Doenças do trato genital – doenças sexualmente transmissíveis (DST) DST - conjunto de doenças infecciosas transmitidas primáriamente ou exclusivamente por contato sexual podem ser causadas por bactérias , vírus, protozoários e fungos o seu atual crescimento decorre de: aumento da densidade e da mobilidade das populações; dificuldades na mudança do comportamento sexual dos indivíduos; ausência de vacinas eficazes para a maioria das DST principais etiologias relacionadas as DST: bacterianas: blenorragia (gonorréia), sífilis (lues), linfogranuloma venéreo, cancro mole e granuloma inguinal fungos : vaginites por Candida protozoários : vaginites e uretrites por Trichomonas virais: papilomavírus (verrugas genitais,displasias), herpesvírus (herpes genital), AIDS (vírus HIV) aspectos gerais do tratamento e controle das DST: tratamento deve abranger os parceiros sexuais; indivíduos assintomáticos funcionam como reservatórios – identificar e tratar; sempre considerar a possibilidade de infecções múltiplas; comportamento preservativos sexual – promiscuidade, utilização de Blenorragia ou Gonorréia Neisseria gonorrhoeae diplococo Gram-negativo, imóvel, não esporulado; único hospedeiro natural : humanos - reservatório cultivo : meios de cultura especiais, suplementados com sangue, soro, coenzimas, vitaminas... gênero Neisseria: espécies patogênicas: N. gonorrhoeae, N. meningitidis espécies saprófitas: N. sicca, N. lactamica, N. flava, outras... espécies saprófitas de Neisseria podem ser encontradas nas mucosas oral e do trato genito-urinário distinção entre espécies saprófitas e patogênicas requer cultivo e identificação do microrganismo Patogênese : colonização das células epiteliais através de pili (pilinas) e de proteínas da membrana externa ( Por, Opa ) segue-se a invasão das células epiteliais não ciliadas, multiplicação intracelular e transcitose; o microrganismo pode atingir a membrana basal do epitélio e o tecido conjuntivo sub-epitelial; raramente, disseminação hematogênica e doença sistêmica – indivíduos com imunodeficiência do sistema complemento ( C5-C8 ) N. gonorrhoeae observada por microscopia eletrônica de varredura – pili delgados e longos são vistos emergindo das células do microrganismo Patogênese da infecção por N. gonorrhoeae – aderência através de pili e Omps, internalização, transcitose e eventual disseminação hematogênica Aderência e invasão de N. gonorrhoeae, observada por microscopia eletrônica de varredura Doença : Início : 2-5 dias após a infecção sexo masculino : uretrite anterior quadro agudo: exsudato purulento, disúria raramente crônica ; assintomáticos : apenas 5-10% sexo feminino: cérvix uterino ; assintomáticos : 30-50% transmissível a recém-natos: “oftalmia neonatorum” podem ocorrer: conjuntivites, proctites (reto), faringites geralmente, manifestações secundárias complicações: artrite séptica, constrições uretrais, prostatites crônicas; em mulheres (10-20% na doença não tratada) : infecções ascendentes (doença inflamatória pélvica) e infertilidade (obstrução das trompas) Diagnóstico laboratorial bacterioscopia direta (Gram) : sem validade para sítios como reto, cérvix, vagina, orofaringe cultura : meios suplementados e seletivos – agar Thayer & Martin testes moleculares: sondas de DNA e reações de PCR Tratamento: ceftriaxona ou fluoroquinolonas ( ciprofloxacina ) cepas resistentes à penicilina ( produtoras de betalactamases ) e a outras drogas (tetraciclina, eritromicina e aminoglicosídeos ) ocorrem com freqüência crescente; considerar a possibilidade de infecção concomitante por Chlamydia – associação com doxiciclina Esfregaço de secreção uretral masculina corado pelo Gram – diplococos Gram-negativos extracelulares e intracelulares, no interior de leucócitos polimorfonucleares Meio de cultura seletivo (Thayer-Martin) utilizado para o isolamento de Neisseria gonorrhoeae a partir de sítios com microbiota normal (vagina, reto, orofaringe) e aspecto das colônias de gonococo Sífilis ou Lues doença exclusivamente