•8. O entreguerras e a crise sistêmica Gilberto Maringoni – UFABC - 2014 Programação 5 de maio: O entreguerras e a crise sistêmica– Referências HOBSBAWM, Eric J., A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996, pags. 90 a 112 (Capítulo 3 – ‘Rumo ao abismo econômico’) PARKER, Selwyn, O crash de 1929, Editora Globo, São Paulo, 2009, pags. 400 a 418 (Pósfácio) O mundo do pós Guerra Hobsbawm • A Primeira Guerra Mundial foi seguida por um tipo de colapso verdadeiramente mundial, sentido pelo menos em todos os lugares em que homens e mulheres se envolviam ou faziam uso de transações impessoais de mercado. • Na verdade, mesmo os orgulhosos EUA, longe de serem um porto seguro das convulsões de continentes menos afortunados, se tornaram o epicentro deste que foi o maior terremoto global medido na escala Richter dos historiadores econômicos - a Grande Depressão do entreguerras.Em suma: entre as guerras, a economia mundial capitalista pareceu desmoronar. Ninguém sabia exatamente como se poderia recuperá-la. • A globalização da economia dava sinais de que parara de avançar nos anos entreguerras. • Por qualquer critério de medição, a integração da economia mundial estagnou ou regrediu. Por que essa estagnação? • Sugeriram-se vários motivos, como por exemplo que a maior das economias do mundo, a dos EUA, passara a ser praticamente autosuficiente,exceto pelo suprimento de umas poucas matérias-primas; jamais dependera particularmente do comércio externo. A crise deixou a Europa Central pronta para o fascismo. • Na Alemanha em 1923 a unidade monetária foi reduzida a um milionésimo de milhão de seu valor de 1913, ou seja, na prática o valor da moeda foi reduzido a zero. • Mesmo nos casos menos extremos, as conseqüências foram drásticas. • O desemprego na maior parte da Europa Ocidental permaneceu assombroso e, pelos padrões pré-l914, patologicamente alto. Itália e Alemanha • A passagem pelos momentos de crises interna e externa da Itália e da Alemanha tornam-se essenciais para o entendimento do contexto em que os indivíduos carentes de representatividade estavam inseridos, para legitimar uma ideologia totalitária e empregadora do terrorismo político, como alternativa aos problemas e às crises que assolavam seus respectivos países. • Os modelos eram o fascismo italiano e o nacional-socialismo, sendo estes desenvolvidos em países que reuniram condições internas e externas para o surgimento da ideologia sob forma de movimento em condições de disputa pelo poder. • Haviam na Itália aspectos do desenvolvimento do capitalismo de tipo tardio, que irão influenciar no surgimento de idéias como o nacionalismo, o expansionismo e o imperialismo colonialista, utilizadas na composição fascista. • O desequilíbrio na concentração de pólos econômico, contribuindo para constantes choques entre regiões mais pobres e mais ricas são presentes na península itálica, promovendo dificuldades para a estabilidade do país. • • A Marcha sobre Roma foi uma vasta manifestação fascista, com característica de golpe de estado, de direita, ocorrida em 28 de outubro de 1922 Milhares de militantes fascistas que reivindicavam o trono da Itália. Este evento representou a ascensão ao poder do Partido Nacional Fascista (PNF) e o fim da democracia liberal, pela nomeação de Benito Mussolini como chefe de governo pelo Rei Vítor Emanuel III • Mesmo após a unificação territorial, a Itália permanecia com fissuras sérias, tanto culturais quanto econômicas, traduzidas por concepções separatistas, fomentadas pelas regiões de índice de industrialização mais elevado, atacando as regiões predominantemente agrárias. • Os fatores de disparidade interna que minavam o sistema liberal adotado como forma de governo, eram ampliados pelos acontecimentos externos. • Junto ao “perigo vermelho” os movimentos nacionalistas originados antes da Grande Guerra permaneciam ativos e ideologicamente organizados. • Diante da expansão das ideologias de esquerda, cujo símbolo mais forte na Itália era o Partido Socialista Italiano (PSI), os nacionalistas adotaram a postura de oposição radical à esquerda. Entre as motivações aos ataques estão: • O internacionalismo adotado pelos socialistas - interpretado como traição à pátria, diante das ambições nacionais, • O princípio mobilizador mantido pelo PSI, regido pela revolução social, adquirindo assim antipatia dos setores médios da sociedade no