A Crise Internacional e o Brasil Julio Gomes de Almeida 07/11/2008 Seminário – A crise internacional e o Brasil - UNICAMP Crise externa – Cenários Desde a falência em 15 de setembro do banco de investimento americano Lehman Brothers, a crise de confiança é geral especialmente nos EUA, paralisando o crédito e tornando os bancos centrais as únicas fontes de liquidez. A crise bancária atingiu a Europa. Certeza de que o pacote norte-americano de ajuda aos bancos (US$ 700 bilhões) não será suficiente e nem prontamente aliviará os problemas já acumulados e que levaram à crise bancária. Crise externa – Cenários O encontro de líderes europeus no último fim de semana anterior frustrou a perspectiva de um “pacote” europeu para uma solução comum da crise bancária na Europa, o que agravou a crise Diante dessa situação, foram tomadas medidas como a queda coordenada da taxa de juros promovida pelos principais bancos centrais e a Inglaterra adotou um plano inovador de resgate bancário. De qualquer forma, as fortes quedas da semana passada persistiram deixando a convicção de que há um risco real da crise se aprofundar na direção de uma incontrolável crise de deflação com depressão (não apenas uma recessão) da atividade produtiva. Crise externa – Cenários As reuniões do G7 e dos líderes europeus nesse fim de semana foram decisivas. Os países da zona do euro anunciaram que irão garantir os empréstimos interbancários e que adotarão medidas para recapitalizar os bancos. Crise externa – Cenários Medidas do Plano Europeu: •Forçar os bancos retomar os empréstimos interbancários, oferecendo garantia por cinco anos aos empréstimos novos, que serão realizados até dezembro de 2009; •Recapitalização dos bancos em dificuldade; •BCE irá aceitar como colateral empréstimos de boa qualidade que os bancos concederam às empresas •Alteração da regra contábil de marcação a mercado dos ativos; •Criação de um grupo de gestão da crise, que começará a funcionar no dia 15 de outubro com objetivo de reforçar a troca de informação entre os governos. Crise externa – Cenários Em suma, nada é mais claro a esta altura do que a gravidade da crise internacional, que fugiu completamente ao controle dos mecanismos convencionais e mesmo não convencionais de regulação. A crise já não é uma “crise do subprime” e rapidamente transita de uma “crise de confiança” para uma crise generalizada de liquidação de ativos, na qual o receio de perdas mais aprofundadas precipita as vendas a qualquer preço dos ativos de maior liquidez – daí as quedas dos preços das ações e das commodities nos mercados mundiais. Crise externa – Cenários Crise externa – Cenários No pior cenário – equivalente ao fracasso das últimas iniciativas em controlar a crise - tudo o que foi construído pelo Brasil nos últimos anos em termos de constituição de reservas internacionais e fortalecimento de instituições financeiras pode se revelar pouco para enfrentar a crise. Por isso, medidas talvez muito mais graves e de alcance muito maior tenham de ser adotadas pelas autoridades do país para proteger a economia nacional. Em um cenário mais otimista de abrandamento da situação internacional, o Brasil pode evitar o pior impacto sobre sua economia. Crise externa – Cenários Mesmo em um cenário básico em que as providências atuais e outras que certamente virão a ser adotadas nos EUA e UE consigam minimamente evitar uma nova “Grande Depressão”, as seguintes tendências parecem inevitáveis: Cenário de crescimento: A crise bancária já contaminou a economia real: recessão nos EUA e Europa; baixo ou nulo crescimento no Japão; desaceleração nos países emergentes, sendo mantido um nível relativamente alto de crescimento (China, especialmente). •Dúvidas sobre a duração da retração; dois anos, pelo menos, pode ser uma razoável antecipação. Crise externa – Cenários Cenário de commodities: Desempenho econômico da Ásia e China em especial, poderá preservar bons preços para padrões históricos, embora muito inferiores aos excepcionais valores do primeiro semestre de 2008. Cenário de liquidez e de crédito externo: O quadro de liquidez e acesso ao crédito externo eventualmente melhorará após um estágio muito agudo de restrição como o atual, mas conservará a característica de forte limitação. Cenário de escassez de acesso aos financiamentos por parte de empresas, incluindo as brasileiras, com aumento do custo do crédito externo. Daí maior demanda no crédito doméstico. Impacto no Brasil A crise externa já tem conseqüências sobre a economia brasileira através dos canais de transmissão do câmbio e outros mercados de ativos, do comércio exterior e do financiamento externo. A crise também já afeta as expectativas dos agentes econômicos, como famílias, empresários e bancos. Impacto no Brasil O canal de transmissão de crises que mais de perto acompanhou a economia brasileira é a taxa de câmbio. Como