humana Treponema pallidum – espiroqueta microrganismos filamentosos, espiralados, finos e delicados, móveis não são cultiváveis “in vitro” não se coram pelos métodos convencionais ( Gram ou outros corantes ) extremamente finos, espessura de 0,2 micras (1/5 de um bastonete Gram-negativo típico, como Escherichia coli); transmissão predominantemente sexual : horizontal (contato de mucosas) e vertical ( transplacentária ) causam lesões graves, irreversíveis : cardiovasculares, sistema nervoso central, sistema musculoesquelético Treponema pallidum – imagem ao microscópio e diagrama ilustrando a estrutura da superfície do patógeno e os flagelos periplásmicos Doença: é dividida em três estágios clínicos: sífilis primária – 2 a 4 semanas após a infecção: lesão de porta de entrada ( cancro primário ), geralmente único: erosão indolor com bordos bem definidos, profundidade variável, fundo recoberto por exsudato inflamatório a base da lesão é endurecida, e o cancro geralmente é associado com linfadenite regional ; a lesão é infectante, rica em treponemas ; regride espontaneamente em 10-14 dias, sem cicatriz; pode ocorrer a cura espontânea da doença. sífilis secundária – doença disseminada; 2-10 semanas linfoadenopatia generalizada, erupções muco-cutâneas (mucosas da boca, vagina, reto e vulva), febre e mal estar, anorexia; as lesões são infectantes. pode ocorrer cura espontânea. sífilis terciária – latente ou tardia; 8-30 anos pequena proporção de casos evolui para esta fase; lesões destrutivas em aorta, SNC, outros tecidos ( neurosifilis, sífilis cardiovascular ) evolução arrastada, 3 a 30 anos; o paciente deixa de ser infectante sífilis congênita – adquirida até os 3 meses da gestação : morte intrauterina; anomalias congênitas; infecção silenciosa Sífilis primária (cancro duro) e lesões da sífilis secundária – as lesões ulceradas são infectantes Diagnóstico laboratorial a) detecção direta do treponema – métodos de observação especiais : Fontana-Tribondeau e similares – emprega sais de prata; especialmente em biópsias de tecidos microscopia de campo escuro microscopia de imunofluorescência direta – anticorpos antitreponema conjugados a um fluorocromo todos estes métodos de detecção direta podem ser tentados a partir do exsudato obtido da lesão Observação microscópica do T. pallidum em biópsia de tecido (coloração pela prata) e por microscopia de campo escuro b) investigação sorológica – pesquisa de anticorpos no sangue dos indivíduos: b.1 ) métodos de triagem pela pesquisa de cardiolipina: teste de floculação VDRL O VDRL carece de especificidade, mas é muito sensível detecta anticorpos IgM e IgG anti-cardiolipina o VDRL pode ser feito nos formatos qualitativo quantitativo (permite a titulação dos anticorpos) ou é positivo 4-6 semanas após a infecção ou 1- 2 semanas após o surgimento do cancro primário; o VDRL declina após o tratamento com antibióticos : sororeversão falso-positivos: hanseníase, tuberculose, lupus, artrite reumatóide, mononucleose infecciosa etc. Soros controle: NEGATIVO ANTES POSITIVO NEGATIVO POSITIVO APÓS TRATAMENTO Soro do paciente: Reação de floculação da cardiolipina VDRL – comparação dos resultados obtidos com o soro de um paciente com lues antes e após 6 meses do tratamento com penicilina b.2 ) exames sorológicos de certeza teste de imunofluorescência para antígeno protéico do treponema teste FTA-ABS (fluorescent treponemal antibodies) também existem ensaios imunoenzimáticos (ELISA) no FTA-ABS, utiliza-se o soro do paciente e treponemas fixados em uma lâmina muito específico, mas pouco sensível não se presta ao controle de cura – permanece positivo em recém-natos, deve-se considerar a presença de anticorpos maternos: testar para IgM e reavaliar aos 6 meses, quando ocorre queda nas taxas de anticorpos maternos. Princípio da reação de imunofluorescência indireta – anticorpo X para o antígeno, e um segundo anticorpo anti-X marcado com o fluorocromo Reação de FTA – treponemas fixados em uma lamina são cobertos com o soro do