Kreimer, Pablo por: Joao Mansano Neto1 Na parte em questão do Livro de Pablo Kreimer2, (capítulo 1) ele faz uma análise descontraída da participação de sociólogos em ambientes de cientistas. como espiões (ou uma mosca na parede). Entendendo como se fossem intrusos penetrando o “santuário da ciência”, cujos seus membros prometem e garantem a solução dos problemas. Falando sobre conhecimento científico, afirma que considera como tal, tanto aquele que adquire o rótulo de confiável e de “verdade” por estar publicado em revistas especializadas, quando aos incorporados culturalmente na sociedade – como a interação de membros de uma tribo com a natureza. Complementa considerando que o conhecimento científico não é radicalmente diferente de outras formas de conhecimento. (Abre ai uma questão, pois, isso implica que eles não são iguais e, portanto, poderiam ser tratados de maneira diferente). Reacende a provocação tratando o conhecimento científico como uma crença e, em oposição a esta idéia, enquadrando a ciência como resultado de processos racionais de observação e experimentação com a finalidade de dominar a leis ocultas que governam o mundo físico e natural. Para a ciência não pode haver a dúvida – se aceita, se comprova ou a refuta. Isto é usado como contestação para argumentar que conhecimento é uma prática social e que os cientistas também são sujeitos sociais. Comenta que o desafio dos sociólogos é mostrar o caráter profano-social da ciência e que estes devem investigar e avaliar a base social da atual (suposta) sociedade do conhecimento, sem parecer serem rebeldes ou hereges. Em um recuo estratégico, considera que não é possível imaginar o mundo sem ciência, visto que todos os cidadãos desfrutam dos seus benefícios “impunemente”. Mas deve haver a atenção e a investigação sobre as intenções da pesquisa. É preciso saber quem decide e financia e o que está sendo investigado. Considera óbvios os aspectos sociais da ciência e tecnologia (C&T) e cita exemplos positivos como o estudo do DNA para cura de várias doenças e negativos como o acidente de Chernobyl, mas faz um alerta sobre a falta de clareza e de informações da interpretação, da sociedade moderna, sobre a dimensão social disso. Em seguida comenta aspectos históricos da Ciência Moderna. A separação entre a prova científica e a fé, ocorrida nas Academias italianas (séc. XVII), num processo que chamou de “institucionalização”. Em seguida considera ter ocorrido a “profissionalização” com a formação de cientistas que seguiam carreiras e sobreviviam com recursos do estado e salários. Fala sobre a “industrialização” (que ao final do capítulo vai considerar imprescindível) como a etapa mais recente e se caracteriza na conversão da investigação em uma atividade em grande escala. É a grande ciência, que se orienta para resultados específicos e reduz a “investigação livre”. Ciência, desenvolvimento da tecnologia e sociedade industrial surgem em uma mesma época e é sugerida uma relação entre elas. Foi um conceito usado pela primeira vez, segundo Kreimer, por Robert Merton. A relação entre a busca da verdade e a necessidade de gerar aplicação prática a partir desta investigação, ocorre pela ação da sociedade que, por isso influencia no desenvolvimento do conhecimento. Todas as idéias de Merton, a liberdade e autonomia da sociedade e dos cientistas por sua vez são limitadas pelo, o que Kreimer chama de, “Ar da época”. Os cientistas que deveriam ser autônomos na escolha de seus temas e métodos, assim como toda a sociedade podem sofrer intervenção e controle. Influências de época como a opressão da Alemanha Nazista sobre a ciência 1 email: [email protected] página pessoal: www.pessoal.utfpr.edu.br/mansano página sobre o tema: www.pessoal.utfpr.edu.br/mansano/kreimer (web dossie) 2 KREIMER, Pablo. El intruso o la “mosca en la pared”. Para que serve la ciência? In: KREIMER, Pablo. El científico tambíem es un ser humano. Buenos Aires: Siglo Veinteuno Editores, 2009. p. 13-40. judia e o “convite” soviético para longas férias na Sibéria para pesquisadores que estudavam a pesquisa genética de Mendel (ciência burguesa) em oposição à pesquisa de Lysenko (ciência proletária) fazem parte dos estudos de Merton. Ele é considerado o criador do primeiro programa