A EPIDEMIOLOGIA CLÁSSICA E A EMERGÊNCIA DA EPIDEMIOLOGIA CRÍTICA/SOCIAL INTRODUÇÃO Epidemiologia Epidemiologia epidemeion: doenças que “visitam” a comunidade endemeion: doenças que “residem” na comunidade epi: em cima, sobre demós: povo logos: palavra, discurso, estudo Definição: Estudo da distribuição das doenças e seus determinantes nas populações. Disciplina científica cujo objetivo é compreender o processo saúdedoença na sua dimensão coletiva e campo de prática de controle das doenças. Diferentes concepções sobre a Epidemiologia (disciplina científica vs. método sem objeto ou corpo conceitual próprio) tem levado a diferentes propostas (Epidemiologia Clínica, Social, do Processo Infeccioso). TEORIAS DE INTERPRETAÇÃO DA SAÚDE-DOENÇA Pensamento racional e filosófico Pensamento sobrenatural Até final séc. XIX Concepção ontológica:atribuía à enfermidade um estatuto de causa única e de entidade externa ao ser Épocas primitivista/ humano e com existência escravista própria: mal Concepção dinâmica:ser humano é receptáculo de um elemento natural. Perturbação do equilíbrio (Medicina Hindu, Chinesa, Gregos) CAUSAS MATERIALIZADAS: Miasma Eflúvios, gases, ambiente Contágio Algo (ente) desconhecido: doença Doença é associada ao contato, ao sentido do tato. Tucídides (430 a.C): epidemia. Guerra do Peloponeso Debate - Contagionistas Doença se propaga de indivíduo indivíduo (contágio) Quarentena Burocracia Higienista X Causa Microbiológica: John Snow Doença é relacionada atmosféricas (miasmáticas) Anti-contagionistas às condições Miasmas originados de condições objetivas de vida construídas no espaço social Fome Doença Miséria Exploração Opressão A UNICAUSALIDADE Corrente Contagionista: 1546: Fracastoro Teoria do contágio: “Contagion” “Um princípio, uma causa” Séc. XVII reorientação do conhecimento ordem mensuração efeito (epidemia/doenças) Racionalidade científica moderna Análise, clareza, precisão, distinção, transparência, neutralidade, certeza, probabilidade Corrente anti-contagionista Virchow - 1848: Doenças do povo Determinação social da saúde-doença Coletivo (condições sociais) Revolução Francesa Revolução Industrial TEORIA DA MULTICAUSALIDADE Século XIX e XX - desenvolvimento de conceito/técnicas da bacteriologia TEORIA DA MULTICAUSALIDADE A lógica da Multicausalidade fatores psicológicos fatores biológicos fatores sociais Hampton; Frost, EUA, 1916 Intervenções recíprocas entre fatores MacMahon; Pugh, 1940 Epidemiologia Década 60: EUA Modelo da História Natural da Doença (Tríade Ecológica) Gordon Leavell; Clark AGENTE Meio Ambiente Hospedeiro cura cronificação morte Doença: fenômeno natural Depende de atributos Planos em equilíbrio: ser humano imerso em sociedade homogênea Níveis de intervenção delimitados Fatores de Risco HISTÓRIA NATURAL DE QUALQUER PROCESSO MÓRBIDO NO HOMEM Período de Período de patogênese pré-patogênese Antes de o homem O curso da doença no homem adoecer Morte Interação de: Agente da Hospedeiro HORIZONTE CLÍNICO Doença Doença precoce avançada discernível humano Estado Convalescença crônico doença Patogênese Invalidez precoce Interação Fatores ambientais que produzem ESTÍMULO à doença Recuperação HOSPEDEIRO ESTÍMULO Períodos de pré-patogênese da história natural Fonte: Leavell HR, Gurney Clark E. Medicina preventiva. McGraw-Hill do Brasil, FENAME, 1977. Tecnologia estudos experimentais Anos 70 Países Desenvolvidos: USA INGLATERRA CANADÁ Países subdesenvolvidos: ensaios clínicos Vertentes Epidemiologia Clínica: Recuperar a credibilidade científica da clínica (Retorno às atividades experimentais: entender os mecanismos bio-moleculares na doença) Fator de risco: novo paradigma? (reifica a realidade em FR) Tradição empirista: Naturalização da doença (biológica e individualizada) Intervenção