pós-Guerra, em função do medo da proletarização. • Alguns destes movimentos de nacionalismo exaltado, antiliberais e anti-socialistas se viram, no pós-Guerra Mundial, aglutinados sob liderança de Benito Mussolini, ex-integrante do Partido Socialista Italiano, e ex-diretor do Avanti! (jornal oficial do partido). • Após ser expulso do PSI, por fazer apologia à entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial – constrangendo o internacionalismo do partido -, Mussolini torna pública sua interpretação da luta de classes marxista, levando-a a escala mundial. Condições • As condições ideais para o triunfo da ultradireita eram um Estado velho, com seus mecanismos dirigentes não mais funcionando, uma massa de cidadãos desencantados, desorientados e descontentes, não mais sabendo querer ser leais, forte movimento socialista ameaçando ou parecendo ameaçar com a revolução social, mas não de fato em posição de realizá-la; e uma inclinação do ressentimento nacionalista contra o tratado de paz de 1918-1920. • A Alemanha sentiu de maneira mais violenta as punições impostas pelo Tratado de Versalhes. • A intervenção das nações vitoriosas, sob o respaldo do tratado firmado após a Primeira Guerra Mundial, em assuntos políticos e econômicos internos da Alemanha, suscitaram sensação de debilidade interna e de indignação coletiva. • O Artigo 231 do Tratado de Versalhes enfatizava a responsabilidade moral exclusiva do Reich alemão, sendo constantemente lembrado, como forma de justificar as ações que pesavam contra a Alemanha derrotada. • O direito de autodeterminação dos povos, defendido pelo presidente estadunidense Wilson, era suspendido quando rogado pelos alemães em defesa da soberania nacional. • As medidas previstas pelo tratado de paz da Conferência de Versalhes implicavam privações ao desenvolvimento industrial alemão, ora pela perda de territórios estratégicos - ricos em minério de ferro e carvão (matérias-primas para o desenvolvimento da indústria de base) -, ora pela imposição de racionamentos à produção fabril. • O putsch de Munique Inspirado no movimento fascista de Mussolini na Itália, Hitler, em novembro de 1923, organizou um golpe a partir da cidade de Munique, tendo como pano de fundo a grave crise econômica no país. • .Apesar do fracasso do movimento, projetou o partido e suas idéias em nível nacional. Hitler preso após a tentativa de golpe • Mussolini, em um discurso proferido dia 28 de outubro de 1925 proferiu a frase que define concisamente a filosofia do fascismo: "Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contra lo Stato" ("Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado"). • O Fascismo italiano assume que a natureza do estado é superior à soma dos indivíduos que o compõem e que eles existem para o estado, em vez de o estado existir para os servir. Deste modo todas os assuntos dos indivíduos são assuntos do Estado. • No seu modelo corporativista da gestão totalitária mas privada, as várias funções do Estado são desempenhadas por entidades individuais que compõem o Estado, sendo do interesse do Estado inspeccionar essa acção, sem nacionalizar aquelas entidades. • A atividade privada é num certo modo empreguada pelo Estado, o qual pode decidir suspender a infra-estructura de alguma entidade de acordo com a sua utilidade e direcção, ou interesse do estado. • O fascismo foi de certa forma o resultado de um sentimento geral de ansiedade e medo dentro da classe média na Itália do pós-guerra, que surgiu no seguimento da convergência de pressões interrelacionadas de ordem económica, política e cultural. • Sob o estandarte desta ideologia autoritária e nacionalista, Mussolini foi capaz de explorar os medos perante o capitalismo numa era de depressão pós-guerra, o ascendente de uma esquerda mais militante, e um sentimento de vergonha nacional e de humilhação que resultaram da "vitória mutilada" da Itália nos tratados de paz pós Primeira Guerra Mundial. • O fascismo, primeiro em sua forma original italiana, depois na forma alemã do nacionalsocialismo, inspirou outras forças antiliberais, apoiou-as e deu à direita internacional um senso de confiança histórica: na década de 1930, parecia a onda do futuro. • Sem o triunfo de Hitler na Alemanha, a idéia do fascismo como um movimento universal, uma espécie de equivalente direitista do comunismo internacional tendo Berlim como sua Moscou, não teria se