Texto de Mario Beauregard (Ph.D.) e Denyse O’Leary em "O cérebro espiritual” (Ed. Best Seller) – trechos das pgs. 181 a 184. Tradução de Alda Porto. As notas ao final são minhas. Alguns afirmam que o efeito placebo é mítico, que só se aplica a crédulos, ou até que usá-lo é antiético [1]. Que tal isso? Os mitos populares sobre placebos incluem as ideias de que funcionam apenas durante três meses, ou que só determinado tipo de personalidade reage a eles. Não há limite específico algum para a maioria dos efeitos placebo, nem de “paciente que reage a placebo”. Mas, acima de tudo, o efeito placebo tem sido uma dificuldade e um problema para estudos sobre [novas] drogas [...]. O jornalista científico Alun Anderson sugere: “Confiança e crença são muitas vezes vistas como negativas na ciência, e descarta-se o efeito placebo como uma espécie de ‘fraude’, porque depende da crença do paciente. Mas a verdadeira maravilha é que a fé pode funcionar”. Anderson identificou uma questão chave. Uma materialista talvez ache que o efeito placebo é uma espécie de fraude exatamente porque indica que a mente pode mudar o corpo [2]. Em consequência, as explicações materialistas do efeito placebo muitas vezes são incoerentes. Por exemplo, quando descrito como a maneira pela qual “o cérebro manipula a si mesmo” [3]. Como vimos, o efeito placebo é de fato disparado pelo estado mental do paciente. Em outras palavras, depende inteiramente do estado de crença dele. Um processo inconsciente iniciado pelo cérebro para manipular a si mesmo (ou qualquer outra parte do corpo) é um processo de cura natural, não o efeito placebo. Por exemplo, houvesse o cérebro dos pacientes que sofrem de doença de Parkinson conseguido manipular a si mesmo e assim curar-se, não se exigiria tratamento algum, placebo, farmacêutico, cirurgia simulada ou real [4]. [...] Desde que começaram os estudos controlados do placebo, uma questão econômica fundamental confundiu o estudo do verdadeiro papel de seu efeito na manutenção da saúde. Não se pode patentear a marca esperança. Se um dado remédio “não age melhor que o placebo”, é uma má notícia para os fabricantes desse medicamente, mesmo que 85% do grupo de controle e 85% do grupo experimental melhorem [5]. A opinião atual de que os estudos mentais são importantes, mas as drogas são poderosas, obstruiu o estudo correto do efeito placebo. Grande parte de medicina pré-científica dependia do efeito placebo. O fato de esse efeito tantas vezes funcionar ajuda a entender porque muitas pessoas mais tradicionais relutam em abandonar a medicação pré-científica, apesar de suas doutrinas questionáveis e, muitas vezes, perigosas. Lamentavelmente, os clínicos pré-científicos com frequência atribuem seu poder às doutrinas que abraçaram, quando, na verdade, deveriam atribuí-lo aos efeitos que aprenderam por experiência e erro [6]. A pesquisa médica científica começa a ajudar a resolver o dilema aceitando a natureza mental do efeito placebo. Pode-se estudá-lo como um efeito autêntico e, com o poder direcionado, talvez até aumentado, o que é muito mais produtivo do que se continuássemos a tratá-lo apenas como uma chateação. O perfeito entendimento do efeito placebo também pode evitar algumas óbvias polêmicas atuais. Por exemplo, talvez fosse mais fácil resolver as questões éticas que cercam o uso de células-tronco embrionárias no tratamento da doença de Parkinson se os efeitos placebos explicassem a maior parte do seu valor atribuído. De modo semelhante, tratamentos polêmicos em algumas partes do mundo envolvem as partes do corpo de espécies em risco de extinção. Esses tratamentos devem quase todo seu efeito à crença do paciente na eficácia do tratamento exótico. Uma clara demonstração desse fato pode ajudar nos esforços de conservação [7]. Como vimos, muitas aplicações clínicas fluem de uma visão não materialista da neurociência. Quando tratamos a mente como capaz de mudar o cérebro, podemos tratar doenças cujo tratamento antes era difícil ou impossível. Mas também precisamos de um modelo de como a mente age no cérebro. » A seguir, o que se especula sobre a interação da mente com o cérebro... *** [1] Este post é centrado no efeito placebo, um fenômeno muito conhecido e descrito pela medicina (inclusive a medicina dita convencional), mas que na prática é tão pouco compreendido quanto a própria mente humana, a grande catalisadora desse tipo de efeito (pelo que se acredita). Para saber mais, consulte este meu artigo: Placebo-nocebo. [2] Para os materialistas eliminativos é consideravelmente mais complexo: se, como eles sugerem, a mente é apenas uma ilusão persistente, como exatamente ela muda o corpo? [3] Jon-Kar Jubieta disse assim numa reunião sobre o efeito placebo, realizada pela Sociedade de Neurociência americana, em 2005: “Essas descobertas podem ter tremendo impacto na medicina, além de ajudar-nos a entender como o cérebro manipula a si mesmo”. [4] O que ele está querendo dizer, e muitas vezes é mal compreendido, é que o efeito placebo não ocorre naturalmente, e sim como parte de um tratamento. É óbvio que, tal qual já dizia Hipócrates, “são nossas forças naturais que curam nossas doenças”, e nesse sentido a saúde sempre surgirá onde a doença não mais se faz presente. Mas, por outro lado, existe uma série de tratamentos não convencionais, associados pela medicina tradicional ao efeito placebo (ex: acupuntura, cirurgias espirituais, florais, reiki, etc.), que parecem efetivamente auxiliar na catalisação do efeito, de modo que, sem eles, o efeito não ocorreria, ou não ocorreria com a mesma eficiência. [5] Ultimamente não é mais nenhuma novidade no ramo dos remédios para depressão que, conforme inúmeras pesquisas vêm demonstrando, na grande maioria dos casos eles não tenham nenhum efeito consideravelmente maior do que o “puro” efeito placebo, excluindo-se os casos de depressão severa, que têm medicamentos bastante específicos (e, nesses casos, sim, funcionam melhor do que placebos). A despeito disso, existem muitas pessoas no mundo desenvolvido que sofrem de depressão não severa, e compram mensalmente remédios caros que, na realidade, efetivamente funcionam tanto quanto pílulas de farinha. Sobre o assunto, ver, por exemplo: revista Mente e cérebro (Scientific American/Duetto) nº226 – Antidepressivos são mesmo eficazes? (que foi matéria de capa); e revista Galileu (Globo) nº247 – Antidepressivos funcionam? [6] Em outras palavras, o Dr. Beauregard não está nem um pouco interessado em explicações vagas para curas espirituais, como “Deus te curou” ou “o espírito da Senhora de Branco veio e te abençoou” – para ele, tais explicações são tão inúteis quanto a materialista (ver nota nº3 acima). [7] Vamos citar um exemplo bem claro: chifres de rinoceronte são apreciados no Oriente como afrodisíacos, causando sua caça e risco de extinção (pois a carne não é sequer aproveitada). Ora, o chifre em pó conterá grandes quantidades de cálcio e fósforo, o que pode realmente aumentar o vigor de pessoas com deficiência desses minerais. Na posse desse conhecimento, algum antigo consumidor de chifres de rinoceronte em pó poderá, portanto, comprar vitaminas com cálcio e fósforo no lugar, auxiliando na preservação da espécie. Este é um caso onde já se tem uma boa ideia do que ocorre, mas muitos outros ainda caem na zona “nebulosa” do efeito placebo, e ainda não são compreendidos.