ocorreu nas crises cambias de 1999 e 2002, uma forte desvalorização cambial decorrente de uma fuga de capitais tem por conseqüência o aumento da inflação, levando o Banco Central a majorar a taxa de juros, o que retrai o crescimento econômico. Esta seqüência pode se repetir agora, devido ao volume muito grande dos investimentos em carteira no passivo externo brasileiro. Os investimentos em carteira são mais voláteis do que outras modalidades de compromissos externos. Impacto no Brasil Por outro lado, diferentemente das vezes anteriores, o país tem uma capacidade muito maior de responder à fuga de capitais, dado o volume de reservas superior a US$ 200 bilhões, que serve como um seguro para ser usado em caso de ataque contra a moeda, evitando ou minimizando as desvalorizações. Evidentemente, sua eficácia dependerá da gravidade da crise e da intensidade da fuga de capitais. Em uma situação de não ruptura financeira internacional, graças a essas reservas, o país poderá não repetir as experiências passadas de descontroladas desvalorizações do Real e assim evitar uma retração econômica mesmo diante do cenário externo adverso. Impacto no Brasil O Banco Central passou a fazer intervenções no mercado de câmbio para, minimamente, evitar desvalorizações exageradas da moeda nacional. É inevitável a desvalorização do Real, mas os exageros potencializam a sensação de contágio do Brasil pela crise externa e geram antecipações de aumento de inflação e permanência de juros altos. 17 Turquia Rússia 19 Ucrânia 0 Tcheca 2 Romênia 4 Polônia 6 Hungria 9 slovênia 0 lováquia 0 Bulgária 0 Vietnã 2 Taiwan 0 Tailândia 2 Malásia ndonésia Índia 3 Filipinas 0 ng Kong 19 Coréia ingapura China 6 Peru México olômbia Chile Brasil Bolívia rgentina Variação das Taxas de Câmbio - 01/09/08 a 07/10/08 40 20 19 16 17 8 5 6 3 0 -1 Variação das Taxas de Câmbio 40,09 28,16 27,33 10,68 8,03 7,04 7,46 6,78 4,95 4,60 5,79 8,05 5,54 4,82 3,83 3,25 2,09 Euro 6,73 6,65 2,68 3,22 Brasil Média emergentes (excl. BR) Média Brics (excl.BR) Média AL (excl.BR) Média Ásia Média Leste europ. -7 -7 -10 -17 -17 -18 -18 -18 -21 -22 Venezuela Peru México Colômbia Chile Brasil Argentina Xangai Tókio S&P 500 Nova York Nasdaq Londres França Alemanha Variação dos Índices das Bolsas de Valores de 01/09/2008 a 07/10/2008 -21 -22 -25 -27 -30 Impacto no Brasil Outro canal de contágio é o comércio exterior. Os preços de commodities que tiveram forte queda nos últimos três meses poderão não se recuperar, reduzindo ou anulando o crescimento das exportações brasileiras que até o presente se mantinha muito expressivo. As exportações de manufaturados enfrentarão dificuldades de mercado devido à retração da economia mundial. É provável uma deterioração das contas externas brasileiras devido aos efeitos da crise externa. Como vem ocorrendo nos últimos anos, o comércio exterior deverá se manter como um fonte negativa para o crescimento econômico. Consequentemente, o mercado interno será o reduto para um crescimento mínimo da economia e para a sustentação do nível de emprego. Impacto no Brasil Quanto ao canal do financiamento externo, deve ser sublinhado que as empresas brasileiras já vinham sendo adversamente afetadas pelo estreitamento do crédito no exterior, assim como pela restrição que a crise internacional ditou para a obtenção de recursos no mercado de capitais interno e externo. Essas limitações são agora maiores, condição que deve prevalecer por um bom tempo. O grave problema reside no efeito da restrição do crédito externo em desacelerar demasiadamente os investimentos na economia e as exportações. Uma certa desaceleração das novas inversões e das exportações será de qualquer forma inevitável. É importante que a política econômica procure evitar uma descontinuidade dos investimentos industrias e na infra-estrutura, assim como será relevante neutralizar os efeitos da retração do crédito externo na produção agrícola e nas exportações. Impacto no Brasil Uma razoável condição fiscal, a existência de grandes e equilibradas agências de crédito públicas e o fato de que o sistema bancário doméstico não tem ligações com a crise do mercado "subprime" norte-americano são favorecedoras de ações para que a restrição do financiamento externo e do mercado de capitais seja apenas parcial e possa ser compensada mediante o crédito interno. É necessário reforçar, de forma transitória e emergencial, os recursos à disposição do BNDES e as linhas de crédito interno, assim como as fontes de liquidez para o sistema bancário, como já vem sendo feito. É importante também o papel das agências públicas para assegurar uma mínima continuidade do crédito geral, crédito à exportação, crédito agrícola e crédito imobiliário. Impacto no Brasil Como na situação atual não é possível sequer imaginar quando o mercado de crédito externo voltará à normalidade, o governo