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ANTROPOLOGIA MÉDICA
ANA MARIA RÍCO
CARLA SOARES
Illness representations in medical
anthropology: a reading of the field.
Byron J. Good
Byron J. Good
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Professor de Antropologia Médica da Harvard Medical School e no
Departamento de Antropologia dessa universidade.
Professor visitante regular na Faculdade de Medicina da Universidade Gadjah Mada,
Jogyakarta (Indonésia).
Diretor do Programa de Formação Internacional em Saúde Mental, China.
Dedicado à pesquisa e desenvolvimento de serviços de saúde mental em
sociedades asiáticas.
Co-director do Estudo Piloto Internacional do início da psicose (IPSOS), estudo
multi-céntrico das experiências precoces de psicose e de procura de cuidados na
Indonésia, China, Hong Kong, Taiwan e EE.UU.
Nos últimos dois anos, colaborou com a Organização Internacional para as
Migrações (OIM) no desenvolvimento de serviços de saúde mental no pós-tsunami
(Indonésia).
Editor de dois volumes publicados pela University of California Press:
Subjetividade: Investigações etnográficas (Biehl, Good & Kleinman, 2007) e
Desordens pós-coloniais (M. Bom, Hyde, Pinto & B. Good, 2008).
Editor de Cultura e Transtorno do Pânico (D. Hinton & Good, Stanford University
Press, 2009).
Ex-editor-chefe da revista internacional Cultura, Medicina e Psiquiatria.
Membro do conselho de editores de Intervenção Precoce em Psiquiatria.
Representações da enfermidade na
antropologia médica: uma leitura do campo
• Auto-consciência pós-colonial e perda de confiança em visões
teóricas totalizadoras
Crise da representação na antropologia
• Antropologia médica - auto-análise crítica própria:
– Primeira antropologia médica explícita: o trabalho aplicado de
antropólogos na saúde pública internacional, já era crítico da
“ingenuidade” das práticas dessa área;
– Estudos comparativos de sistemas de cuidado da saúde: a
biomedicina como um sistema dentre outros, torna-se alvo de
críticas culturais;
– Crítica política da medicina e a saúde internacional:
necessidade de análise das características macro-sociais e
históricas dos sistemas de atenção à saúde (desigualdades no
acesso, iniqüidades sociais, barreiras a serviços de saúde).
Dualidade no campo da antropologia
médica
• Dualidade do papel do antropólogo médico: crítico e
participante nos esforços de expansão da saúde pública e
serviços médicos.
• Ambivalência epistemológica:
A questão é como situar as análises das representações
culturais da enfermidade (tradições terapêuticas populares ou
compreensões e práticas individuais), em relação às
reivindicações de verdade da biomedicina.
As contradições entre a perspectiva historicista da antropologia
e as reivindicações universalistas da ciência biomédica,
conferem uma vitalidade teórica singular aos atuais debates em
antropologia médica.
Ambivalência epistemológica. Algumas
questões
• Como nós mantemos a convicção de que as culturas médicas
populares representam conhecimento local genuino,
considerando a autoridade corrosiva da ciência biomédica e a
óbvia eficácia das suas medidas preventivas e terapêuticas?
• Como nós conceitualizamos a enfermidade (illness) como
objeto de pesquisa transcultural?
• Em que medida a enfermidade deve ser considerada “externa
à cultura”, um objeto no mundo natural sobre o qual os
povos têm representações mais ou menos corretas, “crenças”
contrastantes com o conhecimento empírico? (Kleinman:
“disease” x “illness”)
Estudos iniciais em representações da
enfermidade
Teorias Racionalistas
• Linguagem evolucionista embaraçosa;
• Adjetivos para qualificar “crenças” médicas entre os
“nativos”: “primitivo”; “mágico”; “místico”; “pré-lógico”;
“proto-científico”;
• De acordo com estes pesquisadores, representações de
enfermidades podiam ser situadas em hierarquia de
racionalidade.
• Evolução histórica do conhecimento humano: da magia à
religião e desta à ciência.
Estudos iniciais em representações da
enfermidade
Teorias Racionalistas:
• Apesar da medicina da época já ser vista como uma
instituição social e cultural, as compreensões científicas de
doença distinguiam os “primitivos” dos ”modernos” e
”crenças” de ”conhecimentos”.
• Presença da ambivalência epistemológica desde esta época.
• Era reconhecida a limitação de usar categorias
contemporâneas de doença ou prática terapêutica como base
para investigar variações em crenças culturais (ex.
massagem abdominal)
Estudos iniciais em representações da
enfermidade
Teorias Relativistas:
• Crítica às teorias em psicopatologia.
• Resposta às teorias positivistas: psicopatologia é constituída
em formas culturais que só podem ser interpretadas em
relação ao padrão cultural mais amplo de uma sociedade
particular.
