Estigma, Deficiência e Políticas Públicas

Propaganda
1
ESTIGMA , DEFICIÊNCIA E
POLÍTICAS PÚBLICAS
Marcos Rolim
[email protected]
twitter.com/RolimMarcos
 facebook.com/rolimmarcos
O estigma
Ervin Goffman
(1922- 1982)
Estigma:
Notas sobre a
manipulação da
identidade
deteriorada
Interacionismo Simbólico
Goffman
trabalhou basicamente com o tema das
“interações face à face”. O que lhe interessa são as
dinâmicas que presidem as relações entre as pessoas
quando elas se encontram no espaço público.
Microssociologia onde a "expressão" de si se faz
"impressão" para o outro e pode ser manipulada para
"desinformar" o interlocutor, que irá se comportar de maneira
idêntica. Toda interação é, assim, um jogo constante de
simulação (de si) e exame (do outro).
Concepção dramatúrgica
da interação social
O sujeito goffmaniano, "acossado pelo olhar dos demais", está
"em guarda quase constantemente". Na interação, todos nós
representamos “papeis”, como atores.
Quando “A” se apresenta ante “B”, B estima que ele (A) já
projetou na situação um suposto sobre a maneira como estima
dever ser tratado e, portanto, uma idéia de si mesmo. O eu de A
é o que B crê que A projeta. A e B atuarão segundo o que
acreditem ser a identidade desejada do outro.
Estigma como dinâmica social
Para Goffman, o estigma revela uma dinâmica de funcionamento
da vida social. “A dinâmica da diferença vergonhosa é
considerada uma característica geral da vida social”.
Mais importante do que perceber as relações entre
estigmatizados e “normais” é a conclusão a que chega quando
sustenta que “estigmatizados e normais não são pessoas, mas
perspectivas” que são geradas em situações sociais durante os
contatos mistos, em virtude de normas não cumpridas que atuam
sobre o encontro”
Estigma não é marca,
mas olhar que exclui
Nas relações entre estigmatizados e “normais”, o que temos é
uma cena onde dois papeis serão representados. As
características estigmatizadoras não determinam a natureza dos
dois papeis.
Muito frequentemente, alguém estigmatizado em um contexto,
irá exibir todo o comportamento estigmatizador contra outra
pessoa, por outra razão, em outro contexto. Determinadas
características que constituem um estigma em um contexto
social, podem constituir signos de distinção em outro.
A estratégia do encobrimento
Quando estamos diante de um estranho e notamos que ele
não possui as características que imaginávamos; ou seja:
quando ele se afasta do estereótipo e nos oferece um
atributo tido como indesejável, ou condenável, o reduzimos
à condição de uma pessoa “estragada” e “diminuída”´. Isto é
o estigma .
O estigmatizado será uma pessoa desacreditada, mas
aquele
que
possui
característica
potencialmente
estigmatizadora ainda não conhecida será uma pessoa
desacreditável.
Esta distinção é importante para se entender o papel do
encobrimento.
.
Tipos de estigma
Goffman entende que há, basicamente, três tipos de estigma:
1- As abominações do corpo – defeitos físicos,
deficiências, feiúras, incapacidades, sintomas, doenças, etc.
2 - As culpas de caráter individual – atos moralmente
condenáveis praticados, preferências não aceitas, condutas
vergonhosas, etc.
3 - Os estigmas tribais – de raça, nação, religião, etc.
- Todos nós, salvo os que morrerem cedo, sofreremos pelo
menos um estigma: o da velhice.
A redução das pessoas
Nas relações que se estabelecem entre “normais” e
estigmatizados, se destroi a possibilidade dos demais
perceberem outros atributos no estigmatizado. Ele é reduzido à
característica diferenciada e passa a ser esta característica, não
uma pessoa.
Uma garota que só tinha uma perna relata o que sentia quando,
andando de patins, caía: “Tinha sempre uma multidão de
pessoas para me acudir, mas não porque alguma coisa banal
como cair andando de patins tivesse ocorrido, mas porque
“aquela pobre menina aleijada havia caído”
O conceito de deficiência
Com base no artigo
“Deficiência, direitos
humanos e justiça”
de Débora Diniz;
Lívia Barbosa e
Wederson Rufino dos
Santos
- http://migre.me/9PRzs
Deficiência como conceito- I
Habitar um corpo com impedimentos físicos, intelectuais ou
sensoriais é uma das muitas formas de estar no mundo.
Durante muito tempo, o corpo da pessoa deficiente foi considerado
“anormal” . Isto gerou um fenômeno específico de opressão sobre
estas pessoas - o disablism
O disablism é resultado da cultura da normalidade, em que os
impedimentos corporais são alvo de opressão e discriminação. A
opressão não é um atributo dos impedimentos corporais, mas
resultado de sociedades não inclusivas.
Deficiência como conceito - II
A normalidade é uma expectativa biomédica de padrão de
funcionamento da espécie e um preceito moral de produtividade e
adequação às normas sociais.
