Ética e Equidade na Pesquisa Clínica: objetivo alcançavel?

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Acesso ao produto da pesquisa e a utilizaçao
de placebo
Histórico, pressões e perspectivas
Seminário CONEP
Brasilia, 21 de agosto de 2009
Dirceu B. Greco
Professor Titular
Departamento de Clínica Médica
Faculdade de Medicina
Ética principialista
• I. Respeito pela pessoa:
a) Autonomia: consentimento livre e esclarecido;
b) Proteção dos vulneráveis.
• II. Benevolência:
Maximizar os benefícios e minimizar malefícios. O
delineamento da pesquisa deve ser adequado com
pesquisadores competentes capazes também de proteger o
bem estar dos participantes.
• III. Não malevolência:
Os danos previsíveis deverão ser evitados.
• IV. Justiça e equidade:
Obrigação ética de tratar toda e qualquer pessoa de acordo
com o que é ético, relevante e apropriado. Refere-se
especialmente à justiça distributiva, com distribuição
igualitária dos riscos e benefícios na participação na
pesquisa.
D. Greco -UFMG
CRONOLOGIA DAS DIRETRIZES RELACIONADAS
COM PESQUISAS BIOMÉDICAS
Ano Documento
• 1947
Código de Nuremberg
• 1948 Declaração Universal
dos Direitos Humanos
Origem
Tribunal de Guerra
Nações Unidas
• 1964 Declaração de Helsinque Associação Médica Mundial
.
1975 Relatório Belmont
DHHS - EUA
D. Greco
CRONOLOGIA DAS DIRETRIZES RELACIONADAS
COM PESQUISAS BIOMÉDICAS
Ano Documento
Origem
• 1964 Declaração de Helsinque
Associação Médica Mundial
• 1988 Resolução 01/88
Conselho Nac. de Saúde
• 1993 Diretrizes éticas internacionais sobre
pesquisa envolvendo seres humanos
CIOMS/OMS
• 1996 Resolução 196/96
Conselho Nac. de Saúde
• 2005 Declaração Universal sobre
Bioética e Direitos Humanos
UNESCO
“Considerando que todos os seres humanos,
sem distinção, devem se beneficiar dos mesmos
elevados padrões éticos na medicina e
nas pesquisas em ciências da vida”.
AS NORMAS ÉTICAS
BRASILEIRAS PARA PESQUISA
BIOMÉDICA
Equidade
Resoluções do Conselho Nacional de Saúde
• 1988: Resolução CNS 01/88:
• 1996: Resolução CNS 196/96: Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres
Humanos,
• 1999: Resolução CNS 292/99: normas específicas para
protocolos de pesquisa com cooperação estrangeira,
mantendo o requisito de aprovação final pela CONEP, após
aprovação do CEP
• 2000:Resolução CNS 301/00: Posicionamento do
CNS e CONEP contrário a modificações da
Declaração de Helsinque que diminuam os direitos
dos voluntários.
RESOLUÇÃO 196/96 do Conselho Nacional de Saúde
EQUIDADE
• III.3 –A pesquisa em qualquer área do conhecimento,
envolvendo seres humanos deverá observar as seguintes
exigências:
p) Assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios
resultantes do projeto, seja em termos de retorno social,
acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da
pesquisa;
Helsinque parágrafo 19 – Pesquisa médica só se justifica se
houver perspectiva razoável que as populações com quais
a pesquisa é desenvolvida serão beneficiadas pelos
resultados da pesquisa
Código de Ética Médica 1988
Capítulo XII–Pesquisa Médica
(artigos 122 a 130)
– É vedado ao médico:
• 123: Realizar pesquisa em ser humano, sem que este tenha
dado consentimento por escrito, após devidamente
esclarecido, sobre a natureza e conseqüências da pesquisa;
• 126: Obter vantagens pessoais, ter qualquer interesse
comercial ou renunciar à sua independência profissional em
relação a financiadores de pesquisa médica da qual participe;
• 127: Realizar pesquisa médica sem submeter o protocolo à
aprovação e acompanhamento de comissão isenta de qualquer
dependência em relação ao pesquisador;
• 129: Executar ou participar de pesquisa médica em que
haja necessidade de suspender ou deixar de usar
terapêutica consagrada e, com isso, prejudicar o paciente.