paciente e a seguir com um anticorpo de coelho anti-globulina humana conjugado a uma molécula fluorescente Tratamento: penicilinas – ainda é a droga de escolha boas alternativas: tetraciclinas (doxiciclina), cefalosporinas, eritromicina considerar a associação com outras DST ( blenorragia, Chlamydia ) sífilis congênita: sorologia no inicio da gestação (1-3 meses) e tratamento com penicilina. Infecções por Clamidia Chlamydia trachomatis pequenas ( 0,2 - 1,5 micrometros ), imóveis parasitas intracelulares estritos ( "grandes vírus“ ) DNA e RNA, parede celular, ribossomos fissão binária - ciclo peculiar : corpúsculos elementares e corpos reticulares C. trachomatis - 2 biotipos envolvidos em doença humana : biotipo LGV (linfogranuloma venéreo) – sorotipos L1, L2 e L3 biotipo tracoma – sorotipos A-C ( tracoma ) e D-K ( infecções genitourinarias ) ambos podem causar: conjuntivites, ceratites ( tracoma ou conjuntivite de inclusão ), faringites, otites, inflamações articulares, infecções do trato genital ( uretrites inespecíficas, cervicites, vaginites, linfogranuloma venéreo ) Esquema mostrando a peculiar forma de replicação da Chlamydia trachomatis – corpúsculos elementares infectantes e corpos reticulados Principais doenças causadas por Clamidia: a) tracoma - ceratoconjuntivite crônica, grave > cegueira no mundo: Oriente Médio, Norte da África, India no Brasil: Ceará, Nordeste, interior da Bahia, RS , S. Paulo contato e transmissão > não-venérea b) infecções urogenitais por Clamídia > homens e mulheres infecções assintomáticas > 80% das mulheres > 7% dos homens nos homens, a infecção geralmente é sintomática: uretrites, infecções oculares ( por auto-inoculação – conjuntivite de inclusão ) importante notar : 70% das parceiras sexuais de homens com uretrite por Clamídia - colonizadas ou infectadas nas mulheres, manifestações clínicas são mais graves : cérvix uterino: sítio primário de infecção uretrites, cervicites, endometrites, salpingites, vaginites, proctites, endocardites recém-natos podem adquirir conjuntivite ou pneumonia intersticial por contaminação no canal do parto; síndrome de Reiter : uretrite, conjuntivite, poliartrite, lesões mucocutaneas 80% dos casos – precedida por infecção genital por Clamidia c ) linfogranuloma venéreo incubação: 7-12 dias porta de entrada: úlcera pequena, discreta após 1-4 semanas > linfadenite aguda: linfonodos regionais mostram-se aumentados, doloridos e supurados ("bubões") pode ocorrer fistulização e drenagem dos linfonodos disseminação local ( proctites ) e sistêmica : artrites, conjuntivites, meningoencefalites nas mulheres : os bubões podem passar despercebidos e a doença pode avançar para fase crônica: úlceras, cicatrização, retraimento dos tecidos > obstruções linfáticas e edema de genitália; estenoses de uretra, vagina e reto; fístulas reto-vaginais durante a evolução da doença a mulher é infectante Doenças causadas por Clamidias : tracoma e linfogranuloma venéreo Diagnóstico laboratorial: a) cultura : pode ser feita em linhagens celulares cultivadas em laboratório sensível, mas de difícil execução em condições de rotina b) detecção microscópica: imunofluorescencia direta com anticorpos monoclonais conjugados a um fluorocromo pouco sensível nas infecções assintomáticas c) teste imunoenzimático – ELISA ; pouco eficiente nas infecções assintomáticas d) testes moleculares: sondas de DNA e PCR especialmente o PCR, muito sensível : > 90%, mesmo em infecções assintomáticas realizado com secreções de cérvix, uretra ou jato de urina Detecção de C. trachomatis por imunofluorescência A reação da PCR (polymerase chain reaction) Identificação do gene amplificado pela reação de PCR – o produto da reação sofre uma corrida eletroforética em um gel e a banda produzida deverá ter o tamanho esperado para o gene investigado Tratamento: as Clamidias não respondem a penicilina recomenda-se a doxiciclina ( tetraciclina ) em grávidas e recém-natos, usar eritromicina Outras doenças sexualmente transmissíveis: Cancro Mole (“cavalo”) Haemophilus ducreyi pequeno bastonete Gram-negativo ; cultivo fastidioso período de incubação - 2 a 10 dias genitália > pápula ou vesícula > pústula hiperemiada > necrose e ulceração no homem > geralmente no prepúcio nas mulheres > vulva, clitóris e períneo geralmente úlceras múltiplas > fundo purulento e base mole linfonodos regionais (inguinais) > aumento e fistulização diagnóstico diferencial com a sífilis > lesão primária Diagnóstico laboratorial: esfregaço da lesão corado pelo Gram ( 60%-90% de positividade ) esfregaço de biópsia dos linfonodos pesquisa de treponema (campo escuro ou colorações especiais) cultivo do microrganismo > meio rico: ágar chocolate suplementado com vitaminas e antibióticos Tratamento: eritromicina, ceftriaxona, tetraciclinas, cloranfenicol considerar o tratamento simultâneo para sífilis Cancro mole: lesões multiplas na porta de entrada e esfregaço corado pelo Gram: bastonetes Gram-negativos delicados, sugestivos de Haemophilus ducreyi Granuloma Inguinal ou Donovanose: Calymmatobacterium granulomatis bastonete Gram-negativo capsulado - cultivo difícil parasitas intracelulares - macrófagos >> corpúsculos de Donovan causa lesões ulcerativas ou granulomatosas incubação: cerca de 45 dias genitália, ânus > nódulos subcutâneos > ulceração inicial > lesões ulcero-vegetantes lesões secundárias: boca, nariz, faringe cicatrização, fibrose, edema linfático nas regiões perineal e perianal hiperplasias pseudocarcinomatosas Granuloma inguinal (donovanose) – lesões granulomatosas, vegeativas e ulceradas e a presença de “corpúsculos de Donovan” em esfregaços corados pelo Giemsa (acima) ou pelo Gram Diagnóstico laboratorial: localização dos corpúsculos de Donovan esfregaços profundos, cortes histológicos : coloração de Giemsa Tratamento: ampicilina, tetraciclinas, sulfametoxazol-trimetoprim, gentamicina, cloranfenicol longa duração (cerca de 30 dias) Vulvovaginites por Trichomonas Trichomonas vaginalis - protozoário flagelado, móvel nos homens > predominam infecções leves (uretrite) nas mulheres > ocorrem infecções assintomáticas ; reservatório transmissão venérea e não-venérea > recém-natos, toalhas contaminadas fatores predisponentes : gravidez, uso de anticoncepcionais, diabetes, carcinomas, antibioticoterapia Diagnóstico laboratorial: esfregaços corados > método de Papanicolau exame à fresco > mobilidade do microrganismo Tratamento: metronidazol > inclusive parceiros sexuais Pesquisa de Trichomonas vaginalis por coloração pelo Gram e por microscopia à fresco Vaginoses bacterianas alterações da microbiota autóctone do trato genital feminino lactobacilos >> prevalecem no fluido vaginal em mulheres saudáveis na fase reprodutiva ácido lático e bacteriocinas produzem H2O2 , com alto potencial de óxido-redução vaginoses bacterianas – principal infecção na idade reprodutiva 5 a 15% pacientes clínicas ginecológicas 15 a 20% das gestantes 44% em pacientes de clínicas de DST redução dos lactobacilos ; aumento dos Prevotella ); Gram-negativos anaeróbios aumento dos anaeróbios facultativos bastonetes Gram-positivos ( Mobiluncus ) (Bacteroides, (Gardnerella) e associação com complicações em gestantes: ruptura prematura de membranas, parto prematuro, endometrites pós-parto, infecções pós-cesariana, infecções do líquido amniótico Diagnóstico: secreção com pH acima de 4,5 odor de aminas após adição de KOH 10% bacterioscopia pelo Gram : "clue cells" células epiteliais descamadas, recobertas por bastonetes curtos e delicados e cocobacilos, com coloração ao Gram variável Vaginoses bacterianas – acima, o aspecto normal da microbiota vaginal (predominam Lactobacilos) e abaixo, as “clue cells” encontradas na infecção Bibliografia MURRAY, P.R. et al. - Microbiologia Médica- sexta edição2010 Capitulo 29: Neisseria e bactérias relacionadas Capitulo 42: Treponema, Borrelia e Leptospira Capitulo 46: Chlamydia e Chlamydophila MIMS, C. et al. – Microbiologia Médica – terceira edição 2005 Capitulo 21: Doenças sexualmente transmissíveis