CURSO PARA CAPACITAÇÃO DE COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA/2005 Conceitos fundamentais BRAZ 1 O que é filosofia? Filosofia como um discurso admirado/espantado do mundo (Platão e Aristóteles) • Filosofia é uma palavra derivada do grego que significa "amor pela sabedoria" (filos / sophos). • O "filósofo" como "amigo da sabedoria". O filósofo é, portanto, concebido como aquele que busca o conhecimento puro e não se deixa corromper por sistemas pré-estabelecidos Olhar o que é banal ou que se está acostumado e estranhar/questionar BRAZ 2 Disciplinas que compõem a filosofia 1 - Metafísica - concebida como o estudo da natureza, da realidade em seus aspectos mais gerais, na medida em que se pode fazê-lo. Lida com questões do seguinte tipo: • De que modo a matéria se relaciona com o espírito? Qual dos dois é anterior? • São os homens livres? • 0 que chamamos de eu (self) é uma substância ou apenas uma seqüência de experiências? • É o universo infinito? Deus existe? Até que ponto o universo é uma unidade ou uma diversidade? • Até que ponto um sistema é racional? BRAZ 3 Disciplinas que compõem a filosofia 2 - Filosofia crítica trata da investigação da natureza e dos critérios de verdade, assim como da maneira pela qual obtemos conhecimento. É chamada de epistemologia (teoria do conhecimento). Questões específicas desse campo são, entre outras, as seguintes: • Como podemos definir a verdade? • Qual a distinção entre conhecimento e crença? • Podemos estar certos daquilo que sabemos? • Quais as funções relativas do raciocínio, da intuição e da experiência sensorial? BRAZ 4 Disciplinas que compõem a filosofia Disciplinas suplementares, que possuem certa afinidade com a filosofia , embora dela sejam distintas na medida em que são dotadas de relativa autonomia. São elas: • Lógica - um estudo dos diferentes tipos de proposições e de suas relações que justificam uma inferência. • Ética ou Filosofia Moral - estuda os valores e a problemática do "dever". Questões: Qual o bem supremo? Qual a definição de bem? A retidão de um ato depende unicamente de suas conseqüências? BRAZ 5 Disciplinas que compõem a filosofia Filosofia política - aplicação da filosofia (da ética principalmente) à questões relacionadas com os indivíduos organizados sob a égide de um Estado. Investiga: Um indivíduo possui direitos que contrariam os interesses do Estado? Há no Estado algo mais além dos indivíduos que o constituem? É a democracia a melhor forma de governo? Estética - aplicação da filosofia ao exame da arte e da noção de beleza. Questões: A beleza é objetiva ou subjetiva? Qual é a função da arte? Para que aspectos de nossa natureza apelam as diversas formas de beleza? BRAZ 6 Ética ou filosofia moral “Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades fortemente hierarquizadas e com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem até mesmo possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de uma classe social.”(Marilena Chaui) No Ocidente, a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates. BRAZ 7 Sócrates perguntava aos atenienses, jovens ou velhos, o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir. O que é a coragem? O que é a justiça? O que é a piedade? O que é a amizade? Resposta: virtudes. Sócrates: O que é a virtude? Resposta: É agir em conformidade com o bem. Sócrates : Que é o bem? Os atenienses respondiam sem pensar no que diziam. Repetiam o que lhes fora ensinado desde a infância e, assim, uma pergunta recebeia respostas diferentes e contraditórias. Após um certo tempo de conversa com Sócrates, um ateniense via-se diante de duas alternativas: ou zangar-se e ir embora irritado, ou reconhecer que não sabia o que imaginava saber. BRAZ 8 Por que os atenienses sentiam-se embaraçados / irritados com as perguntas socráticas? Por dois motivos : • 1º, por perceberem que confundiam valores morais com os fatos constatáveis em sua vida cotidiana (diziam, por exemplo, “Coragem é o que fez fulano na guerra contra os persas”); • 2º, porque, inversamente, tomavam os fatos da vida cotidiana como se fossem valores morais evidentes (diziam, por exemplo, “É certo fazer tal ação, porque meus antepassados a fizeram e meus parentes a fazem”). Em resumo, confundiam fatos e valores, pois ignoravam as causas ou razões por que valorizavam certas coisas, certas pessoas ou certas ações e desprezavam outras (Marilena Chaui) BRAZ 9 Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos educa para respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos por ela como bons e, portanto, como obrigações e deveres. Dessa maneira, valores e maneiras parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e intemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde o nosso nascimento: somos recompensados quando os seguimos, punidos quando os transgredimos. BRAZ 10 • Como e por que sabiam que uma conduta era boa ou má, virtuosa ou viciosa? Por que, por exemplo, a coragem era considerada virtude e a covardia, vício? • Os costumes, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido da sociedade em que vivemos, são considerados inquestionáveis e quase sagrados (as religiões). • A palavra costume se diz, em grego, ethos – donde, ética – e, em latim, mores – donde, moral. • Ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros. Sócrates indagava o que eram, de onde vinham, o que valiam tais costumes. BRAZ 11 Origem e razão de ser da ética De onde provém a ética? Duas perguntas distintas: (a) sobre um fato (problema empírico); (b) sobre a autoridade/legitimidade da ética (problema teórico). BRAZ 12 Ética e Moral Sinônimos, devido à presença dos costumes nos comportamentos individuais; ethiké, ethos; moralis, mos (mores). Ambas designam o mesmo objeto: o costume e o hábito. Moral como limitação, ética como possibilidade; moral como algo vindo de fora, ética como algo vindo de dentro. BRAZ 13 • Os termos Ética e Moral são por vezes usados indistintamente, sendo mesmo equivalentes em numerosos textos. • Tal indistinção apoia-se na identificação do significado etimológico das duas palavras -- da Ethos dos gregos e do vocábulo latino mos (costume/hábito). • A distinção, no entanto, pode fazer-se referindo a moral à prática concreta dos homens como membros de uma dada sociedade, com condicionalismos diversos e específicos - enquanto a ética é a reflexão sobre essas práticas. • A Ética supõe a sua justificação filosófica, a sua explicação racional, a sua fundamentação. BRAZ 14 Definições de Ética Ética (ethike), ou tematização do ethos “Ciência da moral”; “Filosofia moral”; “Estudo dos valores e das normas que regulam a conduta e a interação dos humanos”; “Parte da filosofia que trata da moral e das obrigações do homem”; “Reflexão sobre os atos humanos que se relacionam com o Bem”. BRAZ 15 Ética procede de ethos, que recebe duas grafias: 1) Êthos: “guarita para proteger os animais” (Homero), [sentido de proteção] 2) Êthos: sentido dos costumes estabelecidos (os valores éticos ou morais da coletividade, transmitidos de geração a geração). Significado mais amplo e rico: o de lugar ou pátria onde habitualmente se vive e o caráter habitual (ou maneira de ser ou até forma de pensar) da pessoa. 3) Éthos: “conduta” no sentido de destino do Homem (daimon) (Sócrates). Entendidos, com uma certa superficialidade, como maneira exterior de comportamento. BRAZ 16 “Ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade duas interrogações. Por um lado, interroga a sociedade para saber se o que ela costuma (êthos) considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os indivíduos para saber se, ao agir, possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou sua índole (éthos) são realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e ao indivíduo” (Chaui). BRAZ 17 DOIS TIPOS DE ABORDAGEM: A ANTIGA E A MODERNA Pela questão que expressa a exigência moral: A) A antiga: “como ‘devo’ viver para atingir a eudaimonía (bem viver)?” B) A moderna: “que devo fazer?” Pelo critério moral: A) A antiga: eudaimonia e arete (ponto de excelência) B) A moderna: o dever Pela prioridade moral: A) A antiga: o Bem B) A moderna: o Justo BRAZ 18 A resposta à questão antiga Como ‘devo’ viver para atingir o bem viver, o ponto de excelência, isto é o Bem Ação efetiva do universo dos fins sobre o mundo humano, os quais podem ser modelos ideais transcendentes (Platão: o Bem ideal) Para conhecer os fins dos humanos basta observar suas práticas efetivas, nas quais os fins agem por atração indicando o caminho da excelência, situada medianamente entre os excessos e os defeitos (Aristóteles). BRAZ 19 Na ética antiga decisões e regras devem responder à ‘natureza humana’, permitindo que os humanos se relacionem entre si e com a natureza (harmonia antropocósmica), logo que ordenem sua vida interior (harmonia espiritual ou da alma). BRAZ 20 A Resposta à questão moderna Desligado de qualquer finalidade (heterônoma) e laço natural, o sujeito moral moderno conhece somente uma lei: a sua (autonomia). Generalizando: deve-se porque se deve é um princípio de moral laica O sujeito moderno deve inventar a moral, o direito e a justiça a partir de suas forças próprias. Caráter negativo da lei: afirma o que não deve ser feito, não o conteúdo do bem, logo não ajuda muito a escolher. BRAZ 21 • O fundamental na eudaimonía grega é o Bem, que é também o objeto do desejo ‘justo’ (o que se deve fazer para obter o que se quer). A cidade ‘justa’ é condição do bem viver • O fundamental na ética moderna é a Justiça, ou respeito incondicional da lei por parte de todos os agentes morais, independentemente de ser ou não contrária a seus interesses e desejos. BRAZ 22 • A relação da virtude com o Bem do agente é de inclusão: praticar a virtude faz parte da eudaimonía, é condição do telos de todo ser humano. ( teleologia) • A moral moderna é deontológica: o bem é objeto do desejo justo guiado pela vontade boa (gutes Wille) que indica a lei moral BRAZ 23 Algumas concepções da ética moderna Para Hobbes a ética se funda no egoísmo individual e reconhece o contrato social como meio capaz de evitar a guerra de todos contra todos Para Locke a ética se funda no contrato social, mas o indivíduo tem também direitos inalienáveis Para Hume a ética se funda nos sentimentos de aprovação e reprovação, os quais nos impulsionam a agir (o que não é o caso da razão) BRAZ 24 • Para Kant a ética se funda na autonomia racional, que implica a validade universal dos princípios morais para evitar contradições e injustiça • Para Hegel, contrário ao formalismo abstrato de Kant, o fundamento está na concretude das instituições • Para Bentham o fundamento é o cálculo conseqüencialista da utilidade BRAZ 25 Ética Antiga e Ética Moderna podem ser distintas pela (a) questão, pelo (b) critério e pela (c) prioridade: (a) Como ser feliz? X Como devo agir? (b) Bem Viver x Dever (c) Bem x Justo BRAZ 26 Saber Teórica, saber prático Se devemos a Sócrates o início da filosofia moral, devemos a Aristóteles a distinção entre saber teórico e saber prático. O saber teórico é o conhecimento de seres e fatos que existem e agem independentemente de nós e sem nossa intervenção ou interferência. Temos conhecimento teórico da Natureza. O saber prático é o conhecimento daquilo que só existe como conseqüência de nossa ação e, portanto, depende de nós. A ética é um saber prático. O saber prático, por seu turno, distingue-se de acordo com a prática, considerada como práxis ou como técnica. A ética refere-se à práxis. BRAZ 27 Fato - Valor Na práxis, o agente, a ação e a finalidade do agir são inseparáveis. Na práxis ética somos aquilo que fazemos e o que fazemos é a finalidade boa ou virtuosa. Ao contrário, na técnica, diz Aristóteles, o agente, a ação e a finalidade da ação estão separados, sendo independentes uns dos outros. Um carpinteiro, por exemplo, ao fazer uma mesa, realiza uma ação técnica, mas ele próprio não é essa ação nem é a mesa produzida pela ação. A técnica tem como finalidade a fabricação de alguma coisa diferente do agente e da ação fabricadora. Dessa maneira, Aristóteles distingue a ética e a técnica como práticas que diferem pelo modo de relação do agente com a ação e com a finalidade da ação. BRAZ 28 Fato - Valor LEI DE HUME • O traço mais profundo e mais perturbador de nossa época é a dissociação de fato e valor, ser e dever ser, ou física e ética, conhecimento da realidade e atribuição de sentido à vida. • Não podemos derivar “dever” de “ser”. BRAZ 29 Falácia Naturalista - G. E. Moore A 'falácia naturalista' é cometida por qualquer teoria que procure definir a ética em termos naturalistas. A ética tem a ver com o que é bom ou correto, isto é, com o que deve ser . As teorias naturalistas identificam bondade ou correção com as propriedades 'naturais' das coisas, isto é, com fatos acerca do que é o caso. Mas isto é sempre um erro. Portanto, a falácia naturalista é a falácia de confundir o que deve ser o caso com o que é o caso. A teoria de Spencer constitui um exemplo. Spencer sustenta que 'boa conduta é o mesmo que 'conduta relativamente mais evoluída'. O 'bem' e 'relativamente mais evoluído' são noções bastante diferentes. Se algo é bom é uma questão de avaliação; enquanto que se algo é relativamente mais evoluído é uma questão de fato. As duas não são a BRAZ 30 mesma coisa. ARISTOTELISMO (síntese da ética antiga) A ética antiga afirma três