UM DISCURSO SOBRE AS CIÊNCIAS Boaventura de

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UM DISCURSO SOBRE AS
CIÊNCIAS
Boaventura de Sousa Santos
(Discurso proferido na abertura solene das aulas na
Universidade de Coimbra no ano letivo de 1985/86)
INTRODUÇÃO
A primeira imagem do presente, quando se fala
de ciência remete-nos aos séculos XVII/XVIII: a
Revolução Científica e os progressos científicos
desde então.
 Adam Smith a David Ricardo: economia clássica
inglesa
 Antoine Lavoisier a Charles Darwin: química e biologia
 Karl Marx/Emile Durkheim a Max Weber/Vilfredo
Pareto: Sociologia
 Alexander Von Humboldt/Max Planck a Henri
Poincaré: naturalistas/filosófos/matemáticos
Perguntas de Rousseau
 O progresso das ciências e das artes contribuirá
para purificar ou para corromper os nossos
costumes?
 Há alguma relação entre a ciência e a virtude?
 Há alguma razão para substituirmos o conhecimento
vulgar pelo conhecimento científico produzido por
poucos e inacessível à maioria?
 Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente
na nossa sociedade entre o que se é e o que se
aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a
teoria e a prática?
Estas e outras questões fazem parte do que
poderíamos designar “crise epistemológica”.
1. Deixa de fazer sentido a distinção entre ciências
naturais/sociais;
2. A síntese entre elas tem como pólo catalisador as ciências
sociais;
3. Para isso, as ciências sociais terão de recusar todas as
formas de positivismo lógico ou empírico ou de
mecanicismo materialista ou idealista;
4. Esta síntese não visa uma ciência unificada nem sequer
uma teoria geral;
5. À medida que se der esta síntese, a distinção entre
conhecimento científico X vulgar tenderá a desaparecer e a
prática será o fazer e o dizer da filosofia da prática.
O PARADIGMA DOMINANTE
 Modelo de racionalidade da ciência moderna:
Sendo um modelo global, é também um modelo
totalitário, pois nega o caráter racional a outras
formas de conhecimento;
 a ciência moderna desconfia sistematicamente
das evidências da nossa experiência imediata;
 “A ciência fará da pessoa humana o senhor e
possuidor da natureza” (Bacon). Submissão da
natureza;
O PARADIGMA DOMINANTE
 A matemática fornece à ciência moderna, um
instrumento privilegiado de análise e uma lógica
da investigação e um modelo de representação
da própria estrutura da matéria, cujas
conseqüências são as seguintes:
 conhecer significa quantificar;
 o método científico consiste na redução da
complexidade: reduzir o todo em partes para
conhecer;
O PARADIGMA DOMINANTE
Portanto,
 O que não é quantificável é cientificamente
irrelevante;
 Conhecer significa dividir, classificar e determinar
relações sistemáticas entre as partes e o todo;
 A ideia do mundo-máquina se transforma na
grande hipótese universal da época moderna.
 A consciência filosófica da ciência moderna
(racionalismo cartesiano e empirismo baconiano),
veio a condensar-se no positivismo.
A conformação das ciências sociais
Duas vertentes:
1. a 1ª consistiu em aplicar ao estudo da sociedade
os princípios epistemológicos e metodológicos
das ciências da natureza – física social
2. a 2ª consistiu em reivindicar para as ciências
sociais
um
estatuto
epistemológico
e
metodológico próprio, com base na especificidade
do ser humano.
A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE
 O modelo de racionalidade científica descrito
atravessa uma crise;
 Essa crise é profunda e irreversível;
 Estamos vivendo uma revolução científica;
 Não sabemos o que virá, mas sabemos que
será algo totalmente distinto do paradigma
vigente;
A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE
 Esta crise é resultado interativo de uma
pluralidade de condições:
 Condições sociais
• transformação
da
estrutura
social
reconfigurando as classes sociais;
 Condições teóricas
• a identificação dos limites do paradigma
científico moderno como resultado do grande
avanço no conhecimento;
• Este avanço do conhecimento desvelou a
fragilidade dos pilares em que se funda.
