ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAAR Nº 70017538984 2006/CÍVEL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE VALE VERDE. LEI ORGÂNICA MUNICIPAL (ART. 62, II). PROCEDIMENTO PARA O PROCESSO DE CASSAÇÃO DE MANDATO DO PREFEITO MUNICIPAL E DE SEU VICE. INFRAÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS. QUORUM PARA RECEBIMENTO DA ACUSAÇÃO DIVERSO DAQUELE ESTABELECIDO NAS CONSTITUIÇÕES ESTADUAL E FEDERAL, QUE EXIGEM MAIORIA QUALIFICADA. VIOLAÇÃO DAS REGRAS INSERTAS NOS ARTS. 8º e 84 da CE/89, e 86 da CF/88. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70017538984 ÓRGÃO ESPECIAL COMARCA DE PORTO ALEGRE EMIR ROSA DA SILVA PROPONENTE CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE VALE VERDE PROCURADORA-GERAL DO ESTADO REQUERIDA INTERESSADA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade. Não participaram do julgamento, por motivo justificado, os Desembargadores João Carlos Branco Cardoso e Leo Lima. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE), DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA, DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO, DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES, DES. RANOLFO VIEIRA, DES. VLADIMIR GIACOMUZZI, DES. ARAKEN DE ASSIS, DES. 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAAR Nº 70017538984 2006/CÍVEL VASCO DELLA GIUSTINA, DES.ª MARIA BERENICE DIAS, DES. DANÚBIO EDON FRANCO, DES. ROQUE MIGUEL FANK, DES. JORGE LUÍS DALL´AGNOL, DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO, DES. ARNO WERLANG, DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO, DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, DES. GUINTHER SPODE, DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO, DES.ª MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS E DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ. Porto Alegre, 26 de fevereiro de 2007. DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, Relator. RELATÓRIO DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS (RELATOR) - Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido liminar, proposta pelo Prefeito Municipal de Vale Verde, figurando como requerida a Câmara Municipal de Vereadores, objetivando ver declarada a inconstitucionalidade do inciso II do artigo 62 da LOM, que estabelece o procedimento a ser adotado no processo de cassação do mandato do Prefeito e do Vice-Prefeito, de forma a restabelecer a independência e harmonia entre os poderes. Aduz o proponente, em síntese, que o artigo de lei impugnado, ao estatuir que a denúncia apresentada perante a Câmara de Vereadores, para o processamento do Chefe do Poder Executivo, tanto nas infrações 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAAR Nº 70017538984 2006/CÍVEL penais comuns quanto nos crimes de responsabilidade, será admitida mediante aprovação por maioria dos presentes, ostenta-se inconstitucional por vício de iniciativa. Nesse sentido, aponta manifesta violação ao princípio da simetria, uma vez que dispõe sobre matéria de atribuição exclusiva do Poder Executivo, contrariando expressamente o disposto nos arts. 8º e 84, caput, da CE/89, bem como no art. 86, caput, da CF/88. Deferido parcialmente o provimento liminar, para suspender, com redução de texto, as expressões “pelo voto da maioria dos presentes”, a Procuradoria–Geral do Estado manifesta-se no sentido da manutenção da lei em debate, forte no princípio que presume sua constitucionalidade. O Presidente da Casa Legislativa, por sua vez, prestando informações, aduz reconhecer o pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo 62, II, da LOM, asseverando que o dispositivo em tela se encontra em desuso, prevalecendo em sua interpretação o regramento inserto nas Constituições Estadual e Federal, no que diz com o quorum necessário para o recebimento de denúncia contra o Prefeito Municipal. O Dr. Procurador-Geral de Justiça, lançando parecer, opina pela procedência da ação, por afronta ao artigo 8º, caput, da Constituição Estadual, e ao artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, bem como por estar em consonância ao entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula nº 722). É o relatório. VOTO DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS (RELATOR) Eminentes colegas. A representação compreende o inciso II do artigo 62 da Lei Orgânica do Município de Vale Verde, tangente ao 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAAR Nº 70017538984 2006/CÍVEL procedimento do processo de cassação de mandato do Prefeito e do VicePrefeito, versando o seguinte: “Art. 62 – A cassação do mandato do Prefeito e Vice-Prefeito, pela Câmara de Vereadores, por infrações definidas no artigo anterior, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela União ou Estado: ... II – de posse da denúncia, o Presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a Câmara sobre o seu recebimento. Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, na mesma sessão será constituída a Comissão processante com Vereadores sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator; Ao deferir a provisão liminar, para suspender cautelarmente os efeitos de parte do dispositivo legal inquinado, assim me pronunciei: “ Reexamino o pedido de liminar, agora reiterado justificadamente, dando contra de que o dispositivo da LOM inquinado (art. 62, II), embora vigente desde no ano de 1998, está a gerar efeitos de conseqüências graves, com o recebimento pela Câmara de Vereadores, por maioria simples, de denúncia contra o Prefeito Municipal, para a apuração de infração políticoadministrativa. A suspensão cautelar pretendida, portanto, passa a ter relevância, presente o “periculum in mora”, assim como também a relevância da fundamentação deduzida, já que a Constituição do Estado, por simetria, exige