Prof. Ricardo Feijó Valor e mercado em Adam Smith Capítulos 5, 6 e 7 da Riqueza das Nações Os capítulo de 5 a 7 mostram a essência da teoria smithiana do processo de mercado e o esquema básico para a interpretação dos preços em Smith. Nestes capítulos, ele desenvolve a sua teoria rudimentar do equilíbrio, uma de suas melhores contribuições em teoria econômica. A teoria dos preços é o ponto de partida da análise econômica feita por Smith. Trata-se de uma teoria de equilíbrio estático que já estava presente em autores anteriores que disseram algo a respeiro do mercado. Neste sentido não houve muito avanço em relação aos seus contemporâneos. Preço real e preço de mercado No capítulo 5, apresentam-se os conceitos de preço real e preço nominal. Smith associa o preço real da mercadoria à ideia de valor. Se o homem é rico ou pobre conforme a quantidade de serviço alheio que está em condições de encomendar ou comprar, o valor de uma mercadoria é a quantidade de trabalho que a mesma permite comprar ou comandar. Assim, o trabalho é a medida real do valor de troca de todas as mercadorias. Smith não está dizendo que valor de troca é trabalho, mas que este pode ser usado como medida daquele. Ter uma medida do valor é tudo que Smith necessitava para sua análise posterior do crescimento econômico. A unilateralidade de Smith Smith representa uma volta à Alberto Magno, séculos atrás, ao afirmar que o preço real de um bem é o incômodo que custa a aquisição dele. Fundamentar o valor exclusivamente no lado dos custos é uma visão unilateral que não corresponde à moderna compreensão dos preços. No entanto, essa unilateralidade já havia ganho certa reputação entre autores de língua inglesa especialmente sob influências de W. Petty e R. Cantilon que popularizaram a idéia no ambiente britânico. Smith apenas segue a corrente. A escola clássica irá refinar essa interpretação do valor. Dificuldades práticas Avaliar o valor das mercadorias pela medida do trabalho apresenta algumas dificuldades práticas. Primeiramente, a medida do trabalho deve levar em conta não apenas o tempo gasto mas a diferentes qualidades de trabalho, o grau de dificuldade e engenho em cada caso. Em segundo lugar, não se troca, na prática, mercadoria por trabalho (M-T), mas as mercadorias são trocadas umas pelas outras (M-M’) ou se mede o valor de troca de M pela quantidade de dinheiro D (M-D-M’). Dinheiro como medida aproximada do valor O dinheiro possui certas incoveniências. Se é o caso de se usar ouro e prata como dinheiro, as variações no valor do ouro e da prata implicam que a mesma quantidade dele pode ora comandar mais trabalho ora uma quantidade menor dele. O valor dos metais depende da oferta e do trabalho para trazê-los ao mercado, e sendo assim o valor de uma unidade deles é, em si mesmo, variável. Somente o trabalho humano, assevera Smith, não varia o seu valor. O dinheiro mede apenas o preço nominal das coisas... O preço real é medido precisamente em quantidades de trabalho e o valor do trabalho não varia “Pode-se dizer que quantidades iguais de trabalho têm valor igual para o trabalhador, sempre e em toda parte. Estando o trabalhador em seu estado normal de saúde, vigor e disposição, e no grau normal de sua habilidade e destreza, ele deverá aplicar sempre o mesmo contigente de seu desembaraço, de sua liberdade e de sua felicidade. O preço que ele paga deve ser sempre o mesmo, qualquer que seja a quantidade de bens que receba em troca de seu trabalho. Quanto a esses bens, a quantidade que terá condições de comprar será ora maior, ora menor; mas é o valor desses bens que varia, e não o valor do trabalho que os compra. Sempre e em toda parte valeu este princípio: é caro o que é difícil de se conseguir, ou aquilo que custa muito trabalho para adquirir, e é barato aquilo que pode ser conseguido facilmente ou com muito pouco trabalho. Por conseguinte, somente o trabalho, pelo fato de nunca variar o seu valor, constitui o padrão último e real com base no qual se pode sempre e em toda parte estimar e comparar o valor de todas as mercadorias. O trabalho é o preço real das mercadorias; o dinheiro é apenas o preço nominal delas.” O preço do trabalho é sempre o mesmo Para o trabalhador, o preço do trabalho é o dispêndio de energia de uma dada tarefa e, fixada esta, ele é sempre o mesmo. O preço do trabalho varia para o empregador, mas na verdade são os bens que se tornam mais caro ou menos. Isto por que o trabalho é pago em bens. Na prática, utiliza-se alguma mercadoria eleita para