Conscientização da sociedade é essencial para controle da leishmaniose Mesmo com tratamento disponível na rede do SUS, controle da doença depende de medidas individuais de proteção Proteger-se da picada dos insetos flebotomíneos, conhecidos popularmente como mosquito-palha, pode ser mais importante do que parece. Isso porque esse inseto é responsável pela transmissão da leishmaniose, doença que se manifesta de duas formas no homem e pode levar à morte. De acordo com dados de 2003 do Ministério da Saúde, são registrados por ano no Brasil cerca de 33 mil casos da leishmaniose em sua forma tegumentar e 3.700 da visceral, sua manifestação mais grave. Para diminuir esses índices, o governo vem intensificando as ações de controle da doença no País. Nesse sentido, uma das principais armas usadas é a promoção de atividades educativas junto à população. "A conscientização da população no trabalho de controle da doença é essencial e está diretamente ligada à exposição do homem ao ambiente natural do inseto transmissor", observa a coordenadora do Programa de Leishmaniose da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Ana Nilce Maia Elkhoury. No caso da leishmaniose em sua forma tegumentar, conhecida também como "ferida brava", a transmissão é silvestre. Ou seja, é o homem que adentra as matas, florestas e áreas rurais, expondo-se ao meio natural do ciclo da doença. Para evitar a contaminação pelo parasita responsável por essa forma da leishmaniose, o Ministério da Saúde orienta a população a adotar medidas individuais como evitar a exposição à mata entre o entardecer e o amanhecer, horários considerados de pico do vetor. "O problema é que essas medidas são difíceis de serem trabalhadas em uma população rural e não há como assegurar o cumprimento delas", ressalta Ana Nilce. Já em relação à leishmaniose visceral, a transmissão encontra-se em um processo de urbanização. "No início, a leishmaniose visceral era considerada rural. Só que hoje ela já atinge grandes metrópoles; inclusive já foi possível detectar surtos da doença em Campo Grande, Belo Horizonte, Teresina e Araçatuba", afirma a coordenadora. Nesse caso, o Ministério também esclarece a população sobre a importância da proteção individual, como uso de repelentes e de mosquiteiro na hora de dormir. "As pessoas precisam estar atentas a esses cuidados, pois o vetor responsável pela transmissão da leishmaniose visceral encontra-se, em sua grande maioria, no intradomicílio", explica Ana Nilce. "Como medida de controle, buscamos reduzir o contato do homem com o vetor. Em lugares onde a vigilância epidemiológica e entomológica é indicada, esse controle é feito por meio de borrifação no interior das residências, com aplicação nas paredes, do teto até embaixo", acrescenta. Além da borrifação, o trabalho de vigilância do Ministério da Saúde em relação à leishmaniose visceral inclui a eliminação de cachorros infectados – o cão serve de reservatório para o parasita causador da doença. A coordenadora explica que, nesses casos, primeiro é feito um levantamento por meio de exame sorológico para detectar os cães infectados. Então, eliminam-se os que apresentaram resultado positivo no exame. Assim, é quebrada a cadeia de transmissão. "A meta do Ministério é diminuir a incidência da doença e reduzir os óbitos, pois, por ser de transmissão vetorial, a leishmaniose dificilmente será eliminada. Além de atuar sobre os riscos de transmissão, o trabalho de controle prevê ações que envolvem diagnóstico precoce e tratamento", afirma a coordenadora. Ela acrescenta que o desenvolvimento de atividades educativas junto às comunidades é feito de forma integrada para garantir a efetividade das ações. Tratamento – Hoje, o principal medicamento usado no tratamento das duas formas de leishmaniose é o antimoniato de N-metil glucamina. A única diferença está na dosagem e no período de utilização do remédio. O medicamento é disponibilizado para os pacientes em toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde adquire, anualmente, cerca de 3,5 milhões de ampolas do antimoniato