As pressões sobre as
diretrizes internacionais
Histórico das tentativas recentes de modificação da
Declaração de Helsinque
• Outubro 1997: Placebo para grávidas HIV+ NEJM
(Lurie, Wolfe); editorial M.Angell
• Fevereiro 1999: - disponibilizada oficiosamente
proposta de modificação da DH, que diminui os
requisitos éticos;
• Setembro 1999 - após pressões internacionais a
Associação Médica Mundial (AMM) descarta a
proposta de 1999, amplia a discussão internacional e
adia a decisão de modificação para a 52ª Assembléia
(Edimburgo 2000).
RESOLUÇÃO CNS Nº 301
16 DE MARÇO DE 2000.
Placebo
RESOLVE:
1 - Que se mantenha inalterado o Item II.3 da referida Declaração
de Helsinque: “Em qualquer estudo médico, a todos
os pacientes, incluindo àqueles do grupo controle, se
houver, deverá ser assegurado o melhor tratamento
diagnóstico ou terapêutico comprovado”.
2 - Manifestar-se contrariamente às alterações propostas,
sobretudo a referente ao uso de placebo diante da existência de
métodos diagnósticos e terapêuticos comprovados.
3 - Instar à Associação Médica Brasileira que este
posicionamento seja remetido com a presteza necessária aos
organizadores da Assembléia Geral da Associação Médica
Mundial.
Declaração de Helsinque
(2000)
• Item 19 - Pesquisa médica só se justifica se houver
perspectiva razoável que as populações com quais a pesquisa
é desenvolvida serão beneficiadas pelos resultados da
pesquisa
• Item 29 - Os benefícios, riscos, dificuldades e efetividade de
um novo método devem ser testados comparando-os com os
melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos
atuais. Isto não exclui o uso de placebo ou nenhum
tratamento em estudos onde não existam métodos provados
de profilaxia, diagnóstico ou tratamento.
• Item 30 - No final do estudo, todos os pacientes participantes
devem ter assegurados o acesso aos melhores métodos
comprovados profiláticos, diagnósticos e terapêuticos
identificados pelo estudo.
Declaração de Helsinque
Nota de Esclarecimento sobre ensaios
controlados por placebo
“A Associação Médica Mundial está preocupada com as diversas
interpretações e possível confusão em relação a este parágrafo da
Declaração de Helsinque (2000). Assim ela reafirma sua posição para que
extrema cautela seja tomada quando se fizer uso de ensaio clínico
controlado por placebo e que, em geral, esta metodologia deve ser
utilizada somente na ausência de terapia comprovada. Entretanto, ensaio
controlado por placebo pode ser eticamente aceitável, mesmo que exista
terapia comprovada, nas seguintes circunstâncias:
- Quando por razões metodológicas cientificamente sólidas e seguras seu
uso for necessário para determinar a eficácia ou a segurança de um
método terapêutico, diagnóstico ou profilático OU
- Quando o método terapêutico, diagnóstico ou profilático está sendo
avaliado para uma afecção simples e os pacientes que receberem o
placebo não estarão sujeitos a qualquer risco adicional de dano sério ou
irreversível”.
Reunião do Conselho da
Associação Médica Mundial
Acesso pós-estudo
167a. Sessão do Conselho, 13-15 de Maio de 2004
• Nesta reunião o Conselho decidiu que não seriam feitas modificações
no Item 30 da Declaraçao que diz: No final do estudo, todos os
pacientes participantes devem ter assegurados o acesso aos
melhores métodos comprovados profiláticos, diagnósticos e
terapêuticos identificados pelo estudo.
• Mas que uma Nota de Esclarecimento seja publicada com o seguinte
conteúdo ’A AMM reafirma sua posição que é necessário identificar
durante o processo do estudo o acesso pós-ensaio para os
voluntários aos procedimentos terapêuticos, profiláticos ou
diagnósticos indentificados como benéficos ou acesso a outros
cuidados apropriados. O acesso pós-ensaio ou a outros cuidados
devem estar descritos no protocolo do estudo para que o comitê de
ética possa avaliá-los durante a avaliação do protocolo’.
Ainda é possível piorar?!
Proposta do FDA de retirar a Declaração de Helsinque
para o registro de novos medicamentos (Set. 2004)
• Resumo:” O FDA está propondo revisar suas diretrizes
relacionadas à aceitação de estudos realizados fora dos
EUA e não conduzidos sob uma IND ( Investigational New
Drug), como base para uma IND ou como aplicação para
comercialização de um medicamento ou produto biológico.