medir os valores. No longo prazo, os valores estimados em trigo são mais estáveis que aqueles avaliados em ouro ou prata Medida do valor: ouro versus trigo A relação entre quantidade de trabalho e quantidade de trigo é mais estável, até por que as quantidade de trigo funcionam como bom indicador do preço real em trabalho que deve remunerar a subsitência do trabalhador. Como o trigo é o principal bem para essa subsistência, ele guarda certa proximidade com quantidades de trabalho. Já os metais são instáveis em seu valor, pois mudanças nas condições de oferta deles induzem variações do valor, e, mantendo-as fixas, reduções da quantidade de ouro e prata contidas nas moedas resultam em alterações nos valores delas. O valor real de uma renda em trigo varia muito no curto prazo, portanto a moeda metálica funciona melhor para transações de curto prazo. Smith conclui dizendo que no mesmo tempo e lugar o dinheiro é medida exata do valor real de troca de um bem. Fica claro ser esta medida apenas aproximação no curto prazo e em pequenas distâncias. Capítulo 6 No capítulo 6, Smith tem a idéia de decompor o preço das mercadorias em partes elementares independentes, por certo também influência do método analítico de Newton que separou a substância material em partículas para o estudo dos problemas de mecânica. Smith divide historicamente a sociedade em dois estágios primitivo e evoluído. Trocas na sociedade primitiva As trocas são reguladas por quantidade de trabalho. “Se em uma nação de caçadores abater um castor custa duas vezes mais trabalho do que abter um cervo, um castor deve ser trocado por – ou então vale – dois cervos. É natural que aquilo que normalmente é o produto do trabalho de dois dias ou de duas horas valha o dobro daquilo que é o produto do trabalho de um dia ou uma hora.” A medida da quantidade de trabalho leva em conta o tempo, a dificuldade do trabalho, a destreza e o engenho. Na sociedade primitiva, todo produto do trabalho pertence ao trabalhador que o executa. Sociedade evoluída No estágio evoluído, pessoas contratam pessoas; surge o lucro. O lucro não é simplesmente o salário pago por inspecionar e dirigir a empresa, ele é regulado pelo valor do capital entregue à produção. O produto total já não pertence inteiramente ao trabalhador, parte é emtregue ao padrão na forma de lucro. Neste caso, o valor da mercadoria não é apenas regulado pela quantidade de trabalho incorporado na sua produção. A mercadoria vale mais do que o que remunera o trabalho, e a parte em excesso é paga na forma de lucro e também, quando for o caso, na forma de renda pelo aluguel da terra, pois... No momento em que toda a terra de um país se tornou propriedade privada, os donos das terras, como quaisquer outras pessoas, gostam de colher onde nunca semearam, exigindo uma renda,mesmo pelos produtos naturais da terra. O valor v de uma mercadoria é regulado pelos três componentes salário w, lucro l e renda da terra r v=w+l+r Não pode haver outros componentes, além desses três, na determinação dos preços. Qualquer outro tipo de dispêndio na produção poderá, em última instância, ser enguadrado numa dessas três categorias. Os juros, por exemplo, que são a renda auferida por uma pessoa que não emprega ela mesma seu capital, mas o empresta a outras, é um componente do lucro e, como tal, ele é sempre menos que o montante de lucro total. Os juros não são uma parte do preço, mas uma renda derivada do lucro. Salários, lucros e rendas da terra não se confundem entre si. Com o avanço da sociedade, há uma tendência crescente da maior participação de salários e lucros nos preços à medida que os produtos se tornam mais elaborados. Capítulo 7 O capítulo 7, intitulado “O Preço Natural e o Preço de Mercado das Mercadorias”, começa definindo os conceitos de preço natural e preço de mercado, em seguida ele descreve uma teoria de funcionamento dos mercados que mostra como a força do auto-interesse individual propulsiona o mecanismo de ajuste dos mercados. Preço natural é o conceito teórico mais fundamental, é nele que reside o valor real das coisas. “Em cada sociedade ou nas suas proximidades, existe uma taxa comum ou média para salários e para o lucro, em cada emprego diferente de trabalho ou capital. Essa taxa é regulada naturalmente – conforme exporei adiante – em parte pela circunstâncias gerais da sociedade – sua riqueza ou pobreza, sua condição de progresso, estagnação ou declínio – e em parte pela natureza específica de cada emprego ou setor de ocupação. Existe