ABORDAGENS PSICOLÓGICAS NO TRATAMENTO DE USUÁRIOS DE MACONHA E A EXPERIÊNCIA DO 1o AMBULATÓRIO DE MACONHA Flávia Serebrenic Jungerman UNIAD-UNIFESP Índice • Os componentes do tratamento: –Informação; – TCC: –Entrevista Motivacional; –Prevenção de recaída; –Treinamento de Habilidades; –Abordagem familiar. • O porquê de um ambulatório específico para usuários de maconha • O ambulatório de maconha: funcionamento e dados Informação: • Usuários recreacionais, dependentes de maconha e familiares conhecem pouco sobre a droga; • Falta de informação pode ser um fator importante não só para prevenção como para tratamento; • Importante informar de modo realista e não assustador; • Primeira etapa no tratamento do paciente. Entrevista Motivacional Precursores: W. Miller e S. Rollnick (1991) ‘Um estilo de aconselhamento diretivo, centrado no cliente, que visa estimular a mudança do comportamento, ajudando os clientes a explorar e resolver sua ambivalência’ ENTREVISTA MOTIVACIONAL • A motivação não é traço e sim estado; • Meio-termo entre as abordagens ‘de confronto’ e de ‘aconselhamento’; • Tratamento breve; • Papel do terapeuta é essencial. Dois conceitos importantes Ambivalência: A experiência de um conflito psicológico para decidir entre dois caminhos diferentes. Prontidão para a mudança - Pré- contemplação - Contemplação - Preparação - Ação - Manutenção - Recaída Vantagens e desvantagens de usar Gosto em mim sem usar Gosto em mim usando Não gosto em mim sem usar Não gosto em mim usando Modelo em Espiral dos Estágios de Mudança (Prochaska e colaboradores 1992) Término Manutenção Pré-Contemplação Contemplação Preparação Ação Recaída Pré-Contemplação Contemplação Preparação Ação Cinco princípios básicos 1- Expressar empatia 2-Desenvolver discrepância 3- Evitar discussões 4- Fluir com a resistência 5- Estimular auto eficácia Importância para o tratamento de usuários de drogas • Aborda o indivíduo no 1o momento de contato com sua condição e portanto, em momento crucial de adesão à mudança e ao tratamento; • Auxilia o profissional a incentivar a conscientização do problema e conseqüente aderência ao tratamento; • Otimista no sentido de ver o paciente como alguém que pode mudar; • Delega ao indivíduo o poder de mudar; • Leva em consideração o estágio em que este se encontra e consequentemente oferece estratégias mais apropriadas. Abordagem cognitivocomportamental: • O pensamento afeta as ações/ comportamentos; • Necessidade de alterar forma de pensar para consequentemente mudar o comportamento; • O terapeuta é essencial e serve para instrumentar o indivíduo a lidar com suas questões sozinho no futuro. Modelo dos comportamentos aditivos • São hábitos aprendidos e mal adaptados, seguidos de gratificação; • São uma forma ‘ruim’ de lidar com situações difíceis; • Não se deve à fraqueza do individuo, mas à idéia de condicionamento clássico e reforço operante (Pavlov), além de aprendizado social e modelagem; • Indivíduo participa na mudança. PREVENÇÃO DE RECAÍDA PRECURSORES: A.MARLATT E J. GORDON (1985) “É um termo genérico que se refere a várias estratégias elaboradas para prevenir recaída. O foco primário da PR é manter a mudança do hábito. O objetivo é duplo: prevenir a ocorrência de lapsos iniciais quando a pessoa entra no tratamento e /ou prevenir qualquer lapso que leve a uma recaída total.” PREVENÇÃO DE RECAÍDA: • O tratamento não tem como objetivo ‘fixo’ a abstinência; O tratamento é um processo; A recaída faz parte deste processo; • A recaída deve ser reconhecida, ultrapassada e futuramente evitada. Na Prevenção de Recaída: • Terapeuta é como um colega; • ‘Comportamento aditivo’ é algo que o paciente faz e não é; • Abordagem objetiva livra paciente da culpa e defesa; • Visa: ‘...aumentar a consciência e escolha do paciente frente ao problema, desenvolver habilidades de enfrentamento e desenvolver maior confiança, controle e auto-eficácia em suas vidas.’ Alicerces da PR: Conscientização do problema Treinamento de habilidades Mudança nos hábitos de vida Etapas da PR: RECONHECER as situações de alto risco; EVITAR estas situações quando necessário; LIDAR mais efetivamente com os problemas e comportamentos problemáticos associados ao uso da substância. MODELO DE RECAÍDA (Marlatt- 1985) RESPOSTA POSITIVA AUMENTO DA AUTOEFICÁCIA DIMINUIÇÃO DA PROBABILIDADE DE RECAÍDA SITUAÇÃO DE ALTO RISCO RESPOSTA NEGATIVA DIMINUIÇÃO DA AUTO- EFICÁCIA RESULTADO E EXPECTATIVAS POSITIVAS COMEÇO DO USO EFEITO DA VIOLAÇÃO DA ABSTINÊNCIA + EFEITOS CONTÍNUOS DA SUBSTÂNCIA AUMENTO DA PROBABILIDADE DE RECAÍDA Importância para o tratamento de usuários de drogas • Otimista: recaída não é = a fracasso! E não permissiva: deve-se aprender com experiência; • Além de dar uma boa explicação conceitual ao consumo, ensina de uma maneira prática como lidar com o problema; • O pensamento influencia o agir (é importante acreditar em si mesmo: auto-eficácia, Bandura) • Mais uma vez responsabiliza o sujeito e lhe dá o poder de mudar. • Trabalha com o indivíduo no seu meio social, onde está o problema. TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS PRECURSOR: PETER MONTI Uma abordagem de Prevenção de Recaída, que se baseia na premissa de que os pacientes podem desenvolver habilidades de enfrentamento para lidar com situações de alto risco que de outro modo poderiam levá-los a beber ou usar substâncias psicoativas. O terapeuta assume o papel de um guia, auxiliando o paciente a atingir a meta da abstinência. Treinamento de habilidades sociais • Baseada também na TCC, discute a teoria, ensina como aplicar na prática e confere resultados. • Auxilia usuários em um 3o momento, de lidar com questões do diaa-dia. • 2 etapas: – Avaliação: através de uma análise funcional: constatar a circunstância, emoções e comportamentos envolvidos antes, durante e depois do comportamento disfuncional, no inicio e no fim do tratamento, como avaliação – Treinamento em si: deixar de usar droga como solução e repensar outra formas de lidar com situações a principio que tenham a ver com droga e depois, gerais. • Aspectos que influenciam a mudança de comportamento: – Auto-eficácia (Bandura, 1977); – Motivação- só metade do caminho; – Compromisso; – Força de vontade. TREINAMENTO DE HABILIDADES DE ENFRENTAMENTO: • Já identificadas as SAR, o quanto antes intervir no que desencadeia a recaída melhor. • A maioria das SAR podem ser previstas.Outras aparecem de repente: EVITAR E ENFRENTAR. • Só falar como fazer, não adianta: exercitar o novo comportamento é o caminho (ex: bicicleta): - Modelagem (imaginar situações e o enfrentamento positivo) e/ou Ensaio da recaída: para situações mais específicas - “Dry run” (situação real); Importância para o tratamento de usuários de drogas • Aborda o indivíduo em um 2o momento, onde ele já está consciente do seu problema; • Ensina que o indivíduo pensa antes de agir (Ex: não existe ‘..qdo fui ver estava na boca..’) • Assim como na PR trabalha o conceito da autoeficácia • O indivíduo é que é o responsável por seus atos e não os outros; • É possível mudar forma de ser e atuar; • Dispondo de uma sequência de sessões, pode ser adaptada de acordo com o paciente. Mudanças no estilo de vida: 1. 2. • • • Avaliação da situação atual; Mudanças dos hábitos: ‘Adições’ positivas X negativas; Balanceamento entre querer e dever. Lidando com situações aparentemente irrelevantes (exemplos). 