Estamos propondo substituir o requisito que estes
estudos sejam conduzidos de acordo com os princípios
éticos estabelecidos na Declaração de Helsinque pelo
requisito que sejam conduzidos de acordo com as boas
normas clínicas (GCP), incluindo avaliação e aprovação
por um comitê de ética em pesquisa independente. Esta
nova proposta tem a intenção de atualizar os padrões de
aceitação de estudos realizados fora dos EUA (não IND) e
de assegurar a qualidade e a integridade dos dados
obtidos de tais estudos.
Lurie, P, Greco, DB. US Exceptionalim comes to research ethics
Volume 365:1117-1119, 26 March, 2005
See editorial pg 1111
“The FDA defends the use of placebos in studies of treatable life-threatening conditions in developing countries 13 and fears that the Declaration of
Helsinki precludes such trials.
The Department of Health and Human Services and the FDA have also argued forcefully against the requirement in the Declaration of Helsinki that
effective drugs be provided to all study participants at the conclusion of the research. 11 This requirement is particularly critical in developing
countries, where, due to poverty, those in the active study arm might see their drugs abruptly discontinued and those in the control group might be
denied the benefits of the very therapies whose efficacy they have just helped prove.” (pg 1117)
21
Nature on FDA decision
São necess ár ios o QuickTime™ e
um descompr essor TIFF (Não compr imido) para ver
esta figura.
But if the FDA jettisons Helsinki, the critical underpinning for such efforts,
it risks sending a message that ethical considerations are expendable
when research subjects live half a world away
A POSIÇÃO BRASILEIRA
Equidade
Declaração de Helsinque
Proposta da AMM aprovada na Assembléia Geral
em 18 de outubro de 2008
(Seoul, Coréia do Sul) e a posição brasileira
Item
Proposta aprovada em 2008
Proposta brasileira defendida pela
AMB e pelo CFM na Assembléia
Geral da AMM – Seoul, 18 de
outubro de 2008
Uso de placebo
32
O uso de placebo é aceitável em pesquisas
quando não existe tratamento comprovado
atual;
ou quando, por razões metodológicas
convincentes e cientificamente sólidas o uso do
placebo for necessário para determinar a
eficiência ou segurança de uma intervenção; e o
paciente que o recebe não estará sujeito a
qualquer risco sério ou dano irreversível.
Os benefícios, riscos, ônus e
efetividade de um novo método
deve ser testado em comparação
aos
melhores
cuidados
comprovados, exceto na seguinte
circunstância:
- O uso do placebo ou nenhum
tratamento,
é
aceitável
em
estudos onde não existe um
método eficaz comprovado;
Declaração de Helsinque
Proposta da AMM aprovada na Assembléia Geral
em 18 de outubro de 2008
(Seoul, Coréia do Sul) e a posição brasileira
Item
Proposta aprovada em 2008
Proposta brasileira defendida pela
AMB e pelo CFM na Assembléia
Geral da AMM – Seoul, 18 de
outubro de 2008
Acesso a cuidados médicos
14.
Na conclusão da pesquisa, os pacientes
voluntários participantes do estudo devem ser
informados sobre os resultados e têm o direito a
compartilhar qualquer benefício que dela resulte,
por exemplo, o acesso a intervenções
identificadas como benéficas ou outros cuidados
apropriados e benefícios.
.
Todos os pacientes que entram em
um estudo devem ter assegurados
acesso aos melhores métodos
provados profiláticos, diagnósticos e
terapêuticos
identificados
pelo
estudo.
Antes do inicio do ensaio, todos os
responsáveis pela pesquisa devem
concordar através de processos
participatórios nos mecanismos para
prover e sustentar tais cuidados e
tratamentos.
RESOLUÇÃO CNS Nº 404
1º DE AGOSTO DE 2008.
Propor a retirada das notas de esclarecimento dos itens relacionados
com cuidados de saúde a serem disponibilizados aos voluntários e ao uso de
placebo, uma vez que elas restringem os direitos dos voluntários à assistência
à saúde, mantendo os seguintes textos da versão 2000 da Declaração de
Helsinque:
a) Sobre o acesso aos cuidados de saúde: No final do estudo, todos os
pacientes participantes devem ter assegurados o acesso aos melhores
métodos comprovados profiláticos, diagnósticos e terapêuticos identificados
pelo estudo;
b) Utilização de placebo: Os benefícios, riscos, dificuldades e efetividade
de um novo método devem ser testados comparando-os com os melhores
métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos atuais. Isto não exclui o uso
de placebo ou nenhum tratamento em estudos onde não existam métodos
provados de profilaxia, diagnóstico ou tratamento.