desenvolvido. • A ascensão da direita radical após a Primeira Guerra Mundial foi também uma resposta ao avanço da revolução social e do poder operário em geral, e à Revolução de Outubro e ao leninismo em particular. • Sem esses, não teria havido fascismo algum, pois embora os demagógicos ultradireitistas tivessem sido politicamente barulhentos e agressivos em vários países europeus desde o fim do século XIX, quase sempre haviam sido mantidos sob controle antes de 1914. Nazismo Do programa do NSDAP - Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores • Pedimos igualdade de direitos para o Povo Alemão em relação às outras nações e a revogação do Tratado de Versalhes e do Tratado de Saint-Germain. • É necessário impedir novas imigrações de não alemães. Pedimos que todos os não alemães estabelecidos no Reich depois de 2 de Agosto de 1914, sejam imediatamente obrigados a deixar o Reich. • Todos os cidadãos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres. • Pedimos a nacionalização de todas as empresas que atualmente pertencem a trusts. • Pedimos uma participação nos lucros das grandes empresas. • Pedimos a criação e proteção de uma classe média sã, a entrega imediata das grandes lojas à administração comunal e o seu aluguer aos pequenos comerciantes a baixo preço. Deve ser dado prioridade aos pequenos comerciantes e industriais nos fornecimentos ao Estado, aos Länder ou aos municípios. • Pedimos uma reforma agrária adaptada às nossas necessidades nacionais • O Estado deve preocupar-se por melhorar a saúde pública • Tais aspirações nacionalistas não realizadas (ou frustradas) manchavam a reputação do liberalismo e do constitutionalismo entre muitos sectores da população italiana. Adicionalmente, tais instituições democráticas nunca cresceram ao ponto de se tornarem firmemente enraizadas na nova nação-estado. Crise e mudança • O mundo do início dos anos 1930 enfrentava os sobressaltos da Grande Depressão, cujo marco definidor foi a quebra da bolsa de Nova York, em 29 de outubro de 1929. Nenhum país capitalista passou incólume pela crise. • Vivendo uma expansão constante desde a segunda metade do século anterior, sem enfrentar nenhum conflito significativo em seu território desde a Guerra de Secessão (18611865), os Estados Unidos despontaram, após a Guerra de 1914-1918, como a maior potência mundial e a força dominante entre os mercados latino-americanos. • Apesar de uma enorme desigualdade social 90% da riqueza estava na mão de 13% dos estadunidenses - nunca uma sociedade exibira tamanha opulência e tamanha pujança econômica. • Mas a roda girou em falso através de uma brutal crise de superprodução. Ela refletia a saturação dos mercados, que não absorviam mais o volume de mercadorias produzidas. Sem mecanismos de regulação, o livre-mercado mostrou seus limites. • A quebra fez com que bilhões de dólares evaporassem da noite para o dia, centenas de empresas fossem à bancarrota e as demissões de trabalhadores atingissem números nunca imaginados. Somente em Nova York, em fins de 1929, havia um milhão de desempregados vagando pelas ruas. • Nos EUA, a queda dos preços dos produtos primários (que deixaram de cair ainda mais pelo acúmulo feito de estoques cada vez maiores) simplesmente demonstrou que a demanda deles não conseguia acompanhar a capacidade de produção. • Uma dramática recessão da economia industrial norteamericana logo contaminou outro núcleo industrial, Alemanha. • A produção industrial americana caiu cerca de um terço entre 1929 e 1931, e a alemã mais ou menos o mesmo. • A Westinghouse, grande empresa de eletricidade,perdeu dois terços de suas vendas entre 1929 e 1933, enquanto sua renda líquida caiu75%em dois anos. A crise se difundiu internacionalmente. • Isso deixou prostrados Argentina, Austrália, países balcânicos, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Egito, Equador, Finlândia, Hungria, Índia, Malásia britânica, México, Índias holandesas (atual Indonésia), Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela • As economias da Áustria, Tchecoslováquia, Grécia, Japão, Polônia e Grã-Bretanha, bastante sensíveis a abalos sísmicos vindos do Ocidente (ou Oriente), foram igualmente abaladas. Em suma, a Depressão tornou-se global no sentido literal. • Quase simbolicamente, a Grã-Bretanha em 1931 abandonou o Livre Comércio, que fora tão fundamental para a identidade econômica britânica