grandes princípios da vida moral: 1. por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa; 2. a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na natureza de todo ser humano; 3. a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser humano. Saber o que está em nosso poder significa, principalmente, não se deixar arrastar pelas circunstâncias, nem pelos instintos, nem por uma vontade alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de autodeterminação. (Chaui) BRAZ 31 O sujeito ético ou moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos desejos de um outro, à tirania das paixões, mas obedece apenas à sua consciência – que conhece o bem e as virtudes – e à sua vontade racional – que conhece os meios adequados para chegar aos fins morais. A busca do bem e da felicidade são a essência da vida ética. Os filósofos antigos (gregos e romanos) consideravam a vida ética transcorrendo como um embate contínuo entre nossos apetites e desejos – as paixões – e nossa razão. Por natureza, somos passionais e a tarefa primeira da ética é a educação de nosso caráter ou de nossa natureza, para seguirmos a orientação da razão. A vontade possuía um lugar fundamental nessa educação, pois era ela que deveria ser fortalecida para permitir que a razão controlasse e dominasse as paixões. BRAZ 32 Cristianismo e Renascença • A filosofia moral distancia-se dos princípios teleológicos, teológicos e da fundamentação religiosa da ética e a idéia do dever permanecerá como uma das marcas principais da concepção ética ocidental. Com isso, a filosofia moral passou a distinguir três tipos fundamentais de conduta: 1. a conduta moral ou ética, que se realiza de acordo com as normas e as regras impostas pelo dever; 2. a conduta imoral ou antiética, que se realiza contrariando as normas e as regras fixadas pelo dever; 3. a conduta indiferente à moral, quando agimos em situações que não são definidas pelo bem e pelo mal, e nas quais não se impõem as normas e as regras do dever. BRAZ 33 Cristianismo e Renascença Juntamente com a idéia do dever, a moral cristã introduziu uma outra, também decisiva na constituição da moralidade ocidental: a idéia de intenção. O dever não se refere apenas às ações visíveis, mas também às intenções invisíveis, que passam a ser julgadas eticamente. Eis por que um cristão, quando se confessa, obriga-se a confessar pecados cometidos por atos, palavras e intenções. Sua alma, invisível, tem o testemunho do olhar de Deus, que a julga. BRAZ 34 Cristianismo e Renascença O cristianismo introduz a idéia do dever para resolver um problema ético, qual seja, oferecer um caminho seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca, sente-se dividida entre o bem e o mal. No entanto, essa idéia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele que encontra em sua consciência (vontade, razão, coração) as normas da conduta virtuosa, submetendo-se apenas ao bem, jamais submetendo-se a poderes externos à consciência, como falar em comportamento ético por dever? Em outras palavras, se a ética exige um sujeito autônomo, a idéia de dever não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós? BRAZ 35 MODERNIDADE Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos. O dever simplesmente nos força a recordar nossa natureza originária e, portanto, só em aparência é imposição exterior. Obedecendo ao dever (à lei divina inscrita em nosso coração), estamos obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções e não à nossa razão, pois esta é responsável pela sociedade egoísta e perversa (solução de Rousseau). BRAZ 36 KANT Outra resposta, também no final do século XVIII, foi trazida por Kant. Opondo-se à “moral do coração” de Rousseau, Kant volta a afirmar o papel da razão na ética. Não existe bondade natural. Por natureza somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais. BRAZ 37 KANT A exposição kantiana parte de duas distinções: 1. a distinção entre razão pura teórica ou especulativa e razão pura prática; 2. a distinção entre ação por causalidade ou necessidade e ação por finalidade ou liberdade. BRAZ 38 KANT Razão pura teórica e prática são universais, isto é, as mesmas para todos os homens em todos os tempos e lugares – podem variar no tempo e no espaço os conteúdos dos conhecimentos e das ações, mas as formas da atividade racional de conhecimento e da ação são universais. A diferença entre razão teórica e prática encontra-se em seus objetos. A razão teórica ou