normativa Investigação causal: princípios associativos do plano fenomênico sistematizado por Hume: Semelhança, Contigüidade e Causalidade Determinação social do processo saúde-doença AMÉRICA LATINA Contexto Econômico Epidemiologia social X Político-Ideológico Intervenção Interesses dos excluídos Teoria da Determinação Social do Processo Saúde-Doença Década de 60 - América Latina maior poder explicativo aos fenômenos sociais saúde e doença potencialidade transformadora das práticas Contexto: • • subordinação ao capitalismo do 1o. mundo aumento da desigualdade social TEORIA DA DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA Gênese na corrente de pensamento Patologia Social Projeto de Intervenção Medicina Social (França, Alemanha) Propõe: Processos Sociais e Políticos Saúde-doença Teoria da Determinação Social do Processo Saúde-Doença “O modo específico pelo qual ocorre nos grupos, o processo biológico de desgaste e reprodução, destacando como momentos particulares a presença de um funcionamento biológico diferente, com conseqüências para o desenvolvimento regular das atividades quotidianas, isto é, o surgimento da doença” (LAURELL, 1983) Existência humana: •dinâmica •processo coletivo •tem movimento histórico •vida realiza-se num mundo que tem processos hierarquizados, com pesos distintos Saúde-doença Processo Sócio-biológico integrado/dinâmico EPIDEMIOLOGIA SOCIAL Ciência que estuda o processo saúde-doença na sociedade, analisando a distribuição populacional e os determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas de prevenção, controle ou erradicação de doenças e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação das ações de saúde (ALMEIDA F.; ROUQUAYROL, 1992). • ciência é uma instituição social: ideológica • é histórica: em termos de tempo, espaço, ações • subsidia o modo de produção: produz tecnologia O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO OBSERVAÇÃO: DADOS: INFORMAÇÃO: CONHECIMENTO DE PRÁTICAS • Observação: é um ato de seleção, de recorte, de realce, de detalhamento: é a matéria prima da produção do conhecimento • Para produzir dados é necessário aplicar trabalho: tecnologia. Os dados não devem ser concedidos, mas construídos • Informação: quando os dados são processados. É um processo de compactação. - Investigação Epidemiológica • S-D NÃO separa o estudo da parte (S/D) do todo dimensão da realidade com história e futuro • parte (objeto saúde-doença) é o produto de sua própria história e da história do todo - Epidemiologia Social: - Processos individuais se entrecruzam - São produtos das forças econômicas, políticas e culturais (colocam-se acima das vontades individuais) - As condições e as possibilidades individuais fundem-se em um todo social que não anula a participação do individual - Necessidade histórica e sujeito histórico Escolas Epidemiológicas Tradicionais estudam a variação de fatores e de comportamentos individuais que são reificados (abstratos a entidades passíveis de mensuração e quantificação). Social Nessa lógica, o probabilístico domina a explicação epidemiológica. Epidemiologia Social: reconhece a relação dialética entre as forças determinantes (necessidade de observar a produção e organização da sociedade + processos da reprodução individual cotidiana + processos biológicos). biológico • Qual é o fenômeno epidemiológico? • Quais os processos envolvidos nas dimensões geral, particular e singular? Processos que constituem os objetos de estudo da epidemiologia e da clínica Estruturais: F.P. R.S. Meios Produtores (F.T.) Perfil Epidemiológico Superestruturais Propriedade Controle Distribuição Classes sociais com formas de vida diferentes (Perfis de reprodução social) Formas Político Jurídicas Formas Ideológicas (Instituições; Leis) (Culturais, científicas; de