desde a década de 1840. • O trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que um país que rompera clamorosamente com o capitalismo pareceu imune a ela: a União Soviética. URSS • Enquanto o resto do mundo, ou pelo menos o capitalismo liberal ocidental, estagnava, a URSS entrava numa industrialização ultra-rápida e maciça sob seus novos Planos Qüinqüenais. • De 1929 a 1940, a produção industrial soviética triplicou, no mínimo dos mínimos. Subiu de 5% dos produtos manual faturados do mundo em 1929 para 18% em 1938, enquanto no mesmo período a fatia conjunta dos EUA, Grã-Bretanha e França caía de 59% para 52%do total do mundo. • E mais, não havia desemprego. • Essas conquistas impressionaram mais os observadores estrangeiros de todas as ideologias, incluindo um pequeno mas influente fluxo de turistas sócioeconômicos em Moscou em 1930. • O que eles tentavam compreender não era o fenômeno da URSS em si, mas o colapso de seu próprio sistema econômico, a profundidade do fracasso do capitalismo ocidental • Qual era o segredo do sistema soviético? Podia-se aprender alguma coisa com ele? Ecoando os Planos Qüinqüenais da URSS, "Plano" e "Planejamento" tomaram-se palavras da moda na política. • Os partidos social-democratasa adotaram "planos", como na Bélgica e Noruega. • Jovens políticos conservadores como o futuro primeiro-ministro Harold Macmillan (1894-1986) tornaram-se porta-vozes do "planejamento". • Até os nazistas plagiaram a idéia, quando Hitler introduziu um "Plano Quadrienal" em1933. Por que a economia capitalista não funcionou entre as guerras? • A situação nos EUA é parte essencial de qualquer resposta a essa pergunta. Pois, se era possível responsabilizar, ao menos parcialmente, as perturbações da Europa na guerra e no pós-guerra, ou pelo menos nos países beligerantes da Europa, pelos problemas econômicos ali ocorridos, os EUA tinham estado muito distantes do conflito, embora por um curto e decisivo período tivessem se envolvido nele. • Assim, longe de perturbar sua economia, a Primeira Guerra Mundial, como a Segunda, beneficiou-os espetacularmente. • Em 1913, os EUA já se haviam tornado a maior economia do mundo, arcando com mais de um terço da produção industrial mundial. • Além disso, a guerra não apenas reforçou sua posição como maior produtor do mundo, como os transformou no maior credor do mundo. • Em suma, não há explicação para a crise econômica mundial sem os EUA. • Isso não pretende subestimar as raízes exclusivamente européias do problema, em grande parte, de origem política • Em 1929. respondiam por mais de 42% da produção mundial total, comparados com apenas pouco menos de 28% das três potências industriais européias. • É uma cifra espantosa. Concretamente, enquanto a produção de aço americana subiu cerca de um quarto entre 1913 e 1920, a produção de aço do resto do mundo caiu cerca de um terço. • Em suma, após o fim da Primeira Guerra Mundial, os EUA eram em muitos aspectos uma economia tão internacionalmente dominante quanto voltou a tornar-se após a Segunda Guerra Mundial. • Foi a Grande Depressão que interrompeu temporariamente essa ascensão. • O mundo do início dos anos 1930 enfrentava os sobressaltos da Grande Depressão, cujo marco definidor foi a quebra da bolsa de Nova York, em 29 de outubro de 1929. Nenhum país capitalista passou incólume pela crise. • No início da década de 1930, a mudança veio abrupta. Seus marcos foram o abandono do padrão-ouro pela Grã-Bretanha, os Planos Qüinqüenais na Rússia, o New Deal nos EUA e a ascenção do nacional-socialismo na Alemanha e o colapso da Liga das nações em favor de impérios autárquicos. • . • Em 1940 já não existiam vestígios do sistema anterior. • A causa da mudança foi o colapso do sistema econômico internacional. • Algumas moedas desapareceram, como a alemã, a austríaca, a húngara e a russa. Apareceu um fenômeno inteiramente novo: a fuga de capital • Vivendo uma expansão constante desde a segunda metade do século anterior, sem enfrentar nenhum conflito significativo em seu território desde a Guerra de Secessão (18611865), os Estados Unidos despontaram, após a Guerra de 1914-1918, como a maior potência mundial e a força dominante entre os mercados latino-americanos. • Nunca uma sociedade exibira tamanha opulência e pujança econômica. • Mas a roda girou em falso através de uma brutal crise de superprodução. • O livre-mercado mostrou