3. Lidando com o stress: através de exercícios físicos, relaxamento, meditação, atividades sociais, religião. Importância para o tratamento de usuários de drogas • Pessoas que consomem substâncias se vinculam muito aos relacionamentos e ‘programas’ de uso; • A maconha ter uma função na vida da pessoa que deve ser reparada; • Pode ficar um ‘vazio’ que precisa ser preenchido; • Uma vez afastado da droga, importante investir em uma vida saudável mas ao mesmo tempo agradável/estimulante o suficiente, refazendo rede social e atividades diárias. Abordagem Familiar Em que níveis? • Informando os familiares sobre os efeitos da droga; • Orientando na forma de lidar com o problema; • Capacitando os parentes a lidar com situações do dia-a-dia que podem afetar direta ou indiretamente o consumo de drogas (THS) (EX: dar e receber elogios); • Terapia familiar, já que mexer com o paciente afeta a ordem familiar. Importância para o tratamento de usuários de drogas Essencial envolver parentes pois: • História familiar (problemas psiquiátricos dos pais e morte precoce dos pais) é um fator de risco para inicio e evolução do uso de maconha; • Pode ser um fator mantenedor do usuário, que ocupa o lugar de ‘paciente identificado’ no contexto familiar; • Aspecto social/ limites e responsabilidades são assuntos essenciais para uso de maconha e que têm a ver com relação pais-filhos. Resumindo, as etapas a serem seguidas são: • Informar sobre a substância; • Motivar para a mudança/ tratamento, definindo objetivos; • Relacionar pensamentos aos comportamentos e emoções, mostrando poder do indivíduo sobre seus atos; • Identificar SAR; • Aprender a evitá-las e enfrentá-las; • Corrigir comportamentos disfuncionais relacionados 1à droga e 2- à vida em geral; • Reorganizar rotina e reinserir-se socialmente; • Ter apoio/ limites da família e estar ‘em sintonia’ com estes. Por que elaborar um tratamento específico para a maconha? • Aumento da procura na prática privada e no serviço; • Pessoas começando a usar mais cedo; • Pessoas aumentando o uso mais rápido; • Pessoas com intercorrências graves; • ‘Boom’ do assunto na literatura internacional; • Percepção de uma população com perfil e necessidades específicas; • Dados mostrando a relação entre especificidade de tratamento e grau de sucesso. Estudos sobre tratamento de maconha: Estudo N Stephens e Roffman 212 (1994) Stephens et al (2000) 291 Budney et al (2000) 60 Babor et al (in press) 450 Desenho 2 grupos: 1o- 10 sessões grupais de TCC 2o- 10 sessões grupais de apoio, baseadas nos 12 passos 3 grupos: 1o- 2 sessões individuais de avaliação individualizada e aconselhamento - BREVE 2o- 14 sessões em grupo de apoio e prevenção de recaída- LONGO 3o- grupo controle de espera 14 sessões em 3 grupos: 1o- EM, 2o- EM + TCC, 3o- EM + TCC+ voucher 3 grupos de terapia individual: 1o- 2 sessões de EM, 2o9 sessões de EM+TCC+ case management 3o- grupo controle de espera Resultado TCC= apoio Breve e longo> controle breve = longo Voucher > EM e EM+TCC EM= EM+TCC 9 sessões > 2 sessões e controle 2 e 9 sessões > controle *EM= terapia de base motivacional, TCC= terapia cognitiva comportamental O que se conclui sobre tratamentos: • Tamanho:Tratamentos breves são eficazes (Jungerman e Laranjeira, 1999); • No de sessões: depois de 4 sessões o paciente tende a se manter estável (Babor, in press); • Forma:Se a terapia é breve, deve ser individual (Budney, 2000) além da influência grupal ser nociva para jovens (Dishion, 1999); • Conteúdo: PR e EM são eficazes (Jungerman e Laranjeira, 1999) além do aspecto informativo; • Quanto mais específico o tratamento, mais sucesso (Stephens, 1993). Ambulatório de maconha • Baseado nestas evidências, montamos o ambulatório • Funciona desde Janeiro/ 2000, tendo passado mais de 300 pacientes desde então. • Equipe atual: coordenador, 5 terapeutas, médico e estagiários. UNIAD Ambulatório de Maconha Ambulatório de álcool Grupo de espera Grupo de tratamento Atendimento individual Grupo de THS Ambulatório de Cocaína e crack Atendimento familiar Atendimento médico Ambulatório de adolescentes Sobre os pacientes: De uma amostra de 275 pacientes: • Sexo: 89% são homens; • Estado civil: 81% são solteiros Encaminhamento Não consta informaçã o próprio outro mãe outro profissional