outrossim, em cada sociedade ou nas suas proximidades uma taxa média de renda da terra, também ela regulada – como demonstrarei adiante – em parte pelas cirscunstâncias gerais da sociedade ou redondeza na qual a terra está localizada, e em parte pela fertilidade natural da terra ou pela fertilidade conseguida artificialmente. Essas taxas comuns ou médias podem ser denominadas taxas naturais dos salários, do lucro e da renda da terra, no tempo e lugar em que comumente vigoram.” Teoria micro-macro dos preços Cada componente do preço tem a sua taxa natural e a somatória das taxas naturais de salário, lucro e renda da terra determinam o preço natural. Tal preço funciona como um ponto de equilíbrio ou uma condição de longo prazo. No curto prazo os preços efetivamente observados no mercado, os preços de mercado, oscilam em tornos do preço natural. Note que a explicação de Smith dos preços não é apenas microeconômica. Como se desprende da citação anterior, as taxas naturais dependem não apenas “da natureza específica de cada emprego ou setor de ocupação”, de seus aspectos técnicos e sociológicos, mas também da saúde macroeconômica. Demanda eficaz Smith apresenta um excelente tratamento de como os preços fora do equilíbrio alcançam os valores naturais. Para tanto, define o conceito de demanda eficaz, que leva em conta o papel dos indivíduos que desejam pagar o preço natural do bem. A oferta é inelástica e corresponde a uma quantidade fixa colocada no mercado. Graficamente falando, no plano que relaciona preços p com quantidades x da mercadoria, a demanda eficaz é um ponto que corresponde à quantidade total demandada ao preço natural oferta p Ponto de equilíbrio Preço natural x Demanda eficaz Se ao preço natural a quantidade ofertada estiver abaixo da demanda eficaz, o preço de mercado sobe acima do preço natural, tanto mais quanto menor a oferta em questão oferta p Preço de mercado Equilíbrio de curto prazo Ponto de equilíbrio de longo prazo Preço natural x Consequências Como efeito do aumento de preços, alguns demandantes deixam o mercado, só restando os que aceitam pagar o preço de mercado acima do valor natural. Ao mesmo tempo, preços elevados atraem novos ofertantes, de modo que, à medida que ocorre o processo de arbitragem entre mercados, os negócios se deslocam em direção ao mercado em questão, contribuindo para o aumento da oferta, ao lado da oferta ampliada, pelo estímulo dos preços, dos que já se encontravam neste mercado. A resultante destes movimentos é o deslocamento para a direita da oferta, até que o equilíbrio de longo prazo seja novamente restabelecido ao preço natural. Se houver um excesso de oferta ao preço natural ocorre o inverso. Os preços de mercado ficaram abaixo dos preços naturais, sinalizando novos compradores e retirando do mercado parte dos ofertantes até que o equilíbrio de longo prazo seja reestabelecido no preço natural. p Ponto de equilíbrio de longo prazo Preço natural Equilíbrio de curto prazo Preço de mercado x Os mercados na prática Na prática, os mercados estão sempre se ajustando, mas as flutuações nos preços são inevitáveis. Principalmente porque as condições da oferta são instáveis. Revezes naturais, variações na produtiviadade do trabalho ao longo do tempo e outros fatores levam a grandes flutuações de preços de mercado. No longo prazo, entretanto, os preços não podem descolar-se dos valores naturais já que o fluxo de capitais entre mercados trata de explorar eventuais discrepâncias na busca de um lucro maior. Méritos da análise do mercado em Smith O tratamento de Smith ao processo de equilibração a partir de posições fora do equilíbrio é excelente e antecipa o moderno tratamento da questão. Mas Smith não se preocupou com a descrição do processo de mercado, só se dedicando minimamente ao tema no capítulo 7. Mais fundamental na teoria dos preços de Smith era obter uma explicação para as taxas naturais que determinam o equilíbrio de longo prazo. Ele trata do tema nos próximos capítulos do livro I, e não é totalmente bem sucedido nesta empreitada. Capítulo 8: salários Smith começa o capítulo 8, que trata dos salários, dizendo ser ele a recompensa natural do trabalho. Na sociedade primitiva, o produto integral do trabalho pertence ao trabalhador, não há propriedade da terra e nem patrão para repartir o fruto do trabalho. Assim qualquer aumento de produtividade reverte em elevação de salário. No entanto, isto não ocorre necessariamente com o aparecimento de patrões e proprietários. O patrão adianta