A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE
Condições teóricas que provocaram essa crise
1. A teoria da relatividade de Einstein foi o 1º rombo
no paradigma vigente, relativizando as teses de
Newton;
2. A mecânica quântica de Heisenberg e Bohr
colocando em dúvida a intervenção imparcial do
cientista.
3. A incompletude da matemática demonstrada por
Gödel que coloca em dúvida o rigor das leis da
natureza
4. A ordem a partir da desordem de Prigogine que a
coloca em dúvida a previsibilidade das ciências
duras
Conseqüências desses fatores
 Em vez da eternidade, a história;
 Em vez do determinismo, a imprevisibilidade;
 Em vez do mecanicismo, a interpenetração, a
espontaneidade e a auto-organização (sinergia);
 Em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a
evolução;
 Em vez da ordem, a desordem;
 Em vez da necessidade a criatividade e o
acidente;
 Isto resulta num sentimento de insegurança, pois
não há certezas nem verdade absolutas.
Este cenário provoca uma reflexão
de duas facetas:
1ª A reflexão levada a cabo pelos próprios
cientistas que após a euforia cientista do século
XIX e da aversão à reflexão filosófica,
simbolizada pelo positivismo, procuram o
conhecimento do conhecimento das coisas
(epistemologia);
2ª Reflexão abrangendo questões que antes eram
deixadas aos sociólogos, ou seja, a análise das
condições sociais, dos contextos culturais, dos
modelos
organizacionais
da
investigação
científica.
Algumas consequencias:
1ª.Questionamento do conceito de lei e de
causalidade. As leis passam a ser vista a partir de
seu caráter probabilístico, aproximativo e
provisório,
expresso
no
princípio
da
falsificabilidade de Karl Popper.
2ª.Questionamento
sobre
a
pobreza
e
desencantamento do conhecimento matematizado
e rigoroso.
3ª.A crise do paradigma vigente anuncia o perfil do
paradigma emergente.
O PARADIGMA EMERGENTE
A natureza
da revolução cientifica atual é
estruturalmente diversa da ocorrida no século XVI
e seguintes.
O autor propõe um paradigma científico
(paradigma de um conhecimento prudente) e um
paradigma social (paradigma para uma vida
decente);
A superação da dicotomia ciências
naturais/ciências sociais revaloriza os
estudos humanísticos.
O autor propõe um paradigma científico
(paradigma de um conhecimento prudente) e um
paradigma social (paradigma para uma vida
decente);
A concepção humanística das ciências sociais
como agente catalisador da fusão das ciências
naturais e ciências sociais coloca a pessoa,
como autor/sujeito do mundo, no centro do
conhecimento. Não há natureza humana porque
toda a natureza é humana.
Portanto, todo conhecimento científiconatural é científico-social.
A dicotomia entre ciências naturais e ciências
sociais perde sentido;
O autor propõe um paradigma científico
(paradigma de um conhecimento prudente) e um
paradigma social (paradigma para uma vida
decente);
Como o autor define um paradigma científico?
refere-se a um conjunto de hipóteses
fundamentais e críticas com base nas quais as
teorias e os modelos podem desenvolver-se.
Todo conhecimento é local e total
É preciso superar os males da parcelarização do
conhecimento e do reducionismo arbitrário;
O efeito perverso desta parcelarização revela
que não há solução para o problema no seio do
paradigma dominante.
No paradigma emergente o conhecimento é
total; sendo total, é também local, pois constituise em torno de temas relevantes para grupos
sociais concretos.
Todo
o
conhecimento
autoconhecimento
é
A ciência moderna consagrou o homem enquanto
sujeito epistêmico, mas expulsou-o, tal como a
Deus, pois não tolerava a interferência dos valores
humanos ou religiosos;
A ciência moderna, portanto, não é a única
explicação da realidade e não há nenhuma razão
para considerá-la melhor que outras explicações.
Assim, no paradigma emergente, a ciência tem
um caráter autobiográfico e auto-referenciável.
Todo o conhecimento científico
visa constituir-se em senso comum
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