internet justiça escola trabalho parente 50 42 40 30 23 20 16 13 Percent 10 5 0 Missing < ou =17 idade por faixa etaria 18 a 23 24 a 29 30 a 34 > ou = 35 Escolaridade não consta a informa superior completo ensino fundamental i ensino fundam. compl superior incompleto ensino médio incompl ensino medio complet 30 26 23 20 20 18 Percent 10 7 0 es tu da nt e de se m pr Situação de trabalho nã es es tra tu tu o t r ba d d co ab A a a 3 po l h 3 al ns e e o ho se t t ta e e i nf n m m a f eg t o or in rm traad tra ad m fo al boa ba al o rm lh lh a 70 60 59 50 40 30 20 Percent 19 14 10 0 5 Missing entre 13 e 17 > 12 acima de 23 entre 18 e 22 idade de inicio de uso por faixa etaria a rm fo in a ta ns co o os nã an 15 de a os im an ac 15 a 10 os de an 10 a 7 os de an 7 a 5 os de an 5 a 3 os o de an n 3 1a a a 1 es de es m 6 de 0 22 20 13 13 Tempo de consumo de maconha 16 16 4 5 Percent 30 10 9 1 a i rd po a rm fo in z ve ta ns co de as n di a os sem s do na to es z ve 5 a an m se Consumo de maconha no início do tratamento o nã s ai m é at de te en in st ab s ai fi n 7 4 5 0 31 30 13 10 Percent 50 40 39 20 10 55 50 o nã de 5 a i rd po a rm fo in z ve de a an m se as di a n os sem s do na to es z ve 1 ta ns co s ai m é at s ai fi n te en in st ab padrão tipico de consumo nos últimos 3 meses 6 5 0 9 8 Percent 60 40 30 20 18 10 40 40 s te en lv so a rm fo in a ta ns co o nã os en óg in uc s al acso inni mp í tzae fiea aond nz be k ac cr a/ ín ca co 8 o nã co ba ta ol co ál 3 0 Percent 50 30 29 20 17 Uso de outras substâncias, além da maconha, no início do tratamento CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS POR ORDEM DE INÍCIO 45 40 35 PORCENTAGEM (%) 30 25 20 15 10 5 0 prim eira segunda terceira quarta quinta TIPO DE SUBSTÂNCIA alcool maconha tabaco solventes cocaína & crack BDZ anfetaminas alucinógenos opiáceos outras não usou não consta 10 o nã ta ns co a a rm fo in a s j ud tro p-ia ou rtao i taeu un ceo m sdi ops co up em gr ão la aç i ta rn sp te in ho ão aç rn te in o nã l ria to to n la me bu ata amz tr fe 6 4 0 40 40 10 9 10 Percent 50 30 20 19 Outros tratamentos realizados anteriormente para dependência Seguimento do tratamento: • Seguimento com psiquiatra: 30% sim • Das medicações mais frequentemente utilizadas: 17% anti-depressivos • História forense associada ao consumo de maconha: 45% não, 24% abordado e detido, 20% advertido por policial, 5% detido devido a outro delito e 6% não consta informação. Fim do tratamento • Consumo de maconha no último encontro: 36,5% abstinentes • Terminaram tratamento? 24% sim, 20 % só vieram à triagem, 12% estão sendo atendidos, 41% não terminaram tratamento Sobre a família: • Consumo de maconha na família: 41% não tem; 14% têm irmãos usuários; • Conflitos na família devido ao uso de maconha: 65% relataram ter conflitos. Conclusões • Mudança de perfil ao longo dos anos • Consumo longo: mais de 50% há mais de 5 anos; • Padrão de uso no início intenso: mais de 50% mais de uma vez por dia, mas 30% abstinentes; • Consumo no fim do tratamento: se não abstinente (36,5%), diminuiu ou manteve, com poucos aumentando. Conclusões • Tendência de sequenciamento de uso de outras drogas; • Uso de álcool concomitante frequente; • História forense: 44% algum contato com polícia. • Evidências de comorbidade têm aumentado; • Por ser algo novo, ainda causa desconfiança! • Algo experimental, estamos pesquisando a ‘melhor’ forma de atender às necessidades dos pacientes e seus familiares; Conclusões • Experiência comprova dados de literatura: perfil, consumo, adesão, efetividade de tratamentos breves; • Quanto mais cedo intervir melhor; • Quanto mais ampla a abordagem melhor: no sentido de atender ao paciente no momento certo e de formas variadas; • Trabalho ainda no início, mais pesquisa é necessária; • Vale a pena investir em tratamento específico pois a população é diferente.