Al-Ghazalli – A Destruição dos Filósofos Homero Fraga Bandeira de Melo Professor de Filosofia [email protected] Você Veio! Obrigado! Seja bem-vindo! Na aula anterior conversamos acerca da Concepção Teológica de Alma em Avicena, e, em específico tentamos melhorar nossa pergunta no que tange a questão: se 1. a alma é alma de um corpo e, portanto, um acidente (aquilo que depende do acaso, na medida em que a sua causa é indeterminada), ou; 2. se o corpo seria o corpo de uma alma? Chegamos a um caminho platônico-aristotélico de conciliação, iluminado pela Teologia Corânica, que trabalha em termos de analogia ao desconhecido: concluímos, junto com Avicena, que o corpo é corpo de uma alma. Você se lembra? Hoje vamos conhecer um pouco de Al-Ghazalli e saber, também, acerca do que o sábio islâmico pensa do que seja a Filosofia. Você não deve me interromper enquanto eu estiver falando. Anote sua dúvida. Talvez a resposta a ela venha em um momento seguinte e você não precisará mais verbalizar a mesma. Se a questão persistir, vamos compor com o Pensamento ao fim de uma hora e meia? Lembre-se: a Filosofia não busca respostas, ela busca melhorar, trabalhar, com a pergunta. Somente os imbecis acreditam na obviedade do mundo. Como diria Ibn Arabi: o mistério está na ponta de meu dedo. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Algazel (o nome latino de Al-Ghazalli) foi um eminente jurista persa. Nasceu em Tus, Império Persa, atual província iraniana de Razavi Khorasan, entre os anos de 1055 e 1058. Fez a transição no ano de 1111. Em 1095, Al-Ghazalli passou por uma forte crise espiritual que fez com que abandonasse sua carreira de professor de religião e filosofia na Universidade de Nizamiyah, em Bagdá, uma das mais importantes instituições islâmicas daquela época. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Algazel escreveu uma série de livros onde trata acerca de Filosofia (Falsafa, palavra árabe para Philosophia – advinda do grego) e Teologia. A Falsafa é o resultado da tradução da literatura filosófica e científica grega para o árabe – do oitavo ao décimo séculos de nossa era. Os filósofos árabes (Falasifa) foram herdeiros da tradição da Antiguidade tardia. E possuíam uma interpretação neoplatônica das obras de Aristóteles – conforme vimos em aulas anteriores, os filósofos mulçumanos buscam sempre fazer o amálgama entre os dois tipos de pensamento, o platônico e o aristotélico, para que não se perca o horizonte da transcendência. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos “Vive como quiseres: és mortal. Ama o que quiseres: um dia terás que abandoná-lo. Faze o que quiseres: receberás o equivalente daquilo que terás feito” Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Os séculos XI e XII foram de raro vigor mental, e de intensas controvérsias filosóficas no mundo árabe – e aí incluímos a Espanha sob domínio mouro, pois nela temos o advento de Averróis (Ibn Rushd) que vem a influenciar profundamente o desenvolvimento filosóficoteológico (e até mesmo o científico) do Ocidente Cristão com seu Aristóteles profundamente racionalista. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Contra a fé tradicional, para quem a verdade provinha somente da Revelação, levantavam-se os racionalistas (que só acreditavam na razão), os sufis (que só acreditavam na iluminação mística) e os pirronistas que representavam o papel de céticos e sarcásticos no Theatro da vida, neste momento da história. Voltando ao quarto século a.C. – para melhor explicarmos o que se dá no contexto Islâmico dos séculos XI e XII A.D.: Os pirronistas buscavam a verdade, mesmo se na maior parte do tempo trabalhassem com argumentos contraditórios às posições dogmáticas de outros filósofos, como os Estóicos ou Epicuristas. Nas disputas, quando os argumentos e os contra-argumentos se igualavam, defendiam que se devia suspender o juízo. Essa posição estava de acordo com o seu desejo de “paz de espírito” (ataraxia). Pois os dogmáticos se agitam quando não possuem o que chamam de “verdade” e pensam que deveriam possuir o “que eles sabem ser a verdade” – quem tem certeza é sempre o ignorante. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Al-Ghazalli não tinha ainda 20 anos quando a inquietação metafísica o dominou. Para ele, procurar a verdade não era um exercício mental: era uma paixão irresistível. A dúvida o torturava. Procurou a verdade em todos os sistemas filosóficos de sua época. Mas nenhum deles o convenceu. Aos 38 anos, concluiu que a verdade não se encontrava talvez no estudo, mas na vida mística. Renunciou então à sua cátedra, separou-se de sua mulher e filhos, distribuiu seus bens e, durante 10 anos, viveu como anacoreta (em vida solitária; completamente entregue a contemplação e a meditação). Visitou Alexandria, Damasco, Jerusalém e Meca. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Na Introdução de Tahafut al-Falasifah (A Destruição dos Filósofos ou Incoerência dos Filósofos) Al-Ghazalli pede a Deus que seja Nossa Luz Guia e que remova de nossas consciências as trevas da ignorância e os maus juízos. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Em 1105, Al-Ghazalli sentiu-se iluminado por uma luz do Além e reencontrou ao mesmo tempo sua fé na razão e em Deus. AlGhazalli, então, conclui, neste momento em que está próximo o fim de sua vida terrestre, que a verdade está na conciliação entre os ensinamentos racionais, a iluminação mística e a Revelação divina. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Até o fim de sua vida, tentará realizar, expressar e difundir esta conciliação. O primeiro livro – o mais importante de seus tratados – que Algazel escreveu no entusiasmo de sua iluminação inicial foi Al-Munkiz Min Ad-Dalal (Libertação do Erro), cuja parte autobiográfica, em que traça o caminho de sua longa e dolorosa procura pela verdade, é, as vezes, comparada com As Confissões de Santo Agostinho. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Após voltar ao magistério em Bagdá, recolheu-se na sua pequena cidade de Tus, rodeado por um círculo de discípulos. Morreu em 1111, deixando 80 obras, e tendo consagrado toda a sua vida à procura e à defesa da verdade. No início do século X A.D. Al-Farabi (950) tinha desenvolvido uma filosofia sistêmica, que desafiou as convicções fundamentais defendidas por teólogos muçulmanos, notadamente a da criação do mundo no tempo e a do caráter original das informações reveladas por Deus aos profetas. Corroborando com o Aristóteles místico – pois que as Eneadas de Plotino foram tidas como livros do Estagirita – , Al-Farabi ensinou que o mundo não tem começo no passado e que as esferas celestes se movem, por exemplo, a partir da préeternidade. Para Al-Ghazalli, os profetas e as religiões reveladas articulam as mesmas idéias que os filósofos expressam em seus ensinamentos; porém os profetas usam o método da simbolização para tornar essa sabedoria acessível às pessoas comuns. De toda forma, Al-Ghazalli condena a doutrina da pré-eternidade do mundo pois alega ser contra o Islã. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Al-Ghazalli manifestou-se em sua grande obra A Destruição dos Filósofos (Tahafut al-Falasifah) como adversário dos filósofos (Teólogos Corânicos) que se utilizavam das doutrinas de Aristóteles – e, também, dos neoplatônicos – com a finalidade de racionalizar o Corão. Tahafut al-Falasifah é, possivelmente, o maior dos livros acerca de como funciona a Filosofia jamais escrito, pois que para refutar os filósofos e defender o fim da Filosofia, Algazel usou da malha platônico-aristotélica que tinha a mão. Desta forma, Algazel combateu os argumentos racionais dos Filósofos com argumentos racionais provindos da própria doutrina da contradição greco-romana. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Mesmo atacando vários pontos da doutrina de Avicena, afirmando que tanto ele quanto seu mestre, Al-Farabi, teceram pensamentos contrários ao Islã, em Tahafut al-Falasifah, AlGhazalli expressa seu misticismo, de caráter sufi, usando dos conceitos da filosofia helena – ou seja, usa da malha racional greco-romana para fazer analogia ao desconhecido. Segundo Al-Ghazalli nenhum princípio último é do âmbito da demonstração racional, nem os que se referem ao mundo sensível, assim como os referentes ao mundo inteligível. Esta posição filosófica é chamada “ceticismo de Al-Ghazalli” e esse ceticismo é diferente do professado pelos greco-romanos. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos O ceticismo racional de Al-Ghazalli nos leva não só a uma crítica das noções de eternidade platônico-agostinianas, como, e também, das noções de eternidade da matéria e do mundo – sua infinitude – e ainda, da noção fortemente enraizada entre os Teólogos de que o tempo seja eterno (para Al-Ghazalli o tempo não existe, pois o que há é um presente que não passa). Al-Ghazalli defende que há impossibilidade de encontrar uma relação de “causa-efeito” que sustente as formulações dos filósofos (neste caso ele dialoga tanto com Al-Farabi como com seu discípulo Avicena). Al-Ghazalli defende que esses filósofos fazem analogia a questões que não podem ser apreendidas pelo intelecto. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos As argumentações de Al-Ghazalli em Tahafut al-Falasifah tendem a salvar o conteúdo religioso do pensamento – que se persistir em um eterno racionalismo explicativo vai desaguar em um Dogma parecido com o do mundo Cristão. No mundo Cristão, a forte influência racional a tudo explica – partindo do Dogma. Assim, o Deus defendido por Al-Ghazalli é o do homem simples – destituído da malha platônico-aristotélica – e é oposto, de certo modo, a um Deus que se coloca no lugar do Primeiro Motor Imóvel aristotélico-tomista (este pequeno salto histórico é ilustrativo em termos de contra-ponto apenas). Isto posto, Al-Ghazalli opôs a criação do mundo no tempo (a tese da criação do mundo a partir do nada) à intervenção constante de Deus como causa única – não há começo, não há fim, o tempo é uma ilusão, pois o movimento é uma ilusão (o mundo é porque Deus é em um presente permanente). A partir de Al-Ghazalli, o pensamento teológico-filosófico árabe-cristão se funda em pilares firmes propiciando a síntese final da escolástica com Averróis e Santo Tomás. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Al-Ghazalli é o Tomás de Aquino dos Cristãos e o Maimônides dos Judeus em grau de relevância – em termos de síntese escolástica do saber filosófico. Averróis, na Espanha ocupada pelos Mouros, responde ao livro de Al-Ghazalli, A Destruição dos Filósofos, com outro: A Destruição da Destruição – onde defende a validade da Filosofia como instrumento de busca da verdade. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Em um primeiro momento, o mundo cristão prefere Al-Ghazalli a Averróis; porém, com o advento de Tomás, e, diante de um Aristóteles absolutamente racionalista – o Aristóteles de Ibn Rushd – a Europa abraça Averróis. Os padres apenas o combatem pro forma. Santo Tomás, literalmente, copiou trechos inteiros dos livros de Averróis. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Al-Ghazalli antecipa Hume quando diz que não há efeito provindo de uma causa; se Deus é e se presentifica na existência, então, só há efeitos de efeitos – pois não há princípio no tempo. Não pode haver princípio em algo que não existe. Por isso, AlGhazalli critica os filósofos (Teólogos Corânicos) de seu tempo e os acusa de criarem analogias com o desconhecido – com aquilo que não pode ser apreendido pelo intelecto humano. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Sintetizando nossa aula de hoje: para Al-Ghazalli o mundo não tem causa no tempo. Ele não é eterno devido a uma necessidade lógica; mas é, e apenas é, devido a graça de Deus, que é Clemente e Misericordioso. Isto posto, a vontade de Deus não cabe, para nosso Filósofo, nos sistemas filosóficos que desejam explicar o que não conhecem e não podem conhecer através do intelecto. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Vamos a nossa síntese final? Para Al-Ghazalli o mundo é porque Deus é. Al-Ghazalli A Destruição dos Filósofos Em nossa próxima aula, vamos trabalhar o livro A Destruição da Destruição do sábio Averróis – e conhecer um pouco do Pensamento de Ibn Rushd. Mais uma vez, Obrigado por ter vindo. Bibliografia AL-GHAZALLI, Abu Hamid Muhammad Ibn Muhammad. Tahafut alFalasifah [Incoerence of the Philosophers]. Translated into English by Sabih Ahmad Kamali. Club Road, Lahore-3: Pakistan Philosophical Congress, 1963. MARENBON, John. Medieval Philosophy. London: Routledge, 1998. XXXIII. v.3 NASR, Seyyed Hossein. History of Islamic Philosophy. Edited by Seyyed Hossein Nasr and Oliver Leaman. London: Routledge, 2001.