Que seja expandida a discussão sobre acesso a cuidados de saúde e
aos produtos que se mostrem eficazes para todos que deles necessitem.
RESOLUÇÃO CFM Nº 1.885
23 DE OUTUBRO DE 2008
DOU 27.10.2008
É vedado ao médico participar de pesquisa envolvendo seres
humanos utilizando placebo, quando houver tratamento
disponível eficaz já conhecido.
CONSIDERANDO o decidido em sessão plenária de 23 de
outubro de 2008, resolve:
Art. 1º É vedado ao médico vínculo de qualquer natureza com
pesquisas médicas envolvendo seres humanos, que utilizem
placebo em seus experimentos, quando houver tratamento
eficaz e efetivo para a doença pesquisada.
Art. 2º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação,
revogando-se as disposições em contrário.
Argumentos contra o duplo standard
O acesso aos melhores métodos comprovados nos
ensaios clínicos:
. Trata as pessoas como iguais (justiça distributiva)
. Evita que mais dano seja imposto a pessoas já
vulneráveis (em países também vulneráveis)
. E mesmo o custo de prover tratamento para aqueles
que necessitem nunca foi seriamente avaliado
• Pode ser ainda argumentado que a disponibilização
dos melhores métodos de tratamento no ensaio
clínico pode ajudar aumentar a pressão para
melhorar os padrões de acesso a cuidados de
saúde.
D. Greco – Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
UNAIDS 2007 CURRENT ETHICAL GUIDELINES
Ethical Considerations in biomedical HIV
Preventive trials
Guidance Point 15: Control Groups
• Recipients in both the control arm and the
intervention arm should receive all established
effective HIV prevention risk reduction measures.
• The use of a placebo arm is ethically accepted in a
biomedical HIV prevention trial only when there is
no HIV prevention modality of the type being
studied that has been shown to be effective in
comparable populations.
Norberto Bobbio
Fundamentos dos Direitos Humanos,
1964
• “..o problema mais grave dos nossos
tempos, em relação aos direitos
humanos, não é estabelecer seus
fundamentos mas protegê-los.”
25
Conclusões, perspectivas e
Desafios
40
PESQUISA COM SERES HUMANOS
UM SÓ PADRÃO ÉTICO PARA TODOS
Conclusões I
1. Pesquisa com seres humanos é necessária para
o desenvolvimento de medicamentos e vacinas
eficazes;
2. As pesquisas devem ser relevantes e seus
resultados aplicáveis (equidade e justiça) e
sustentáveis;
3. As pesquisas deverão ser cientifica e eticamente
adequadas;
4. Se os padrões éticos forem diminuídos será
muito difícil sua recuperação futura. Será
necessário que os padrões éticos sejam
internacionalmente aplicáveis;
D. Greco
PESQUISA COM SERES HUMANOS
UM SÓ PADRÃO ÉTICO PARA TODOS
Conclusões II
5. Existe realmente a necessidade de melhores
métodos preventivos, de medicamentos e vacinas
mais eficazes e acessíveis;
6. Entretanto, a verdadeira urgência é para que
todos tenham acesso (Preços adequados,
transferência de tecnologia, produção local) ao
que se mostrar eficaz, enquanto os ensaios
clínicos podem e devem ser realizados em
comunidades/países com menor vulnerabilidade.
PERSPECTIVA
Utilizar o aparente sucesso da
implantação de normas claras e justas
para a realização de pesquisas na
tarefa mais difícil de aplicação prática
dos seus resultados.
DESAFIOS DA PESQUISA EM
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Necessidades
• Informação e
educação
• Vontade política
em contextos de
recursos escassos
• Ambiente social
adequado
Ação
• Baixo custo, pouco
controverso
• Caro, há outras
prioridades
• Necessita modificações
globais para diminuir as
obscenas disparidades;
raramente discutido
Encerro com
duas citações
Thucydites
(Guerra do Peloponeso)
A Justiça só será alcançada quando
aqueles que não são injustiçados se
sentirem tão indignados quanto
aqueles que são.
Eu acredito que:
A Justiça prevalecerá quando
aqueles afetados e
indignados pela injustiça
forem capazes de participar
da (ou se emanciparem para
a) luta por seus direitos, SEM
FRONTEIRAS.
José Marti
Meu país é a
humanidade
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