seus limites. • A quebra fez com que bilhões de dólares evaporassem da noite para o dia, centenas de empresas fossem à bancarrota e as demissões de trabalhadores atingissem números nunca imaginados. • Após a crise, a produção industrial americana caiu cerca de um terço entre 1929 e 1931, e a alemã mais ou menos o mesmo, mas essas são médias suavizadas. • A Depressão tornou-se global no sentido literal. • A interdependência do comércio e, especialmente, a interdependência financeira agiram como poderosos instrumentos de transmissão internacional da crise. • De imediato, foram atingidos Argentina, Austrália, países balcânicos, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Egito, Equador, Finlândia, Hungria, Índia, Malásia britânica, México, Índias holandesas (atual Indonésia), Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. • As economias da Áustria, Tchecoslováquia, Grécia, Japão, Polônia e GrãBretanha, bastante sensíveis a abalos sísmicos vindos do Ocidente (ou Oriente), foram igualmente abaladas. • O Brasil tornou-se um símbolo do desperdício do capitalismo e da seriedade da Depressão, pois seus cafeicultores tentaram em desespero impedir o colapso dos preços queimando café em vez de carvão em suas locomotivas a vapor. (Entre dois terços e três quartos do café vendido no mundo vinham desse país.) • Apesar disso, a Grande Depressão foi muito mais tolerável para os brasileiros ainda em sua grande maioria rurais que os cataclismos econômicos da década de 1980; sobretudo porque as expectativas das pessoas pobres quanto ao que podiam receber de uma economia ainda eram extremamente modestas. • O Brasil de 1930 tinha 37,6 milhões de habitantes e o café respondia por 70% de sua receita de exportações. Sem indústrias de monta e com uma economia baseada em produtos agrícolas, o país vive ao sabor das ondas da economia mundial. • A crise de 1929 bate de frente nessa lógica da quase monocultura. Agoniza a República Velha. Avizinha-se uma grave crise social. • De acordo com Celso Furtado, a política de valorização do café, por seu efeito multiplicador na economia, teve características anticíclicas que impediram o aprofundamento da crise no país. • Os fortes subsídios estatais na compra da produção, mesmo com a redução da demanda externa, foram decisivos para que, em 1933, a economia começasse a se recuperar. • A política de valorização do café resultava de um acordo firmado entre cafeicultores e o governo federal, em 1906, na cidade de Taubaté. • Através dele, o Estado compraria o excedente da produção, evitando crises de superprodução e a queda abrupta dos preços no mercado mundial. • Funcionava como se o país estabelecesse uma política de cotas de produção. • A defasagem cambial desestimulava as importações. Ao mesmo tempo, a recuperação do setor cafeeiro conferia maior dinamismo ao mercado interno, nesse momento mais atraente para investimentos que a economia de exportação, então estagnada. Foi o mercado interno o motor da recuperação econômica brasileira, um processo, segundo Furtado, inédito. • A produção industrial e mesmo a agrícola voltou-se, em sua maior parte, para o consumo local, no início dos anos 1930. • O pólo dinâmico da economia deslocava-se do setor exportador para a demanda doméstica, que gerava maiores lucros e atraía mais investimentos. • Assim, mesmo com as importações de insumos e maquinário dificultadas pela depreciação da moeda nacional, a indústria – especialmente a de bens de capital - pode se desenvolver. • O Brasil passou a importar máquinas e equipamentos obsoletos nos países centrais, mais baratos, o que compensava a defasagem cambial. A produção industrial cresceu cerca de 50% entre 1929 e 1937. Assim, a taxa de câmbio depreciada passou a ter enorme importância no desenvolvimento da economia brasileira. No cenário mundial • A conseqüência básica da Depressão foi o desemprego em escala inimaginável e sem precedentes, e por mais tempo do que qualquer um já experimentara. • No pior período da Depressão (1932), 22% a 23% da força de trabalho britânica e belga, 24% da sueca, 27% da americana, 29% da austríaca, 31% da norueguesa, 32% da dinamarquesa e nada menos que 44% da alemã não tinha emprego. • O único Estado ocidental que conseguiu eliminar o desemprego foi a Alemanha nazista entre 1933 e 1938. • Não houvera nada semelhante a essa catástrofe econômica na vida dos trabalhadores até