• Benedict: Civilizações selecionam, entre o amplo espectro de
comportamentos humanos, alguns tipos a serem
considerados moralmente aprováveis e outros vistos como
anormais, desviantes ou imorais.
Estudos iniciais em representações da
enfermidade
Teorias Relativistas:
• Normalidade e anormalidade como conceitos éticos,
variantes da “concepção de Bem”.
• Hipótese de que sociedades desenvolvem formas de
psicopatologia especificas e altamente elaboradas.
• Hipótese de que a rotulação de indivíduos com tais
psicopatologias tem importantes conseqüências para estes
(respostas institucionais ao desvio primário).
Estudos iniciais em representações da
enfermidade
Teorias Relativistas:
• A crítica de Benedict aos positivistas ultrapassa a noção de
que eles falhavam em compreender as crenças culturais que
motivam o comportamento (e sua racionalidade própria).
• Seu desafio era mais fundamental: considerar a enfermidade
como relativa às formas culturais e éticas de uma sociedade
particular.
Estudos iniciais em representações da
enfermidade
• A compreensão da histórias destas posições clarifica o
que está em jogo em muitos dos debates no campo, e
oferece uma base para as discussões teóricas e
metodológicas que se seguem.
• Salientam que estas duas perspectivas já não fazem
parte de construções teóricas atuais, embora ainda
sejam evocadas em discussões.
Debates atuais sobre representações
da enfermidade
• Propõe-se a discussão de quatro abordagens
ao estudo de “representações de
enfermidade”.
• O foco da comparação entre essas abordagens
é:
– o lugar da linguagem
– a visão implícita de um programa para a
antropologia médica.
Representações da enfermidade como
crenças folk
• Ciências médicas comportamentais:
– Contribuições para a crítica do “modelo médico”.
– Modelos de crença e comportamento enraizados em um
paradigma empiricista e positivista, compartilhado com a
biomedicina.
– Análise focado no ator individual: educação de indivíduos
para modificar comportamentos irracionais (para a
redução de fatores de risco, a aderência a tratamentos, e
para a busca apropriada de cuidado).
• Antropologia médica: critica não somente à
biomedicina, mas também às ciências médicas
comportamentais positivistas.
Representações da enfermidade como
crenças folk
• Apesar da crítica, uma forte corrente da
antropologia continua reproduzindo o enquadre
epistemológico subjacente às biociências.
• A tradição racionalista, com sua linguagem de
crenças e de comportamentos, ainda encontra-se
presente:
– Visão de senso comum da antropologia médica como o
estudo de crenças e práticas associadas com a doença de
pessoas de diversas culturas.
– Estudos de crenças leigas sobre saúde e estudos sobre
modos de atenção à saúde.
– Formulações mais recentes da antropologia médica em
termos “bioculturais” ou “ecológicos”.
Representações da enfermidade como
crenças folk
Três elementos-chave do paradigma empiricista:
• Análise das representações da enfermidade em termos de crenças
de saúde (“crença” - proxy de cultura - fronteira entre cultura leiga
e conhecimento científico).
• Visão da cultura como adaptação: sistemas médicos como
estratégias adaptativas socioculturais ao ambiente.
• Primazia analítica do indivíduo racional, em busca da maximização
de benefícios. “Utilitarismo subjetivo” do homo economicus, quem
faz escolhas voluntárias baseadas em cálculos racionais.
Health Belief Model: pesquisas desenvolvidas para subsidiar a saúde
pública. Avaliação das crenças segundo sua proximidade com o
conhecimento empiricamente correto. Os significados associados
com a enfermidade em culturas locais são reduzidos a conjuntos de
proposições de atores individuais, avaliado em relação ao
conhecimento biomédico.
Model of illness behaivour - “Care-seeking strategies”.
Representações da enfermidade como
crenças folk
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Críticas:
Qualidade de senso comum: “é mais um modelo de como
membros de nossa sociedade supostamente devem agir, um
modelo ideológico que reproduz compreensões convencionais”
(Good, p. 43). Limitações teóricas, práticas e empíricas.
Doença considerada como um objeto natural e separado da
consciência humana, e que pode ser representado com maior ou
menor precisão no pensamento tradicional ou científico.
A pretensa neutralidade política e psicológica da análise das
crenças folk em termos de “informação” ou “explicação”,
encontra-se em contradição com a literatura recente sobre
representações da enfermidade.
Primazia analítica da escolha individual - utilitarismo.
Necessidade de elaborar modelos de processos de decisão
realistas.
Representações da enfermidade como
modelos cognitivos
• Etnociência, etnosemântica ou nova etnologia (anos 50 e
60).
• Meta: investigar como a linguagem e a cultura estruturam a
percepção.