um capital e recebe lucro, o proprietário empresta a terra e recebe uma renda. Salários na sociedade evoluída Na sociedade evoluída, Smith investiga quais os salários comuns ou normais do trabalho. Reconhece, de início, que trabalhadores e patrões têm interesses contrários: Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para baixá-los. O salário depende das negociações entre as partes. A natureza do contrato de trabalho é resultante do jogo de pressões. O poder dos patrões O patrão sempre está numa posição vantajosa de negociar com os trabalhadores. Primeiramente porque ele pode resistir por mais tempo à paralização, já que não depende da renda corrente para sobreviver, tendo já acumulado uma fonte de recursos que lhe permite uma vida confortável mesmo diante de uma longa paralização nos negócios. Além disso, sempre fazem conchavos secretos destinados a baixar os salários. A fraqueza dos trabalhadores Por outro lado, mesmo fazendo mais barulho, os trabalhadores não conseguem impor seus interesses: ... os trabalhadores raramente auferem alguma vantagem da violência dessa associações tumultuosas, que, em parte devido à interferência da autoridade, em parte à firmeza dos patrões, e em parte por causa da necessidade à qual a maioria dos trabalhadores está sujeita por força da subsistência atual – geralmente não resultando senão na punição ou ruína dos líderes. O piso do salário Há um piso para os salários, abaixo do qual não se consegue manter os trabalhadores por muito tempo. Os salários devem ser suficientes, no mínimo, para a manutenção dos trabalhadores e de seus filhos. Há situações em que o trabalhador consegue ganhar mais do que o mínimo humanitário. A escassez de mão de obra sempre força os salários para cima. A teoria dos salários naturais Tem-se descrito a teoria dos salários naturais de Smith como aquele correspondente a um certo nível de subsistência, mas de fato não é bem isto que ele tem em mente. O salário natural depende da demanda por mão-de-obra e da disponibilidade local de trabalhadores. Aquela demanda depende dos fundos destinados ao pagamento de salários, que são de dois tipos: o excedente do empresário que é empregado novamente para manter o negócio e o excedente do proprietário de terra, e das demais classes abastadas, que é emprestado ou empregado diretamente para contratar mais trabalhadores. Fundos de salário e estoque de capital Os fundos destinados ao pagamento de salários guardam estreita relação com o estoque de capital da economia. Sempre que esse estoque crescer mais rapidamente que a população trabalhadora os salários serão elevados, é o caso dos EUA onde os salários eram maiores que os da Inglaterra, dado o crescimento acelerado daquele país. “Não é a extensão efetiva da riqueza nacional, mas seu incremento contínuo, que provoca uma elevação dos salários do trabalho. Não é, portanto, nos países mais ricos, mas nos países mais progressistas, ou seja, naqueles que estão se tornando ricos com maior rapidez, que os salários do trabalho são os mais altos. A Inglaterra é certamente, no momento, um país muito mais rico do que qualquer outra região da América do Norte. No entanto os salários do trabalho são mais altos na América do Norte do que em qualquer parte da Inglaterra.” País rico, povo pobre... Smith, diz que quando os salários estão elevados as famílias procriam mais e que “o indício mais claro da prosperidade de um país é o aumento do número de seus habitantes.” Mesmo que o país seja rico, se os fundos destinados aos trabalhadores forem constantes ao longo do tempo, em breve não existirá escassez de mão de obra e os salários cairão até a subsistência. A sociedade regride a uma condição de pobreza mesmo que um dia tenha alcançado considerável riqueza. Smith ilustra essa idéia com a descrição do caso da China. Esta passagem também revela, mais uma vez, o talento literário de Smith e como em certas partes da obra há um tom dramático a ilustrar suas idéais “A China foi por muito tempo um dos países mais ricos, isto é, um dos mais férteis, mais bem cultivados, mais industriosos e mais populosos do mundo. Ao que parece, porém, há muito tempo sua economia estacionou. Marco Polo, que a visitou há mais de quinhentos anos, descreve sua agricultura, sua indústria e densidade demográfica mais ou menos nos mesmos termos em que são descritos por viajantes de hoje. Talvez tivesse conseguido aquele complemento pleno de riqueza que a natureza e as leis e instituições permitem adquirir. Os relatos de muitos