Tal abordagem foi desafiada pela compreensão de que deficiência
não é apenas um conceito biomédico, mas a opressão pelo corpo
com variações de funcionamento.
A deficiência traduz, portanto, a opressão ao corpo com
impedimentos: o conceito de corpo deficiente ou pessoa com
deficiência devem ser entendidos em termos políticos e não mais
estritamente biomédicos.
Deficiência como conceito - III
Deficiência não é o catálogo de doenças e lesões de uma
perícia do corpo. É um conceito que denuncia a relação de
desigualdade imposta por ambientes com barreiras a um
corpo com impedimentos.
Por isso, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência da ONU menciona a participação como
parâmetro para a formulação de políticas, definindo as
pessoas com deficiência como "aquelas que têm
impedimentos de natureza física, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade com as demais pessoas”.
Deficiência não é apenas o que o olhar médico descreve,
mas principalmente a restrição à participação plena
provocada pelas barreiras sociais.
Implicações do novo conceito- I
O Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência em 2008. Isso significa que um novo conceito de
deficiência deve nortear as ações do Estado para a garantia de
justiça a essa população.
Segundo dados do Censo 2000, 14,5% dos brasileiros
apresentam impedimentos corporais como deficiência.
Os números, entretanto, devem ser maiores, porque os critérios
empregados pelo censo foram biomédicos e há dificuldades em se
medir a restrição de participação.
Implicações do novo conceito - II
Se a deficiência for reduzida a sua dimensão “natural”, então as
estratégias apontarão para o corpo com impedimentos, na
tentativa de submetê-lo à metamorfose para a normalidade,
seja pela reabilitação, pela genética ou por práticas educacionais.
Mas quando a deficiência é compreendida também como uma
construção social – pelas barreiras oferecidas à participação –
então as estratégias apontarão para as reformas políticas e
culturais.
O exemplo da comunidade surda
Na ausência de possibilidades biomédicas, as práticas
educacionais compõem outro universo de docilização dos corpos:
a controvérsia sobre práticas oralistas ou manualistas para
crianças surdas é um exemplo de como diferentes narrativas
disputam a resposta sobre como os surdos devem habitar
sociedades não bilíngues.
Forçar as crianças surdas à leitura labial e obrigá-la a se sentar
sobre as mãos em sala de aula foram práticas comuns no Brasil e
no mundo. Os esforços em favor de sociedades bilíngues
recém começaram.
Cultura da normalidade
O modelo social da deficiência, ao resistir à redução da
deficiência aos impedimentos, ofereceu novos instrumentos para a
transformação social e a garantia de direitos.
Afinal, não é a natureza quem oprime, mas a cultura da
normalidade que descreve alguns corpos como indesejáveis.
“A principal doença de nossa época é a normalidade” –
Adorno
Theodor
Da casa para a rua
A tese central do modelo social permitiu o deslocamento do
tema da deficiência dos espaços domésticos para a vida
pública. A deficiência não é matéria de vida privada ou de
cuidados familiares, mas uma questão de justiça .
A crítica ao modelo biomédico não significa ignorar o quanto
os avanços nessa área garantem bem-estar às pessoas.
Pessoas com impedimentos corporais sentem dor, adoecem,
e algumas necessitam de cuidados permanentes, mas os
bens e serviços biomédicos são respostas às necessidades
de saúde, portanto, direitos universais.
Seremos todos deficientes
Um corpo com impedimentos é condição de possibilidade
para a experiência da velhice.
Assim, aqueles que não morrem jovens, experimentam – de
uma ou outra forma – a existência de barreiras sociais. Com
relação à velhice, assim como com a deficiência em geral,
será preciso superar uma cultura discriminatória.
Velhice e deficiência são conceitos aproximados pela CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade
e Saúde - e pela nova geração de teóricos da deficiência
Políticas públicas e deficiência
Um Estado excludente
O Brasil não conheceu a experiência do Estado de Bem Estar
Social que caracteriza a história do pós guerra, destacadamente
nos países europeus.
O modelo de desenvolvimento capitalista aqui implantado sempre
lidou com a exclusão social como um pressuposto. Isto se deu
pela vocação autoritária das elites e por um modelo político
fundado na marginalização da população e na sua cooptação
por práticas clientelistas.
No Brasil, o Estado antecedeu a Sociedade Civil.
Frágil experiência democrática
Somos contemporâneos da mais longa experiência
democrática da história brasileira . Cerca de 30 anos!
Natural, então, que o Brasil não tenha desenvolvido uma
cultura democrática sólida.
Em meio à população, ainda é expressiva a adesão às
práticas autoritárias.
Várias pesquisas apontam, por
exemplo, que cerca de 1/3 dos brasileiros defendem o
emprego da tortura como meio para obtenção de prova e
estariam dispostos a apoiar a volta da ditadura.
O ceticismo na política se confunde, no Brasil, com o apoio
à violência e a oposição aos direitos humanos.
Assistência social versus assistencialismo
A assistência social constitui um direito humano básico.
Ela diz respeito à obrigação do Estado de amparar as
pessoas fragilizadas socialmente e em situações extremas.