onde qualquer um pudesse lembrar. • O que tornava a situação mais dramática era que a previdência pública na forma de seguro social, inclusive auxíliodesemprego, ou não existia, como nos EUA, ou, pelos padrões de fins do século 20, era parca, sobretudo para os desempregados a longo prazo. • A Grande Depressão destruiu o liberalismo econômico por meio século. • Em 1931, a Grã-Bretanha, Canadá, toda a Escandinávia e os EUA abandonaram o padrão-ouro, sempre encarado como a base de trocas internacionais estáveis. • Em 1936 haviam-se juntado a eles os belgas, os holandeses e os franceses. • A Grã-Bretanha em 1931 abandonou o Livre Comércio, que fora tão fundamental para a identidade econômica britânica desde a década de 1840 quanto a Constituição americana para a identidade política dos EUA. • Após a guerra, o "pleno emprego", ou seja, a eliminação do desemprego em massa, tornou-se a pedra fundamental da política econômica nos países de capitalismo democrático reformado. • Seu mais famoso profeta e pioneiro foi o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946). • Os keynesianos afirmavam, corretamente, que a demanda a ser gerada pela renda de trabalhadores com pleno emprego teria o mais estimulante efeito nas economias em recessão. • Apesar disso, o motivo pelo qual esse meio de aumentar a demanda recebeu tão urgente prioridade - o governo britânico empenhou-se nele mesmo antes do fim da Segunda Guerra Mundial - foi que se acreditava que o desemprego em massa era política e socialmente explosivo, como de fato mostrara ser durante a Depressão. • O trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que um país que rompera clamorosamente com o capitalismo pareceu imune a ela: a União Soviética. • Enquanto o resto do mundo, ou pelo menos o capitalismo liberal ocidental, estagnava, a URSS entrava numa industrialização ultra-rápida e maciça sob seus novos Planos Qüinqüenais. • De 1929 a 1940, a produção industrial soviética triplicou, no mínimo dos mínimos. • Subiu de 5% dos produtos manual faturados do mundo em 1929 para 18% em 1938. • No mesmo período a fatia conjunta dos EUA, GrãBretanha e França caía de 59% para 52% do total do mundo. • E mais, não havia desemprego na URSS. • Ecoando os Planos Qüinqüenais da URSS, "Plano" e "Planejamento" tomaram-se palavras da moda na política. • Os partidos social-democra tas adotaram "planos", como na Bélgica e Noruega. • Até os nazistas plagiaram a idéia, quando Hitler introduziu um "Plano Quadrienal" em 1933. • O sistema mundial, pode-se argumentar, não funcionou porque, ao contrário da Grã-Bretanha, que fora o centro antes de 1914, os EUA não precisavam muito do resto do mundo, e portanto, outra vez ao contrário da Grã-Bretanha, que sabia que o sistema de pagamentos mundiais se apoiava na libra esterlina e cuidava para que ela permanecesse estável, os EUA não se preocuparam em agir como estabilizador global. • O que tomava a economia tão mais vulnerável durante um período em que houve um boom de crédito era que os consumidores não usavam seus empréstimos para comprar os bens de consumo tradicionais, que mantêm corpo e alma juntos, e têm portanto muito pouca variação: alimentos, roupas e coisas semelhantes. • O mundo continuou em depressão ao longo de toda a década de 1930. • Isso foi mais visível na maior de todas as economias, a dos EUA, porque as várias experiências para estimular a economia feitas pelo "New Deal" do presidente F. D. Roosevelt - às vezes de maneira inconsistente - não corresponderam exatamente à sua promessa econômica. • Economistas que aconselhavam que se deixasse a economia em paz, governos cujos primeiros instintos, além de proteger o padrão ouro com políticas deflacionárias, era apegarse à ortodoxia financeira, aos equilíbrios de orçamento e à redução de despesas, visivelmente não tomavam melhor a situação. • Na verdade, à medida que continuava a Depressão, argumentava-se com considerável vigor, entre outros por J. M. Keynes que tais governos estavam piorando a Depressão. • Não surpreende que os efeitos da Grande Depressão tanto sobre a política quanto sobre o pensamento público tivessem sido dramáticos e imediatos. • Infeliz o governo por acaso no poder durante o cataclismo, fosse ele de direita, como a presidência de Herbert Houver nos EUA (1928-32), ou de esquerda, como os governos trabalhistas na GrãBretanha e Austrália. • A mudança nem