viajantes, contraditórios sob muitos outros aspectos, concordam em atestar a baixa taxa de salários e as dificuldades que um trabalhador tem para manter sua família na China. Ele se satisfaz se, após cavar o solo um dia inteiro, puder conseguir o suficiente para comprar uma pequena porção de arroz à noite. A situação dos artesãos é ainda pior, se é que é póssível. Ao invés de esperar indolentemente pelos chamados dos clientes nas oficinas, como acontece na Europa, circulam continuamente pelas ruas empunhando os instrumentos de seu ofício, oferecendo seu serviço, e quase mendigando emprego. A pobreza das camadas mais baixas do povo chinês supera de muito a das nações mais pobres da Europa. Nas adjacências de Cantão afirma-se que muitas centenas e até milhares de famílias não têm moradia, vivendo constantemente em pequenos barcos de pesca nas margens dos rios e dos canais. A subsistência que ali encontram é tão escassa, que ficam ansiosos por apanhar o pior lixo lançado ao mar por qualquer navio europeu. Qualquer carniça, por exemplo a carcaça de um cachorro ou gato morto, embora já em estado de putrefação e fedendo, é para eles tão bem-vinda quanto o alimento mais sadio para as pessoas de outros países. O casamento é estimulado na China, não porque ter filhos represente algum proveito, mas pela liberdade que se tem de eliminá-los. Em todas as grandes cidades, várias crianças são abandonadas toda noite na rua, ou afogadas na água como filhotes de animais. Afirma-se até que eliminar crianças é uma profissão reconhecida, cujo desempenho assegura a subsistência de certos cidadãos.” Casos da Índia e Inglaterra Smith também cita o caso da Índia, pior que o da China, pois lá não apenas os fundos destinados aos trabalhadores deixaram de crescer como regrediram. Na Inglaterra os salários permanecem bem acima do nível de subsitência, e como prova disto Smith argumenta que nesse país variações nos preços dos mantimentos não afetam o valor dos salários e que muitas vezes preços e salários caminham em direções opostas. Há de se considerar também que na ilha há grande diferença de salários explicada em parte pela dificuldade de se transportar pessoas de um lugar a outro. Pobreza e demografia Smith tem uma interpretação bastante plausível da relação entre pobreza e crescimento da população. Argumenta que nos pobres a fecundidade é maior, mas a proporção dos que chegam à maturidade é menor que nos ricos. Assim, os salários não representam um freio nas taxas de nascimento, mas, no longo prazo, estão sempre a limitar a população trabalhadora pelas altas taxas de mortalidade que ocorrem quando as rendas são baixas. Síntese da teoria de salários de Smith A teoria dos salários de Smith não é simples de ser sintetizada. Smith joga com vários aspectos do tema e nem sempre é suficientemente claro. A melhor interpretação é a de que nele os salários são determinados pela relação entre o crescimento do estoque de capital que irá compor o fundo para o pagamento de salários e as taxas de crescimento vegetativo da população. Da relação entre essas duas taxas de crescimento se chega a um certo nível de salário, mas não se determina claramente, em cada caso, qual o nível teórico de salário de equilíbrio. Há um grande número de digressões. Ora ele chega a uma fronteira inferior para o salário real que é a condição para a reprodução da oferta de trabalho. Se o salário não permite a reprodução, a oferta de trabalho cairá no futuro e os salários aumentarão, se o salário está acima do necessário para a reprodução, a oferta de trabalho se ampliará e os salários cairão no futuro. A demanda por trabalhador, como por toda as outras mercadorias, regula a produção de homens. Mas Smith não é explícito em como as taxas de salário se formam entre uma geração e outra. Os salários podem ficar indefinidamente acima do nível de subsistência se o estoque de capital crescer sempre a taxas superiores à evolução demográfica. Em suma, Smith não chega a uma teoria de salários de equilíbrio. Não se pode dizer que o nível de subsitência seja o valor de equilíbrio pensado por Smith. A teoria do salário eficiente Chama a atenção neste capítulo outras consideraçoes de Smith sobre os salários. Ele já introduz o que modernamente se conhece por “teoria do salário eficiência”: como o desempenho do trabalho é afetado pelo salário percebido “Assim como a remuneração generosa do trabalho estimula a propagação da espécie, da mesma forma aumenta a laboriosidade. Os salários representam o estímulo