educação) Instituições e práticas de saúde Formas de conhecimentos; transmissão a respeito do processo saúde-doença Diferentes tipos e probabilidades de: Riscos Potencialidades * Doença * Morte * Saúde * Vida Enfoque Clínico (casos individuais) OBJETO: MÉTODO: GERAL PARTICULAR SINGULAR Base econômica/ Leis / Ideologia / Política Modo como se desenvolve a vida dos grupos sociais Cotidiano Lógica Dialética e Epidemiológico saúde e doença Clínico Estrutural Possibilidades distintas inserção no trabalho (Perfis de reprodução social) Potencialidades distintas (segundo o acesso/consumo diferenciado aos bens) Fortalecimento Singular “Condições” vida distintas Particular Processos Estruturais Desgaste Distintos perfis de saúde-doença (individual e coletivo) Fonte: Breilh, 1986 (modificado) SAÚDE / DOENÇA Processo único, dinâmico. Configura-se na vida social (forjada nos processos gerais, particulares e singulares, da sociedade). PROCESSOS SAUDÁVEIS SAÚDE / DOENÇA PROCESSOS DESTRUTIVOS EM CADA MOMENTO ESPECÍFICO PREDOMINA UM DOS POLOS DA CONTRADIÇÃO PERFIS EPIDEMIOLÓGICOS “São o resultado da conjunção entre os perfis de reprodução social (determinantes do processo saúde-doença) e os perfis de fortalecimento e desgaste (resultados do processo saúde-doença) dos grupos sociais, os quais devem ser monitorados como atividade nuclear no controle de saúde do coletivo”. CAUSA Paradigma: positivismo Relação de linearidade e DETERMINAÇÃO Relação Dialética entre fenômenos Realidade em movimento Universalidade Relação entre o Geral, Particular, Singular C Estrutura E Geral Super-estrutura Particular Singular Pessoas Reprodução Social Subjetivo RISCO PROCESSO Probabilidade de ocorrência Dinamicidade Processos destrutivos X Processos favoráveis ou protetores • Espaço da produção • Espaço do consumo • Cotidiano • Fenótipo / Genótipo Estrutura de contradição dos determinantes da saúde/doença DIMENSÃO PROCESSOS DETERMINANTES SAUDÁVEIS GERAL PARTICULAR DESTRUTIVOS Estrutura da sociedade Estabelecimento de políticas / leis Ideologia TRABALHO (como categoria que diz respeito à vida plena de sentido - e não reduzido à produção de mais-valia) • Integração • Aprendizagem • Identidade social e pessoal • Habilidades • Intelecto • Alienação CONSUMO Acesso a bens Acesso a serviços Ocupação territorial Agregação social Acesso a cultura • Hierarquia/Poder • Sobrecarga/Alojamento • Condições ergonômicas DETERMINANTES EPIDEMIOLÓGICOS: SISTEMA DE CONTRADIÇÕES DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOMÍNIOS Sistema de contradições da reprodução social Processos saudáveis GERAL • Condições da estrutura econômica (produtividade, distribuição da riqueza, remunerações e capacidade aquisitiva do salário etc.). • Políticas do Estado e poder das organizações da população. • Políticas salariais/poder e cobertura de organizações populares e de trabalhadores. • Condições ideológicas e culturais. Processos laborais saudáveis (Integração, aprendizagem, identidade social e pessoa, destrezas, intelecto, estruturação do tempo etc.). PARTICULAR Processos destrutivos Processos laborais saudáveis Processos saudáveis do meio ambiente (ambiente ou território de consumo) Formas de organização e poder eficazes e protetoras da vida. Formas culturais que fortalecem a consciência. Processos laborais destrutivos (Alienação, subsunção, hierarquização do trabalho, sobrecargas e subcargas, processos destrutivos para o sistema ergonômico, sistema imune, sistema cárdiovascular, cárdio-respiratório, neurológico, estressores, micro-ambiente de trabalho). Processos laborais destrutivos Processos destrutivos do meio ambiente (ambiente ou território de consumo) deterioração das condições naturais (deterioração ecológica) Debilidade da organização para a