sempre foi tão imediata quanto na América Latina, onde doze países mudaram de governo ou regime em 1930-31, dez deles por golpe militar. • Em meados da década de 1930 havia poucos Estados cuja política não houvesse mudado substancialmente em relação ao que era antes do crash. • Na Europa e Japão, deu-se uma impressionante virada para a direita, com exceção da Escandinávia, onde a Suécia entrou em seu governo social-democrata de meio século em 1932, e na Espanha, onde a monarquia Bourbon deu lugar a uma infeliz e, como se viu, breve República em 1931 • Os portões para a Segunda Guerra Mundial foram abertos em 1931. • O fortalecimento da direita radical foi reforçado, pelo menos durante o pior período da Depressão, pelos espetaculares reveses da esquerda revolucionária. • O Estado no centro da agenda • No combate à crise, a maior parte dos governos dos países mais importantes adotou políticas intervencionistas e de fortalecimento do Estado, além da URSS. São alguns exemplos: • • • • • • • • EUA - 1932-1944 Alemanha – 1933-1945 Espanha – 1938-73 Itália – 1922-1944 Portugal - 1932-1968 Brasil – 1930 -1945 Argentina – 1946 -1955 México – 1934-1940 • O teórico da retomada • John Maynard Keynes (1883-1946), economista britânico, defendia, contra as teses liberais, uma política econômica de Estado intervencionista. • Nela, os governos usariam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos - recessão, depressão e booms. Suas ideias serviram de base para a escola de pensamento conhecida como economia keynesiana. • Na década de 1930, Keynes iniciou uma revolução no pensamento econômico, opondo-se às ideias da economia neoclássica que defendiam que os mercados livres ofereceriam automaticamente empregos aos trabalhadores contanto que eles fossem flexíveis na sua procura salarial. • Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, as ideias econômicas de Keynes foram adotadas pelas principais potências econômicas do Ocidente. • Durante as décadas de 1950 e 1960, o sucesso da economia keynesiana foi tão retumbante que quase todos os governos capitalistas adotaram suas recomendações. • O impacto da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936) nos meios acadêmicos e na formulação de políticas públicas excedeu o que normalmente seria esperado, até mesmo de pensadores tão destacados como John Maynard Keynes. • O objetivo de Keynes, ao defender a intervenção do Estado na economia não é, de modo algum, destruir o sistema capitalista de produção. Muito pelo contrário, segundo o autor, o capitalismo é o sistema mais eficiente que a humanidade já conheceu (incluindo aí o socialismo). • O objetivo é o aperfeiçoamento do sistema, de modo que se una o altruísmo social (através do Estado) com os instintos do ganho individual (através da livre iniciativa privada). Segundo o autor, a intervenção estatal na economia é necessária porque essa união não ocorre por vias naturais, graças a problemas do livre mercado. • Suas ideias e as dos seus seguidores foram adotadas por vários governos ocidentais e também por muitos governos do terceiro mundos. O New Deal, a reação dos EUA • Em 4 de março de 1933, Franklin Delano Roosevelt (1882 -1945) torna-se presidente dos Estados Unidos. • A crise econômica e social iniciada em outubro de 1929 arruína o país. Desaparece a confiança na prosperidade. Os especuladores arruinados não podem mais saldar suas dívidas. Os bancos reclamam sua parte. • Como não conseguem reaver o dinheiro que lhes é devido, 659 bancos fecham suas portas em 1929, 1.352 em 1930, e 2.294 no ano seguinte. Obrigados a abrir falência, os industriais fecham as fábricas. • O desemprego atinge índices astronômicos: 1,5 milhão de americanos em 1929, 13 milhões de homens e mulheres quatro anos mais tarde, ou seja, um quarto da população ativa. • Roosevelt promete agir imediatamente nos primeiros 100 dias de seu mandato. • De março a junho de 1933, inúmeros projetos invadem o Congresso. A equipe do presidente, principalmente o Brain Trust, demonstra uma atividade febril. • A 9 de março, uma lei reorganiza o sistema bancário e permite a reabertura dos bancos. • Nascem vários órgãos federais. • O Civilian Conservation Corps (CCC), conduzido por militares, empregará 250 mil pessoas, que passam a trabalhar nas estradas, florestas e parques nacionais. • A Federal Emergency Relief Administration (Fera) destinará US$ 500 milhões