• Cultura como conhecimento compartilhado.
• Interesse na classificação de enfermidades; etnoteorias da
enfermidade e da cura; estrutura das narrativas de
enfermidades.
• Primeiros estudos: conhecimento médico cotidiano.
Taxonomias de doenças (baseadas em categorias
diagnósticas e sintomas característicos). Sem referências a
categorias biomédicas, mas émicas.
• Limitações: análise quase exclusivamente focado em
taxonomias. Reprodução da visão empiricista da linguagem.
Sintomas como atributos característicos das doenças.
Representações da enfermidade como
modelos cognitivos
• Pesquisas etnosemânticas de segunda geração: toma de
decisão em casos individuais. 4 critérios para a escolha de
tratamento (seriedade, tipo de doença, confiança na
efetividade do tratamento tradicional x médico, custo).
Demonstram a relevância das crenças em saúde e dos
condicionamentos estruturais.
• Anos 80: “Etnoteorias”. Antropólogos cognitivistas e
simbólicos convergem no estudo de “teorias” implícitas da
enfermidade no senso comum, transcendendo o foco nas
classificações das doenças.
• Análise da informação em termos de “conhecimentos folk”,
produzidos e reproduzidos em rituais, atividades curativas e
processos de mudança social, mais do que em termos de
esquemas classificatórios individuais.
• Estudos de modelos culturais não só permitem pesquisar
modelos folk o de senso comum, mas também a analisar o
conhecimento gerado pelas ciências médicas.
Representações da enfermidade como
modelos cognitivos
• Crítica às “crenças em saúde” e às suposições de que as
“crenças culturais” são consensuais.
• Apesar da passagem de “crenças” para “conhecimentos”, o
foco permanece no indivíduo: mente individual como locus
primário da cultura e da significação.
• Representações da enfermidade conceituadas em termos
mentais, abstraídas do “embodied knowledge”, do afeto e
das forças sociais e históricas que moldam os significados
da doença.
• Crítica interna: a antropologia cognitiva foi ingenuamente
reducionista na premisa tácita de que as regras culturais
geram sistemas sociais assim como comportamento. Dita
inocência de teoria social, combinada com a centralidade
analítica do ator individual na tradição cognitiva, abrem
essa tradição a análises críticas.
Representações da enfermidade como
realidades culturalmente constituídas
• Arthur Kleinman – designou o sistema médico
como um “sistema cultural”, caracterizando-o
como campo de pesquisa antropológica.
• Doença não como uma entidade, mas como um
modelo explicativo.
• Cultura não como um meio de representar a
doença, mas como parte essencial da sua
constituição como realidade humana.
Representações da enfermidade como
realidades culturalmente constituídas
1. Relação entre biologia e cultura
• Biologia, práticas sociais e significados interagem na
organização da enfermidade como objeto social e
experiência vivida.
• Papel das práticas terapêuticas na “construção clínica
da realidade” e na produção da eficácia da cura.
• Em vez de focar na representação por si só, investiga
como o significado e práticas interpretativas interagem
com processos sociais, psicológicos e fisiológicos para
produzir formas distintas de enfermidade e trajetórias
de enfermidade.
Representações da enfermidade como
realidades culturalmente constituídas
2. Estruturas simbólicas e processos associados a
enfermidades na cultura popular e em tradições
terapêuticas
• Considerações interpretativas a partir de múltiplas
perspectivas teóricas;
• Redes de significados: associações culturais profundas
que aparentam aos membros de uma sociedade como
parte da natureza ou invariante do mundo social.
Representações da enfermidade como
realidades culturalmente constituídas
3. Experiência corpórea como base e problemática
das representações de enfermidades
• Concebe o corpo como foco de conhecimento,
experiência e significados, anterior à representação.
• Preocupam-se com a dificuldade de representar
sofrimento e experiências em relatos etnográficos.
• Esforços para compreender a fundamentação da
experiência na realidade moral local.
Representações da enfermidade como
realidades culturalmente constituídas
Críticas
• Indevidamente teórico e com pouca aplicabilidade.
• Pouca atenção à biologia humana.
• Muito “clínica” e alinhada aos interesses da medicina.
• Trata as realidades estudadas como consensuais, falhando
em assumir uma postura crítica sobre a relação entre as
representações da enfermidade e o conhecimento médico.
Representações da enfermidade como
mistificação
• Perspectiva “crítica” da antropologia médica.
• Surge em diálogo e em reação às abordagens
interpretativas.
• Interesse crescente em integrar às pesquisas
etnográficas análises históricas do colonialismo, política
econômica e “subaltern studies”.
• 2 principais linhas de pesquisa.
Representações da enfermidade como
mistificação
1. Papel das forças políticas e econômicas na
configuração das condições locais de saúde.