proteção da vida e da saúde. Falta de poder. Formas culturais alienantes Estrutura de contradição dos determinantes da saúde/doença PROCESSOS DETERMINANTES DIMENSÃO SAUDÁVEIS DESTRUTIVOS GRUPOS FAMÍLIAS COTIDIANO • Condições familiares humanizantes • Condições familiares deteriorantes SINGULAR INDIVÍDUO GENÓTIPO/ FENÓTIPO • Fortalecimento dos processos Individuais fisiológicos • Potencialização dos processos Individuais fisiopatológicos SAÚDE/DOENÇA • Saúde • Doença / Morte DETERMINANTES EPIDEMIOLÓGICOS: SISTEMA DE CONTRADIÇÕES DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO MEDIAÇÕES GRUPAIS FAMILIARES COTIDIANAS Padrões familiares e individuais favoráveis práticas humanizantes; práticas domésticas saudáveis. Processos fisiológicos e normas genéticas INDIVIDUAIS (Geno-fenotípicas) favoráveis Reserva/Recurso Relações/ Plano Simbólico • AVANÇO FISIOLÓGICO PERFIL DE • SOBREVIDA SAÚDE-DOENÇA • SAÚDE Fonte: BREILH, 1995. Padrões familiares e cotidianos deteriorantes Isolamento, privatização da vida, conflitividade, pressão para sobrevivência, prática doméstica e de trabalho doméstico destrutivos (reprodução do privado). Processos fisiopatológicos e normas genéticas destrutivas • DETERIORAÇÃO FISIOLÓGICA • SOBRE-ENVELHECIMENTO • DOENÇA-MORTE CATEGORIAS RELATIVAS AO PROCESSO DE PRODUÇÃO SOCIAL DIMENSÕES INDICADOR • Posição na produção/ Processo de trabalho • • • • • Ramo de Atividade • Tipo de trabalho desenvolvido • Potenciais de vulnerabilidade individual/ grupos • Empregabilidade • Condições de empregabilidade • Renda • Renda familiar/mês: receita/despesa • Mobilidade • Migração • Escolaridade • Escolaridade do chefe da família • Organização familiar • Organização familiar Propriedade dos meios de produção Relação de mando/hierarquia Vínculo com o sistema formal Benefícios CATEGORIAS RELATIVAS AO PROCESSO DE PRODUÇÃO SOCIAL • Processo de trabalho: -Propriedade dos meios de produção -Controle do processo de trabalho -Relações de mando/ hierarquia -Cooperação/ participação atividades grupais -Vulnerabilidade às condições de trabalho -Renda -Ramo de atividade -Benefícios -Assistência à saúde DIMENSÕES INDICADOR • Reprodução social • Consumo Simples Habitabilidade (água potável, Saneamento, lixo, poluição) Alimentação Educação Transporte Saúde Participação em associações • Consumo Ampliado: Lazer Cultura Categoria relativa à reprodução social DIMENSÕES INDICADOR • Habitabilidade • Ocupação do espaço territorial • Propriedade do domicílio • Relação cômodos para dormir/ócupantes • Fonte de abastecimento de água • Coleta de lixo: tipo e periodicidade • Tipo de esgoto • Áreas de lazer/ Poluição/ Indústrias/ Tráfego rodoviário aéreo CATEGORIA RELATIVA À ASSISTÊNCIA À SAÚDE DIMENSÕES INDICADOR • Acessibilidade • Adesão à assistência • Distância Física / Tempo / Atendimento / Agendamento / Vínculo CATEGORIA PROCESSO SAÚDE-DOENÇA DIMENSÕES INDICADOR • PROCESSOS DE DESGASTE/ FORTALECIMENTO DO CORPO BIO PSÍQUICO • Queixas / Necessidades / Problemas informados QUESTÕES QUE PERMANECEM... • Necessidade de incorporar o Sujeito: necessidades de saúde (no plano simbólico e de relações, da introjeção da cultura: a Subjetividade). • O indivíduo transfixa o singular, o particular e o estrutural e não se limita ao cotidiano. • O conceito marxista de classes sociais reduz a abordagem ao plano econômico. • Biológico e o social não devem ser tomados como antagônicos: todos os atos são simultaneamente biológicos e sociais. QUESTÕES QUE PERMANECEM... • Quantitativo x Qualitativo: o quantitativo no estado puro não existe: sempre tem um significado: tudo o que se investiga tem qualidade, propriedade, atributo • Laurell: proposição baseada em nexo biopsíquico retornaria à noção clínico-fisiológica de perfil patológico individual?????