aos estados e municípios para que criem empregos. • O Agricultural Adjustment Act (AAA) tenta remediar a crise agrícola limitando a superprodução, elevando os preços, e ajudando os fazendeiros que aceitarem reduzir a superfície cultivada. • A Tennessee Valley Authority (TVA) valorizará o vale do Tennessee, construirá barragens hidrelétricas, facilitará a irrigação e assegurará o desenvolvimento regional. • A National Industrial Recovery Act (Nira) visa dar novo vigor às atividades industriais, e confia aos empresários a iniciativa de concluir acordos com a ajuda do federal. O artigo 7 dessa lei garante aos trabalhadores o direito de formar sindicatos. A Civil Works Administration (CWA) dará assistência a 4 milhões de desempregados. • O método não se limita aos cem dias do programa. • À medida que vários desses organismos vão desaparecendo, conforme o prazo fixado pela lei, são substituídos por outras administrações, formadas segundo o mesmo modelo. • A Works Progress Administration (WPA) data de 1935 e é sucessora da Fera. A Securities Exchange Commission (SEC) cuida da regulamentação das operações da Bolsa. A Rural Electrification Administration (REA) recebe a missão de eletrificar as zonas rurais. • A National Youth Administration (NYA) trata do desemprego dos jovens. • O National Labor Relations Board (NLRB) controla o processo de negociações trabalhistas. • Cada medida envolve a criação de secretarias, comitês e serviços para assegurar a aplicação da lei. • É como se os Estados Unidos procurassem compensar seu atraso em relação às pesadas administrações européias. • O governo federal torna-se o motor da vida econômica e social, intervindo em todos os domínios. Neste sentido, Roosevelt vai contra os seus predecessores. Ele não acredita mais na filosofia política do passado. É preciso que o país entre na modernidade. • Seis anos após a ascensão ao poder de Roosevelt, a crise não fora superada. Os índices econômicos são reveladores. • O PIB de 1939 atinge com dificuldade o nível de 1929; e se o critério escolhido for o PIB per capita, o índice de 1939 é ligeiramente inferior. • A produção industrial experimentou ligeira melhora em 1937, antes de cair novamente no ano seguinte e ganhar alguns pontos em 1939. • O desemprego diminuiu. Todavia, há ainda 9,5 milhões de pessoas sem emprego, ou seja, 17% da população ativa. O desempregado de 1939 está, é certo, mais bem protegido do que o de 1929. Mas o que colocará a economia americana nos trilhos será a produção de guerra. O New Deal teve êxito apenas relativo. • Somente a guerra retiraria os EUA da crise. • O fortalecimento do Estado no Brasil Sonia Draibe: • "De uma a outra fase da industrialização, com autonomia, força e capacidade de iniciativa, o Estado brasileiro planejou, regulou e interveio nos mercados e tomou-se, ele próprio, produtor e empresário; através de seus gastos e investimentos coordenou o ritmo e os rumos da economia e, através de seus aparelhos e instrumentos, controlou e se imiscuiu até o âmago da acumulação capitalista. • Do ponto de vista social e político, regulou as relações sociais, absorveu no interior de suas estruturas os interesses e se transformou numa arena de conflitos, todos eles mediados e arbitrados pelos seus agentes. • Manifestou-se como Executivo forte, como aparelho burocráticoadministrativo moderno e complexo e passou a operar através de um corpo cada vez maior e mais sofisticado de funcionários, os novos burocratas, metamorfoseados, nestas circunstâncias, em aparente 'tecnocracia'. (Sonia Draibe) • “Um tipo de Estado que se enraiza numa estrutura social heterogênea, em desequilíbrio tendência!; um tipo de Estado que se erige sobre um conjunto de forças sociais em transformação, não articuladas objetivamente. Finalmente, um tipo de Estado que (. ..) vai adquirindo, ao longo do processo de transição, as estruturas centralizadas, unificadas e ramificadoras do Estado nacional capitalista". (Sonia Draibe) • No vasto setor colonial do mundo, a Depressão trouxe um acentuado aumento na atividade antiimperialista, em parte por causa do colapso dos preços das mercadorias das quais dependiam as economias coloniais (ou pelo menos suas finanças públicas e classes médias), e em parte porque os próprios países metropolitanos apressaram-se em proteger sua agricultura e empregos, sem avaliar os efeitos dessas políticas sobre suas colônias.