a e b são pequenos, podemos tratar estes termos como perturbações: ~ V ax 3 bx 4 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 20 Precisamos então calcular as integrais Vnn a n 0 * 0 x n dx b 3 n 0 * 0 x n dx 4 A primeira integral é zero. A segunda integral é calculada usando-se como funções de ordem zero as soluções do oscilador harmônico não-perturbado, n x N n e onde 2 / 2 H n x XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 21 Da já conhecida fórmula de recorrência H n 1 2H n 2 nH n 1 0 é fácil reconhecer que 1 H n H n 1 nH n 1 2 A seguir aplica-se esta relação a H n 1 e H n 1 e somam-se os termos semelhantes. O resultado é: XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 22 1 1 H n H n 2 n H n n n 1H n 2 4 2 2 Elevando-se ao quadrado esta expressão, a integral vira uma soma de integrais da forma e 2 se m n 0 H n H m d n 2 n! se m n E após alguma álgebra chegamos a: 2 n2 N 2 1 n 2 2 n2 n 2! n 2 n ! n n 1 2 n 2! I 16 2 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 23 Ou simplificando I 3 4 2 2n 2 2n 1 e portanto a correção é 1 En 3b 2 2 n 2n 1 2 4 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 24 Átomos de dois elétrons O operador Hamiltoniano para este sistema é 2 2 2 e ~ ~ ~ H T V 1 22 2m 4 0 Z Z 1 r r r1 r2 2 1 o qual pode ser reescrito como ~ ~ ~ ~ ~ 0 ~ H H 1 H 2 Vee H V XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 25 Albrecht Otto Unsöld (1905-1995) Estudou Mecânica Quântica com A. Sommerfeld na Universidade de Munich. Em 1927 começou a estudar atmosferas estelares. Em 1932 tornou-se professor de Astrofísica na Universidade de Kiel. Em 1939 analisou o espectro da estrela B0 Tau Scorpii. Em 1956 recebeu a medalha Bruce. XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 26 Aqui a solução de ordem zero (não-perturbada) é apenas a superposição de duas funções de onda hidrogenóides, 8Z 3 Z r1 r2 / a0 0 r1 , r2 100 r1 100 r2 e 3 a0 e a energia não-perturbada é... Z 2 Z 2 4 E 0 4 E H 4 E H 8 E H 108,8 eV A correção de primeira ordem é 5Z e 2 ~ V 8a 0 4 0 5Z Z E H 34 eV 4 2 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 27 e a energia total em primeira ordem é E E 0 E 1 108,8 eV 34 eV 74,8 eV Egil Hylleraas mostrou que é possível obter correções de ordem superior combinando os métodos variacional e perturbativo. Até terceira ordem, E E 0 E 1 E 2 E 3 E 108,8 eV 34 eV 4,3 eV 0,1 eV E 79,0 eV XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 28 Átomos de três elétrons Considere um átomo de lítio, consistindo de três elétrons orbitando um núcleo com três prótons mais alguns nêutrons. O operador Hamiltoniano “completo” para este sistema é 2 2 ~ ~ 0 ~ H H V 1 22 32 ... 2m e 2 Z Z Z 1 1 1 40 r1 r2 r3 r1 r2 r1 r3 r2 r3 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 29 Este Hamiltoniano pode ser reescrito como ~ ~ ~ ~ ~ ~ 0 ~ H H1 H 2 H 3 V H V O Hamiltoniano total é então a soma de dois termos, um Hamiltoniano “de ordem zero” ou “não-perturbado” (os três átomos hidrogenóides “independentes”) mais a perturbação e2 ~ V 4 0 1 1 1 r r r r r r 1 2 1 3 2 3 De novo, este é o termo que torna o problema impossível de resolver analiticamente... XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 30 No estado fundamental (2S1/2) do lítio temos dois elétrons ocupando um orbital 1s, mais um elétron ocupando um orbital 2s. Se a solução fosse apenas a superposição destas três funções de onda hidrogenóides, ou seja o produto de Hartree 9/2 2Z r1 , r2 , r3 a09 / 2 0 Zr3 2 e a0 r Z r1 r2 3 / a0 2 a energia seria dada por Z 3 Z 9 E 2 0 9 9 EH 9 EH EH 4 81 E H 275,5 eV 4 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 31 Usando como função tentativa o determinante de Slater 0 1s 1 1 1s 1 1 2 s 1 1 1 1s 2 2 1s 2 2 2 s 2 2 6 1s 3 3 1s 3 3 2 s 3 3 pode-se demonstrar, usando argumentos de ortogonalidade das funções de spin, que a correção de primeira ordem é E 1 2 J 1 s 2 s J 1 s1 s K 1 s 2 s XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 32 As integrais de dois elétrons são J 1s1s 5 Ze 2 8 a0 e portanto 2 J 1s 2 s E 1 17 Ze 81 a 0 5965 e 2 972 2a 0 K 1s 2 s 16 Ze 2 729 a 0 83,5 eV logo a energia até primeira ordem é E n E n0 E n1 275,5 eV 83,5 eV 192,0 eV XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 33 Outros exemplos de aplicação: Acoplamento spin-órbita Efeito Zeeman Efeito Stark Acoplamento Russell-Saunders Acoplamento j-j XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 34 Átomos de muitos elétrons Lembra-se do espectro do rubídio? 