da operosidade, a qual, como qualquer outra qualidade humana, melhora em proporção ao estímulo que recebe. Meios de subsistência abundantes aumentam a força física do trabalhador, é a esperança confortante de melhorar sua condição e talvez terminar seus dias em tranquilidade e abundancia que o anima a empenhar suas forças ao máximo. Portanto, onde os salários são altos, sempre veremos os empregados trabalhando mais ativamente, com maior diligência e com maior rapidez do que onde são baixos; é o que se verifica, por exemplo, na Inglaterra, em comparação com a Escócia, o mesmo acontecendo nas proximidades das cidades grandes, em comparação com as localidades mais recuadas do interior.” Capítulo 9 Sobre os lucros do capital A determinação teórica da taxa natural de lucro Assim como os salários, os lucros do capital dependem do estado de progresso da riqueza na sociedade. Mas tal processo afeta os lucros de maneira diferente do que afeta os salários. O aumento do capital faz decair as taxas de lucro ao mesmo tempo em que eleva os salários, quer se trate do capital na sociedade como um todo ou do capital de um determinado negócio. Assim a concentração dos grandes negócios na cidade reduz as taxas de lucros nesta localidade ao passo que a escassez de capital no campo as eleva. Por outro lado, os salários são maiores nas cidades e menores no campo. Lucros decrescem com o progresso da nação Então o efeito da prosperidade nos lucro é sua redução. O raciocínio de Smith considera que a expansão do capital torna menores as possibilidades de emprego lucrativo; a concorrência de capitais reduz as taxas de lucros. Embora os lucros devam diminuir com o desenvolvimento da economia, há exceções, como ocorre nas colônias inglêsas onde salários e lucros andam juntos. Neste caso, altos lucros e salários estão associados à ocupação de novas áreas com elevado grau de fertilidade e boa localização. Mas mesmo aqui, os lucros devem diminuir com o tempo, argumenta Smith. Há também situações em que salários e lucros são conjuntamente baixos, quando após um grande progresso a sociedade entra em estagnação. Portanto, não há necessariamente correlação inversa entre salários e lucros em toda parte, mas a tendência das variáveis é de caminharem em direções opostas. Este efeito não é de todo indesejável. A baixa taxa de lucro nos países mais avançados compensa os elevados salários, de modo que os países ricos conseguem manter preços competitivos no comércio mundial. O mesmo vale para a relação entre a cidade e o campo. Lucros flutuantes Os lucros flutuam muito. Tudo o que afeta preços, concorrência, clientela, risco de transporte, custo de armazenagem etc. faz o lucro variar no dia a dia. Smith dá especial ênfase aos juros que são pagos pelos lucros e dedica boa parte do capítulo a discuti-los. Nesse sentido, há muito material histórico apresentado. Juros do dinheiro e lucros variam no mesmo sentido e, sendo assim acompanhar a evolução dos primeiros nos fornece uma idéia dos lucros. Na Inglaterra, Henrique VIII decretou um teto de 10% nos juros, Eduardo VI proíbe completamente a pratica dos juros, medida inócua. O decreto 13o de Isabel mantem o teto anterior, mas Jaime I , no decreto 21o, reduz o teto para 8%. Após a Restauração inglesa, ele cai a 6% e finalmente a rainha Ana limita-o em 5%. Após discorrer sobre esses casos históricos, Smith assevera que estas medidas controladoras apenas conseguiram seguir as taxas de mercado, mas que em geral poder-se-ia tomar emprestado a um juro menor do que este. A partir de Henrique VIII o progresso da Inglaterra fez aumentar os salários e reduzir os lucros. Smith nos conta que também se procurou reduzir os juros na França do século XVIII, mas no caso o objetivo principal era reduzir a dívida pública. As taxas de mercado seguiram um caminho próprio, não totalmete dependentes das taxas oficiais. Os juros Juros são sempre proporcionais ao lucro líquido. As taxas mínimas de juros devem remunerar o risco do emprestador e, portanto, os lucros sempre estarão acima deste mínimo. Nos países ricos, os juros são baixos e ninguém vive dele. Todos são homens de negócios, como no caso da Holanda, país tido como mais avançado que a própria Inglaterra. Em países pobres, muitos vivem de emprestar dinheiro, a taxa de lucro é mais alta e a proporção dele destinada ao pagamento de juros é maior que nas nações ricas. A regra geral Como regra, a taxa natural de lucro declina conforme o país se torna mais rico. Acréscimo nos estoques, no