Ana Maria Costa Marx considerava as condições materiais (o modo como as coisas são produzidas, distribuídas e consumidas) de uma sociedade como a base de sua estrutura social e da consciência humana. A forma do Estado, portanto, emerge das relações de produção, não do desenvolvimento geral da mente humana ou do conjunto das vontades humanas. Não é o Estado que molda a sociedade, mas a sociedade que molda o Estado. A sociedade, por sua vez, se molda pelo modo dominante de produção e das relações de produção inerentes a esse modo. O Estado, emergindo das relações de produção, não representa o bem-comum, mas é a expressão política da estrutura de classe inerente à produção. O Estado é a expressão política da dominação da classe burguesa ou capitalista. É um instrumento essencial de dominação de classes na sociedade capitalista. O Estado surge da contradição entre o interesse de um indivíduo (ou família) e o interesse comum de todos os indivíduos. O moderno Estado capitalista é dominado pela burguesia. O Estado não é um complô de classe, mas evolui no sentido de mediar as contradições entre os indivíduos e a comunidade e, uma vez que a comunidade é dominada pela burguesia, assim o é a mediação pelo Estado. No Estado moderno (capitalista) predomina a classe mais poderosa, a classe econômica dominante que se torna a classe política dominante. O Estado moderno é o instrumento do qual se serve o capitalismo para explorar o trabalho assalariado. Na sociedade burguesa, o Estado representa o braço repressivo da burguesia. A natureza de classe do Estado tem uma função repressiva, a qual, no capitalismo, serve à classe dominante, à burguesia. É a noção do Estado como aparelho repressivo da burguesia que é a característica tipicamente marxista do Estado. Há duas faces na questão da democracia. Essas duas correspondem a duas classes que lutam no interior do quadro político de classes. 1) 2) A primeira consiste na “utilização” pela classe dominante das formas democráticas (eleições, parlamento) como meio para oferecer a ilusão de participação das massas no Estado, enquanto que o poder econômico da classe dominante garante a reprodução das relações entre o capital e o trabalho na produção. A segunda está na luta para dar às formas democráticas um novo conteúdo social ou de massas, impelindo-as aos extremos democráticos de controle popular a partir da base, incluindo a extensão nas formas democráticas da esfera política para toda a sociedade. O Estado age no interesse da classe dominante, subordinando todos os outros interesses aos dessa classe. Por que o Estado deveria ser considerado como um instrumento da classe dominante? Os membros do sistema de Estado tendem a pertencer à mesma classe ou classes que dominam a sociedade civil. A classe capitalista domina o Estado através de seu poder econômico global. Dada a inserção no modo capitalista de produção, não pode ser diferente. A natureza do Estado é determinada pela natureza e pelas exigências de produção. Há dois níveis da autonomia do Estado: 1. A condição “normal” – a burocracia do Estado tem alguma autonomia frente à burguesia devido à aversão inerente da burguesia em atuar diretamente no aparelho do Estado e devido aos conflitos entre os capitais individuais ( esse caso exige uma burocracia independente que pode atuar, como executora, para toda a classe capitalista.) 2. A condição “congelada” – atinge-se este nível quando a luta de classes é “congelada” pela incapacidade de qualquer classe dominante em demonstrar seu poder sobre o Estado. Nesse modelo de Estado autônomo, o Estado não é o instrumento da burguesia, mas tem suas ações determinadas pelas condições da luta de classe e pela estrutura de uma sociedade de classes. Hegemonia, cujo significado tem a ver com o predomínio ideológico dos valores e normas burguesas sobre as classes subalternas através de um conjunto de instituições, ideologias, práticas e agentes. “A hegemonia compreende as tentativas bem sucedidas da classe dominante em usar sua liderança política, moral e intelectual para impor sua visão de mundo como inteiramente abrangente e universal, e para moldar os interesses e as necessidades dos grupos subordinados” (Carnoy , p95). Sociedade civil - conjunto dos organismos vulgarmente chamados “privados”, como os meios de comunicação, entidades, etc. Estado - não só como o aparelho repressivo da burguesia, mas também como aquele que inclui a hegemonia da burguesia na superestrutura. “O Estado é o complexo das atividades práticas e teóricas com o qual a classe dominante não somente justifica e mantém a dominação como procura conquistar o consentimento ativo daqueles sobre os quais ela governa”(Carnoy p.99). Superestrutura - é formada por dois níveis: o primeiro é a sociedade civil e o segundo é a sociedade política ou Estado. Bloco histórico – relação dialética entre a infra e a superestrutura; superestrutura como reflexo das relações sociais de produção. Essa relação não se dá abstratamente, mas sim de forma concreta e histórica. Ex: “Hegemonia e função hegemônica do Estado emanam ao mesmo tempo da natureza da burguesia como uma classe ideologicamente abrangente e de sua posição específica de poder econômico na sociedade capitalista” (p.102). Invertendo a teoria de Marx e Lênin, “Gramsci enfatiza a supremacia das superestruturas ideológicas sobre a estrutura econômica” (p.94); O predomínio do elemento ético-político no desenvolvimento histórico em detrimento do elemento econômico. A rejeição de Gramsci quanto a esse aspecto do pensamento de Marx vem do fato de considerá-lo incompleto e não adequado à situação ocidental (Itália, pra ser mais específico), não negando, porém, a vinculação da superestrutura com as relações de produção. Segundo ele, para se obter o poder ao ponto de promover uma real transformação na sociedade, era preciso dominar as consciências (hegemonia; situadas na superestrutura) e não somente as forças de produção (infra-estrutura) ou o Estado (força coercitiva); “ênfase na supremacia da sociedade civil (consenso) sobre a sociedade política (força)” (p.94). “A força verdadeira do sistema não reside na violência da classe dominante ou no poder coercitivo do seu aparelho de Estado, mas na aceitação por parte dos dominados de uma concepção de mundo que pertence aos seus dominadores” (p.94). Domina-se e desenvolve-se de fato não com um Estado repressivo, mas sim com um Estado “educador”, aquele capaz de absorver toda sociedade e fazê-la, espontaneamente, compactuar com seus valores e normas. E quando acontece de um Estado não mais conseguir controlar as consciências, ele tende a recorrer à força, à coerção. Revolução passiva, para Gramsci, não seria nada mais do que uma constante readaptação do poder do Estado em relação às classes subordinadas como forma de se preservar sua hegemonia e evitar que as massas exerçam influência sobre as instituições econômicas e políticas. Em outras palavras, é dar para as classes subalternas aquilo que elas conseguiriam com uma possível revolução ativa, vinda de baixo. No entanto, isso aconteceria de forma que não prejudicasse a classe dirigente. Assim, quando um Estado tiver sua hegemonia ameaçada, surtirá efeitos mais positivos fazer essa revolução passiva do que apelar para a força. a) a crise de hegemonia – a teoria de Gramsci era bipolar; um elemento positivo sempre faz gerar um negativo, isto é, não há teoria sobre a hegemonia sem uma teoria sobre a crise da hegemonia, por exemplo. Essa crise seria resultado “de atos impopulares das classes dirigentes (através do Estado) ou do intensificado ativismo político de massas anteriormente passivas” (p.105). Valer notar que Gramsci não acreditava que esta crise fosse resultado de uma crise econômica; esta poderia criar condições para que aquela ocorresse, no entanto, seria o desenvolvimento da consciência das massas que produziria a transformação revolucionária, e não a taxa decrescente de lucro – “o empobrecimento cada vez maior é apenas um elemento dentro das possibilidades de elevar essa consciência” (p.107). b) a guerra de posição – estratégia para contornar o paradoxo “proletariado mais extenso e menos desejoso de derrubar o capitalismo”. Controlar o Estado não significa controlar a sociedade, já que ele é apenas uma peça no sistema de poder. Assim, mais do que isso, é preciso desenvolver também a superestrutura ideológica. É aí que entra a guerra de posição: a criação de uma nova consciência, uma hegemonia da classe subalterna, gerada dentro dela mesma, para que quando tomasse o poder do poder do Estado, não ficasse um vácuo. Essa nova cultura, concreta e consistente, com normas e valores proletários, serviria de alicerce para a construção de uma nova sociedade. 01) Enfatiza que cada país particular exigiria um “reconhecimento acurado”. Isto é, diferentemente de Marx, que acreditava numa revolução de todos os trabalhadores do mundo utilizando, simultaneamente, as mesmas estratégias, Gramsci dizia que “os Partidos Comunistas de cada país tinham de desenvolver seu próprio plano de como criar o socialismo dentro do seu contexto político específico antes que qualquer ordem socialista mundial pudesse ser alcançada” (p.109). 02) Baseia-se na idéia de sitiar o aparelho do Estado com uma contra-hegemonia, criada pela organização de massa da classe trabalhadora e pelo desenvolvimento das instituições e da cultura da classe operária. Os burgueses tentariam manter sua consciência (hegemonia) enquanto os proletários tentariam ascender a sua (contra-hegemonia); confronto da hegemonia burguesa e proletária numa disputa pela posição de dominante. 03) a guerra de posição é a luta pela consciência da classe operária; consciência como ingrediente chave no processo de transformação. O processo de consciência se dá em 3 níveis: a) identificação profissional – “membros de um grupo profissional estão conscientes de sua unidade e homogeneidade e da necessidade de organizá-lo”(p.112) Classe em si. b) solidariedade – todos de uma mesma classe social ajudam a defender os interesses econômicos apenas inerentes a ela. “Neste nível de consciência, a classe operária exige igualdade político-jurídica com os grupos dominantes” (p.112). c) transcendência –“o indivíduo se torna consciente de que seus próprios interesses corporativos transcendem os limites corporativos de uma classe econômica e se estendem a todos os grupos subordinados, que compartilham a cultura da subordinação e podem unir-se para formar uma contraideologia que os liberte da posição subordinada” (p.112). 04) Tradução da tipologia do desenvolvimento ideológico em ação, isto é, transformar idéia em ação. Dessa forma, Gramsci via o “partido político como instrumento de elevação de consciência e de educação junto à classe trabalhadora e de desenvolvimento das instituições de hegemonia proletária” (p.112). Mas, diferentemente de Lenin, Gramsci acreditava na classe trabalhadora, acreditava que sim, ela era capaz de desenvolver seus próprios intelectuais, funcionando o partido político como canalizador da atividade desses intelectuais. Gramsci escreve que há 3 elementos essenciais de um partido político: a) a massa; os homens que o compõe. b) a coesão; “a união faz a força”. c) a articulação. c) o papel dos intelectuais – intelectual pode ser qualquer pessoa possuidora de uma capacidade técnica especifica. Portanto, como dito acima, ele [Gramsci] acreditava nas qualidades intelectuais das massas e em sua capacidade para criar, elas mesmas, a hegemonia de sua classe, ao invés de verem isso feito em nome delas por um partido de vanguarda, de elite ou por uma elite burocrática responsável pelas teorias e táticas revolucionárias” (p.117). Dessa forma, eles tinham um importante papel para o processo de transformação, já que ”tais intelectuais orgânicos, oriundos da classe trabalhadora, mantendo seus laços com ela através da criação de transformações políticas por meio e um partido revolucionário, forneciam a base para a estratégia política de Gramsci – o estabelecimento da superioridade moral e cultural do proletariado, independente de seu poder político direto” (p.117). Ana Maria Costa [email protected]