sociológico de investigação sistemática sobre a ciência para conhecer a dinâmica e normas da comunidade científica. Os estudos de Merton, segundo Kreimer, funcionaram muito bem. Embora pareça um exagero, considera que causaram uma tomada de conhecimento sobre os efeitos positivos e negativos da ciência. Muitos movimentos evidenciavam que a ciência, associada ao desenvolvimento capitalista da sociedade industrial, levavam ao hiperconsumo, degradação do meio ambiente e a desumanização. Surgiram os grupos de ecologia política e as questões locais passaram a ter seus efeitos estudados em todo o mundo (urbi et orbi). Houve uma ruptura com a “equação otimista” e a idéia positivista de que a ciência e a tecnologia geram soluções para seus próprios problemas, foi considerada uma utopia. A ciência aparece pela primeira vez na história como impotente e se requer a participação dos cidadãos na tomadas de decisões. Bourdieu considera que isto é o “começo do fim” do ideal de autonomia da ciência. A hegemonia dos países ricos nas decisões científicas é abalada. Isto pode ser visto na “crise do petróleo” (1973) onde os países em desenvolvimento da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) regeram a economia de mercado com os aumentos de preço. A contribuição da Ciência – o uso da energia nuclear, desenvolvida durante a guerra – contra o racionamento, é associada à distribuição em massa e não ressoa positivamente para a sociedade que a rechaça. Novas idéias sobre energia que consideram as questões sociais sobre sua produção, uso e sua natureza põe o desenvolvimento científico sob a lupa da sociedade. A ciência, afirma Kreimer, é um produto social. A visão ingênua de Merton estuda os cientistas “vistos de fora”, ou seja, somente para conhecer como organizam seus espaços de racionalidades profundas, como se relacionam ou que recursos utilizam. Ela é inadequada. Eles estão afastados da sociedade quando praticam seus métodos sem ingerências e sem considerar nenhum aspecto social e neste caso não há o que ser observado pelos sociólogos. Os sociólogos precisam estudar a ciência cientificamente e os laboratórios são verdadeiras caixas pretas. Merton considerava os aspectos externos (que entravam) como os recursos para pesquisa e os aspectos internos (os que saiam) como, por exemplo, as publicações científicas. Mas precisavam ser investigados as atividades e procedimento dentro dos laboratórios. Conhecer como os aspectos sociais estão sendo tratados. Este interesse se alinhou ao Programa Forte de Sociologia da Escola de Edimburgo que representada por David Bloor considera que todo conhecimento científico tem caráter completamente social. Em seu livro Conhecimento e Imaginário Social, afirma que as matemáticas são sociais de qualquer ponto de vista, que os conhecimentos científicos são crenças sociais como qualquer outra e que crenças ou estados do conhecimentos tem causas sociais e que os sociólogos devem identificá-las. Thomas Khun em “A estrutura das revoluções científicas” afirma que todo grupo científico tem estrutura social e cognitiva e que estas são indissociáveis. Portanto, é assim “ciência feita”, verdadeira. Mas, ciência é prática social, que envolve indivíduos, cultura e linguagem. Ciência é fabricação social, o que leva a deixar de lado a ciência feita para observar, investigar, analisar a “ciência enquanto se faz” por que é, neste momento, que se podem encontrar as raízes do que em seguida será apresentado como verdade para o resto da sociedade. Não há separação importante entre Ciência Tecnologia e Sociedade, pois Ciência e Tecnologia são em si, processos sociais como qualquer outro. Este conceitos ou desdobramento de conceitos afastam cientistas e sociólogos. Quando todas as hipóteses são aceitáveis, tudo é verdade e a investigação passa a não ter mais sentido, numa visão radical do cientista. Nos fins dos anos 1980 os sociólogos resolveram entrar nos laboratório. Os cientistas se mostravam confusos, sem saber o que o sociólogo poderia observar ali. Kreimer descontrai ao dizer que os sociólogos pretendiam fazer com os cientistas o mesmo que estes fazem com o ratos de laboratório, mas com a diferença de que aqueles podem falar (além de poder morder, como os camundongos). A procura da resposta que