4150 Å 5600 Å 7800 Å A que transição se refere cada linha? Como isso nos ajuda a entender a estrutura eletrônica? XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 35 Partição do Hamiltoniano atômico O Hamiltoniano é muito complicado. Mas podemos usar Teoria de Perturbação e particioná-lo em vários termos diferentes. A partição usual é: ~ ~0 ~ ~ ~ H H H rep. H S .O . H B O maior termo é o Hamiltoniano de ordem zero, que se refere apenas à energia da configuração. Ele supõe uma superposição de hidrogênios. XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 36 ~ ~0 ~ ~ ~ H H H rep. H S .O . H B O segundo termo (que é muito menor que o primeiro) se refere à repulsão eletrônica. O terceiro termo (que é muito menor que o segundo) se refere à interação spin-órbita N ~ ~ ~ H S .O . i Li S i i 1 XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 37 ~ ~0 ~ ~ ~ H H H rep. H S .O . H B Finalmente, o último termo se refere à interação com um campo magnético externo. ~ H B B L S B Este é o termo revelado pelo efeito Zeeman (aplicação de um campo magnético). XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 38 ~ ~0 H H ~ H rep. ~ H S .O . XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 39 Teoria de perturbação é o método apropriado quando se consegue particionar o Hamiltoniano em partes que têm ordens de grandeza muito diferentes (como os átomos), pois nestes casos a expansão converge muito rapidamente. XXIX ENEQui, Curso 9, Aula #4 40 Mesmo para o caso simples de um sistema com dois estados, as fórmulas das correções da energia em ordem superior são bastante complicadas. Seria interessante se houvesse uma maneira simples de representar e classificar os vários termos que aparecem em diferentes ordens de perturbação... Curso 9, Aula #4 41 Richard Feynman (1918-1988) Entrou para o MIT em 1935. Foi recrutado para o Projeto Manhattan. Após a Guerra, fez a revisão da Eletrodinâmica Quântica. Por ela recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1965. Para isso, inventou os famosos diagramas... Curso 9, Aula #4 42 Sistemas com dois estados A “perturbação” ( V ) é representada por um ponto, e os dois “estados” de ordem zero 1 e 2 são representados por linhas apontando para baixo e para cima, respectivamente. Uma linha com uma flecha apontando para baixo é chamada “linha buraco”, e uma linha com uma flecha apontando para cima é chamada “linha partícula”. Curso 9, Aula #4 43 Cada ponto tem uma linha entrando e uma linha saindo, e o elemento de matriz correspondente é < label da linha que entra | V | label da linha que sai > As expressões matemáticas de cada termo na energia de n-ésima ordem contêm um produto de n elementos de matriz de V no numerador. CQ757, Aula #13 44 Regras para desenhar diagramas 1) desenhar n pontos verticalmente ordenados. 2) conectar todos os pontos com uma linha contínua, de modo que cada ponto tenha uma linha passando por ele. 3) fazer isso de todas as maneiras possíveis. Dois diagramas são equivalentes (i.é. o mesmo) se todo e cada ponto é conectado a um par idêntico de pontos nos dois diagramas. CQ757, Aula #13 45 A segunda regra nos força a desenhar apenas diagramas que sejam completamente conectados ou fechados ( linked ). Diagramas de quarta ordem não-ligados ( unlinked ) tais como não são permitidos. CQ757, Aula #13 46 A terceira regra nos diz que os diagramas são o mesmo, por que estão conectados da mesma maneira. CQ757, Aula #13 47 Usando estas regras, podemos desenhar os seguintes diagramas até quarta ordem: CQ757, Aula #13 48 CQ757, Aula #13 49 Observe que para primeira ordem ( n=1 ) aparece uma ambigüidade porque a linha é circular. Resolvemos isto definindo linhas circulares como “linhas buraco”. É fácil mostrar que os diagramas que podem ser gerados desta maneira são 1a. ordem 2a. ordem CQ757, Aula #13 50 3a. ordem CQ757, Aula #13 51 Agora postulamos que existe uma correspondência biunívoca entre os desenhos acima com n pontos e os termos que contribuem para a energia de n-ésima ordem. É notável observarmos que tal correspondência existe! CQ757, Aula #13 52 A seguir, precisamos definir as regras que transformam cada diagrama numa expressão algébrica. As regras são as seguintes: 1) cada ponto contribui com um fator < label da linha que entra | V | label da linha que sai > dentro do numerador. 2) cada par de pontos adjacentes contribui com o fator 0 0 E E buraco partícula no denominador. CQ757, Aula #13 53 É fácil usar estas regras e escrever as expressões algébricas. Por exemplo, o único diagrama de primeira ordem que aparece é fechado, e é o relativo à fórmula E0(1) 1 N N i j i j 2 i j 1 Por isso o método SCF é extensivo em tamanho! Em segunda ordem, só há um diagrama que corresponde à fórmula oc. oc. virt. virt. ab rs rs ab 1 2 E0 2 a b r s a b r s 1 oc. oc. virt. virt. ab sr rs ab 2 a b r s a b r s Em ordens superiores, o número de diagramas aumenta bastante. Para desenhá-los basta seguir as regras aqui listadas... e praticar! É fácil verificar que em métodos variacionais como CISD ou MCSCF aparece um monte de diagramas não-ligados... A inclusão de vários milhões de configurações é necessária exatamente para se livrar da contribuição destes diagramas não-ligados. Esta é uma das razões para os métodos variacionais convergirem tão devagar em comparação com os perturbativos. A seguir, veremos uma alternativa interessante: somar uma classe de diagramas até ordem infinita.