brasileiro deveria anunciar que cobrirá com recursos de suas reservas ou outras fontes internas de seus bancos a totalidade da demanda de crédito para o financiamento das exportações. O governo já anunciou a disposição de financiar os exportadores brasileiros com os recursos das reservas e o BNDES ampliou suas linhas de financiamento ao giro de exportações, mas falta anunciar que as iniciativas governamentais cobrirão integralmente a demanda de financiamentos. Isso daria um mínimo conforto aos exportadores para que mantenham a atividade produtiva. Impacto no Brasil Através das expectativas dos agentes, a crise externa também já afeta adversamente a economia interna. As decisões de investir dos empresários e de consumir das famílias reagem após certo intervalo de tempo às mudanças do ânimo empresarial e do grau de confiança dos consumidores. Tanto as expectativas empresariais quanto o otimismo do consumidor devem acusar uma piora significativa em função do agravamento da crise externa, o que levará à desaceleração do investimento e do consumo já a partir do último trimestre desse ano. A desaceleração poderá ceder lugar a uma retração no início do ano que vem. Impacto no Brasil Em termos imediatos, as repercussões da crise sobre a disposição dos bancos brasileiros em conceder crédito mesmo com recursos internos têm sido da maior gravidade. Ou seja, diante dos últimos acontecimentos externos, os bancos estão adotando um rigor muito acentuado na avaliação do crédito de sua clientela, especialmente (por enquanto) no caso do crédito às empresas, cuja taxa de crescimento real em bases anuais vinha sendo próxima a 35%. No caso dos financiamentos às famílias, que vinha desacelerando seu crescimento de níveis como 20% em bases reais no início do ano para 12% em agosto, o efeito imediato tem sido um aumento do custo do financiamento. Impacto no Brasil Vale dizer, a contração do crédito para os agentes econômicos e a elevação do seu custo têm sido mais do que proporcional à restrição do crédito externo devido à reação dos bancos à crise externa, ainda que o sistema bancário não tenha sido afetado diretamente por essa crise. Se não for corrigida essa rota, o consumo e o investimento privados devem sofrer uma retração, agravando a desaceleração do crescimento do PIB no quarto trimestre e no início de 2009. Impacto no Brasil Se a política monetária persistir na dose de aumento que vem seguindo na taxa de juros, a desaceleração da economia em 2009 poderá ser muito forte. Mudou radicalmente o cenário sob o qual se apoiava a política de aumento de juros seguida desde abril. A contração súbita e forte do crédito externo e interno torna um contra-senso a manutenção dessa política. Mecanismos de defesa Dificilmente o problema da restrição do crédito interno será neutralizado, mas seus efeitos poderão ser menores com medidas como: 1)liberação de parcela do compulsório não remunerado dos bancos em contrapartida de créditos concedidos para pequenas e médias empresas, agricultura e exportação; 2)reforço das linhas de crédito nessas áreas e no crédito imobiliário do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Mecanismos de defesa Notar que as facilidades adotadas pelo governo na área do compulsório dos bancos vêm se atendo à questão da liquidez, especialmente objetivando a ampliação dos recursos disponíveis para os bancos de menor porte que teriam nesse momento de crise internacional, uma maior dificuldade de liquidez. Nesse sentido, de forma pertinente, vêm sendo reduzidos os recolhimentos compulsórios remunerados com especial ênfase para essas instituições, assim como está sendo facilitada (também com liberações de recolhimentos compulsórios remunerados) a compra por parte de bancos maiores das carteiras de bancos de porte menor. Mecanismos de defesa A questão do crédito, para a qual se sugere que as autoridades também voltem suas preocupações, não se confunde (embora tenha relações) com a questão da liquidez, exigindo ações distintas, como as que foram aventadas. Mecanismos de defesa •Fim do ciclo de aumento de juros já na próxima reunião do Copom no final desse mês; •Intervenção no mercado cambial para evitar desvalorizações especulativas e exageradas da moeda (vem sendo feita); •Aumento dos recursos do BNDES para investimentos e crédito das agências públicas nas áreas de exportação, agricultura e habitação (vem sendo feita). •Redução de parcela do depósito compulsório para ampliar a liquidez em geral na economia (vem sendo feita); •Redução de parcela do depósito compulsório condicionada à concessão de crédito para segmentos como PMEs, capital de giro associado às exportações e crédito agrícola; •Preservação dos programas de investimento em infra-estrutura do PAC ou até mesmo reforço desses investimentos a partir de um plano de contenção dos aumentos dos gastos correntes do governo.