indaga “E então, para que serve a ciência?”, que depois de tanto tempo ainda está aberta, leva a dois debates (mas continua sendo uma única questão); i) os cientistas devem ter autonomia para realizar suas investigações ou devem ser orientados (pelo Estado, por exemplo); ii) as investigações devem ter caráter público ou privado. Resposta: A ciência serve para aumentar o conhecimento sobre o mundo físico, natural e social (que seria a resposta tradicional), mas deve servir, no pensamento da maioria das pessoas envolvidas, para “algo mais”, e este “algo mais”, segundo Kreimer, está condicionado às pretensões de quem responde. Não fica muito claro se deve haver alguma preocupação com as pretensões de quem responde ou se isto pode ser sinal de democracia na construção do conhecimento. Talvez para mostrar a visão do cientista (não permite esta certeza) passa a falar sobre John D. Bernal. Considera que a visão social de Bernal surpreende pela sua condição de cientista. Ele pediu publicamente que as grandes potências divulgassem todos os conhecimentos adquiridos no período de guerra. Torna-se mais fácil compreender este cientista inglês da década de 1920, quando se descobre, na sua história, suas atividades como marxista, militante de esquerda e historiador da ciência. Em seu livro “A função social da Ciência” defendia a idéia que o capitalismo agia como um freio no desenvolvimento das potencialidades da ciência moderna. Compreendia a ciência como um espaço racional e democrático, sem privilégio de classes, com distribuição eqüitativa dos bens e orientada para o progresso. Via a possibilidade de utilizar a ciência um novo modelo social. Bernal queria mudar a sociedade e considerava que o marxismo poderia transformar a ciência e lhe dar maior alcance e significado. Deixa a dúvida de como aplicar a ciência como novo modelo social ou se esta iria somente auxiliar o processo de mudança. Ele também não estabelece nenhum paralelo entre a visão socialista de Bernal e a opressão da ciência proletária sobre a ciência burguesa. Na década de 60, Bernal se dedicou aos estudos dos países subdesenvolvidos os quais usava criativamente o eufemismo “países em vias de desenvolvimento”. Considerou que as condições para estudo do desenvolvimento eram complexas. Envolviam recursos naturais, história, cultura e a estrutura diferente de caca sociedade. Sobre a busca do desenvolvimento comentou sobre as teorias mais clássicas que indicavam que existia um caminho para o desenvolvimento. Um dos modelos mais conhecidos é o de “decolagem” de Rostow, que consistia numa analogia do vôo de um avião com o desenvolvimento tecnológico. As fases da decolagem para o desenvolvimento partiam de uma sociedade a “sociedade tradicional e arcaica” para uma etapa de “preparação do arranque”. Em seguida deveria atingir o “aumento da taxa de pesquisas” (velocidade em terra), a decolagem em marcha para a “maturidade” do desenvolvimento e o “consumo em massa”, a fase decisiva para o desenvolvimento, quando o crescimento é considerado um fenômeno normal. Esta teoria, segundo Kreimer é muito discutida por se tratar da existência de um caminho e por considera todo subdesenvolvimento como atraso histórico e por ter como certa a garantia de desenvolvimento, após todas as fases. Kreimer mostra sua preocupação com a contextualização ao indagar sobre o que tem tudo isto a ver com ciência e pedir paciência ao leitor, prometendo voltar em breve ao assunto. Mostra o modelo linear de inovação, que foi apresentado por Vannevar Bush (1945) no informe “Ciência, a fronteira sem fim”. Este modelo destaca a importância da aplicação de recursos na investigação básica, para adquirir conhecimentos fundamentais que permitam chegar à ciência aplicada e desta, passar ao desenvolvimento experimental. Nesta etapa vai ocorrer a “industrialização” desse conhecimento, até chegar o momento que este derramará inovação para o conjunto da sociedade. Este se chama Modelo Ofertista Linear por ter seu foco na oferta do conhecimento que é o motor do sistema de inovação. Por ser praticamente falso este modelo é muito contestado. Na historia da ciência e da tecnologia poucas inovações seguem o caminho linear. Este modelo funcionou bem na época da Guerra fria quando havia investimento