número de empresários ou na competição entre comerciantes e produtores reduz os lucros. Destarte, Smith indica a trajetória dos lucros mas não determina o nível da taxa natural de lucro. A estrutura analítica da teoria de juros de equilíbrio, como anteriormente na teoria de salários naturais, fica sem um verdadeiro embasamento teórico. Capítulo 10 Smith discute as causas das desigualdades entre salários e lucros em diferentes ocupações. Novas considerações factuais são introduzidas, mas não se resolve a questão teórica do nível em que essas variáveis são estabelecidas no equilíbrio. Capítulo 11 Finalmente, o último componente dos preços, a renda, é apresentado Teoria da renda da terra de Smith Aqui se diz que a renda da terra é o preço pago ao proprietário pelo uso da mesma, “é o máximo que o arrendatário pode permitir-se pagar, nas circunstâncias efetivas da terra.” Depois de pagos os salário e o preço dos demais fatores de produção, e embolsado um lucro normal, o que sobra do valor da produção é pago em renda da terra. A renda, diz Smith, não é um pagamento pelo capital emprestado pelo dono da terra para melhorá-la, não se confunde com lucros e juros. Mesmo terras que não podem receber melhorias pagam renda, como na exploração de algas marinhas. A renda é um preço de monopólio; não é proporcional ao que o empresário investiu ou ao que se pode extrair da terra. Renda como excedente Sempre que a relação entre oferta e demanda eficaz possibilite à mercadoria ser vendida pelo seu preço natural, a renda é o que sobra após substraído dele os salários, o pagamento unitário de lucros normais e a reposição do valor do capital. A renda é a parcela excendente e como tal ela depende da demanda. Se o preço praticado está acima dos preços normais, uma parte da parcela excedente vai para a renda da terra (outra parte estaria reunerando salários ou lucros sacima de seus valores naturais). Assim a teoria da renda de Smith apresenta uma certa inconsistência: ao mesmo tempo em que a renda é uma parcela do preços, e como tal deveria determiná-lo, ela mesma é função dos preços, pois é obtida como resíduo do valor das vendas. Smith não se incomodou com essa circularidade lógica, mas, ciente dela, Ricardo tratou de reformular a teoria 50 anos depois. Outros temas do capítulo O capítulo 11 discute ainda os casos de produtos da terra que sempre proporcionam alguma renda, os que às vezes a proporcionam e o que provoca variação na renda. Neste último, diz que a renda é maior perto das cidades e que, além da localização, a fertilidade é um item importante. A melhoria de transportes tem efeito sobre as rendas. A renda obtida nos trigais regula a renda das terras dedicadas à pecuária e outra atividades. Produtos que proporcionam um excedente de valor maior, como as batatas, aumentam as rendas. Estas são as principais considerações de Smith a respeito dos fatores que condicionam a renda. Voltando à questão dos produtos que sempre pagam renda da terra, Smith cita o caso dos alimentos. Eles sempre proporcionam renda porque são desejados por atenderem a necessidades básicas do homem. Outros produtos da terra, usados no vestuário e em moradia, às vezes pagam renda às vezes não. Quando a terra é tratada de modo a oferecer alimentos suficientes para manter as pessoas, há uma demanda adicional por produtos ligados à fabricação de roupas e moradia. Enquanto houver, para esse casos, um excesso de demanda, o preço elevado desses materiais proporciona o pagamento de renda da terra. Quando a terra produz materiais para vestuário e moradia mais do que requer as pessoas a serem sutentadas, mesmo estando a terra em estado natural e não tratado, tais produtos não acarretarão renda. Então a renda depende da dinâmica da demanda em relação à oferta. Há digressões interessantes sobre a relação entre o preço do carvão em comparação ao preço da madeira e o pagamento de renda nas minas de carvão. A mina mais fértil regula o preço do carvão e a renda é proporcional à superioridade das minas. Também é importante a discussão sobre o valor da prata feita, neste mesmo capítulo, em conexão com a teoria da renda. Renda determinando preços? A renda da terra é efeito de variações nos preços e não uma causa delas. A renda das minas de carvão parece ser regulada por um princípio diferente do caso geral. Smith diz que o custo de produção da mina que não paga renda é um bom indicador do menor preço a que a mercadoria é vendida. Nota-se portanto que, neste caso, as rendas determinam os preços.