de N-metil glucamina. Ao todo, são investidos R$ 12 milhões por ano só na compra desse medicamento, que é o de primeira escolha no tratamento da leishmaniose. Para o controle da doença, o ministério também disponibiliza inseticida para as secretarias estaduais de Saúde realizarem o controle químico. Diagnóstico da doença pode ser feito na rede do SUS Após a picada do inseto flebotomíneo, o parasita causador da leishmaniose entra no organismo do homem e provoca a forma tegumentar ou visceral da doença. Embora suas manifestações sejam diferentes, os diagnósticos dos dois tipos são realizados de maneiras semelhantes. "Os dois são feitos por exames imunológicos e parasitológicos. Para detectar a leishmaniose tegumentar, o exame utilizado é o chamado Intradermorreação de Montenegro (IRM) e, para a visceral, é preciso fazer uma imunoflorescência (IFI)", explica a coordenadora do Programa de Leishmaniose da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Ana Nilce Maia Elkhoury. Os exames necessários para obter o diagnóstico da doença estão disponíveis na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Com a realização desses exames, verifica-se se o paciente entrou em contato com o parasita causador da doença. "O simples exame não indica a doença, mas a infecção. Para o diagnóstico correto, a pessoa precisa apresentar os sinais clínicos", afirma a coordenadora. No caso da leishmaniose tegumentar, a doença pode atingir principalmente a mucosa nasal ou afetar qualquer parte do corpo onde o inseto pica. A manifestação começa com uma lesão clássica – em forma de moldura, indolor e com o fundo granuloso. "Geralmente, esses sintomas aparecem cerca de dois a três meses após a picada do inseto, o que pode variar dependendo do organismo da pessoa", ressalta Ana Nilce. Já os principais sinais clínicos da visceral são febre e aumento do baço (esplenomegalia), atingindo também o fígado e a medula. Seu período de incubação também varia de dois a três meses. A leishmaniose visceral é considerada a forma mais grave da doença. Cerca de 90% dos casos que não são tratados evoluem para óbito. "A doença leva o organismo a uma deficiência imunológica, com quadro infeccioso e processos hemorrágicos que podem provocar a morte. Ou seja, quem mata não é o parasita, mas as infecções e os processos hemorrágicos", explica Ana Nilce. "Hoje, a letalidade da leishmaniose visceral no Brasil é em torno de 8%, o correspondente a uma média de 230 óbitos por ano", acrescenta. Segundo dados do Ministério da Saúde, dos mais de 1.500 municípios que são considerados áreas de transmissão da doença no País, 307 são de transmissão – moderada ou intensa – para leishmaniose visceral. A coordenadora conta que existem casos desse tipo de leishmaniose registrados em 19 estados do Brasil. As exceções são a região Sul, o Distrito Federal e três estados do Norte (Acre, Rondônia e Amapá). "Nos demais estados, temos uma média de 3.700 casos por ano, sendo que a região Nordeste responde por cerca de 65% deles", destaca Ana Nilce. Em relação à leishmaniose tegumentar, existem registros de casos nas 27 unidades federadas, sendo as regiões Norte e Sudeste as que apresentam o maior número de notificações da doença. Por ano, é verificada uma média de 33 mil casos. A região Sul é a que tem menor número de registros: são aproximadamente mil por ano. Nas áreas consideradas de transmissão intensa e moderada da doença – acima de 2,4 casos em média nos municípios nos últimos cinco anos –, o ministério realiza o controle químico programado na época das chuvas. São realizadas aplicações de inseticidas dentro e fora das casas, assim como em abrigos de animais próximos a essas residências. Essa atividade é feita duas vezes ao ano e é importante que a população permita a aplicação do inseticida em suas residências, pois é a forma mais efetiva de eliminar o vetor transmissor. "Em todo caso, as pessoas precisam estar atentas ao aparecimento de sintomas da doença e, caso isso ocorra, devem procurar uma unidade de saúde para diagnóstico e tratamento", orienta Ana Nilce.