especulativa tem como matéria ou conteúdo a realidade exterior a nós, um sistema de objetos que opera segundo leis necessárias de causa e efeito, independentes de nossa intervenção; a razão prática não contempla uma causalidade externa necessária, mas cria sua própria realidade, na qual se exerce. Essa diferença decorre da distinção entre necessidade e finalidade/liberdade. BRAZ 39 KANT A Natureza é o reino da necessidade, isto é, de acontecimentos regidos por seqüências necessárias de causa e efeito – é o reino da física, da astronomia, da química, da psicologia. Há também o reino humano da práxis, no qual as ações são realizadas racionalmente não por necessidade causal, mas por finalidade e liberdade. A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se a razão prática tem o poder para criar normas e fins morais, tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição que a razão prática faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. Este, portanto, longe de ser uma imposição externa feita à nossa vontade e à nossa consciência, é a expressão da lei moral em nós, manifestação mais alta da humanidade em nós. BRAZ 40 KANT Visto que apetites, impulsos, desejos, tendências, comportamentos naturais costumam ser muito mais fortes do que a razão, a razão prática e a verdadeira liberdade precisam dobrar nossa parte natural e impor-nos nosso ser moral. Elas o fazem obrigando-nos a passar das motivações do interesse para o dever. Para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de sermos livres. BRAZ 41 KANTISMO (síntese da ética moderna) • • • • O Dever (sollen) é obediência à lei interior Está inscrito na ‘boa vontade’ (das gute Wille) É produto do exercício da autonomia Independe da heteronomía (felicidade e interesses) • É categórico universal • A Justiça é o respeito incondicional de todos os agentes morais à Lei A Ética Kantiana é meramente deontológica. BRAZ 42 CRISE E ACABAMENTO DA MODERNIDADE O imperativo universal do dever: • Age sempre como se a máxima de tua vontade devera tornar-se também o princípio de uma lei universal O imperativo prático: • Age de tal modo que possas tratar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, nunca somente como mero meio mas sempre também como um fim BRAZ 43 A CAIXA DE FERRAMENTAS DA ÉTICA FILOSÓFICA • • • • Eudemonismo Deontologia Conseqüencialismo Relativismo BRAZ 44 EUDEMONISMO: Bem, Virtudes, cidadania • O Bem (‘fim em si mesmo’) é aonde todo ser humano racional tende, ao atualizar suas potencialidades através do exercício de sua autarquia e tendo em vista sua ‘felicidade’ (‘a melhor, mais nobre e mais agradável coisa do mundo’ – Aristóteles) • As virtudes consistem no exercício racional e habitual das preferências que levam ao Bem, i.e. dos meios mais adequados (comedidos, ponderados) para realizar a vida feliz O campo de aplicação é o cidadão da polis. BRAZ 45 DEONTOLOGIA: o Dever absoluto e universal • Preocupa-se em estabelecer regras claras e invariáveis, inerentes a todo ser humano racional, que se expressam no exercício da vontade autonômica e são independentes do contexto (sociedade, metas) • Os atos só são legítimos se forem regidos por uma máxima que pretende ser válida para todos (universalismo) e em qualquer circunstância (imperativo categórico kantiano) • Em qualquer ato o ser humano deve ser sempre respeitado como um fim, nunca como mero meio. O campo de aplicação é a moralidade do agente BRAZ 46 CONSEQUENCIALISMO: o Útil e a Interação • Considera as situações reais e pondera os resultados possíveis e prováveis, privilegiando as decisões que produzam o máximo bem e evitem o máximo dano evitável • A variante utilitarista visa o máximo bem para o maior número de indivíduos • A variante pragmática não reconhece leis morais absolutas e universais, nem valores abstratos, destaca as ações que favorecem a interação social e otimizem a relação entre fins e meios. • O campo de aplicação é a moralidade do ato BRAZ 47 RELATIVISMO • Recusa qualquer absolutismo doutrinário e universalismo formal, defendendo o relativismo cultural • Considera que cada situação é particular (ética situacional), a inevitável característica de conflitividade (ética dos conflitos) e a necessidade de dar conta da multiplicidade de aspectos envolvidos pelas decisões morais (ética narrativa) • Aceita posturas éticas contraditórias entre si (tolerância). O campo de aplicação é o contexto de ação do agente e do ato BRAZ 48 FIM BRAZ 49