em política de C&T no confronto dos dois blocos, com a justificativa de que os benefícios para sociedade surgiam dos investimentos em ciência básica e que “tudo aquilo que é bom para a Ciência é bom para a sociedade”. Na América Latina (neste capítulo, a região é citada somente neste momento) existe uma preocupação com o desenvolvimento da região, influenciada pelas idéias da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). Uma corrente de engenheiros e cientistas, mostram preocupações intelectuais e políticas de como converter C&T em instrumentos de desenvolvimento latinoamericano e estabelecem críticas ao modelo linear de inovação por considera-lo perverso e inadequado para a América Latina. O pensamento latinoamericano em CT&S sugere a tentativa em procurar um caminho próprio visando gerar conhecimento sem dependência dos países ricos, com projetos nacionais de C&T para desenvolvimento econômico e social. Quanto ao uso da ciência para resolver problemas sociais, como diz Kreimer, “deve ser usado, claro! Mas, a coisa não é tão fácil”. Quando surgem epidemias existe um esforço do governo e da ciência a procura de vacinas para o controle das doenças. Na crise do petróleo ocorreu a busca por energias alternativas. Os problemas sociais são resolvidos por promoção e uso dos conhecimentos científicos. Apresenta um esquema que mostra que i) surgem os “problemas sociais”, ii) isto requer a “intervenção pública”; iii) para “gerar o conhecimento” para solucioná-los. Mas, segundo Kreimer, “gerar conhecimento” não é a única decisão possível. Para expor esta idéia utiliza o exemplo da Doença de Chagas (por achar o exemplo apropriado, visto que esta doença ocorre em toda a América Latina). Desta vez mais um elemento é acrescentado ao esquema: i) Problemas sociais; ii) intervenção pública; iii) Avaliação das alternativas (no caso da luta contra o bicho barbeiro: queimar ranchos, construção de cimento; ciência criar vacinas; ciência criar inseticidas); e iv) “gerar conhecimento. Como sociólogo talvez Kreimer não enxergue a “avaliação das alternativas” como uma fase preliminar necessária para “gerar conhecimento”, visão esta mais apropriada ao cientista. Kreimer considera o segundo esquema como um pouco melhor. Mesmo assim destaca que só funcionaria para “coisa já dada”. Ou seja, situações em que os problemas sociais já são aceitos como tal (mas lembre-se, a sugestão é que em vez de trabalhar com “ciência feita”, deve trabalhar com “ciência enquanto se faz”), pois os grupos sociais devem ser convencidos que, de fato, determinado fenômeno é um problema. Kreimer cita o divórcio e o desemprego como exemplo de questões que eram tidas como problemas pessoais e que passaram a ser entendidos como questões sociais. Kreimer alerta que a ciência / o cientista participa dos problemas sociais. Em seguida vai citar a pesquisa de Joseph Gusfield que investigou os “investigadores”, nas suas pesquisas sobre o consumo de álcool e as relações disso com os acidentes transito. O mesmo tipo de investigação deveria ocorrer, sistematicamente, sobre, por exemplo, a redução da camada de oxônio e de todas as políticas nacionais ou internacionais, a partir daí. Os problemas sociais incluem ciência e cientistas e os modos de solução de problemas estão muito ligados ao modo como foram construídos. O tipo de decisão a ser tomada para abordar a questão dependerá do modo como ela é instituída. Mas, nenhum conhecimento cura uma doença.. nem gera mais energia, nem produz agua potável ou alimentação. Segundo Kreimer, é preciso Objetivar. Precisa-se chegar a um produto, processo ou prática social (e econômica) ou transformação de um conhecimento (“Industrialização” - não somente pela indústria tradicional, mas por um programador, hospital, município...). Kreimer parece viver um conflito de admiração, indecisão de dependência e independência, de sociólogo e cidadão, em relação ao cientista. Não basta, para Kreimer o “Pensamento mágico” a ilusão de que o conhecimento é suficiente para resolver um problema social, isto é Ficção. Esta ficção na vida cotidiana é comum e não é algo tão grave. Agora se torna grave quando as ações para solução de problemas sociais “se sustentam na ficção de uma relação direta entre conhecimento e sociedade”.