a aprovação, para admitir a acusação contra o Governador do Estado, de dois terços dos Deputados. Repetindo, aliás, o que estabelece simetricamente a Constituição Federal (art. 86), regras que os municípios devem obediência por força do que dispõe o art. 8º da CE. A hipótese, entretanto, não é de definir quorum diferente, introduzindo alteração na Lei Orgânica do Município de 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAAR Nº 70017538984 2006/CÍVEL Vale Verde, cediço que o Judiciário não tem atribuição legislativa, vazio a ser preenchido pelos legisladores do Município. Tampouco de suspender toda a eficácia do inc. II, art. 62, da LOM, senão que apenas da parte em que desatende o regramento constitucional, referente ao quorum para o recebimento da acusação contra o Prefeito. DEFIRO, assim, parcialmente a liminar, suspendendo, com redução de texto, as expressões “... pelo voto da maioria dos presentes ...”, contidas no art. 62, II, da Lei Orgânica do Município de Vale Verde”. Na verdade, o defeito antevisto pelo proponente, apontando ofensa aos comandos do art. 84, caput, da CE/89, e art. 86, caput, da CF/88, observados por força do disposto no art. 8º da Carta Provinciana, dissente a respeito do quorum necessário para o recebimento da acusação, pelo Poder Legislativo, de denúncia contra o Chefe do Executivo Municipal, porquanto diverso daquele estabelecido nas Cartas Estadual e Federal, que exigem maioria qualificada. Com efeito, o artigo 62, inciso II, da LOM, na parte em que dispõe sobre o quorum para o recebimento de denúncia contra o Prefeito Municipal e seu Vice, nos processos para apuração de infrações políticoadministrativas, contentando-se com a maioria simples, efetivamente desatende o que preconiza a ordem constitucional retromencionada, além de malferir o princípio da harmonia e independência entre os Poderes, consagrado no artigo 10 da CE/89, e ainda violar o princípio da simetria. Tem-se, portanto, que o dispositivo de lei questionado efetivamente padece, em parte, do defeito apontado. Não alcança, por certo, todo o comando do aludido inciso II do artigo 62, na parte em que trata do procedimento de cassação do mandato do Prefeito Municipal e de seu Vice, 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAAR Nº 70017538984 2006/CÍVEL por infrações político-administrativas, senão que apenas o quorum necessário para o recebimento da denúncia, mais precisamente às expressões “pelo voto da maioria dos presentes.” Nessa diretriz, o parecer do Dr. Procurador-Geral de Justiça bem enfrenta a questão, dando pela inconstitucionalidade alvitrada, muito embora estenda o defeito à integralidade do texto, tendo como defeso ao Município legislar sobre a matéria. No meu ponto de vista, entretanto, não há disposição sobre crime de responsabilidade ou referência à forma de processo e julgamento, senão que apenas deliberação sobre o quorum para o recebimento de denúncia contra o Prefeito e o Vice-Prefeito, no âmbito do interesse local (CF, art. 30, inc. I e II), assim não afrontando a competência legislativa da União (CF, art. 22, I). O tema não é novo nesta Corte, encontrando-se precedentes assim ementados: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO. PREFEITO MUNICIPAL. O QUORUM DE MAIORIA QUALIFICADA DOS VEREADORES É EXIGIDA PARA DELIBERACAO DE ADMISSIBILIDADE DE DENÚNCIA CONTRA O CHEFE DO PODER EXECUTIVO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA COM BASE NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE DE MAIORIA SIMPLES OU ABSOLUTA. AGRAVO PROVIDO” (AI nº 598546935, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Vasco Della Giustina, j. em 24/03/1999). “PROCESSO DE IMPEDIMENTO. PREFEITO MUNICIPAL. SE O REGIMENTO INTERNO DA CÃMARA DE VEREADORES REMETE-SE A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E ESTA RECLAMA QUORUM DE 2/3 DOS PARLAMENTARES PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, É ESTE O REGRAMENTO QUE DEVE SER OBSERVADO. NÃO APENAS PELO PRINCÍPIO DA SIMETRIA, MAS PELA ADOÇÃO LEGISLATIVA DO TRATAMENTO PREVISTO NA CARTA ESTADUAL” (AI nº 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAAR Nº 70017538984 2006/CÍVEL 599020633, 1ª Câmara de Férias Cível, Rel. Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa, j. em 16/03/1999). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VALOR DA CAUSA. QUORUM PARA ADMISSÃO DE ACUSAÇÃO CONTRA O PREFEITO MUNICIPAL. (...) SE A CARTA MAGNA E A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL PREVÊEM QUORUM QUALIFICADO DE DOIS TERÇOS PARA RECEBIMENTO DE ACUSAÇÃO CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA OU O GOVERNADOR DO ESTADO, NÃO PODE, A LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO, INOVAR, PREVENDO MAIORIA SIMPLES. PROCEDENCIA PARCIAL DA AÇÃO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO INC. II, ART. 57 DA LOM, SUPRIMINDO-SE O TRECHO ‘...PELO VOTO DA MAIORIA DOS PRESENTES’. UNÂNIME” (ADI nº 596001057, Rel. Des. Eliseu Gomes Torres, j. em 04/11/1996). Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação, ao efeito de pronunciar a parcial inconstitucionalidade, com redução de texto, do inciso II do artigo 62 (pelo voto da maioria dos presentes) da Lei Orgânica do Município de Vale Verde. TODOS OS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR. DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE) - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70017538984, COMARCA DE PORTO ALEGRE: "JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME.” PRESENTE O DOUTOR YASCHA PEREIRA COSTA GOLUBCIK, PELO PROPONENTE. NÃO PARTICIPARAM DO JULGAMENTO, POR MOTIVO JUSTIFICADO, OS DESEMBARGADORES JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO E LEO LIMA. 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LAAR Nº 70017538984 2006/CÍVEL MR 8