Uma política de assistência social visa a inclusão e o
empoderamento, de tal forma que os beneficiados não
mais a necessitem.
O assistencialismo é uma forma de dominação política.
Com ele, se criam laços de dependência e retribuição de
favores. Políticas assistencialistas perpetuam a exclusão
e impedem o exercício da condição cidadã.
Ter uma deficiência não implica,
precisar de assistência social.
necessariamente,
Definição de políticas públicas
1. agenda setting
Para que uma política pública se desenvolva, é preciso, antes
de tudo, que um tema seja selecionado como relevante e,
portanto, como merecedor de uma intervenção específica. O
primeiro desafio, então, é o de incluir o tema na agenda
política.
Várias são as condições para isto. Entre elas, as mais
importantes são: a) pressão social (demandas dos movimentos
sociais, cobranças da imprensa, simpatia da opinião pública); b)
obrigação legal
e c) processo eleitoral (compromissos
políticos assumidos pelos eleitos).
2 - diagnóstico
Não é possível desenvolver uma política pública séria
sem contar com um competente diagnóstico a respeito
dos problemas que se pretende superar.
Este diagnóstico deve ter base territorial e possuir
fundamentação científica; vale dizer: deve estar
fundamentado em pesquisas e partir de evidências fortes.
No Brasil, raras vezes partimos de diagnósticos sérios.
Com a possível exceção das políticas de saúde pública, a
regra tem sido o improviso e as posturas meramente
reativas.
3– escolha da alternativa adequada
A política pública será definida a partir do diagnóstico, com a
escolha da alternativa mais adequada. Não há receita
universal ou genérica. A depender do diagnóstico, as
alternativas podem ser muito diversas em cada região, cidade
ou mesmo em cada bairro.
Na definição da agenda, temos participantes visíveis que
atuam como sujeitos políticos. Nas demais fases, é
fundamental contar com uma equipe técnica altamente
qualificada no tema, capaz de coletar os dados, interpretá-los
e propor alternativas de intervenção. Como regra, o Estado
brasileiro se ressente deste tipo de profissional.
4– implementação
O processo de implementação de uma política pública deve
obedecer a um rigoroso cronograma e seguir estritamente as
recomendações técnicas previstas. Erros nesta fase podem
colocar a perder todo o esforço realizado.
O sucesso da implementação depende, entre outros fatores, do
grau de comprometimento e consciência dos funcionários
públicos e da compreensão das iniciativas por parte do público.
Neste particular, as políticas públicas dependem de uma
competente comunicação social.
Comunicar não é aquilo que dizemos, é aquilo que os outros
entendem.
5- monitoramento e avaliação
O monitoramento das políticas públicas pelos gestores é
muito importante. Ajustes serão necessários, porque
dificuldades imprevistas surgirão. Políticas públicas são
dinâmicas e devem ter margem de flexibilidade.
Mais importante ainda é a avaliação dos resultados.
Políticas públicas devem ter seus resultados avaliados
periodicamente por agências independentes.
Para que exista avaliação é preciso dispor de
indicadores e metas definidas. No Brasil, raramente
avaliamos resultados, o que é fonte de enorme
desperdício.
Como medir resultados
de uma intervenção social?
Nas ciências naturais, é possível isolar variáveis e medir
relações causais com relativa facilidade. Assim, por
exemplo, posso misturar substâncias e observar as
reações em laboratório, ou promover a aceleração de
partículas e descobrir o “bóson de Higgs”.
Mas não podemos isolar todas as variáveis em
experimentos sociais; então como saber se um
determinado resultado encontrado após uma intervenção
social foi, de fato, provocado por ela e não por outro fator
qualquer?
Grupos de controle
Um dos recursos mais importantes para esta medição é
oferecido pela metodologia comparativa, a partir da
formação de “grupos de controle”.
Toda política pública deve lidar com grupos de controle –
assim como ocorre na maioria dos países desenvolvidos.
- Experiência de Elmira* é possível reduzir taxas
criminais pela metade com enfermeiras?
* Fonte: Olds, D.L.; Henderson, C.R.; Chamberlin, R. e Tatelbaum, R.
(1986), “Preventing Child Abuse and Neglect: A Randomized Trial of Nurse
Home Visitation”, Pediatrics, 78: 65-78.
Controle social
Políticas públicas tendem a ser mais eficientes na medida
em que permitam protagonismo social.
Em uma democracia, a sociedade civil deve estar
superposta ao Estado, fiscalizando seus passos ,
cobrando providência e tomando decisões no que lhe
compete.
Mecanismos de participação democrática como os
conselhos são decisivos e não podem ser boicotados
nem manipulados pelos gestores.
Accountability
Obrigação do agente público prestar contas dos seus
atos ao público. Não apenas em termos quantitativos ou
burocráticos, mas de permitir a discussão pública do
seu desempenho, dando a conhecer o que alcançou e
justificando-se pelo que não conseguiu.
No Brasil, a única experiência consolidada de
“accountability”, ainda que limitada, surge nas
campanhas eleitorais.
Download