• Forças que padronizam relações interpessoais, moldam o
comportamento social, geram significados sociais e
condicionam experiências coletivas.
• Produção social da doença X construção cultural da
enfermidade (Kleinman).
• Investigações da “ecologia política” da doença.
• Estudos críticos da medicina em sociedades capitalistas e
socialistas.
Representações da enfermidade como
mistificação
2. Abordagem crítica ou neo-marxista à análise das
representações de doenças e conhecimento médico.
• Crítica aos interpretativistas: culturas constituem
ideologias, disfarçando realidades políticas e
econômicas.
• Análise da hegemonia (com base em Gramsci)
• Genealogia do poder (com base em Foucault)
Representações da enfermidade como
mistificação
Análise da hegemonia
(Gramsci)
Genealogia do poder
(Foucault)
Sofrimento derivado das
relações de classe definidos
como doenças,
medicalizados, constituídos
como objetos em si mesmos
“Onde há poder, há
resistência”
Revelação dos interesses
dominantes, deixando claro o
que é mal interpretado na
enfermidade
Foco sobre modelos culturais
e atividades que resistem à
medicalização crescente das
nossas vidas
Representações da enfermidade como
mistificação
Críticas
• Falta de análises históricas e etnográficas em
muitos dos trabalhos ditos “críticos”.
• Tendência dos “críticos” a reduzirem todas as
diferenças de poder e conhecimento ao termo
“exploração”.
• Problema teórico: interpretações da cultura de
outros como “mistificação” ou “falsa consciência”
retrata os atores como joguetes do sistema
hegemônico.
Representações da enfermidade como
mistificação
Diálogo entre a abordagem crítica e a interpretativa
• Fenomenologia radical como forma de ver através da
variedade de distorções ideológicas que afetam nossa
compreensão da realidade social e política.
• Impasse: como desenvolver teorias que dêem crédito
aos atores por resistirem ao poder, sem atribuir a eles
formas de consciência que não são parte da sua
experiência nem desvalorizando suas práticas como
pré-políticas ou equivocadas?
POR UMA ETNOGRAFIA DOS CUIDADOS
DE SAÚDE APÓS A ALTA HOSPITALAR
Edna Aparecida Barbosa de Castro
Kenneth Rochel de Camargo Junior
• Como famílias lidam com a necessidade de
praticar cuidados de saúde com um membro
doente que demanda cuidados específicos após
uma alta hospitalar?
• Foco é a dimensão cultural do cuidado de saúde
que é praticado por pessoas que convivem de
modo significativo em ambiente familiar
• Pretexto para apresentar um olhar, um
pensamento antropológico que possibilita à
etnografia o “status” de uma ciência interpretativa.
• O “isolar” o cuidado em saúde, como fenômeno de
estudo, nesse viés de pensamento, pressupõe,
primeiro, que admitamos que essa seja uma
prática eminentemente humana, realizada entre
pessoas.
• Dois os lugares com saberes, vocações e culturas
distintas: um, o lugar da pessoa que sofre e que
requer os cuidados e outro, o daquela que produz
e que aplica o cuidado de saúde na forma
• O comportamento humano vai sendo visto como
uma ação simbólica, na qual a intenção de cuidar
e o como se cuida do outro, que lhe é significativo,
vão sendo apreendidos.
• A questão sobre a qual nos debruçamos ao querer
estudar os comportamentos humanos de cuidado é
que deve estar clara: para que queremos saber
isso?
• Dois cuidados ao perseguirmos tal compreensão,
tomando a cultura como possibilidade de
interpretação do comportamento humano de
cuidado:
1. Ao imaginarmos que a cultura é uma realidade
superorgânica, autocontida, com forças e
propósitos em si mesma, poderíamos “reificá-la”;
2. Se nos satisfazemos com a idéia de que ela
consiste no padrão bruto de acontecimentos
comportamentais que de fato observamos ocorrer,
isso significa reduzi-la.
• Existe um contexto cultural de cuidados no âmbito
do SUS: estrutura de significados que vem sendo
estabelecida ao longo de sua implantação.
• Condições que definem o acesso aos serviços
podem influenciar nas respostas e na busca de
cuidados pelos seus usuários.
• A empreitada etnográfica está em, ao identificar
tais comportamentos, decodificar a teia de
significados na qual se tecem.
• A cultura de cuidado vai sendo instituída sob
influência dos saberes e comportamentos
institucionalizados e tidos como científicos.
• Sair do lugar, no qual também somos cuidadores,
e ir ao mundo do sujeito que pressupomos se
autocuidar, para compreender a sua cultura de
cuidar, muito mais do que simplesmente lhe falar,
oferece riscos e limites.
• O grande limite parece estar entre a dificuldade
que isso representa e o risco de que o nosso saber
oriente o tal discurso que procuramos.
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